Caixa de Pássaros é um filme original Netflix baseado na obra escrita por Josh Malerman em 2014. Dirigido por Susanne Bier (Serena), roteirizado por Eric Heisserer (A Chegada) e estrelado por Sandra Bullock, Trevante Rhodes, Jacki Weaver, Rosa Salazar, Danielle Macdonald, Lil Rel Howery, Tom Hollander, BD Wong, Sarah Paulson, Colson Baker e John Malkovich.
O longa nos leva para um mundo pós-apocalíptico onde Malorie (Sandra Bullock) e seus dois filhos buscam refúgio atravessando um rio em um barco. Em todos os momentos eles precisam ficar com os olhos vendados, porque com um simples olhar as pessoas ficam extremamente violentas sendo levadas a cometerem suicídios.
Eu fiquei bastante empolgado quando comecei acompanhar o anúncio do filme, juntamente com os trailers e até os cartazes expostos nos relógios da cidade. Tudo me levava a acreditar que poderia ser um ótimo thriller de terror e suspense, e lendo a sinopse esse fato ficava cada vez mais em evidência. O longa tem uma premissa muito boa, já começa despertando a nossa curiosidade e nos instigando a querer respostas sobre o que de fato está acontecendo, tinha todos os ingredientes necessários para se tornar um ótimo filme e tinha tudo para dar certo, porém não deu.
Eu não li o livro e pelo o que eu vi em alguns comentários, o livro parece ser melhor que o filme (ou talvez não), e de certa forma eu já esperava por isso. Assim como no filme "Serena", me parece que a diretora Susanne Bier não é muito boa com adaptações. Bird Box cria um clima interessante para sua história, nos conduz para um ambiente intrigante, cuja fotografia funciona com perfeição sobre uma floresta acinzentada e densa pela névoa. E assim como no ótimo filme "Um Lugar Silencioso", que não se podia fazer barulhos, aqui não se pode olhar, dessa forma que o roteiro cria um situação bastante interessante, aguçando a audição e o tato, ou seja, as únicas armas para a sobrevivência.
Assistindo Bird Box fica impossível não associá-lo com o péssimo filme do Shyamalan "Fim dos Tempos", onde também aconteciam mortes gratuitas pra tentar impactar o público. O fato de não ter uma explicação plausível sobre o que aconteceu no planeta e o que, ou quem leva as pessoas a cometerem tais atos não me incomodou, mas não me entregou o que eu esperava. O filme parte do nada para lugar nenhum, sem falar que todo clímax se perde ao ficar entrando em constantes flashbacks pra tentar explicar toda história. Foi algo que me incomodou e subestimou a minha inteligência, sem falar que todo elenco foi reunido e jogados dentro daquela casa pra simplesmente morrerem, totalmente clichê.
O roteiro de Eric Heisserer é mastigado demais, explicadinho demais, de certa forma até sem necessidades. É outro ponto que Susanne Bier falha, ao tentar se explicar toda hora, muita das vezes até repetindo cenas e falas, como se ela e o roteirista duvidassem da nossa capacidade de inteligência, nos tirando a graça da surpresa. Podemos associar como se aquelas criaturas (ou o que quer que seja) fossem algum tipo de alegorias a algum problema pelo qual as pessoas estavam passando no momento, como a depressão, ou alguma outra do tipo. Mas feito de uma forma muita vaga, muito rasa, sem coesão, sem nos fazer se importar com as mortes, sem criarmos empatia por ninguém, nem mesmo a própria Sandra Bullock consegue arrancar esses sentimentos de nós.
Outro ponto que me incomodou demais em Bird Box foi o elenco, completamente e totalmente desnecessário! E olha que temos ótimos nomes, mas nenhum faz diferença, sendo que todos foram jogados lá para unicamente morrerem, como se por algum motivo isso fosse nos impressionar. Temos a Sarah Paulson, uma ótima atriz que nos entregou uma atuação estupenda em "12 Anos de Escravidão", mas aqui ela é totalmente mal aproveitada, totalmente aleatória, sem falar que o tempo de tela dela foi o que mais me impressionou. O grande John Malkovich é outro que chega a ser cômico a sua participação em Bird Box, sem necessidade nenhuma, outro completamente mal aproveitado. Assim como a Jacki Weaver, o Lil Rel Howery, a Danielle Macdonald e até o rapper americano Machine Gun Kelly, todos mal aproveitados e mal escritos por culpa do péssimo roteiro. Talvez o único que conseguiu levar seu personagem mais adiante, criando até um certo vínculo com a Sandra Bullock, foi o ator Trevante Rhodes (Moonlight: Sob a Luz do Luar), mas também não podemos esperar grandes coisas.
Sandra Bullock está bastante esforçada no filme, podemos ver o quanto ela se doa para a sua personagem, em até certo ponto fica muito interessante, ela consegue nos entregar uma boa atuação. Contracenar com crianças de 5 anos e em grande parte do tempo com os olhos vendados não deve ser fácil, ainda mais tendo que tomar uma postura mais rígida e mais dura em algumas cenas. Como a própria Sandra Bullock destacou em entrevistas em sua recente passagem pelo Brasil, colocando a sua própria experiência como mãe de duas crianças pequenas. Na minha opinião Sandra Bullock entrega um bom trabalho, nada fora do comum, ou surpreendente, algo que já não tenhamos visto, mas é a única que ainda se salva. Sem falar nas duas crianças fofas, que sim, por elas criamos empatia e torcemos o tempo todo.
Mais uma vez eu me decepciono com um filme da Susanne Bier, acho que criei expectativas demais e no final o que sobrou não foi o resultado esperado. Sem falar que o próprio final do filme é outro ponto controverso, não gostei da forma tão otimista e amorosa como foi entregue - tantas mortes pra nada?! [22/12/2018] --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- ⚠ TEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME ⚠
Bem, na época em que escrevi este texto acima eu não tinha lido o livro e toda minha opinião foi unicamente baseada no filme.
Revendo o filme hoje e já ter lido o livro, minha opinião mudou em partes:
Sobre o livro: É impressionante como a história é boa, é bem narrada, é muito envolvente, com uma leitura gostosa, fluida, que te prende em cada página aguçando a sua vontade de ir cada vez mais além. Naturalmente eu já conhecia a história (ou a forma como ela foi adaptada), mas nem por isso a própria história soa desinteressante. Muito pelo contrário, o mistério está muito bem presente, assim como o suspense, o medo, a agonia, a angustia, pois sofremos juntos da Malorie tudo que ela passa e enfrenta em sua verdadeira jornada em busca de sobrevivência em um mudo caótico e totalmente desconhecido.
Sobre a adaptação cinematográfica: O filme obviamente é adaptado do livro de Josh Malerman, tem ali a sua essência, a sua ideia, a sua premissa, porém o filme segue por um outro caminho, modificando grande parte da história em relação ao livro.
Muita coisa (muita mesmo) do livro foi deixado de fora, o que naturalmente sempre acontece na maioria das adaptações. Porém, o que me incomodou é que o filme usa muito a sua liberdade criativa e modifica pontos cruciais da história em relação ao livro. Nesse ponto eu discordo veementemente dos responsáveis pela adaptação, porque uma coisa é você usar a sua liberdade criativa e modificar alguns pontos durante a história, outra coisa é você mudar a trajetória da história, de alguns personagens, retirar personagens que no livro é extremamente importante no contexto, e foi tudo isso que aconteceu aqui.
O personagem Dom, que no livro é extremamente importante na virada da história em relação ao Gary (Tom Hollander), no filme ele simplesmente não existe, o Gary tem as suas próprias atitudes e decisões. Aqui eu já considero um erro grotesco na adaptação. O caso do personagem Douglas (John Malkovich), que no filme ele está vivo o tempo todo dentro da casa, tirando assim o grande impacto que a sua história teria sobre os sobreviventes que ali estavam, já que no livro ele já estava morto e tinha toda uma história por trás. O Gary mesmo é totalmente diferente do livro, seu personagem no filme não faz o menor sentido, pois ficou faltando a explicação do porque ele agia daquela forma, já que no livro isso tudo é muito bem explicado.
A parte final em que o Tom (Trevante Rhodes) sobrevive e segue com a Malorie e as crianças não existe no livro, ele é morto na casa junto com os outros. Esta parte foi umas das várias mudanças em relação ao livro, porém aqui eu já achei interessante, pois deu mais coragem e ambição para a Malorie seguir acreditando na possível sobrevivência com as crianças.
Outro ponto: No meu texto acima eu tinha mencionado o elenco estrelado que foram mal utilizados e jogados na casa unicamente para morrer. Até então eu não sabia que grande parte das suas trajetórias são tiradas do livro, portanto eles realmente estão ali unicamente para morrerem mesmo. Agora o que eu acho desnecessário, é o fato de tentarem comprar o nosso interesse com nomes famosos dentro do cenário hollywoodiano, onde se encaixa até a própria Sandra Bullock. Mas ok né, isso já é costumeiro quando se trata de vender um material cinematográfico até então desconhecido.
No geral eu prefiro a forma como a história é contada no livro, até por obviamente ser mais detalhada e abrangente. Por sinal, a história só é muito boa porque é muito bem contada em cada página. Onde eu acho um acerto a forma como foi diversificada ambas às histórias mesclando passado e presente. O livro também testa o poder da sua fé, da sua crença e da sua ambição pela sobrevivência. Além de levantar vários questionamentos durante toda a leitura; questionamentos esses como: durante toda a minha leitura eu ficava pensando naquela odisseia da Malorie. Será que valia realmente todo aquele sacrifício para se manter vivo em um mundo em que você sabe que nunca mais será o mesmo? Até que ponto conseguimos manter a nossa mente saudável, lúcida, para não entrarmos em um estado de loucura e perda da sanidade? No que se apegaríamos? Em quem acreditaríamos? Ainda existe um Deus?
E aqui eu já acho um grande acerto tanto do livro quanto do filme, em não revelar o que aconteceu e quem são as criaturas, pois tudo envolto em nosso imaginário soa ainda mais temível e desconfortante.
A parte final do filme, em que a Malorie se perde das crianças na floresta e que tem aquela voz pedindo para as crianças tirarem a venda, também não existe no livro. Porém, eu achei uma parte bem feita de acordo com todo o contexto da história do filme (não do livro). Nessa cena a Malorie expressa todo o seu desespero de mãe e faz um belo discurso motivacional de sobrevivência para vida baseado no que ela e as próprias crianças viveram ao lado do Tom. Também gostei dessa mudança.
Considerações finais do livro: O livro é excelente, tem uma história muito boa, muito bem contada, que nos faz sentir na pele toda a trajetória de sobrevivência da Malorie e suas crianças. Sem falar que a história no livro é muito mais pesada, com cenas muito mais impactantes e sufocantes. Posso destacar a cena do parto da Malorie e da Olympia, que é extremamente agonizante, daquelas que incomoda, que você chega a parar por um momento a leitura para respirar. Todos os acontecimentos durante e após esta cena são muito triste e doloroso.
Considerações finais do filme: Hoje eu mudei bastante a minha opinião em relação ao que eu escrevi no texto de 2018 acima. Hoje, após ter lido o livro, eu não considero o filme como essa tragédia toda que eu havia considerado. Por mais que a adaptação seja muito falha e erre bastante em suas mudanças, eu acho que no geral o filme conseguiu contar a história do livro, conseguiu entregar a proposta do livro, conseguiu transmitir um pouco do suspense, do mistério e do terror do livro.
Dessa forma, antes eu considerava este filme como horrível, hoje eu já o considero como bom e aceitável dentro da sua proposta.
A Sociedade da Neve (Inglês: Society of the Snow / Espanhol: La Sociedad de la Nieve) 2023
"A Sociedade da Neve" é dirigido por JA Bayona e baseado no livro de mesmo nome de Pablo Vierci de 2009, que detalha a verdadeira história do trágico acontecimento da seleção uruguaia de Rugby. Em 13 de outubro de 1972, o Voo 571 da Força Aérea Uruguaia, fretado por um time uruguaio de futebol de Rugby e seus torcedores para levá-los a um jogo em Santiago, no Chile, cai em uma geleira no coração da Cordilheira dos Andes. Dos 45 passageiros a bordo, 29 sobreviveram ao acidente inicial, embora mais morressem devido a ferimentos, doenças e uma avalanche nas semanas seguintes. Presos num dos ambientes mais inacessíveis e hostis do planeta, os sobreviventes são obrigados a recorrer ao canibalismo de sobrevivência daqueles que já morreram para se manterem vivos. No entanto, em vez de se voltarem uns contra os outros, os sobreviventes recorrem ao trabalho cooperativo em equipe que aprenderam através do rugby e da fé espiritual, para escapar das montanhas.
O diretor espanhol JA Bayona, que recentemente dirigiu episódios da série "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder", ficou conhecido cinematograficamente pelos seus dois primeiros trabalhos: "O Orfanato" (2007), um bom filme espanhol que mistura elementos de fantasia e terror, e "O Impossível" (2012), um drama baseado em uma história real comovente, tocante e profundo. Dessa vez Bayona traz "A Sociedade da Neve", uma produção espanhola original Netflix, que conta com um elenco que na sua grande maioria é composto por atores novatos argentinos e uruguaios. Um ponto muito curioso, é o fato do autor uruguaio Pablo Vierci conhecer alguns dos 16 sobreviventes reais do caso, o que o motivou ainda mais para escrever o livro documentando os relatos ocorridos.
Ao longo dos anos esta história real do trágico voo 571 já foi adaptada em outras produções, como "Sobreviventes dos Andes" (1976), "Vivos" (1993) e "I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash" (2010). Em "A Sociedade da Neve", Bayona optou por relatar os acontecimentos fazendo uma mescla como um documentário inserido em um filme. Tanto que toda a equipe de produção gravaram mais de 100 horas de entrevistas com todos os sobreviventes ainda vivos. Por outro lado, os atores do longa tiveram contato direto com os sobreviventes e as famílias das vítimas. A produção teve todo um estudo sobre o local do acidente, realizando parte das filmagens exatamente no local.
"A Sociedade da Neve" se destaca pela excelente direção de Bayona, que soube extrair os detalhes mais minuciosos e profundos do caso e nos passar com uma veracidade impecável. Sem falar que todo o seu trabalho de câmeras é muito bem executado, onde ele sempre buscava o foco nos rostos e nas expressões do elenco em cena, aliado com os mais variados diálogos e monólogos, que nos dava a dimensão e a profundidade daqueles acontecimentos. O trabalho de maquiagem é completamente absurdo e corrobora com toda a grandeza da direção, já que ao longo da trama somos impactados pela degradação física dos personagens, o que vai de encontro com uma aparência desgastada, maltratada, judiada, onde todos ali iam definhando com o passar do tempo, e tudo que víamos acontecer era grande parte por méritos da direção de maquiagem e dos efeitos especiais. E com um destaque muito justo para David Martí e Montse Ribé, maquiadores de efeitos especiais vencedores do Oscar por "O Labirinto do Fauno" (2006). Juntos eles criaram próteses de cadáveres, cortes, feridas, tudo que nos dava a dimensão e a proporção do que estava ocorrendo com cada um presente naquele local.
Aliado com todas essas qualidades técnicas que eu já destaquei, temos uma fotografia que é absurda, com uma qualidade extremamente profissional e que destacava em cada cena apresentada. O interessante aqui é o fato da fotografia fazer um contraponto entre o colorido e o cinza; sendo o colorido destacando os momentos de competividade do time, onde podíamos notar um sentimento de felicidade e esperança nos rostos de cada um. Por outro lado temos o cinza, que se destaca justamente a partir do momento da queda do avião, onde transcendia o sofrimento e o limite da fé, e mais uma vez de esperança. A direção de arte também merece ser enaltecida, pois é a partir dela que temos aqueles gigantescos cenários de neves, onde nos abalava profundamente quando a câmera ia se distanciando e íamos tomando conhecimento do local em que eles estavam. A trilha sonora é bem pontual com cada cenário e cada acontecimento, sempre diversificando a melodia de acordo com a situação que o grupo estava enfrentando. A trilha sonora é a grande responsável em unir ali lado a lado a fé e o desespero.
Falando sobre o filme: Temos aqui um dos filmes dramáticos de sobrevivência que mais me impactou nos últimos anos. O diretor Bayona já conseguiu este mesmo feito com "O Impossível", que foi um filme que me deixou profundamente impactado, entristecido, chateado, comovido, que me deixou uma semana pensando e refletindo sobre tudo que eu havia presenciado. Em "A Sociedade da Neve" Bayona põe em pauta novamente o poder da fé, da esperança, da motivação, da luta pela sobrevivência, da crença, da determinação, da coragem, fazendo um contraponto com o desespero, a agonia, a desolação, a crueldade, a tristeza, a comoção, nos despertando os mais profundos sentimentos de compaixão, empatia, carinho, amor pelo próximo, nos fazendo sentir na pele a dor excessiva da extremidade enfrentada por cada um dos sobreviventes.
"A Sociedade da Neve" é aquele típico caso do filme documentário que você já conhece a história, já sabe como tudo terminou, já que houve sobreviventes, mas mesmo assim você se impressiona, pois o nível de adrenalina é muito alto de acordo com cada acontecimento. Eu não conhecia a história real à fundo, só tinha ouvido alguns relatos a respeito do caso, e o filme conseguiu me deixar muito mal, mexeu muito com meus sentimentos, me despertou um profundo sentimento de tristeza, compaixão, agonia, tensão, dor, por presenciar cenas tão cruéis, tão deploráveis, tão bárbaras, tão brutais, tão excessivas, com uma extremidade dolorida, daquelas que parte o seu coração e te faz refletir por dias.
O longa-metragem trabalha muito bem a mente humana e seus extremos quando exigida, pois estamos diante de um cenário completamente inóspito, cruel, sem qualquer possibilidade de sobrevivência, e ao longo dos dias eles vão sendo confrontados com as consequências desse local, que é o frio, a fome, a sede, o medo da morte, o desespero pela sobrevivência e a agonia pelo resgate. Nesse ponto temos um estudo sobre o poder da fé, da esperança, da misericórdia, a crença em um Deus, os limites do corpo humano. Até que ponto o seu corpo pode suportar a fome, a sede e o frio? Até que ponto você consegue manter a sua mente saudável e lúcida para não mergulhar na loucura e no extremismo? Quais os limites que você consegue enfrentar para se manter vivo na esperança por sobrevivência? Até que ponto você consegue pensar sobre a prática do canibalismo para se manter vivo e resistente? Já que seu corpo vai acabar exigindo esses nutrientes para sobreviver. São perguntas que em todos os momentos estão vagando pela mente de cada um ali, na medida que nós espectadores também estamos nos fazendo essas mesmas perguntas se nós estivéssemos diante daquela situação.
Todos esses sentimentos citados são despertados a partir da composição de cenas absurdamente bem feitas e bem elaboradas. Pois as cenas de "A Sociedade da Neve" foram feitas com um alto nível de qualidade, onde nos proporcionava sentir a dor, o desespero e a agonia de tal acontecimento. - Vou começar citando a cena da queda do avião, que pra mim já é uma das grandes cenas de todo o filme. A partir do momento em que o avião se choca com a montanha de gelo, onde temos o impacto com o bico do avião, que logo ele vai se destroçando e rompendo o solo em uma altíssima velocidade. Nessa cena eu fiquei em choque e boquiaberto, ao observar aquele impacto dos restos do avião com a neve, fazendo uma pressão para frente onde o impacto vinha de trás para frente fazendo as pessoas serem esmagadas uma pelas outras com os bancos do avião. - Temos aquela cena em que os sobreviventes vão retirando os corpos de dentro dos restos do avião, e ao lado da tela vai aparecendo o nome e a idade de cada um. - A cena em que eles discutem a possibilidade da prática do canibalismo, que por si só já é uma cena controversa e reflexiva, de acordo com a crença de cada um, é claro. Especificamente nessa cena temos um dos melhores diálogos de todo o filme, quando o grupo discute sobre praticar o canibalismo ou não, já que ali era um caso de extremismo pela sobrevivência. Muitos ali tinham a dificuldade em aceitar a prática pela falta da liberação do dono do corpo, onde mais tarde temos a cena onde cada um diz liberar o seu corpo para alimentar os sobreviventes - que cena pesada e incomoda! - Outra cena que me impactou bastante, foi a cena da tempestade de neve, onde soterrou todos os sobreviventes, obrigando eles a passarem 4 dias soterrados pela neve - outra cena absurda! - E não posso deixar de mencionar aquela cena onde eles conseguem fazer funcionar um rádio, quando eles tem a notícia que as buscas pelos os sobreviventes do desastre foram encerradas. É uma cena impressionante, que dilacera o seu coração, pois você vê aquelas pessoas entrando em um estado de completa loucura e desespero - mais uma cena que me deu um nó na garganta.
Sobre o elenco: O elenco de "A Sociedade da Neve" é muito bom, muito competente, onde cada um entregou atuações certeiras, condizentes com o personagem e as situações, mesmo que em grande maioria o elenco era composto por novatos. Os maiores destaques foram Enzo Vogrincic Roldán que fez o Numa Turcatti, Matías Recalt que fez o Roberto Canessa e o Agustín Pardella que fez o Nando Parrado. Nem preciso destacar todo o elenco, pois cada um fez muito bem a sua parte, onde contribuíram muito bem com a representação daquele momento desesperador e aterrorizante.
"A Sociedade da Neve" ganhou 12 prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor no Prêmio Goya. No Oscar, foi indicado para Melhor Longa-Metragem Internacional, representando a Espanha, e Melhor Maquiagem e Penteado.
O longa alcançou a lista dos 10 melhores filmes não ingleses da Netflix, sendo que nos primeiros dias, teve 51 milhões de visualizações no streaming.
No Rotten Tomatoes, 90% das 151 resenhas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,8/10. Já no Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 72 em 100, com base em 33 críticos.
Por fim: "A Sociedade da Neve" é um belíssimo trabalho de JA Bayona, que traz uma habilidade técnica magistral para apoiar sua história de tragédia da vida real. É um filme triste, tocante, profundo, desconfortante, incomodo, comovente, que vai mexer com a sua mente e principalmente com o seu coração. Mas por outro lado é também um filme muito reflexivo, preponderante, contundente, importante, que nos exemplifica o poder da fé, da força, da resistência, da perseverança, da esperança, do equilíbrio da mente, da busca incansável pela sobrevivência, que nos mostra que basicamente não somos nada diante de situações extremas e desoladoras. [16/03/2024]
"Segredos de um Escândalo" (ou "Maio Dezembro", sinceramente não entendi essa versão brasileira do título) é dirigido por Todd Haynes ("Longe do Paraíso", de 2002) a partir de um roteiro de Samy Burch, baseado em uma história de Burch e Alex Mechanik. A Netflix adquiriu os direitos de distribuição na América do Norte. O longa é estrelado por Natalie Portman como uma atriz que viaja para conhecer e estudar a vida da polêmica Gracie (Julianne Moore) que ela interpretará em um filme.
De acordo com as minhas pesquisas: O filme é inspirado no caso real sobre a vida de Mary Kay Letourneau, uma mulher de 36 anos que aliciou e estuprou um pré-adolescente de apenas 13 anos em 1996. Na época, ela era professora de Vili Fualaau, e o caso resultou na prisão de Mary, que ficou seis anos na cadeia. Quando Mary conheceu Vili, ele era apenas uma criança e ela já era casada com quatro filhos, além de ser uma professora conceituada. Mary dizia que tudo começou porque ele a perseguia, e ela teria apenas consentido com o caso. No início, a relação foi mantida em segredo, até que tudo veio à tona. Em meio a todo o escândalo, nenhum dos envolvidos tratou a relação como um crime, nem a abusadora e nem a vítima. Em entrevistas para a televisão, o casal protagonizava declarações bizarras, principalmente Mary, quando eram questionados por repórteres sobre a diferença de idade. Mary nunca assumiu que cometeu um crime, tanto que permaneceu em uma relação com Vili e eles chegaram a se casar. O casamento durou 12 anos, com o divórcio acontecendo em 2017, e juntos eles tiveram duas filhas. Mary morreu em 2020 aos 58 anos.
Sobre o filme: "Segredos de um Escândalo" traz uma história chocante e muito interessante, e desperta ainda mais a nossa curiosidade quando descobrimos que tudo foi baseado em uma bizarra história real. Logo vamos entendendo toda a história e encaixando cada personagem nela. É interessante notar que o escândalo real acontece nos anos 90, mas no filme estamos praticamente duas décadas depois, ali por volta do ano de 2015. Partindo desse ponto, temos atualmente a Gracie Atherton-Yoo que hoje é casada com Joe Yoo (Charles Melton), com quem ela formou uma família e tiveram 3 filhos.
Pode parecer bizarro, mas Gracie foi condenada por estupro de vulnerável e ainda formou uma família com a vítima. Dito isto, Gracie hoje vive sua vida com esposo e filhos, e preferiu se afastar da mídia em um modo geral. Dessa forma Gracie opta por aceitar receber em sua casa a atriz Elizabeth Berry, que se prepara para encarar um dos papéis mais desafiadores de sua carreira. A partir daí, Elizabeth passa a analisar cada passo da vida da Gracie, fazendo um verdadeiro estudo de personagem, de características, de sentimentos, mergulhando naquela relação entre Gracie e Joe, se inteirando cada vez mais daquele romance midiático. Logo toda essa convivência entre Elizabeth, Gracie e Joe começa a reviver segredos obscuros de uma passado traumático na vida do casal, expondo seus limites, ultrapassando seus limites, expondo verdades que até então estavam guardadas, ou de certa forma até ignoradas no âmbito familiar.
Um ponto muito curioso e até questionável, é exatamente a forma como o roteiro aborda (vagamente) toda história real, que é justamente a partir da chegada e da interação de Elizabeth com aquela família. Ou seja, não temos uma abordagem dos fatos ocorridos a partir de todo o escândalo, não temos um resumo sobre a história no passado, como tudo aconteceu. A produção do filme não chegou a consultar o Vili Fualaau sobre os fatos ocorridos, o que acabou sendo preenchido com uma ficção baseada em relatos. Eu acredito que esta foi uma escolha de roteiro, usando uma certa liberdade criativa dos fatos e optando por deixar de fora todo esse contexto polêmico, até por se tratar de um crime sexual envolvendo um menor de idade. Eu entendo toda essa escolha de roteiro, até para o filme de Todd Haynes se manter fora de polêmicas, mas confesso que eu fiquei curioso em como seria uma abordagem a partir desse ponto na história.
"Segredos de um Escândalo" opta por ir na contramão de todas as polêmicas do início do relacionamento, e focar especialmente na obsessão da figura da Elizabeth dentro daquele contexto que ela se encontra no momento. De fato é um roteiro que abrange o estupro estatutário, o envolvimento das pessoas no caso, em como elas vivem atualmente, mas especificamente é um filme sobre a obsessão humana, e sobre obsessão ninguém é melhor do que a talentosíssima Natalie Portman. Natalie venceu o Oscar justamente pela sua obsessão, pelo seu perfeccionismo, pela sua busca incessante pela perfeição na pele da bailarina Nina, em "Cisne Negro" (2010). Dessa forma temos uma Natalie na pele da Elizabeth Berry que tem uma obsessão pela aquela mulher (ou pela sua história), que busca trabalhar e absorver cada vez mais as características da personagem que ela vai interpretar naquele filme independente, fazendo um verdadeiro laboratório, ficando perto daquela família, entrevistando cada membro daquela família, além de sempre se manter perto da Gracie, sempre observando como é a sua relação com o Joe. Temos aqui uma boa metaficção.
"Segredos de um Escândalo" é aquele típico True Crime, que traz uma análise sobre como a mídia pode distorcer os fatos ocorridos, ou até a percepção das pessoas sobre si mesma, ou sobre as pessoas envolvidas no caso. O longa de Todd Haynes bebe bastante da fonte dos True Crime dos anos 90 (até por ser um desejo do próprio diretor). É interessante perceber que a Gracie e o Joe viviam uma vida longe da mídia, longe das polêmicas que ela causou, como se estivessem presos em seus mundos, dentro da sua bolha, sem a percepção sobre o que aquela relação poderia representar em uma visão geral de alguém de fora. E nesse ponto o roteiro cresce e ganha mais fôlego, ao desenvolver a chegada da Elizabeth e em como a sua presença começa a abalar a estrutura daquela relação, em como ela faz com que o casal comece a pensar fora da bolha do relacionamento. Já pelo lado da Elizabeth, ela passa a se envolver cada vez mais, mergulhar cada vez mais naquele ambiente hostil, onde ela própria passa a carregar o peso e a pressão que a sua jornada exige, o que acaba a levando por um outro caminho diferente.
Nesse ponto do filme temos um grande estudo de personagem, pois a Elizabeth passa a incorporar a Gracie de uma forma assustadora, misturando suas emoções reais com uma interpretação intensa e repleta de camadas, onde ela busca incessantemente a perfeição, e passa a se vestir igual a Gracie, a se portar igual a Gracie, a falar igual a Gracie, e na medida que elas vão se conhecendo melhor vamos se aprofundando cada vez mais em duas mentes distintas que acabam se conectando estranhamente. Elizabeth passa a ficar tão obcecada em viver a vida da Gracie e ser parecida cada vez mais com essa personalidade, que ela acaba mergulhando profundamente em viver e sentir tudo em sua volta com a cabeça da própria Gracie, isso incluindo em ser um clone da Gracie, em tomar pra si a vida da Gracie, o relacionamento familiar, o envolvimento com os filhos, e até chegar em seu marido. Nesse ponto é interessante acompanhar essa aproximação entre a Elizabeth e o Joe, pois ambos tem idades parecidas mas com mentes completamente distintas, e a partir dessa aproximação que a Elizabeth dá a sua maior cartada em incorporar a Gracie, que é seduzindo seu marido e até transando com ele.
E aqui eu preciso destacar o elenco de "Segredos de um Escândalo", especificamente o trio composto por Natalie Portman, Julianne Moore e Charles Melton. Pois temos aqui aquele típico caso do filme que se segura unicamente e exclusivamente pela atuação de seu elenco. Como já mencionei anteriormente, a Natalie Portman ("Thor: Amor e Trovão") foi a escolha perfeita para viver a Elizabeth Berry, justamente pela sua obsessão e perfeccionismo na personagem. Natalie faz uma personagem carregada, cheia de camadas, de nuances, que aos pouco vai mergulhando naquela vida paralela e desvendando segredos, traumas do passado de Gracie, e vai cada vez mais entrando em uma zona perigosa e expondo a sua dualidade. No fim, a Elizabeth acaba se perdendo na personagem da Gracie, onde ela acaba se tornando aquela sedutora que ela tanto queria interpretar. Temos algumas cenas onde a Natalie dá um show de atuação: Como aquela cena onde ela discursa na escola sobre sexo com a turma, porém de uma forma um tanto quanto exagerada. Aquela outra cena onde ela acaba desabafando sobre toda a sua trajetória, seus arrependimentos, diante de uma quebra da quarta parede. Belíssima atuação da Natalie Portman!
Já a Julianne Moore ("A Mulher na Janela") faz aquela mulher que vive em um conto de fadas, em uma fantasia criada pela sua cabeça, em mundo onde ela criou e acha que todos ao seu redor gostam dela, se importam com ela, praticamente vivendo uma vida ilusória. Por outro lado a Gracie faz a linha da coitadinha, da ingênua, de tentar convencer as pessoas ao seu redor que ela é aquela pessoa pura, inocente, confiável, quando na verdade ela é detestável, desprezável, traiçoeira, manipulável, maquiavélica, verdadeiramente uma predadora preparando seu terreno para o ataque. Julianne Moore dá um verdadeiro show de atuação, e nos conquista com uma interpretação forte, arrojada, compenetrada, onde ela foca nos trejeitos, em sua expressões, em suas falas, em seu modo de agir, de se portar, com toda a certeza ela estudou profundamente a personagem.
Charles Melton (da série "Riverdale") faz um contraponto muito interessante entre a Natalie e a Julianne. Melton pra mim faz a atuação mais difícil e complicada de todo o filme, pois inicialmente ele nos passa a sensação de estar perdido dentro daquele mundo, daquela relação com a Gracie, onde ela se vê o tempo todo como uma dependente dele, com ele assumindo todo o papel daquela relação, como pai e marido. A partir daí (e principalmente da chegada da Elizabeth) começamos a perceber que o Joe começa a expor suas insatisfações, suas inseguranças, suas frustrações, e começa a perceber tudo em sua volta, como uma forma de despertar daquela relação, daquela vida. E nesse ponto é muito interessante acompanharmos o despertar de Joe, quando ele se dá conta que sempre foi a vítima naquela relação, que ele sofreu abuso daquela predadora sexual, que ele era imaturo e foi manipulado pela Gracie, que ele perdeu grande parte da sua vida, principalmente da sua juventude, tendo que assumir papeis que não lhe cabiam naquele momento. E toda essa desconstrução e descaracterização vai ocorrendo com o Joe quando ele vai percebendo que teve sua vida privada dos seus desejos próprios, que teve sua adolescência podada por aquela mulher que o fez passar por uma grande pressão psicológica, que ele foi uma vítima dela e viveu em uma prisão dentro de uma vida ilusória. Posso afirmar que Charles Melton tem o melhor personagem e entrega a melhor atuação dentro do filme. Agora eu preciso deixar registrado a minha indignação com o Oscar em esnobar essas três impecáveis atuações. Apesar que vindo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, podemos esperar qualquer tipo de absurdo e de injustiça.
Outro ponto muito interessante no longa e que precisa ser mencionado, é a forma como os acontecimentos tomam proporções diferentes de acordo com a respectiva época em que ocorreu. Digo isso pelo fato desse caso, que obviamente se tivesse acontecido hoje em dia tomaria uma proporção absurda e seria recebido totalmente diferente daquela época. Pois nos anos 90 a mídia em si encarava o caso como um caso de amor infeliz, que não deu certo, que fracassou, onde a própria Mary não era vista como uma abusadora, sendo encarada apenas como uma aventura amorosa. E mais absurdo ainda é a própria família do Vili afirmar que ele era muito maduro para sua idade, que eles eram muito apaixonados, encarando o caso como normal. A Mary com 36 anos e o Vili com 13, e ainda tinha pessoas que encarava este relacionamento como normal - é realmente uma coisa inexplicavelmente absurda! Outro ponto que me faz pensar: e se fosse ao contrário, como reagiria as pessoas? Se ele tivesse 36 anos e ela 13. Fica ai o questionamento.
Falando das partes técnicas: É preciso destacar a excelente direção de Todd Haynes, onde ele exerce um trabalho de câmera impecável, traçando um paralelo entre os acontecimentos em cena com um close fechado nas expressões dos atores/atrizes. É muito interessante analisar a forma como o diretor usar os takes e os ângulos mais fechados em vários momentos de diálogos, para nos dar a dimensão daquela cena, daquele acontecimento, daquela descoberta; como na cena onde a Elizabeth conversa com a Gracie no banheiro, e a cena com o Joel fumando droga com seu filho no telhado. São duas cenas que traz esse trabalho de câmera que eu destaquei, com ênfase nos closes mais fechados justamente para nos revelar aquela descoberta, tanto pelo lado da Elizabeth, quanto pelo lado do Joe.
A trilha sonora do filme é potente, é eficaz nos momentos mais oportunos da trama, onde ela dita o ritmo da cena, do acontecimento que está sendo narrado, nos fazendo mergulhar cada vez mais naquela história. Uma boa trilha sonora de Marcelo Zarvos e Michel Legrand. A fotografia de Christopher Blauvelt também tem o seu merecido destaque. Assim como todo o trabalho da direção de arte, da edição, da montagem e da cenografia. Tecnicamente o filme é muito bem feito!
"Segredos de um Escândalo" foi lançado em cinemas selecionados dos EUA, antes de ser transmitido na Netflix nos EUA e Canadá. O filme foi selecionado para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. Também foi exibido como "Filme da Noite de Abertura" no Festival de Cinema de Nova York de 2023. O longa ficou em décimo lugar na lista dos 50 melhores filmes de 2023 da Sight and Sound, entre 363 filmes indicados por 106 participantes britânicos e internacionais. Também foi escolhido pelo American Film Institute como um dos dez melhores filmes de 2023. No Rotten Tomatoes, 90% das 300 resenhas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,8/10. Já no Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 86 em 100, com base em 53 críticos.
O longa-metragem de Todd Haynes recebeu quatro indicações no Globo de Ouro e apenas uma indicação de Melhor Roteiro Original no Oscar. Alguns críticos opinaram que houve uma omissão de indicações de atuação no Oscar, apesar de ter sido indicado em outras associações de premiação importantes. EJ Dickson da Rolling Stone citou o padrão da Academia de excluir atores de ascendência asiática e sua falta de reconhecimento a artistas com menos de 40 anos como as razões pelas quais Charles Melton não foi indicado. Foi como eu já mencionei anteriormente, sobre a grande esnobada por parte da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Por fim, "Segredos de um Escândalo" se destaca por analisar um caso real bastante bizarro, cujo roteiro se destaca por explorar as consequências e as polêmicas desse escândalo na vida daquele improvável casal. É um filme que consegue fazer uma linha entre o drama e o romance misturando sentimentos e emoções de todas as pessoas envolvidas na trama. Mas por outro lado é preciso mencionar que algumas partes da história soa confusa, bagunçada, displicente, onde o elenco e suas atuações são basicamente o que segura todo o filme. [10/03/2024]
"Pobres Criaturas" é dirigido por Yorgos Lanthimos e escrito por Tony McNamara. Baseado no romance de 1992 de Alasdair Gray, o enredo segue Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem que ganha vida através de um transplante de cérebro e embarca em uma odisseia de autodescoberta.
Yorgos Lanthimos é um cineasta marcado pela sua excentricidade, extravagância, filosofia, eloquência, por construir obras fora do trivial, do convencional, onde muita das vezes flerta com o bizarro, com o complexo, com o místico, com a profundidade de personagens, com um estudo de personagens. Dentro dessas características as suas obras que mais se sobressaem são "O Lagosta" (2015), "O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017) e "A Favorita" (2018).
Em "Pobres Criaturas", Yorgos atinge o ápice do bizarro, do estranho, do místico, criando uma releitura do clássico Frankenstein que reflete além dos limites éticos e morais da ciência, da fragilidade do ser humano como um todo (principalmente a fragilidade masculina), da imagem feminina em uma sociedade patriarcal, e principalmente uma abordagem e uma percepção de um mundo imoral, injusto, alheio à várias vertentes de uma posição de criação e criador. A obra de Yorgos pode ser classificada como um "Frankestein sexualizado", ou uma espécie de "Frankenstein do século XXI", que acompanha o fascínio e a autodescoberta da protagonista, aliado à um contexto que subverte a lógica dos fatos que ela própria vai se descobrindo e vivenciando com o avanço na trama.
A excelente direção de Yorgos é aliada com um ótimo roteiro de Tony McNamara (roteirista de "A Favorita"), onde juntos eles constroem uma obra fora do convencional, onde uma das suas principais característica é a estranheza, a forma como o roteiro é livre de amarras, de rótulos, por justamente não seguir um caminho convencional e cruzar uma linha entre a comédia, o drama, o mistério e até um improvável romance. Nesse ponto o roteiro de Tony se sobressai e salta aos nossos olhos, pois a forma como ele consegue dosar pequenas pitadas de uma comédia sombria, com uma comédia dramática surrealista, com um toque de humor negro, misturando a sátira, o sarcasmo, sendo provocativo, desconfortável, incisivo, criando uma linha que cruza o místico, a ficção científica, a fantasia, a fábula, com uma visão profunda, onde ainda assim consegue nos divertir, nos impactar, com um roteiro que consegue se manifestar na mesma proporção que entretém.
"Pobres Criaturas" é um dos melhores filmes que eu já assisti nos últimos anos em questão de desenvolvimento de roteiro, de personagem, de estrutura narrativa, de conseguir construir um personagem e desenvolvê-lo na medida certa, fazendo um belíssimo estudo de suas principais características. Temos aqui a construção e o desenvolvimento de Bella Baxter, onde o roteiro aborda principalmente a sua autodescoberta, o seu autoconhecimento, o seu amadurecimento, a sua profundidade, a perda da sua inocência, o seu desejo pela liberdade e pelo conhecimento da vida. Sem dúvida é uma visão singela e peculiar sobre uma jornada de emancipação feminina, uma viagem excêntrica sobre o descobrimento e a liberdade feminina.
A história se passa na Era Vitoriana, onde temos aquela jovem que estava grávida e cometeu suicídio ao pular de uma ponte. Ao ser resgatada pelo médico cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), ela tem o seu cérebro removido e trocado pelo cérebro ainda em desenvolvimento de seu filho que estava em gestação. Ou seja, Bella tem o corpo de uma mulher que já não existe mais. E aqui entra um ponto muito interessante do roteiro, que é justamente o desenvolvimento de Bella onde ela é praticamente uma criança. Ou seja, Bella age como uma pessoa com problemas mentais, como um corpo de adulto com uma mente de uma criança, com atitudes de criança, com comportamentos de uma criança, como se o corpo dela não estivesse sincronizado corretamente com o seu cérebro (segundo as explicações do próprio Dr. Godwin). Dessa forma Bella precisa aprender tudo do princípio, como andar, falar, comer, ter um comportamento, respeitar e obedecer regras impostas pelo Dr. Godwin. E a figura do Dr. Godwin a princípio é vista por Bella como o seu criador, o seu pai, o seu Deus (como ela mesmo se portava perante ele sempre o chamando de "God").
A partir desse ponto acompanhamos a jornada de Bella Baxter sem nenhuma bagagem emocional, social, sentimental, sem nenhuma experiência em como é a vida fora dos domínios do Dr. Godwin. Ou seja, ali era o nascimento de uma criatura que se mostrava monstruosa (aparentemente), com uma casca cheia de camadas de um ser puro, singelo, meigo e encantador.
Um ponto muito interessante de roteiro e produção é a forma como toda a filmagem é projetada e transplantada para a tela. Logo uma escolha em representar o começo da história da Bella Baxter com uma filmagem em preto e branco em takes mais profundos, que nos dimensionava através da sua fragilidade, vulnerabilidade, inexperiência, enquanto ela ainda era uma criança em desenvolvimento, se autoconhecendo e se autodescobrindo. É interessante notar como a Bella vai se desenvolvendo com o passar do tempo, cujo a chegada do excêntrico advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) traz uma verdadeira mudança na vida de Bella Baxter. Pois o convite que ele faz para ela era justamente o que ela estava mais esperando naquele momento; se aventurar pelo mundo embarcando em uma odisseia surrealista de autodescoberta e libertação. A partir desse ponto já temos a mudança para uma filmagem colorida, como se a Bella ganhasse vida, ganhasse cores, onde simbolizava a libertação de Bella das garras do Dr. Godwin. Mas por outro lado ela estava prestes a conhecer um outro tipo de prisão.
Yorgos Lanthimos condensa as fases da vida de Bella Baxter com uma exploração da sexualidade da personagem, que era algo que ela também autodescobriu. E nesse ponto é muito curioso observar que a Bella deu vários saltos na composição das fases de sua vida, o que obviamente vai limitá-la de conhecer o seu corpo e os seus próprios desejos sexuais, onde naturalmente ela vai despertar seus desejos infinitos sem o conhecimento e o discernimento ditado pela própria sociedade perante essa nova descoberta em sua vida. Dessa forma Bella Baxter mergulha em seus desejos e sensações físicas, despertando cada vez mais a sua curiosidade em relação ao ato sexual, que de certa forma é também o seu autoconhecimento e o seu autodescobrimento. Se analisarmos friamente, todas as cenas de sexo sem pudor não são cenas gratuitas e em vão, pois tudo parte de novas etapas da sua evolução, seu conhecimento, sua curiosidade, uma forma de explorar a sua mente, o seu corpo, e deixar de ser apenas uma criação desprovida de inteligência e ganância para uma forma de aceitação própria a partir dos seus próprios desconfortos. Não vejo que o filme romantiza a prostituição, também não vejo como um desrespeito com a pauta da mensagem feminina. Acredito que a obra projeta tudo dentro de um aspecto por uma outra perspectiva, com uma ótica própria feminina sobre como seria a liberdade sexual. Acredito que tudo foi projetado de forma poética e filosófica. Mas isso não quer dizer que não seja uma pauta polêmica dentro do roteiro.
O que seria de "Pobres Criaturas" sem a presença de Emma Stone? Emma já foi uma das queridinhas de Hollywood, já ganhou o Oscar pelo seu papel no badalado "La La Land" (2016), além de acumular várias indicações e vários prêmios em outros festivais de premiações cinematográficas. Emma Stone já fez vários trabalhos soberbos, fenomenais, com personagens fortes e representativos; como a própria Mia de "La La Land", a Cruella de Vil de "Cruella" (2021), e a Abigail Hill de "A Favorita". Até o momento a sua personagem de "A Favorita" era a minha preferida de toda a sua carreira, além de considerar que ela merecia mais o Oscar por esta personagem do que por "La La Land". Porém, nesse momento a Bella Baxter acaba de se tornar a minha personagem preferida da Emma, além de também considerar que é a sua maior e melhor atuação de toda a carreira até o momento.
Emma Stone incorpora com muita grandeza e muita maestria a Bella Baxter, pois o filme precisava ser sustentado por uma atriz que conseguisse transparecer o crescimento da personagem em sintonia com o desenvolvimento do roteiro, e ela consegue fazer essa tarefa de forma absurdamente impecável e perfeita. Emma constrói sua atuação pautada junto com o desenvolvimento de sua personagem, que vai desde a ingenuidade inicial, a inexperiência, indo desde aquela criança, passando pela uma espécie de crescimento, até florescer suas reflexões melancólicas de uma vida adulta. Emma está segura, está convincente, está arrojada, exibindo uma interpretação rica em expressões corporais, em linguagem corporal, com seus trejeitos, com seu gestual, com um timing cômico na medida certa.
É impossível não se apaixonar pelo brilhantismo de Emma Stone em "Pobres Criaturas", pois ela consegue dosar muito bem cada cena com o que o roteiro estava pedindo naquele momento, onde ela nos passava uma personagem vulnerável e inexperiente, logo após ela estava em um processo de amadurecimento, de desconstrução, de descaracterização, se tornando idealista, utópica, indo em uma linha de evolução física e mental a partir dos seus prazeres sexuais sem moralismo e culpa. Emma evolui em um nível altíssimo de patamar de personagem lendária e icônica dentro do cenário cinematográfico. Pois obviamente a Bella Baxter ficará marcada e estigmatizada pela sua monstruosa e irretocável interpretação. E aqui eu preciso confessar que a minha torcida para a estatueta de Melhor Atriz está completamente com a Lily Gladstone, pela sua excelente personagem em "Killers of the Flower Moon", que me cativou profundamente. Mas eu preciso registrar aqui que este Oscar obrigatoriamente precisa ser da Emma Stone, como forma de justiça por uma atuação em uma personagem que ficará marcada na história do cinema.
O mestre Willem Dafoe é uma enciclopédia cinematográfica na arte de atuar. É realmente impressionante o nível de qualidade das suas performances. Em "Pobres Criaturas" Dafoe é aquele médico inteligente, um cientista brilhante, uma espécie de pai com uma extrema proteção com sua filha, ou um criador com um cuidado excessivo com sua criação, onde ele a mantinha sempre aprisionada e longe do mundo lá fora. Dafoe traz a veia daquele cientista complexo, ingênuo, egoísta, maldoso, arrogante, mesquinho, sempre exibindo a sua extrema obsessão pela sua criação. Uma atuação impecável do mestre Dafoe!
Já o Mark Ruffalo é o melhor personagem em cena, ficando atrás somente da Emma Stone, é claro. Mark faz um advogado meticuloso, sedutor, maquiavélico, uma figura cafajeste, prepotente, que só queria se aproveitar da Bella, tanto fisicamente como mentalmente. Mas com o passar do tempo vamos conhecendo à fundo o seu personagem e descobrimos quão fútil, raso e vazio que ele sempre foi. Excelente trabalho de Mark Ruffalo, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante.
Completando o elenco ainda tivemos o Ramy Youssef (conhecido pelas séries "Ramy" e "Mr. Robot"), que fez o Max McCandles, o noivo da Bella. Um personagem bastante interessante, que tinha suas nuances e suas camadas. Christopher Abbott ("Ao Cair da Noite"), que fez o Alfie Blessington, o marido de Victoria Blessington, a mulher que era dona do corpo atual da personagem. Um ser completamente asqueroso e odiável, que mantinha a sua esposa como parte de sua propriedade, se exibindo como o seu dono, o seu controlador, praticamente o seu carrasco. O seu final é muito bom, quando a Bella transplanta o cérebro do bode para ele. E encerrando com a Margaret Qualley (da série "The Leftovers"), que fez a Felicity, o novo experimento científico do Dr. Godwin. E é interessante observar aquela conversa entre o Dr. Godwin e o Max McCandles, quando o Max acha que o Dr. está sendo muito cruel com sua nova criação, mas o Dr. afirma que cometeu um erro com a Bella, em permitir que os sentimentos nela se desenvolvessem. Dessa forma a Felicity é praticamente uma criação como um dos seus inúmeros animais - bizarro!
Outro ponto que engrandece ainda mais o nível da obra de Yorgos Lanthimos, são todas as suas qualidades técnicas. Este é o primeiro filme de Yorgos com uma trilha sonora original de um compositor. Todos os seus filmes anteriores usaram apenas músicas existentes. E aqui temos uma trilha sonora do compositor Jerskin Fendrix (um músico pop que fez sua estreia em um longa-metragem) que impregnou em minha mente, chegando a me deixar desconfortável, com aquele som estridente, com toques finos, penetrantes, sendo repetitivo na maioria das vezes, o que fatalmente era proposital, já que esta era a real intenção da trilha sonora. A cinematografia é absurdamente perfeita, onde temos uma fotografia de Robbie Ryan (diretor de fotografia de "A Favorita") que acompanha com muita eloquência cada cena, sendo extravagante na hora certa e compondo muito bem cada tomada de cena. O mesmo vale para a direção de arte, que abusa de cenários grandiosos, bem montados, com figurinos extremamente marcantes, o que encaixa perfeitamente com toda realidade excêntrica e extravagante da história. O longa-metragem é muito bem roteirizado, possui uma direção impecável, muito bem montado, com uma excelente edição, um ótima cenografia e uma perfeita ambientação.
"Pobres Criaturas" ganhou o Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza. No Globo de Ouro, o filme recebeu sete indicações e ganhou Melhor Filme - Musical ou Comédia e Melhor Atriz - Filme Musical ou Comédia por Emma Stone. No Critics' Choice Awards, o longa recebeu treze indicações, vencendo como Melhor Atriz. Ainda recebeu onze indicações no BAFTA, e onze indicações no Oscar, sendo elas: Figurino, Edição, Maquiagem, Fotografia, Trilha Sonora, Direção de Arte, Roteiro Adaptado, Direção, Ator Coadjuvante, Atriz e, claro, Melhor Filme.
"Pobres Criaturas" já arrecadou US$ 33,1 milhões nos Estados Unidos e Canadá, e US$ 68,8 milhões em outros territórios, totalizando US$ 101,8 milhões em todo o mundo.
Encerro afirmando que Yorgos Lanthimos traz aqui o seu melhor filme de toda a sua carreira, e muito pela sua ousadia, competência, inteligência, relevância, que junto de Tony McNamara nos entrega uma belíssima obra de arte em forma de cinema, uma obra-prima do cinema moderno, que soube quebrar estereótipos, quebrar barreiras, descontruir o imaginário popular com uma obra que navega com bastante propriedade na comédia, no drama, na fantasia, na ficção científica e no romance. Sem nenhuma dúvida, "Pobres Criaturas" com o passar do tempo entrará para a história do cinema, para a lista de filmes lendários e icônicos, onde virará um verdadeiro clássico cult amado por inúmeros cinéfilos.
"Pobres Criaturas" é uma obra fascinante, colossal, eloquente, apoteótica, excêntrica, extravagante, perturbadora, desconfortável, provocativa, onde emprega uma narrativa poética e filosófica com um texto sobre os preceitos da vida em relação ao autoconhecimento, a autodescoberta, a aceitação, a redenção, a desconstrução e a descaracterização enquanto ser humano. Bella Baxter é uma personagem que ficará marcada como uma mente feminina que foi criada, explorada, diversificada, retomada, ao mergulhar no amadurecimento e em todo o descobrimento e liberdade feminina. Sem falar que ainda temos aquela lição que toda a sua trajetória nos dá através da sua evolução e crescimento, onde ela própria clama por igualdade e libertação sem aquele olhar moralista e ético sempre presentes na sociedade em geral.
"Pobres Criaturas" é uma obra-prima que respira cinema em um nível poético, filosófico, categórico e incisivo! [01/03/2024]
"Zona de Interesse" é escrito e dirigido por Jonathan Glazer, sendo baseado no romance de 2014 de Martin Amis. O longa-metragem é uma produção da A24, com uma coprodução entre o Reino Unido e a Polônia. O filme é estrelado por Christian Friedel e Sandra Hüller como o comandante nazista alemão Rudolf Höss e sua esposa Hedwig, onde acompanhamos aquela família que leva a vida tranquilamente em uma nova casa bem ao lado do campo de concentração de Auschwitz.
Jonathan Glazer (diretor dos excelentes "Reencarnação", de 2004, e "Sob a Pele", de 2013) constrói um dos melhores filmes do ano passado e de toda a sua carreira. "Zona de Interesse" é mais uma obra que nos leva diretamente ao momento mais trágico e perverso da história da humanidade, o assombroso e desolador Holocausto. Ao longo de toda a história cinematográfica já tivemos vários filmes que estão relacionados e fazem diversas abordagens sobre o Holocausto; como é o caso de obras impecáveis e irretocáveis como "O Menino do Pijama Listrado" (2008), "A Vida é Bela" (1997) e "A Lista de Schindler"(1993), que são os meus três filmes preferidos sobre o tema.
A principal diferença dos três filmes citados para a obra de Glazer está exatamente na forma como o roteiro é construído e abordado ao longo de toda a história. Ou seja, nesses filmes somos impactados pela barbárie e pela violência explicita dos acontecimentos que assolavam os campos de concentração, onde nos despertava revolta, tristeza, comoção, empatia, e principalmente a dor e o nó na garganta de imaginar como foi terrível aquele momento na vida de cada um presente naquele local. Já a obra de Glazer vai na contramão por ser justamente um filme que mostra a sua Zona de Interesse, os seus ideais, as suas propostas, as suas regras, onde somos confrontados com um roteiro que apresenta uma experiência perturbadora porém sobre uma perspectiva distinta se comparado exatamente com os três filmes citados.
"Zona de Interesse" é uma experiência seca, crua, amarga, densa, cinza, incomoda, perturbadora, desoladora, que nos impacta e nos obriga a sairmos da nossa zona de conforto e presenciarmos um nível trágico e bizarro de falta de empatia, de amor com o próximo, de conivência, complacência e cumplicidade com tudo que estava acontecendo ao redor daquela família logo atrás dos muros de sua casa. Jonathan Glazer conseguiu elaborar um roteiro que me deixou chocado, pensativo, reflexivo, se destacando como um dos filmes mais difíceis que eu já assisti nos últimos anos. Temos aqui aquela típica obra que mexe com a nossa consciência, com o nosso imaginário, que ao término do filme você continua com ele na cabeça e pensando em tudo que presenciou por dias, tentando entender o quão detestável e desprezível é a raça humana.
Os maior acerto da obra de Jonathan Glazer é exatamente a forma como ele planeja deixar o espectador perturbado e incomodado com a forma que a história vai acontecendo ao longo das suas 1h 45min. Ou seja, já iniciamos com uma tela completamente escura e somente com uma música estridente de fundo, e ficamos nessa cena por quase 4 minutos. Ali você já sente o peso da obra, logo a intenção é realmente nos incomodar e nos tirar da nossa zona de conforto. Logo após esta cena já temos um corte para uma cena com uma família feliz se deliciando com um banho de rio. A partir daí o que fica mais notável e se sobressai em toda produção de "Zona de Interesse" é exatamente o trabalho impecável da edição e mixagem de som. Pois o som é a cereja do bolo do roteiro de Jonathan Glazer, sendo o som o responsável em nos aproximar dos terríveis acontecimentos logo após o muro da casa, no campo de concentração de Auschwitz.
E aqui eu preciso dar todos os créditos para o belíssimo roteiro de Glazer e forma como ele atua durante toda a história. Que é apostando diretamente no místico, no imaginário, no lúdico, fazendo um contraponto da vida feliz daquela família durante o seu dia a dia, em contrapartida com a desolação e a crueldade de tudo que estava acontecendo à uns 100 metros dali. É nesse ponto que a obra de Glazer se torna avassaladora, por nos impactar de forma sutil porém extremamente incomoda e perturbadora, e sem o uso de cenas que pudessem exemplificar tudo que estava acontecendo logo adiante. Tudo é construído a partir do nosso imaginário com o poder dos sons desesperador de gritos, torturas, tiros, sirenes e choros de crianças. A opção de Glazer por não mostrar nada que estava acontecendo nos deixa ainda mais incomodados e pensativos, pois quando não temos a imagem tudo em nossa mente fica em um grau ainda mais trágico e perturbador. Ainda mais pegando a pauta que o som corrobora ainda mais para toda a nossa tragédia mental, pois na medida que aquela família levava a sua vida normal, nós estávamos sendo torturados por um som inquietante que ficava constantemente com um grave mais agudo e sempre tomado por choros de crianças de fundo.
"Zona de Interesse" é uma obra extremamente desconfortável, inquietante, com uma atmosfera pesadíssima, que nos exemplifica de forma auditiva em como de uma lado tínhamos vidas e do outro as vidas eram tiradas. Que nos mostra em como de um lado estavam os sonhos e do outro simplesmente a morte. Quando não temos a retratação visual dos horrores, o que fica é exatamente os gritos desesperador vindo dos campos de concentração. E chega a ser bizarro a forma como temos cenas da família feliz de um lado e a crueldade do outro, e tudo acontecendo exatamente ao mesmo tempo. Logo temos aquela cena onde reproduz um jardim completamente florido, colorido, onde teoricamente poderia simbolizar a alegria, a vida, a liberdade, mas logo toda essa plenitude é confundida com o choro e os gritos de horrores.
O que me deixa extremamente triste e desconfortável, é observar a inocência das crianças ao brincarem alegremente na piscina com um muro lado a lado com o terror, e sem a devida proporção e dimensão que tudo aquilo significava. Esta cena me remete diretamente ao filme "O Menino do Pijama Listrado", onde também tínhamos a inocência de uma criança em contraponto com toda crueldade e desolação dos campos de concentração, onde confronta um dos maiores sofrimentos da história da humanidade com a pureza e a inocência de uma criança.
Christian Friedel (da série "Babylon Berlin") e Sandra Hüller (indicada ao Oscar por "Anatomia de uma Queda") estão divinamente bem em seus respectivos personagens. Christian é a personificação daquela linha de comandante nazista alemão seco, duro, introspectivo, que se porta como silencioso, metódico e letal. Rudolf era aquele ser que só se importava com a sua tarefa, que era ser o melhor comandante, e isso ele fazia com muito empenho. Era como almoçar em sua casa ao lado de sua família e logo após atravessar o muro e exterminar as pessoas, como se tudo isso fosse o emprego mais normal do mundo. Já a Sandra traz aquela mulher que tem os seus interesses voltados para a sua família e seu marido, que só se preocupa em ter tudo que quiser independente da forma que o seu marido consiga. Hedwig é também uma mulher que se mostra completamente indiferente de tudo que está acontecendo ao seu redor, além de também exibir a sua apatia e o seu preconceito em relação à todos aqueles acontecimentos. Tanto o Christian Friedel como a Sandra Hüller entregam uma atuação muito bem acertada, e muito bem condizente com toda a proposta do roteiro para o intuito dos seus personagens.
Tecnicamente a obra é soberba! A trilha sonora de Mica Levi (compositora da trilha sonora de "Jack", de 2016) é esplendorosa, contundente, extremamente incisiva em cena após cena, onde ditava com muita coesão cada ritmo que impregnava em nossa mente. O mesmo vale para o designer de som Johnnie Burn, que junto com a própria Mica, compuseram a música e os efeitos sonoros do filme. A fotografia de Łukasz Zal ("Guerra Fria", de 2018) é outro ponto extremamente importante no longa, pois a partir dela que tínhamos aquela dimensão do feliz e triste ali lado a lado separados apenas por um muro. Sem falar que a cinematografia é muito bem estruturada no filme. Assim como a direção de arte, que compôs minunciosamente cada detalhe dos cenários, tanto na casa da família quanto no lado dos campos de extermínios.
"Zona de Interesse" foi selecionado para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes de 2023, onde ganhou o Grand Prix, o Cannes Soundtrack Award e o Prêmio FIPRESCI. O longa ainda ganhou 3 BAFTAs (incluindo Filme não na Língua Inglesa ), e foi indicado a 5 Oscars (incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor para Jonathan Glazer) e 3 Globos de Ouro.
O longa-metragem foi muito bem em sua semana de estreia nas bilheterias, onde arrecadou US$ 124 mil em quatro cinemas. Após suas cinco indicações ao Oscar, o filme expandiu de 215 cinemas para 333 em sua sétima semana de lançamento e arrecadou US$ 1,08 milhão, um aumento de 141% em relação ao fim de semana anterior, e um total acumulado de US$ 3 milhões.
Um dos maiores diretores de todos os tempos, o renomado cineasta Steven Spielberg elogiou "Zona de Interesse", chamando-o de o melhor filme sobre o Holocausto já feito desde seu próprio "A Lista de Schindler". E já aproveito a ocasião para informar que eu considero "A Lista de Schindler" como o melhor filme de toda carreira cinematográfica do Spielberg, e também como um dos melhores filmes sobre o tema de todos os tempos.
Jonathan Glazer cria uma obra categórica, crucial, terminante, contundente, que nos exibe um choque de realidade quando nos mostra que aquele casal alemão que viviam suas vidas normais podem ser comparados a nós mesmo em nosso dia a dia, quando estamos sendo omissos e cúmplices com crueldades, e principalmente com pessoas que são coniventes com esses atos. Esta é uma das maiores falhas do ser humano, a cumplicidade, a omissão, a conivência, a banalização do mal, quando o que está acontecendo é com os nossos vizinhos e não com nós. Ou seja, este é o ponto crucial em comparação com o genocídio do Holocausto com relação aquela família, onde todos viviam suas vidas normalmente como se nada estivesse acontecendo, desde que não aconteça com eles, é claro! Este é o comparativo com a nossa realidade atual; o mal pode existir ao seu lado, a crueldade pode existir ao seu lado, desde que você não sofra, os outros ao seu redor pouco importa.
Por fim: "Zona de Interesse" é uma obra grandiosa, necessária e extremamente importante. Que nos conscientiza principalmente sobre a banalidade do mal, que nos exemplifica em como o ser humano é horrendo, repugnante, odioso, perverso, mesquinho, em como existem pessoas que compactuam com a crueldade, que naturaliza todos e qualquer acontecimento ao seu redor, a partir do momento que estão sendo cúmplices de brutalidades imperdoáveis.
"Zona de Interesse" é também uma obra extremamente difícil, desconfortável, incômoda, pesada, que vai te tirar da sua zona de conforto, vai te fazer pensar e refletir à respeito dos valores da sua vida e a forma como você está atuando nela a partir das suas atitudes. Jonathan Glazer entrega um excelente estudo de personagem, cheio de subjetividades, com uma demonstração bizarra do lado mais sombrio e mórbido da humanidade. [28/02/2024]
"American Fiction" é escrito e dirigido por Cord Jefferson (roteirista da série "The Good Place"), em sua estreia na direção de um longa-metragem. O filme baseado no romance "Erasure" de Percival Everett, de 2001, segue um professor romancista frustrado que escreve uma sátira bizarra de livros "negros" estereotipados, apenas para ser confundida pela elite liberal com literatura séria e publicada com altas vendas e críticas.
É fato que entre as inúmeras listas de filmes dessa temporada de premiações cinematográficas, "American Fiction" surge como um provável azarão, e muito por ser uma aposta da produtora, do próprio diretor Cord Jefferson, em um contexto que está diretamente inserido na sátira, na crítica social e ainda exibindo uma boa carga de drama.
É muito interessante acompanhar a história de Thellonious Ellison (Jeffrey Wright), que é mais conhecido como Monk. Um professor que se mostra esgotado, frustrado, indo ao seu limite, e muito por estar em um momento da sua vida onde parece que suas história e suas aulas dentro de um contexto mais racista, de certa forma tem ofendido os seus alunos, que na grande maioria são brancos. E o mais curioso é o fato de cada vez mais os seus romances e suas histórias terem sido rejeitado pelo público, especificamente falando sobre a forma como o entretenimento norte-americano é consumido naquele momento, uma vez que a grande maioria aidna prefira aqueles romances clichês cheio de estereótipos. Dentro de todo esse contexto, Monk decide usar um pseudônimo para fazer exatamente o que ele é contra, que é escrever o que o público quer consumir, já que seu último romance não foi bem aceito exatamente por não conter as famosas histórias negras com estereótipos negros.
Partindo dessa premissa, "American Fiction" é bastante funcional, bem trabalhado, ousado, audacioso, construtivo, sarcástico. Funcionando diretamente com um texto que traz uma pauta inserida em uma sátira social incisiva, poderosa, com um humor mais ácido, sendo irônico, provocativo e ainda misturando uma boa dose de uma comédia ágil e perspicaz. Porém, por outro lado aidna temos uma adição de um drama familiar, que é básico, mas de certa forma até contribui com a trama. Todavia todo esse contexto acaba ganhando mais espaço até do que deveria, e sendo assim acaba pesando e tomando grande parte do desenvolvimento que estava voltado para os conflitos pessoais do Monk e toda sátira que permeava a história.
Cord Jefferson faz uma estreia muito segura e bastante competente, e aidna sendo muito bem blindado por um ótimo elenco. Jeffrey Wright (que também está em "Rustin") é a verdadeira cereja do bolo. Jeffrey traz um personagem cheio de camadas, que está vivendo um confusão pessoal, com seus conflitos pessoais, suas decisões pessoais e seu drama pessoal. Logo ele mostra uma atuação segura, centrada, arrojada, que anda em uma linha até mais sutil e plena. Sterling K. Brown ("This is Us ") é um poço de carisma que contribui diretamente com seu personagem Cliff Ellison, o irmão de Monk. Podemos notar que Sterling entrega uma atuação que é pautada principalmente no irreverente, no cômico, exibindo seus trejeitos, sua faceta, seu gestual, com uma presença de cena bastante intensa. Tracee Ellis Ross ("Black-ish") vive Lisa Ellison, a irmã de Monk. Assim como o Sterling, Tracee é simpática, carismática, com uma veia cômica na medida certa, com muita personalidade, com muita dinâmica, sendo uma engrenagem muito necessária na história. Posso afirmar que o trio formado por Jeffrey, Sterling e Tracee tem muita harmonia, uma boa química, um relacionamento interessante, que se destaca principalmente nas cenas com uma alta dose de diálogos entre eles.
Completando o elenco ainda tivemos o ótimo John Ortiz ("Vem Dançar"), que faz Arthur, o agente do Monk. Um personagem muito hilário que rendeu boas cenas. E Issa Rae (também esteve em "Barbie") como a escritora Sintara Golden, que também rendeu ótimas cenas.
Tecnicamente "American Fiction" está bem decente. A trilha sonora de Laura Karpman (compositora da trilha sonora de "As Marvels") é bem dinâmica e dita bem o ritmo do filme. A fotografia de Cristina Dunlap é bem desenvolvida e chega a se destacar em diversas cenas (principalmente dentro do drama familiar da história). O longa ainda conta com uma boa direção de arte. Uma boa montagem. Uma boa edição. Um bom roteiro digno de uma boa adaptação.
"American Fiction" recebeu cinco indicações no Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator (Jeffrey Wright) e Melhor Ator Coadjuvante (Sterling K. Brown). Também teve duas indicações no Globo de Ouro, e ganhou Melhor Roteiro Adaptado no Critics Choice Awards e ganhou o People's Choice Award.
O longa-metragem arrecadou US$ 229.000 em sete cinemas em seu fim de semana de estreia, uma média por local de US$ 32.400. Após suas cinco indicações ao Oscar, o filme expandiu de 852 cinemas para 1.702 em sua 7ª semana de lançamento e arrecadou US$ 2,9 milhões, um aumento de 65% em relação ao fim de semana anterior, e um total acumulado de US$ 11,8 milhões.
Por fim, "American Fiction" é um bom filme que soube implementar bem um texto inserido em uma sátira social, com uma boa dose de um humor ácido, irreverente, provocativo, trazendo uma crítica direta à sociedade atual, ao politicamente correto, à indústria midiática, ao racismo e seus estereótipos, e aidna construindo uma narrativa familiar com um material nitidamente humorístico e perspicaz. [24/02/2024]
"Nyad" é uma produção original Netflix, dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin (diretores de "De Volta ao Espaço", de 2022), e escrito por Julia Cox (roteirista do curta-metragem "The Haircut", de 2014). O filme é baseado no livro de memórias de Diana Nyad de 2015, "Find a Way".
Quase todos os anos temos produções sobre a história de uma personalidade norte-americana. Dessa vez estamos falando sobre "Nyad", o filme biográfico sobre a nadadora Diana Nyad. Diana ganhou um grande destaque em 1970, ao ser reconhecida como a principal nadadora de longa distância do mundo. Diana competia principalmente em mar aberto, onde realizou conquistas como o recorde de natação ao redor da ilha de Manhattan, e o percurso de 164 km de Bimini, Bahamas, até a Flórida, em 27 horas, em 1979.
Diana dedicou grande parte da sua vida esportiva ao seu sonho de fazer um percurso nadando de Cuba até a Flórida. Diana fez cincos tentativas ao longo de sua vida, iniciando em 1978, depois de 33 anos ela volta a fazer mais duas tentativas em agosto e setembro de 2011, em 2012 ela faz uma nova tentativa, conseguindo realizar a sua missão de vida em 2 de setembro de 2013. Diana fez o percurso de Havana até Key West aos 64 anos, percorrendo uma distância de 177 km em 52 horas e 54 minutos, nadando em mar aberto sem a utilização de uma gaiola protetora (que geralmente é usado para evitar ataques de tubarões). Atualmente, aos 74 anos, Diana dedica grande parte de sua vida como escritora, jornalista, radialista esportiva, linguista e palestrante motivacional.
Temos aqui um exemplo a ser seguido, um feito heroico, um ato de coragem, fé, força, crença, motivação, determinação e superação. A própria Diana conta em seu livro todos os limites que ela se submeteu a enfrentar; como o limite do seu próprio corpo, da sua mente, em se manter firme com sua perseverança ao enfrentar os maiores desafios como o medo, a pressão psicológica, as falhas, os erros, o desânimo, as consequências e os perigos em alto mar. Diana nos mostra uma grande lição de vida ao nos imergir em seu filme biográfico motivacional, onde seu principal feito é transformar a superação em competência para vencer, para seguir em frente, para manter principalmente a sua coragem e o seu empenho em busca dos seus sonhos.
Sem nenhuma dúvida o filme nos serve principalmente como uma palestra motivacional, ao nos mostrar um ato intenso e inspirador à bordo de uma aventura emocionante, comovente, desafiadora, expondo principalmente uma luta contra o preconceito de idade e a importância de nunca desistir. O longa nos inspira e reforça que não existe idade para se correr atrás dos sonhos. Como a própria Nyad (que equivale a "Ninfa do Mar" na mitologia grega) enfatiza que quis marcar o seu feito na história e deixar um legado, que tenha se espalhado para uma grande população com a esperança e a força da fé.
"Nyad" inicia nos mostrando filmagens e relatos reais da vida da Diana. Depois temos uma bela passagem de gerações ao som da belíssima "The Sound of Silence", de Simon & Garfunkel. Logo após somos confrontados por aquele diálogo entre a Diana (Annette Bening) e a sua inseparável amiga Bonnie Stoll (Jodie Foster), onde ela afirma que vai realizar a prova de Cuba até a Flórida, cuja a própria Bonnie diz: "você não conseguiu com 28 anos, vai conseguir com 60". Diana responde: "não acredito em limitações impostas." E Diana ainda afirma que agora ela tem a mente que ela precisa para realizar a travessia, que era isso que lhe faltava quando era jovem, o equilíbrio da mente. Bonnie continua confrontando a Diana ao dizer que ela pode ter a mente que precisa mas não tem o corpo. Aproveitando a oportunidade, Diana revela para Bonnie que ela será a sua treinadora.
O longa-metragem transcorre bem com a passagem das cenas e de cada relato. Por mais que temos uma história de superação e todo o seu drama, a história flui de forma leve, dinâmica, com uma dose cômica na medida certa, com diálogos fortes e bastante envolventes. O roteiro acerta bem ao realizar uma mescla entre as cenas reais da Diana nadando ainda jovem, comparando com as cenas do filme com uma Diana já na casa dos 60 anos. A cena que a Diana dá palestras sobre as dificuldades da natação em mar aberto, é muito boa. Outro acerto do roteiro é exatamente nas cenas em que a Diana está tentando realizar o seu percurso, quando temos a Diana do filme nadando enquanto aparecem alguns flashbacks de sua infância, e algumas filmagens reais da competição da época. Não sei até que ponto é real ou não, mas também temos todo o drama que a Diana enfrentou com seu antigo treinador. Outra cena muito boa, é aquele discurso motivacional que a Bonnie faz para a Diana, quando ela esta perto de completar o percurso e está chegando no seu limite físico e mental. A cena final também é muito boa, quando a Bonnie evita tocar na Diana para ajudá-la, e fica incentivando para ela conseguir forças para sair para fora da água com os dois tornozelos, para que assim pudesse então completar a prova.
O que seria desse filme sem as presenças ilustres de Annette Bening e Jodie Foster. É inquestionável que as duas carregam completamente o filme nas costas, onde ouso a dizer que sem elas este filme sequer teria existido e teria sido reconhecido principalmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Primeiramente falando da Jodie Foster (eterna Clarice Starling em "O Silêncio dos Inocentes"): Jodie incorporou aquela esposa e amiga inseparável, mentora, tutora, conselheira, que de alguma forma tentou tirar aquela ideia que parecia absurda da cabeça da Diana, até pela sua idade, mais de 60 anos. Mas o incrível é a química das duas, tanto que a amiga que a aconselha a desistir por motivos óbvios, é a mesma amiga que dá o incentivo, a fé, a coragem e a força que Diana precisava para se manter firme, estando sempre ao seu lado até a conclusão da missão. Belíssimo trabalho da Jodie Foster.
Já Annette Bening (eterna Carolyn Burnham em "Beleza Americana") é a estrela, a protagonista, a personagem-título, o centro das atenções. Annette estudou a personagem, personificou a personagem, analisou cada detalhe, cada oportunidade de se manter cada vez mais fiel com a personalidade verdadeira da Diana Nyad. Sem dúvidas é uma grande atuação, um grande trabalho, onde ela conseguiu acertar no timing perfeito, se manter coerente com cada acontecimento, com uma interpretação forte, verdadeira, carregada dramaticamente e ainda mesclando os momentos mais cômicos. Annette e Jodie estiveram o tempo todo em perfeita sintonia, harmonia, com uma excelente química, onde nos passava ainda mais veracidade acerca daquela forte amizade e comprometimento. Annette Bening entregou uma performance em alto nível de entrega, com a mesma gana e o mesmo desejo de vencer da verdadeira Diana Nyad. Ambas foram indicadas ao Oscar de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante.
Agora um ponto que eu jamais poderia deixar de mencionar: a controversa história real por trás do filme. Todo mundo que assistir "Nyad" poderá naturalmente se perguntar o porque que este feito histórico não entrou para o Guinness World Records. Pois o normal seria a Diana Nyad entrar para o Guinnes como a primeira mulher a realizar o trajeto sem o suporte de uma gaiola anti-tubarão. Existe uma grande polêmica que é liderado pela "Associação Mundial de Nadadores em Mar Aberto", que se recusa a validar o recorde. A associação chegou a soltar uma nota (durante o lançamento do filme) que seria essencial assistir o longa-metragem com o total discernimento dos fatos em questão, para que assim todos tivessem em mente as discrepâncias em torno da prova e consequentemente do percurso realizado pela Diana.
A polêmica ocorre porque segundo os órgãos responsáveis, Diana não esteve dentro de todos os protocolos estabelecidos para uma ultramaratona em mar aberto. Ainda se discutem que o recorde da nadadora não foi registrado e nem acompanhado por uma equipe responsável pela avaliação e concretização do percurso. Outro ponto que é discutido, é o fato da própria Diana afirmar que seu recorde foi realizado sem interferências e assistências para ajudá-la no percurso, quando na verdade afirmam que ela utilizou uma roupa especial. Mais uma polêmica sobre o caso, é o fato de afirmarem que grande parte do trajeto (mais ou menos um total de 9 horas) não ter sido completamente acompanhado e consequentemente filmado. E o mais bizarro e polêmico, é o fato de considerarem que em determinados trechos do percurso, segundo os dados do GPS, ela ter conseguido uma aceleração consideravelmente suspeita pela sua forma e velocidade costumeira de nadar, o que julgam que ela possa ter recebido uma ajuda de algum tipo de objeto ou veículo. O lado de defesa da Diana afirma que esta polêmica aceleração ocorreu porque ela teve um impulso de uma correnteza específica do golfo, mesmo sem provas concretas. Diante de todas essas polêmicas e acusações, o recorde de Diana Nyad até hoje foi negado pela associação, o que sempre a impediu de ser reconhecida no Guinness World Records. Em entrevistas sobre o caso, a própria Diana diz: "Talvez eu tenha tido muita arrogância, tipo, 'Não preciso provar isso a ninguém.' Esse é o meu mal".
Dizem que existe uma Teoria da conspiração sobre a carreira esportiva de Diana Nyad, que mostra ela envolvida em várias polêmicas ao longo da sua trajetória como nadadora profissional. Vamos aos casos: Jornais e órgãos relevantes do meio esportivo afirmam que Diana sempre mentiu (ou exagerou) em suas conquistas. Tem o caso em que ela afirmou ter sido a primeira mulher a nadar ao redor da ilha de Manhattan, em 1975, sendo que a primeira, na verdade, foi Ida Elionsky, em 1916, ela foi considerada como a sétima. Dizem que a própria Diana mais tarde se arrependeu dessa afirmação. Outro caso que afirma que Diana já havia mentido sobre seu histórico de natação. Ela afirmou ter ficado em sexto lugar nas seletivas olímpicas de 1968, às quais nunca compareceu. Todas essas questões de certa forma corrobora para uma perda de credibilidade das conquistas da Diana quanto ao ser reconhecida no Guinness World Records.
Todas essas polêmicas foi perguntado para a direção do filme, que responderam que o filme não era sobre o recorde em si, mas sobre a história de coragem, superação física e mental de uma mulher com mais de 60 anos, que percebeu que sua vida ainda não tinha chegado ao fim, e que ela ainda poderia deixar o seu legado ao realizar o seu grande sonho de vida, enquanto o mundo ao seu redor desacreditava dela.
Muitas pessoas saem em defesa da Diana Nyad, ao rejeitarem o seu feito, afirmando como resposta sexista a uma mulher poderosa. Ainda afirmam que não reconhecem toda a trajetória da nadadora porque grande parte da população ainda é anti-mulheres, anti-LGBTQIAPN+, pelo fato de ser um recorde em que uma mulher supera os homens competitivamente falando. Atletas como Gertrude Ederle, Greta Andersen, Shelley Taylor-Smith e Cindy Nicholas foram celebradas pela comunidade da natação por superar os homens em resistência e velocidade. É realmente uma grande polêmica!
Outro ponto que desvalida o filme e perde relevância para muitas pessoas, é o fato da produção apresentar algumas discrepâncias em decorrência da história original. Muitos dizem (incluindo a tal crítica especializada), que o filme simplifica todo o percurso da Diana mostrando apenas uma embarcação que acompanhava o trajeto dela durante o percurso, sendo que na história real ela foi acompanhada por várias embarcações e uma grande tripulação. Ou seja, dentro desse contexto parece que o filme realmente diminuiu o feito dela. Outro caso, ai eu já não sei até que ponto as cenas são reais ou não, mas fato é que a produção cinematográfica sempre gosta de dramatizar um pouco mais a história para gerar engajamento e comover o espectador. Mas também muitas pessoas envolvidas diretamente com a Diana Nyad afirma que o longa dramatiza eventos que não aconteceram como foi visto; que o caso das cenas do encontro com um tubarão e com a água-viva. Já eu achei um tanto quanto exagerada e fictícia algumas daquelas representações de como se vive em Cuba e todo o trajeto livre e fácil para o local.
"Nyad" teve o reconhecimento em alguns festivais de premiações, consequentemente recebendo indicações, entre elas de Melhor Atriz (Annette Bening) e Melhor Atriz Coadjuvante (Jodie Foster) no Oscar, no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild Awards.
No mais, "Nyad" é um bom filme biográfico de mais uma personalidade norte-americana. O longa nos mostra que sonhos não tem idade e nem limites, que nos exemplifica acerca do poder da fé, da coragem, da perseverança, da motivação, da determinação e principalmente da superação tanto física quanto mental. Confesso que eu vou me abster em comentar sobre as inúmeras polêmicas, tanto da carreira profissional quanto do filme da Diana Nyad, até porque eu não tenho um vasto conhecimento dos casos. Até que ponto é verdade ou não, isso não vem ao caso, o que me resta é reconhecer o grande feito heroico, o grande recorde e o grande legado motivacional que esta mulher deixou marcado na história do esporte e principalmente da vida.
Encerro citando as três frases que a Diana Nyad fala ao término de sua missão: 1 - Nunca desistam! 2 - Nunca é tarde para ir atrás dos sonhos! 3 - Você vai precisar de uma equipe! [02/02/2024]
"Vidas Passadas" é uma produção da A24, escrito e dirigido por Celine Song em sua estreia na direção de um longa-metragem. A história segue dois amigos de infância ao longo de 24 anos enquanto eles contemplam a natureza de seu relacionamento à medida que se distanciam, vivendo vidas distantes e diferentes.
Apesar de "Vidas Passadas" não ser uma biografia real da diretora Celine Song, temos aqui um enredo que é semiautobiográfico e inspirado em acontecimentos reais de sua vida. Pois de acordo com as minhas pesquisas, o longa se baseia na trajetória da cineasta, soando como uma obra muito intimista e de grande valor sentimental para ela. Celine é nascida na Coréia do Sul, e migrou-se para o Canadá com sua família quando tinha 12 anos, justamente deixando para trás o seu primeiro grande amor. Celine viveu em Nova York, se casou, e depois de muito tempo ela reencontra o seu primeiro amor pela internet, e depois de mais algum tempo eles se reencontram pessoalmente.
Quem aqui nunca teve uma amor de infância e depois foram separados pela vida, mas que até hoje ainda se lembra desse primeiro amor?
Dentro desse contexto que "Vidas Passadas" é desenvolvido e criado para nos confrontar com escolhas, com decisões, com atitudes, traçando uma linha que nos propõe se impactar com um amor que transcende a idade, o tempo e a distância. Celine Song cria um cenário para nos faze pensar e nos questionar sobre nossas próprias escolhas, quando essas escolhas impacta em nosso percurso de vida, quando essas escolhas nos confronta com amores interrompidos ou até perdidos. É muito claro toda a reflexão que o longa nos obriga a fazer durante todo o trajeto que vamos fazendo junto da protagonista Nora (Greta Lee).
Eu já vou iniciar destacando o excelente roteiro da Celine Song. Pois a forma como ela idealizou e realizou toda a história é de uma genialidade absurda, nem parecia que era sua estreia no cinema (roteiro digno de Oscar). Por ser uma história autoral, íntima e bastante sentimental, Celine comanda todo o desenvolvimento de forma sútil, sensível, sensorial, empregando um olhar mais contemplativo, mais poético (inicialmente), mais humano, que vai nos envolvendo pela sua leveza e vai nos amarrando cada vez mais naquela história. O maior acerto do roteiro é justamente um desenvolvimento mais lento, mais introspectivo, mais reflexivo, sem exagerar, sem acelerar, sem forçar, sem pesar a mão em cima do melodrama. Pois a história vai tomando forma aos poucos, vai criando um ambiente que nos cativa pela sua profundidade e pela sua delicadeza nos temas abordados.
O início da história já é bastante singelo ao nos apresentar para a inocência de duas crianças que eram inseparáveis amigos de infância. Ali eles já tinham criado seus eternos laços de amor e amizade. E aqui o roteiro já nos puxa para fazermos uma grande reflexão; afinal de contas a jovem Na Young (Seung Ah Moon) e o jovem Hae Sung (Seung Min Yim) estavam se separando não por suas próprias escolhas e sim por fatos familiares. Dessa forma nos questionamos o poder que escolhas tem em mudar nossa vida, sendo que essas escolhas será determinante para o nosso destino, em definitivo ou não.
Depois desse início temos uma passagem de tempo, 12 anos, onde o Hae Sung (Teo Yoo) já está adulto, já foi para a guerra, porém jamais se esqueceu da Nora. Dessa forma ele busca encontrar ela pela internet (Facebook) e eles conseguem ter um contato depois de todos esses anos através de uma videochamada no Skype. Nora tinha saído do Canadá e estava morando em Nova York, onde ela já era uma escritora. Hae Sung estava na universidade e pretendia estudar na China para aprender mandarim. Como cada um tinha diferentes projetos de vida naquele momento, não conseguiram se encontrar pessoalmente, o que fez com que Nora decidisse se afastar dele naquele momento e focar em sua vida profissional.
Temos mais um salto no tempo, mais 12 anos, quando Nora é informada pelo próprio Hae Sung que ele iria para Nova York tirar férias e queria se reencontrar com ela. Nessa altura da trama temos um ponto muito importante, que é justamente a definição da palavra "In-Yun", que na Coréia tem um significado como destino. Os coreanos acreditam em conexões humanas quando duas pessoas se esbarram em algum momento da vida. Algo como se essas duas pessoas que se esbarraram já tivessem se encontrado anteriormente em uma espécie de vidas passadas. Sendo assim, Nora acaba conhecendo (ou se esbarrando) com Arthur (John Magaro), durante sua residência em Nova York. Nora está casada com Arthur há 7 anos e ele conhece toda a sua história de infância envolvendo Hae Sung. Já Hae Sung, que está indo ao encontro de Nora, também sabe que ela está casada.
Celine Song é magnífica ao explorar sentimentos, emoções, surpresas, ao confrontar os dois maiores amores da vida da Nora ali lado a lado. E o fato curioso é justamente o relacionamento entre Nora e Arthur, que é uma base sólida de um casamento que é feito com honestidade e confiança. Sendo assim, Arthur compreende e entende sobre seu amor de infância e o que aquela presença pode significar para ele. E aqui o roteiro de Celine Song cresce ainda mais, ao tomar uma proporção que vai explorar os três personagens, que vai impactar e confrontar Arthur pela presença de Hae Sung, já que o Arthur é uma pessoa confiante e compreensiva, mas ele entende todos os riscos que ele está correndo com aquele reencontro.
Este é o ponto alto do roteiro de Celine Song, exatamente este confronto, esta rivalidade, que poderia existir ou não. E aqui já nos pegamos na indecisão de qual lado defender, ou simpatizarmos, já que no lado do Arthur, ele é o atual amor de Nora, que sim, sente ciúmes, sente insegurança, mais que não se deixa abalar visivelmente, já que internamente ele se sente como um intruso naquele momento, por estar no meio de um vínculo muito forte, que transcende os limites de tempo e espaço. Exatamente como ele se refere à Nora, que se sente como o marido branco americano malvado que está interferindo com o destino. E aqui eu preciso destacar aquela cena em que a Nora leva o Hae Sung para conhecer o Arthur. É uma situação extremamente embaraçosa e constrangedora (até para nós espectadores). E ainda tem aquela outra cena no restaurante, em que Hae Sung e Nora conversam em coreano (idioma que o Arthur não dominava) sobre o passado e suas decisões, enquanto o Arthur fica completamente escanteado no assunto e no lado da mesa.
Já pelo lado do Hae Sung, é fato que ele nunca esqueceu a Nora, que ele sempre amou ela incondicionalmente, que de alguma forma ele estava buscando respostas quando viajou para reencontrá-la em Nova York. Nesse ponto os três personagens da história se pegam fazendo perguntas que nós nos fazemos no dia a dia. Pois temos costumes de nos questionarmos sobre como seria se nós tivéssemos feito outras escolhas. Estaríamos fazendo certo? Estaríamos fazendo errado? Como seria minha vida se eu tivesse mudado minha escolha no passado sobre tal questão? Este é o ponto em que o roteiro de Celine Song é extremamente reflexivo. Um ponto que também me remete à um excelente livro de profunda reflexão sobre as escolhas que fazemos em nossas vidas - "A Biblioteca da Meia-Noite" - do autor Matt Haig.
O elenco de "Vidas Passadas" passa veracidade em todas as cenas! Greta Lee ("The Morning Show") é o centro das atenções. Ela constrói uma personagem forte, empenhada, destemida, que precisa fazer escolhas em sua vida, que certas escolhas faz com que ela viva em um dilema. Teo Yoo ("Love To Hate You") faz aquele contraponto acertado com a Greta, trazendo uma bela química ao contracenarem juntos. Teo mostra uma bela veia para encarar dramas, para se apresentar com um personagem mais introspectivo, mais fechado, para também expor os seus dilemas. Já o John Magaro ("Orange Is the New Black") surpreende positivamente ao apresentar um personagem que pode ser encarado como o forasteiro daquela história de primeiro amor, que está confiante em sua esposa e seu casamento, que ainda assim encara os riscos daquela paixão reacender. E aqui eu preciso confessar que sempre me pareceu que os asiáticos fossem pessoas frias, que não expressam totalmente seus sentimentos e suas emoções, porém esta dupla mudou meu pensamento. Nem preciso destacar individualmente a atuação de cada um, já que os três estiveram o tempo todo em uma perfeita sintonia, com uma grande exibição e um grande entrosamento. Porém, vale ressaltar um ponto que engrandeceu ainda mais a atuação de todo o elenco; que é a sutileza de uma interpretação que é carregada nos detalhes de expressões, reações, olhares, ampliando todo um gestual que casou com perfeição entre os fortes diálogos.
Um grande filme precisa se destacar nas qualidades técnicas! A trilha sonora dos compositores Christopher Bear e Daniel Rossen tocam o fundo de nossas almas. Temos aqui composições leves, singelas, com suaves melodias de pianos, que transmitia afeto, carinho, amor, ternura, que nos deixava emocionados, principalmente naquela cena final de despedida entre a Nora e o Hae Sung (por sinal, o ponto alto filme). O diretor de fotografia Shabier Kirchner ("Lovers Rock") faz um trabalho impecável, ajustado, compondo enquadramentos que nos aproximava cada vez mais dos personagens em cena.
"Vidas Passadas" arrecadou US$ 232.266 em quatro cinemas em seu fim de semana de estreia, uma média de US$ 55.066. O longa recebeu cinco indicações no Globo de Ouro, incluindo Melhor Filme - Drama. No Oscar, recebeu indicações para Melhor Roteiro Original e Melhor Filme (um grande feito e um grande reconhecimento para uma diretora estreante).
Encerro afirmando que a diretora Celine Song faz a sua estreia com o pé direito, pois ela compôs um lindo roteiro autoral, intimista, de grande valor sentimental, usando como base a sua trajetória de vida. Dessa forma ela conseguiu impactar com uma história forte, verdadeira, imponente, avassaladora, que nos confrontou com o poder da aceitação e das nossas escolhas, e nos mostrou uma nova perspectiva de como encarar um amor que ficou deixado para trás. Além de uma visão que nem sempre o amor é suficiente. [31/01/2024]
"Os Rejeitados" é dirigido por Alexander Payne e escrito por David Hemingson em sua estreia como roteirista de um longa-metragem. O filme se passa no ano de 1970, e é estrelado por Paul Giamatti como um professor clássico rigoroso em um internato de uma pequena cidade em Massachusetts, que é forçado a acompanhar e ser o responsável por um grupo de alunos que estão retidos durante as férias de Natal.
Alexander Payne é um cineasta conhecido por ter uma opinião forte, por impor um senso de humor ácido aliado à um contexto satírico, o que muita das vezes compõe roteiros mais afiados, com um certo nível de críticas sociais, com monólogos e todo um desenvolvimento de personagem. Alexander já tem uma grande bagagem hollywoodiana, já foi indicado ao Oscar e já venceu por "Sideways" (2004) e "Os Descendentes" (2011).
Diferentemente dos dois filmes citados, em que Alexander Payne ganha o Oscar justamente pelo seu roteiro, em "Os Rejeitados" ele conta com um roteiro inteiramente escrito pelo roteirista David Hemingson. David sempre esteve mais envolvidos com roteiros de séries, como por exemplo: "How I Met Your Mother" (2005), "American Dad"(2005) e "Whiskey Cavalier" (2019). Aqui David surpreende ao trazer um roteiro que foca principalmente no estudo de personagem, no desenvolvimento de personagem, traçando uma linha entre uma comédia natalina e um profundo drama.
"Os Rejeitados" tem um início mais voltado ao desenvolvimento das grandes películas da década de 70, funcionando como resgate nostálgico da época, emulando toda aquela época, que foi justamente uma época marcada pelos grandes protestos, os grandes conflitos e as grandes mudanças em todo território norte americano. Este cenário é o pano de fundo do desenvolvimento de toda a história, já que no início temos o grupo dos "Rejeitados" que estão sobre a tutela daquele professor, que obrigatoriamente estão com os seus sonhos trancados e sofrem uma melancolia. É interessante notar que todos do grupo sofrem de alguma forma com aquele abandono de suas famílias, com aquela situação que estão passando, por mais que eles não admitam nem para eles próprios. E aqui entra a parte que o roteiro aborda questões humanas sobre o relacionamento humano entre pais, filhos e professores.
O roteiro foca no desenvolvimento de pontos como relacionamento, isolamento, crescimento, o teor da juventude, da aceitação e da superação. De início fica bem claro toda as questões que serão abordadas ao logo da trama, porém, logo após a parte que os três alunos (Teddy Kountze, Alex Ollerman e Ye-Joon Park) vão embora de helicóptero, o filme cresce ainda mais de rendimento, muda de tom, de ritmo e passamos a acompanhar aquele relacionamento conturbado que vai tomando forma entre mentor e aprendiz. Esta segunda parte é onde o filme constrói e estabelece sentimentos de solidão, conexão, reaproximação, libertação, transformação, criando um ambiente que percorre o sentimentalismo, a dor, a perda, o luto, o trauma e o abandono.
Nesse ponto o roteiro é muito hábil e muito inteligente ao traçar uma linha que percorre sobre o trio (Paul, Tully e Mary), mostrando suas diferenças, suas personalidades, seus conflitos, seus pensamentos, suas fragilidades, suas vulnerabilidades, o que logo corrobora para cada um lidar com suas dores, seus traumas e seus sofrimentos internos. O longa consegue abordar com maestria cada um desses pontos fazendo uma dosagem perfeita entre o sentimento de nostalgia, solidão, melancolia, mas sem desandar para o melodrama forçado e aidna conseguindo mesclar tudo dentro de uma comédia dramática. O mais interessante é a forma como o filme consegue manter o equilíbrio de todos os personagens, pois cada um tinha sua dor e seu sofrimento interno, e por mais que nenhum deles quisessem estar naquele local em uma data que remete a união familiar, mas logo eles vão se reencontrando, criando um vínculo improvável, um senso de união, uma forma para que juntos pudessem encarar suas diferenças enquanto atravessavam aquelas férias natalina.
"Os Rejeitados" é aquele típico caso que você lê a sinopse e não dá nada para o filme, e justamente, temos aquela história simples porém bem desenvolvida, bem contada, bem interpretada, com um tom sensível, emocionante, libertador, que logo nos prende e nos deixa confortável aquecendo os nossos corações. De fato é muito gostoso e muito comovente acompanhar aquele nascimento daquele relacionamento improvável entre aluno e professor, aidna mais se falando de duas pessoas que a princípio se mostram totalmente diferentes, com ideias e atitudes diferentes. Porém, com o passar da história vamos conhecendo melhor cada um e entendendo melhor cada um. Como no caso do Angus Tully (Dominic Sessa), que se mostra rebelde, insatisfeito, melancólico, e justamente pela sua criação, pelo abandono de sua família. Como na cena em que ele nos conta toda a sua história e logo após ele vai ao encontro do seu pai, que está internado por sofrer de uma doença mental debilitante, esquizofrenia paranoica e demência precoce. Ali já notamos toda a sua desconstrução e descaracterização daquela personalidade que conhecemos no início.
Dominic Sessa faz a sua estreia no cinema e de cara ele já nos surpreende com uma atuação forte, arrojada, competente, de um jovem rebelde, problemático, rejeitado, revoltado com a vida, tomado por dores e traumas familiares. Porém, logo ele nos conquista e nos convence pela sua sensibilidade, pelo seu carisma, pela sua naturalidade de atuar, que realmente nos desperta empatia e passamos a sentir as suas dores. Já o Paul Giamatti (dos clássicos "O Show de Truman" e "O Resgate do Soldado Ryan") faz aquela linha de professor carrancudo, linha dura, com um olhar rigoroso e uma postura mais arrojada, que a principio transcende os seus limites até aquela conexão imediata e problemática com o Jovem Tully. Uma atuação extremamente perfeita e muito bem apresentada de Paul Giamatti, que navega em diferentes personalidades de seu personagem, nos expondo um lado rigoroso tomado de um senso de humor sarcástico, contrapondo com um lado mais humano, mais natural e mais sensível de um professor que cria empatia e compaixão pelo seu aluno.
E aqui vale destacar a enorme química alcançada entre o Dominic Sessa e o Paul Giamatti, que juntos estiveram o tempo todo em uma perfeita harmonia, sintonia, expondo carisma, sinergia, um senso de humor, um timing para as cenas mais cômicas, mais hilárias, mais casuais, e compondo duas personalidades que juntas se reencontraram com uma enorme transformação de caráter.
Completando o belo trio de "Os Rejeitados", temos a Da'Vine Joy Randolph ("Only Murders in the Building") que interpreta a cozinheira-chefe Mary Lamb. Mary é uma mulher ressentida, trancada dentro de si, enlutada pela perda do filho na guerra, que silenciosamente explora a sua dor e o seu trauma. Porém, ela é a peça-chave que começa a costurar as emendas do roteiro em relação a improvável convivência entre Paul e Tully. No fim ela é parte fundamental do trio, que juntos exploram suas dores, a profundidade da solidão e a essência da construção daquele relacionamento. E o mais interessante é que juntos eles conseguem encontrar conforto, carinho e afeto. Belíssima atuação de Da'Vine Joy Randolph, que nos conquistou pelo seu enorme carisma e seu ótimo trabalho.
E para contextualizar a enorme química do trio, temos algumas cenas que são interpretadas como uma verdadeira libertação. Como por exemplo: aquela cena onde os três estão ao lado de fora do restaurante, onde juntos fizeram o seu próprio "Cherries Jubilee". Esta é uma cena incrível, onde já exemplifica o poder de um relacionamento construído como uma base familiar. Aquela cena que o Paul defende o Tully na frente do diretor, da mãe e do padrasto, afirmando que a culpa era dele, ao levá-lo naquela férias e o convencer a visitar o pai. E o Paul sacrifica o seu emprego ali para evitar que o jovem fosse para uma escola militar. É uma cena que funciona como uma lavagem na alma do Paul, afinal de contas ele estava se doando e fazendo uma coisa boa, pois no fim ele conheceu a verdadeira personalidade do Tully e viu todo o seu potencial. E no fim temos o fechamento com chave de ouro, o ápice de toda a trama; que é justamente a despedida do Paul e o Tully, com ele dizendo que não sabia o que o Paul tinha dito para seus pais e o diretor, mas que ele não iria mais ser expulso. Eles se despedem com um forte e verdadeiro aperto de mãos, com o Paul partindo comovido e o filme acabando. Este final é apoteótico, libertador, um afago em nosso coração, em nossa alma, funcionando como uma verdadeira lição de vida, de formação de carácter, de amadurecimento, de engrandecimento e de criação do ser humano.
Destacando as partes técnicas do filme: A trilha sonora é melodramática, mas isso não quer dizer que é ruim e nem forçado, soa como necessária para acompanhar todo o desenrolar daquela história. Tanto que no início tínhamos uma trilha sonora mais potente, dado ao momento de rebeldia do grupo, logo após a trilha é mais densa, mais pesada, mais comovente, com melodias mais agravantes diante daquele cenário. Sem falar que ainda tínhamos algumas músicas natalinas, que personificou ainda mais a proposta do filme. A cinematografia é bem apresentada, cujo funcionamento esteve em perfeita harmonia com uma base sólida da fotografia. Sem falar na direção de arte, que também colaborou em grande estilo com cenários que nos remetia à década de 1970.
"Os Rejeitados" foi eleito um dos 10 melhores filmes de 2023 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute, e recebeu muitos outros prêmios, incluindo o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante (Da'Vine Joy Randolph) e Melhor Ator em Filme – Musical ou Comédia (Paul Giamatti). Também recebeu cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator para Paul Giamatti, Melhor Atriz Coadjuvante para Da'Vine Joy Randolph e sete indicações ao BAFTA, incluindo Melhor Filme e Diretor.
"Os Rejeitados" arrecadou US$ 211.093 em seis cinemas em seu fim de semana de estreia, uma média de US$ 35.082 por local, totalizando US$ 26 milhões no geral.
Por fim: Alexander Payne nos brinda com um excelente filme que trata de uma leitura de personagem, de amizade, de avaliação comportamental, da criação de vínculos, de relacionamentos, analisando temas como melancolia, dor, luto, perdas e recomeços. Sem dúvida o filme consegue nos imergir em uma comédia dramática natalina inserida em uma releitura acerca da solidão, do abandono, da aceitação, da redenção, que nos mostra principalmente os nossos erros, a nossa superação e a reconstrução de relacionamentos quebrados entre pais e filhos. "Os Rejeitados" é uma grata surpresa, pois no fim eu fiquei comovido e tocado pela sua linda mensagem, que inclui valores, conceitos, empatia, bondade, sensibilidade, e principalmente uma grande lição de vida. [28/01/2024]
Anatomia de uma Queda (Anatomie d'une Chute / Anatomy of a Fall) 2023
"Anatomia de uma queda" é dirigido pela francesa Justine Triet (diretora de "Sibyl", de 2019) com um roteiro que ela co-escreveu com Arthur Harari (roteirista de "Sibyl"). A história nos leva até Sandra (Sandra Hüller), uma escritora alemã, e Samuel (Samuel Theis), seu marido francês, que vivem juntos com Daniel (Milo Machado Graner), o filho de 11 anos do casal, em uma pequena e isolada cidade nos Alpes. Quando Samuel é encontrado morto do lado de fora da casa, a polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio, e Sandra se torna a principal suspeita.
O cinema francês volta ao grande destaque cinematográfico na temporada de premiações com "Anatomia de uma queda", que estreou no Festival de Cinema de Cannes em 2023, onde ganhou a Palma de Ouro e o prêmio Palm Dog e concorreu ao Queer Palm. O longa-metragem vem ganhando cada vez mais notoriedade e vem recebendo inúmeros elogios da crítica especializada, com elogios à direção e roteiro de Justine Triet e principalmente pela atuação de Sandra Hüller.
O filme já vendeu mais de um milhão de ingressos somente na França, e consequentemente obteve um sucesso significativo em prêmios internacionais, ganhando dois Globos de Ouro de Melhor Roteiro e Melhor Filme Estrangeiro. O longa também ganhou seis prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor no European Film Awards, e recebeu sete indicações no BAFTA, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. No Oscar, o filme recebeu cinco indicações, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Original.
Agora eu me pergunto: qual é o verdadeiro motivo de "Anatomia de uma queda" ter se tornado um filme de tanto sucesso?
Vou começar destacando o roteiro da Justine Triet (junto com Arthur Harari) e a forma como ela idealizou e criou todo aquele universo. A principal característica do roteiro é sem dúvida a complexidade, a ambiguidade, a inteligência e a competência em criar um ambiente misterioso, intrigante, tenso, envolto em um drama carregado com o suspense, que imediatamente já se instala no ar com aquela investigação que já começa baseada em nossa curiosidade em começar a tentar desvendar todos os mistério daquela morte. O primeiro ato do filme surpreende e se destaca pela eficácia em justamente criar um labirinto psicológico que flerta com a complexidade e a curiosidade da mente humana em querer logo descobrir algo. Nesse ponto já entramos no suspense e na psicologia que é criada a partir de todos os relatos iniciais, algo que me remete à um excelente livro de suspense e psicologia que li no ano passado - "A Paciente Silenciosa" (do autor Alex Michaelides). Inclusive eu indico o livro para quem gosta do tema.
Podemos considerar que a Justine cria o retrato de uma mulher que é a principal suspeita pela morte do marido, porém se mantém forte, safa, sagaz, principalmente por todo o julgamento que ela é submetida. E nesse ponto o roteiro se utiliza de suas artimanhas para nos mostrar como uma pessoa tenta provar sua inocência perante às possíveis provas de incriminação. Também acredito que a diretora dá uma certa cutucada no feminismo e no machismo ao criar um drama potente, que mostra uma mulher poderosa que é suspeita porém se mantém lúcida de seus atos. Aqui a diretora cria um tema que subverte os papéis de gênero. Outro ponto é a forma como essa mesma mulher forte e aguerrida também se mostra frágil, vulnerável, por estar sempre tentando defender a sua tese, pois no mesmo momento que ela está sendo interrogada ela também está se desmoronando ao reviver às profundezas da sua relação conturbada com o marido.
"Anatomia de uma queda" se divide em duas partes: a primeira hora o filme constrói todo o seu terreno pautado no investigativo, no depoimento local, em reunir provas daquele ocorrido. Ou seja, nesse ponto o ritmo do filme tende a cair bastante, fica mais lento, mais arrastado, o que fatalmente poderá cansar, pois logicamente você vai precisar de mais paciência e bastante foco para ir desvendando e juntando as peças desse quebra-cabeça. Já na segunda hora do filme: é onde temos aquela passagem de tempo de um ano, e já estamos na parte das audiências no tribunal, tomando o depoimento de cada pessoa que de certa forma esteve envolvida no caso.
Nessa segunda parte do filme já temos uma abordagem mais enfática no caso, que logo vai nos revelando segredos do casal que até então eram desconhecidos. Dessa forma o roteiro voltar a crescer e toma um novo fôlego, saindo do marasmo da primeira hora e mergulhando em um drama jurídico. Nesse ponto o roteiro de Justine volta a brilhar, quando ela deixa de lado apenas às circunstâncias das investigações iniciais e nos mergulha em uma jornada inquietante, intrigante, desgastante, com um drama e uma construção psicológica.
Filmes de tribunais são difíceis de construir, de se sustentar, de prender o espectador com o tema em questão, de conseguir segurar o interesse na história que está sendo desenrolada. Na maioria das vezes é uma temática que se não for bem desenvolvida fatalmente vai acabar caindo no marasmo, no enfadonho, perdendo cada vez mais a sua força. "Anatomia de uma queda" tinha tudo para ser apenas mais um desses inúmeros filmes investigativos de tribunais que sofre com tudo que mencionei anteriormente, já que sua primeira hora é instigante mas sofre com o ritmo lento e arrastado. Porém, quando entramos em um thriller de tribunal o roteiro volta em sua potência máxima, já que ele passa a brincar com o espectador e a sua capacidade de desvendar o crime. Pois é óbvio que inicialmente todos iriam desconfiar da própria Sandra, por ser a esposa, por possivelmente o marido sentir ciúmes dela, por ela nutrir um possível interesse em mulheres. Logo após já somos tomado pela dúvida a respeito dela e do advogado, já que ela o conhece há algum tempo e parece ter um certo interesse no ar. Logo após já estamos analisando o possível suicídio pelo fato das aspirinas, do cachorro e de todo o depoimento do Daniel.
A cereja do bolo é aquela construção do drama, do investigativo, da tensão, do suspense, do psicológico, do roteiro sempre querer nos pregar uma peça, nos fazer levantar suspeitas. Suspeitas essas que acreditamos fielmente ser culpa da Sandra, ainda mais depois que descobrimos as brigas de seu relacionamento e seu interesse em mulheres. Mas é nesse ponto que o roteiro começa a dissecar aquele relacionamento que soa dúbio, pois a intenção do filme não é chegar no final e entregar tudo de bandeja e mastigadinho para o espectador (como assisti recentemente em "Saltburn"), tanto que em nenhum momento temos cenas com flashbacks mostrando realmente o que aconteceu na cena da morte. A intenção é fazer com que nós criássemos as nossas interpretações e tirássemos as nossas próprias conclusões à respeito de todo o acontecimento na trama. Aqui a intenção é justamente criar um labirinto psicológico que confronta o assassinato, o suicídio e o possível acidente, nos obrigando a colocar tudo em uma balança. É nessa pauta que o filme progride em todo o seu tempo, deixando tudo no ar e encerrando com uma final ambíguo.
E aqui entra um ponto que pode desagradar o público, já que na maioria das vezes as pessoas estão acostumadas com filmes fechadinhos, com começo, meio e fim. Pode ser questão de gosto próprio, mas particularmente eu prefiro quando o filme explora a minha capacidade cognitiva, que me obriga pensar, analisar, criar situações em minha mente para tentar entender e desvendar tais fatos. Nesse ponto fica muito claro que esta é principal intenção do roteiro, em propor uma discursão que não enfatiza 100% da verdade, já que aqui a verdade pode ser ressignificada, incognoscível e incerta, já que a Justine trabalha um roteiro calçado com incertezas, dúvidas, inconclusões, que é justamente a sua intenção para prender o espectador em busca de respostas. Tudo isso nos causa agonia, desconforto e também pode causar frustração, já que no fim o filme termina apresentando mais dúvidas do que respostas, o que pode ser uma falha para uns como pode ser o ponto alto para outros.
Todo o sucesso e todos os prêmios de "Anatomia de uma queda" não seria possível sem a presença de Sandra Hüller (vencedora do European Film de melhor atriz por "Toni Erdmann", de 2017). É impressionante a performance da Sandra ao incorporar uma mulher que é carregada emocionalmente, dramaticamente, cheia de camadas, cheia de mistério, cheia de ambiguidade, que se mostra fechada em até certo ponto, que desperta incertezas, suspeitas e curiosidades por todos os lados. Sandra constrói uma personagem que divide o público, que muitos acreditam em sua versão dos fatos e outros já duvidam. A cena da discursão entre ela e o marido na noite antes do ocorrido, que foi reconstituída no tribunal, mostra uma atuação poderosíssima da Sandra Hüller. Este é o poder e a força da sua atuação, que naturalmente está em um alto nível de excelência, e que merecidamente foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz.
Swann Arlaud ("Uma Vida Sem Ele", de 2022) contribui muito bem ao lado da Sandra, representando aquele curioso e enigmático advogado de defesa. Milo Machado Graner ganha a importância do seu personagem ao longo da trama e se destaca mais na parte final. Vale destacar aquela cena dele com o cachorro, que foi surpreendente e até comovente. Antoine Reinartz ("Oh Mercy!", de 2019) me surpreendeu pela potência de sua atuação na pele do promotor de justiça. Suas cenas durante o julgamento surpreende pelo debate acusatório, por compor diálogos e discursões em uma velocidade que era difícil até de acompanhar nas legendas (que por sinal o idioma francês deixa a sua atuação ainda mais elegante). Samuel Theis ("Softie", de 2021) tem um tempo menor de tela, mas em suas aparições ele conseguia manter o nível de atuação ao contracenar com a Sandra Hüller. Destaco também a mesma cena que destaquei da Sandra, aquela cena da discursão, que ele foi muito bem.
Falando das qualidades técnicas do filme: A cinematografia é muito boa, a fotografia tem enquadramentos muito satisfatórios, até porque se entrarmos na direção de arte iremos nos deparar com um cenário muito belo, envolto um ambiente gelado, onde a própria fotografia vai se destacar com focos mais cinza, mais frio, com cores mais frias. Já por outro lado a própria direção de arte nos entrega um cenário mais fechado na segunda parte do filme, que em contrapartida contracena com uma fotografia mais focada nas expressões e emoções dos personagens. Já a trilha sonora tem a sua dose de contribuição, sendo a responsável em nos deixar incomodados em várias cenas. O que dizer daquela versão de "P.I.M.P", do 50 Cent, que literalmente me deixou incomodado.
Curiosidades: "Anatomia de uma queda" foi lançado em 379 cinemas na França, onde estreou em segundo lugar nas bilheterias, arrecadando mais de US$ 2 milhões e vendendo 262.698 ingressos, atrás de "Barbie" (288.185 ingressos) e à frente de "Oppenheimer" (231.550 ingressos). O longa teve a melhor abertura para um vencedor da Palma de Ouro desde "The Class" (2008), que vendeu 358.000 ingressos na França durante seu fim de semana de estreia. Em seu segundo fim de semana, o filme ficou em segundo lugar, atrás de "The Equalizer 3" e à frente de "Barbie", acumulando 608.913 ingressos vendidos. Em seu terceiro fim de semana, o filme alcançou o primeiro lugar nas bilheterias francesas com 191.392 ingressos em 738 cinemas, acumulando 800.283 ingressos vendidos, e arrecadando US$ 5,7 milhões. Em setembro de 2023, o longa-metragem ultrapassou 1 milhão de entradas na França um mês após seu lançamento nos cinemas, tornando-se o sétimo vencedor da Palma de Ouro - e o terceiro vencedor da Palma de Ouro francesa - a ultrapassar a marca de 1 milhão de entradas na França desde 2000.
Por fim, "Anatomia de uma queda" é um filme que mistura várias camadas do ser humano e consegue construir um roteiro inteligente, potente, complexo, intrigante e curioso, que mostra um procedimento inteligente e solidamente elaborado para se mostrar presente durante todo o drama familiar. Por outro lado eu não o vejo como uma obra inédita, autêntica, revolucionária, já que existem outros thrillers de tribunal que aborda muito bem essa temática de julgamento investigativo, sendo com finais abertos ou não.
Por mais que a primeira hora do filme o ritmo seja lento e arrastado, mas a segunda hora compensa com um ótimo thriller de tribunal imerso em questões misteriosas, complexas e psicológicas, que contribui um ótimo desfecho final.
O final de "Anatomia de uma queda" fica em aberto e abre espaço para você criar a sua interpretação e, consequentemente, a sua conclusão à respeito de quem é a vítima e quem é o vilão no final da história. Um final que me remete à outra obra-prima literária que também li no ano passado - "Verity" - da poderosa Colleen Hoover. [23/01/2024]
"Cemitério Maldito" é a primeira adaptação do romance homônimo de Stephen King lançado em 1983. Dirigido por Mary Lambert e escrito pelo próprio King, o longa é estrelado por Dale Midkiff, Denise Crosby, Blaze Berdahl, Fred Gwynne e Miko Hughes. A trama se passa em 1969, onde o jovem médico Louis Creed (Dale Midkiff), junto de sua família, decidem deixar a vida na cidade grande e se mudarem para uma vida interiorana na cidade de Ludlow, no Maine. Após conhecer o velho Jud Crandall (Fred Gwynne), o simpático vizinho, Louis descobre os segredos sinistros daquele local, sendo forçado a enfrentar a sombria história de sua família, que o manterá para sempre conectado com aquela cidadezinha.
Sobre o livro: Não é à toa que o livro é considerado por muitos (incluindo eu) como uma das melhores obras literárias de toda a carreira do mestre King. A cada página que você lê você se surpreende ainda mais, pois a história tem um poder inimaginável em nos prender e aguçar a nossa mente, os acontecimentos são cada vez mais interessantes e mais misteriosos. A forma como o King vai desenvolvendo a sua história com o passar de cada página é muito interessante e muito envolvente, e deixa a gente cada vez mais curioso acerca daquele universo ambíguo que estamos conhecendo. Toda essa interpretação que o livro faz sobre o que é a morte, o que ela representa para cada um, a forma como ela é vista na história. Sem dúvida o início do livro é uma belíssima construção para o terror.
E o mais interessante é o fato do livro ser direcionado como um terror, obviamente contando uma história de terror, mas não é somente uma simples história de terror. Pois a dimensão que temos aqui vai muito além do terror e da morte, o que nos confronta diretamente com a dor, a perda, o luto, a depressão, a superação, a desilusão, a frustração, o trauma e a redenção. King constrói um história muito inteligente, intrigante, misteriosa, lúdica, que mexe com o nosso psicológico, que desperta a nossa crença sobre o bem e o mal, sobre o real e o imaginário, sobre o certo e o errado, sobre a lucidez e o ilusório. E ainda vai além, ao nos envolver com uma história surpreendente e misteriosa sobre aquele local, que foi construído sobre a base das desilusões e da fé das crianças, "O Simitério de Bichos", que é um local que mantém poderes sobrenaturais e sombrios e oculta um misterioso sepulcro indígena com poderes de ressurreição.
É impossível você lê esta história e não se prender, não se surpreender, não ficar envolvido, não se apegar pelos personagens, pois tudo é muito bem construído, muito bem desenvolvido, muito bem contado. "O Cemitério" tem a melhor história já escrita pelo mestre King, juntamente com "O Iluminado", que são os meus dois livros preferidos de sua bibliografia.
Sobre a produção do filme: King foi muito criterioso e muito exigente ao vender os direitos autorais de seu livro para compor uma adaptação cinematográfica. King queria que a adaptação de sua obra respeitassem principalmente a essência de sua história, já que naquela mesma década ele havia se decepcionado bastante com a versão de Stanley Kubrick de seu clássico "O Iluminado". King enfrentou algumas dificuldades e recusou várias outras ofertas para uma adaptação cinematográfica, incluindo adversidades até com os estúdios de produção da época, que afirmava que não havia mais demanda por filmagem de Stephen King após uma série de adaptações de seus romances lançados durante todo os anos 80.
Desde o ano de 1984 que King já havia vendido os direitos de adaptação de seu livro, que foi passando de mão em mão, e somente no ano de 1988, durante a greve do Writers Guild of America, que a Paramount Pictures reconsiderou a ideia porque o estúdio estava enfrentando uma possível escassez de novas produções para lançamento em 1989. A partir da luz verde do estúdio que King obviamente foi rigoroso com a adaptação, começando com exigência que o filme fosse rodado no estado norte-americano do Maine e que seu roteiro fosse seguido rigorosamente. O estúdio escolheu a direção da obra, mas a palavra final foi do King, que aceitou a diretora Mary Lambert, que o impressionou com seu entusiasmo por seus romances e seu compromisso em permanecer fiel ao material original. Mary era mais conhecida por seu trabalho na direção de videoclipes, como alguns clipes da Madonna, incluindo "Material Girl" (1984) e "Like a Prayer" (1989). Através de seu trabalho na indústria musical ela era amiga dos Ramones, que era uma das bandas favoritas do King. Mary também foi a responsável em discutir com a banda sobre a gravação de uma música para o filme, que eles logo concordaram em escrever e interpretar a clássica "Pet Sematary", que também foi outro ponto que o King adorou da diretora.
Sobre a adaptação do filme: King esteve muito envolvido no processo de produção e filmagem do longa, consultando a diretora Mary Lambert frequentemente sobre suas ideias para a história e quaisquer desvios do roteiro que ela desejava fazer (King estava realmente traumatizado pelo "O Iluminado" do Kubrick). No decorrer das adaptações das obras do King para o cinema, temos algumas que seguiram muito bem o material original do livro e se tornaram adaptações cinematográficas bem fiéis; que o caso de obras como "Carrie" (1976), "It"(1990/2017/2019), "Misery / Louca Obsessão" (1990) e "À Espera de um Milagre" (1999). De acordo com a ideia/exigência de King, posso dizer que aqui temos uma adaptação cinematográfica em até certo ponto fiel com a obra original (por mais que tenha uns pontos que discordo). Assim como o livro, o filme também aborda a questão da morte, o significado da morte, a relação da morte com cada um dos personagens da história, o que dá a entender que muita das vezes estar morto pode ser melhor (como menciona o próprio Jud Crandall). E o interessante é exatamente todo esse contexto da história da família Creed, que aborda exatamente aquela ideia de que se mudar muita das vezes significa iniciar uma vida nova em um novo local, recomeçar, mas no caso da família Creed pode significar o começo do fim.
A história que o King constrói tanto no livro quanto no filme é surpreendente e maravilhosa, que logo destaca o grande mestre do terror que ele é, ao nos embarcar (juntamente daquela família) como uma espécie de passagem para o inferno em um local que propriamente nos remete a paz de espírito. E o mais intrigante é o fato do King colocar em sua história uma espécie de guia turístico para o inferno, que é o amigável Jud Crandall. Aqui temos outro ponto bem curioso e discutível, que o fato do peso na história que traz a participação do Jud, que a princípio ele só queria ajudar a filha do Louis para que ela não viesse a sentir o peso e a tristeza da morte de seu gatinho Church. Por outro lado ele sabia o que tudo aquilo poderia causar na vida do Louis e sua família, pois ele próprio já tinha passado por isso quando era jovem com seu cachorro. Essa é uma discursão muito inteligente que agrega ainda mais em todo o contexto da história, que é a decisão em você querer evitar a morte, ou não querer que uma criança sofra pelo fato da morte existir e ela não saber o seu peso e as suas consequências. Este é um tópico excelente.
Outro ponto que pode ser discutido é em relação às decisões de Louis. Obviamente ele faz escolhas terríveis durante todo o seu percurso. E quem vai julgá-lo? Quem vai apontar aonde ele errou? Afinal de contas ele era médico e acreditava no dom da vida e na desilusão da morte. Tudo que o Louis fez foi por amor a sua família, talvez da maneira errada e precipitada, mas fatalmente foi por amor. Pois certamente ele queria sempre manter a sua família ao seu lado, que vai desde o gato, o filho e a sua esposa. Exatamente nesse ponto temos uma obra que mergulha em um suspense psicológico, um terror psicológico, que aborda o peso da dor, do luto, do trauma, que discuti sobre a morte e a sua aceitação, em como nós enfrentamos a morte e as suas consequências, em como temos consciência de que o amanhã pode não chegar, que muita coisa pode acontecer num intervalo de tempo muito curto. Posso assegurar que este é um tópico que discuti a filosofia da vida, obviamente um raciocínio filosófico sobre a vida e a morte, e que é muito melhor abordado no livro do que no filme.
Sobre essa questão da filosofia da vida que é melhor abordado no livro, é um ponto que vale a pena ressaltar, pois no livro temos toda a construção da perda de consciência e sanidade do Louis, que o leva diretamente a agonia e ao extremismo, a tomar decisões precipitadas e radicais, é um processo que leva o Louis de encontro a total loucura. O livro constrói melhor os diálogos que aborda justamente toda essa questão da finitude da vida, e que no filme é feito de forma muito rápida e pouco abrangente, e que interfere diretamente no peso que a obra poderá nos causar. Este é um dos problemas de adaptar um livro com mais de 400 páginas em um longa-metragem de pouco mais de 1h 30min, pois obviamente a história no livro será sempre mais detalhada e logo, mais abrangente. No filme os acontecimentos são muito rápidos e não transmite o peso real e a profundidade psicológica daquela história, logo não consegue imergir o espectador na história como faz no livro, pois no livro temos construções e passagens que nos deixa incomodados e sufocados (como naquela cena em que o Louis vai desenterrar o filho). Isso não acontece no filme, inclusive esta cena que eu mencionei é feita sem nenhum peso psicológico, apenas como uma passagem obrigatória do roteiro.
E aqui eu preciso destacar dois pontos importantes do livro e que não foram bem adaptadas no filme: 1 - A participação da irmã da Rachel Creed (Denise Crosby) na trama, a Zelda (Andrew Hubatsek). No livro temos toda uma construção e desenvolvimento da Zelda, juntamente com o peso e o impacto que ela proporcionou na vida de sua irmã Rachel. Isso conta muito para todo o desenvolvimento da própria Rachel durante a história com sua família, e a forma como ela vê e sente aqueles acontecimentos em sua vida. No filme a Zelda é simplesmente jogada na história como uma obrigatoriedade de roteiro, sem nenhum desenvolvimento para quem não leu o livro pudesse entender quem é ela e o que ela significa na história. 2 - Decidiram cortar a esposa do Jud, a Sra. Norma Crandall, e usar o seu espaço na história com a empregada da família Creed, a Missy Dandridge (Susan Blommaert). No livro a personagem da Sra. Norma é muito importante no contexto da história do Jud e do próprio Louis. Temos aquela abordagem em torno do seu sofrimento com artrite, a maneira como ela faz parte da história em relação ao Louis como médico, sendo que até a sua morte foi um choque para a menina Ellie Creed (Blaze Berdahl). No filme ela é cortada da história e conhecemos o Jud morando sozinho em sua casa. Já a Missy Dandridge tem sua participação no filme, porém é bem curta, pois logo ela descobre um câncer e se enforca. Não sei os reais motivos que decidiram retirar a Sra. Norma do filme e deixar somente a Missy Dandridge. Também gostaria de saber até que ponto o próprio King concordou com estas decisões, já que pra mim são mudanças cruciais, e ele queria que a adaptação seguisse fielmente a sua obra original. Fica aí a dúvida!
Sobre o elenco: Dale Midkiff estava praticamente estreando no cinema e até que ele conseguiu compor bem o personagem do Louis. Tudo bem que em determinadas cenas faltava nele mais a veia dramática e principalmente aquela sensação de extrema loucura presente no Louis do livro. Mas até que ele entregou um personagem aceitável. Já o Fred Gwynne pegou a essência do personagem do livro. Eu diria que ele foi o que mais se aproximou do Jud do Livro, por ter aquele jeitão amigável, amistoso, logo após ser misterioso e muito intrigante. Denise Crosby colabora bem com a história, tem uma participação ok com sua personagem e contracena bem com Dale Midkiff. Ela convence em algumas cenas mais dramáticas, que lhe exigia um algo a mais de sua atuação, e ela também foi bem. Blaze Berdahl, com apenas 9 anos na época, é mais uma que acerta muito bem em sua personagem, conseguindo interpretar bem uma Ellie que se assemelha muito com o livro. O pequenino Miko Hughes, com 3 aninhos, brilha como o doce Gage. E aqui fica muito claro que sua participação foi melhor no início do filme, já que nas partes que ele volta, é nítido observarmos que na maioria das vezes é um boneco em seu lugar. Sem falar que nas cenas em que ele começa a andar na casa matando, é claramente inspirado no clássico "Brinquedo Assassino", que havia estreado um ano antes, em 1988. Brad Greenquist teve até mais espaço do que eu imaginava com seu Victor Pascow. Esse eu gostei bastante da sua participação, e sua maquiagem ficou muito boa pra época. Curioso que a Zelda foi na verdade interpretada por um homem (Andrew Hubatsek). O motivo foi que os produtores não conseguiram encontrar uma mulher magra o suficiente para a personagem. Sem esquecer de mencionar o próprio Stephen King, que aparece em uma pequena ponta no filme, interpretando o padre na cena do funeral.
Algumas diferenças entre livro e filme: - A forma como Jud conhece a família é diferente do livro. Aqui ele chega bem na hora de pegar o Gage que estava indo para a estrada, no livro o jud chega bem na hora que o Gage havia sido picado por uma abelha. - Até por uma questões lógica da época, no filme não mostrou o Gage em pedaços como no livro, em que ele estava até sem a cabeça quando o Louis abriu o caixão - por sinal a cena mais pesada do livro. - No livro a Rachel chega até a casa do Jud com um carro azul, logo após ele ter ligado para ela e pedido que assim que ela chegasse que fosse primeiro na casa dele, no filme ela pega carona em um caminhão da Orinco e quando chega ela é surpreendida pela voz da sua irmã Zelda vindo da casa do Jud, e ai ela decide ir até lá. - No final a Rachel retorna assim como no livro, porém no filme fica claro que ela mata o Louis com a faca, no livro isso não fica claro, já que o Louis está sentado em sua casa mexendo nas cartas do baralho, e ela chega por trás colocando a mão em seu ombro e o chamando de "Querido", com uma voz carregada com um chiado que parecia estar cheio de terra. Este é o final do livro. - No filme, o final é com aquela cena bizarra em que o Louis beija aquela Rachel recém ressuscitada cheia de barro e sem um olho.
Curiosidades do filme: O título original do filme ("Pet Sematary") é uma grafia que faz uma alusão de "Cemitério de Animais de Estimação" ("Simitério de Bichos"). Curioso que esta mudança na escrita original da palavra em inglês, que seria cemetery, foi uma decisão do King como uma alusão à escrita errada da placa do Cemitério dos Bichos feito pelas crianças. Mais curioso ainda que no Brasil o título do filme não seguiu esta grafia incorreta, para simbolizar a intenção do próprio King. Mas confesso que seria legal se o título do filme fosse "O Simitério Maldito", apesar das críticas e polêmicas que isto geraria.
A versão original do filme entregue aos executivos da Paramount foi considerada muito longa, então o excesso de filmagem teve que ser removido. Por isso ficou faltando várias abordagens relevantes do livro para o filme.
A cena final original era mais ambígua: mostrava apenas a morta-viva Rachel entrando na cozinha onde Louis está jogando paciência, deixando seu destino incerto (mais fiel ao livro). Embora a diretora tenha chamado esta opção de final "mais assustador, triste e trágico", porque o público sabe que não vai ser o que ele quer. Ela não vai voltar como sua esposa. Ainda assim o estúdio decidiu que era muito inofensivo e a pedidos, foi refeito para ser mais impactante graficamente e menos ambíguo.
Uma sequência, "Cemitério Maldito 2", foi lançada em 1992, com críticas ruins e bilheteria decepcionante. Embora faça referência aos eventos do primeiro filme, a sequência se concentra em personagens totalmente novos. Uma segunda adaptação cinematográfica foi lançada em 2019 com o mesmo título do original. No dia 06 de outubro de 2023, o serviço de streaming Paramount+ lançou um spin-off chamado "Cemitério Maldito: A Origem" (Pet Sematary: Bloodlines). Um documentário, "Unearthed & Untold: The Path to Pet Sematary", estreou em setembro de 2014 e foi lançado em janeiro de 2017.
"Cemitério Maldito" ficou em 16º lugar na lista da IFC das melhores adaptações para cinema e televisão de Stephen King, e também em 16º lugar no Top 30 de adaptações de King da Rolling Stone.
O longa-metragem arrecadou US$ 57,5 milhões de bilheteria com um orçamento de US$ 11,5 milhões.
A trilha sonora do filme foi escrita por Elliot Goldenthal (por sinal uma boa trilha sonora). O filme traz duas músicas dos Ramones: "Sheena Is a Punk Rocker" (1977) aparece na cena do caminhão que vai atropelar o Gage, e " Pet Sematary ", uma nova faixa escrita especialmente para o filme, que toca nos créditos. A música "Pet Sematary" se tornou um dos maiores sucessos dos Ramones, alcançando o quarto lugar na lista "Modern Rock Tracks" da Billboard, apesar de ser, nas palavras da AMG: "injuriada pela maioria dos fãs hardcore da banda". Eu adoro a música, é uma clássico atemporal.
Encerro afirmando que "Cemitério Maldito" é um clássico do terror, um verdadeiro patrimônio da cinematografia dos anos 80, uma obra que marcou geração, que moldou uma geração, que em sua época obteve um grande impacto na indústria do cinema e consequentemente da música. O longa tem uma boa adaptação da obra original e está na lista dos melhores filmes tirados de uma obra-prima do mestre Stephen King. [20/01/2024]
"Saltburn" é escrito, dirigido e coproduzido por Emerald Fennell, a vencedora do Oscar por Roteiro Original de "Bela Vingança", de 2020. O longa é situado em Oxford e Northamptonshire, Inglaterra, onde se concentra em um estudante da universidade de Oxford que fica obcecado por um colega popular e rico, que mais tarde o convida para passar o verão na propriedade de sua excêntrica família.
Emerald Fennell volta novamente aos holofotes ao apostar na ousadia, nas polêmicas, gerando inúmeras discursões e interpretações. "Saltburn" é o filme mais polêmico dessa temporada de premiações cinematográficas, pois muitas pessoas discutem a banalização das cenas de cunho sexual e nudez explícitas que o longa entrega. A própria diretora foi questionada sobre o tema e afirmou que queria fazer algo diferente, causar estranheza, que fizesse as pessoas pensarem e sentirem algo. Na verdade ela queria tirar o seu espectador da sua zona de conforto, que seria justamente causar o desconforto, causar uma discursão de opiniões adversas, polemizar um texto bastante ousado.
Eu confesso que no início eu achei que "Saltburn" fosse um romance gay, que fosse focar no desenvolvimento daquela descoberta de uma relação de amizade e o despertar de um interesse amoroso entre duas pessoas que se conheceram, algo como o filme "Me Chame Pelo Seu Nome" (2017). E todo esse meu pensamento faz sentindo, já que inicialmente o roteiro traz uma abordagem em torno do jovem bolsista que acaba de chegar em uma nova universidade e logo quer se enturmar com a galera, ou pelo menos passar a conhecer aquela nova galera. O que logo faz ele deixar de lado o primeiro amigo que fez para se integrar nessa nova galera, que por sua vez o vê como estranho, como pobre, o bolsista que compra roupas no brechó e que ninguém quer sentar ao seu lado. Logo Oliver Quick (Barry Keoghan) se vê em um ambiente em que acaba de conhecer o cara mais popular da universidade, em que as garotas querem usá-lo apenas como uma válvula de escape com a intenção de causar ciúmes naquele galã daquela bolha. Por outro lado o cara popular, Felix Catton (Jacob Elord), logo se compadece pela história triste contada pelo Oliver, que o desperta talvez culpa, pena, interesse, compaixão, até ele o convidar para ir passar um tempo em sua casa.
"Saltburn" é um suspense psicológico, uma comédia de humor negro, um thriller psicológico de comédia ácida, como temas satíricos, com uma abordagem tragicômica, com situações trágicas, adversas e desagradáveis, que nos causa desconforto, que usa temas mórbidos, sérios, para quebrar tabus, que choca e nos causa reflexões sérias sobre questões que normalmente são difíceis de abordar. Eu diria que "Saltburn" é um filme nonsense, fora do habitual, fora do convencional, onde temos uma demonstração de fragilidade, obsessão e vulnerabilidade de uma forma exótica, disfuncional, indigesta, catastrófica, irracional, onde seu principal tempero é a sátira social. Emerald aposta na excentricidade, na extravagância, ao explorar as questões humanas mais sombrias, como desejo e obsessão, que é justamente o maior desejo de Oliver, em querer fazer uma escalada social dentro daquele ambiente.
Podemos considerar que "Saltburn" discuti o sistema de classes sociais, já que temos aquela família tradicional britânica, que usam uma aristocracia inglesa como costumes, com facetas de uma sociedade que é escalonada pelas diferenças sociais e suas crenças arcaicas. Logo temos um estudo de personagens em suas mais variadas camadas, em suas mais variadas facetas, trazendo justamente aquele suspense psicológico em forma de crítica ácida sobre ambição, desejo e poder. Todo esse contexto permeia a nossa curiosidade sobre o Oliver e sua "talvez" origem social diferente daquelas pessoas presentes naquele local, já que a princípio podemos nos questionar sobre a sua principal finalidade, seja ela como ambição pelo poder de uma alta classe social, ou apenas fazer ruir todo aquele castelo por uma pura obsessão sombria e mórbida.
Um ponto muito curioso sobre o roteiro de "Saltburn" é o foco que ele dá no excesso da obsessão humana e o poder absolutamente insano de um desejo obsessivo e obscuro. Pois aqui a ambição e o extremismo é visto como realidades absurdas e doentias, e que se cruzam justamente entre o sexo e o poder causando tensão e desconforto. Obviamente a diretora quis abusar do extremo de uma obsessão sombria e mórbida, onde fatalmente iremos contextualizar a sua obra como um clássico romance gótico, onde encontramos um terror gráfico que pode ser fascinante como pode ser desconfortante. Digo isso pela forma como vamos estudando e descobrindo os desejos letais de Oliver por cada personalidade que habita aquela mansão. E aqui cada um pode interpretar o Oliver de formas diferentes, como o fato de talvez ele despertar uma obsessão sádica e doentia por Felix como uma espécie de desejo sexual, amor e ódio, o que logo explica as cenas mais polêmicas e bizarras do filme. Nesse ponto temos um grande estudo de personagem que pode abordar um Oliver esquizofrênico e psicopata, onde somos confrontados com o repugnante, com o bizarro, com a ambiguidade, com a melancolia e principalmente com o poder da ilusão. É difícil descrever o Oliver e suas atitudes de um personagem que ficou encantado, obcecado e atraído por aquele mundo lúdico, aristocrático e charmoso do Felix. Toda essa aproximação/amizade é logo escalonada para uma crescente obsessão, principalmente pela forma como o Oliver analisa cada membro daquela excêntrica família. A partir daí a mansão Saltburn é palco das maiores bizarrices do filme, onde temos as cenas mais alarmantes, polêmicas e ousadas do roteiro de Emerald Fennell.
Sobre as cenas polêmicas: - Quando o Oliver se vê naquele ambiente ele começa a colocar pra fora o seu desejo sexual e doentio por Felix, a partir da cena em que ele o observa se masturbar na banheira e logo após ele vai até a banheira e entra em um completo delírio sexual com a água da banheira. - Temos a cena com o Oliver fazendo sexo oral e depois transando com a Venetia (Alison Oliver) menstruada. É uma cena bizarra! - Mais bizarro ainda é a cena em que o Oliver fica nu em cima da sepultura do Felix e começa a transar com a terra como se estivesse transando com ele. Uma clara demonstração de desespero, agonia, sadismo, extremismo e esquizofrenia. Esta cena por si só já é muito bizarra, e ela se tornou a cena mais polêmica do filme.
Sobre as cenas de nudez eu confesso que não me incomodou (assim como as cenas polêmicas também não me incomodaram). Toda essa demonstração de nudez no filme é de fato feita de forma até mais artística do que gratuita, se assim podermos considerar. Eu vejo como uma nudez que faz um contraponto necessário e entendível como o roteiro e a sua proposta, já que estamos falando de obsessão, desejo, ambição, o que leva aos desejos sexuais e consequentemente a nudez. A nudez no filme é vista como o apogeu do Oliver no domínio daquele território, onde consequentemente é o ápice da sua excentricidade e extravagância, algo como uma celebração, um ato de profanação, um ato de tomada de território e de poder, como vemos na cena final do filme, quando o Oliver dança nu ao som de "Murder on the Dancefloor" de Sophie Ellis-Bextor, de 2001.
Sobre o elenco: Barry Keoghan é a grande estrela do filme. Incrível como o Barry tem uma veia para atuações em personagens carregados e multifacetados, como ele já havia entregado um excelente personagem em "Os Banshees de Inisherin" (2022). Aqui Barry traz o clássico personagem que inicialmente é visto como o estranho, o diferente, o excluído, tentando se enturmar expondo um lado que pode ser encarado até como generoso. Por outro lado ele surpreende com seu lado sombrio, ambicioso, maquiavélico, sádico e doentio. Uma atuação sensacional de Barry Keoghan. Jacob Elordi ("A Barraca do Beijo") é a personificação do garoto rico, popular, egocêntrico, o centro das atenções, aquele galã que desperta interesse de todos ao seu lado, e que obviamente iria despertar o interesse em Oliver. Jacob traz um personagem que sabe ser carismático e descontraído na medida certa, e contribuí bem para o desenvolvimento de toda a personalidade do Oliver. Rosamund Pike ("Eu Me Importo") faz uma personagem muito interessante, pois ela é a mãe daquela excêntrica família, sendo ela própria muito excêntrica e extravagante. Elspeth Catton é uma mulher aristocrática, requintada, cheia de maniqueísmos, de costumes, de regras, mas por outro lado é uma mulher vazia, carente, manipulável e cheia de camadas. Mais um trabalho soberbo de Rosamund Pike. Richard E. Grant ("Todos Estão Falando Sobre Jamie") é o Sir James Catton, o chefe da família. Richard traz aquele personagem que funciona com uma engrenagem principal da trama, que carrega seus costumes e suas contradições, que muita das vezes o coloca preso dentro da sua própria bolha (sua casa e família), e que não enxerga (ou não quer enxergar) tudo que acontece em sua volta. Richard E. Grant nunca decepciona e sempre nos ganha com seus personagens. Archie Madekwe ("Beau Tem Medo") traz o personagem que mais chama atenção dentro daquela mansão. Ele faz o Farleigh Start, primo de Felix, o excêntrico, o extravagante, que sempre está rodeando todos, sempre interferindo em todas as conversas, sempre querendo comprar a atenção de todos, mas que claramente está preso dentro de si próprio e das suas próprias camadas. Alison Oliver ("Conversations with Friends") faz a personagem que talvez seja a mais desconexa daquele ambiente desestruturado. Ela é a Venetia Catton, irmã de Felix, que às vezes tenta se mostrar forte, às vezes perdida, às vezes querendo ser o centro das atenções, mas que também às vezes sofre calada. Podemos ver que Venetia tem seus dramas, tem seus desejos, que ora soa como misterioso e ora soa cômico. Aquele seu final é bem trágico e impactante. Paul Rhys ("Napoleão") é o personagem mais misterioso e obscuro de todo o elenco. Ele faz Duncan, o mordomo de Saltburn, que é carregado de mistérios, de suspenses, que sempre está preso dentro daquele personagem, dentro daquele uniforme, dentro daquelas etiquetas e costumes, dentro daquela prisão de mansão que é o seu verdadeiro calvário. O personagem de Paul Rhys me lembrou a personagem de Houng Chau em "O Menu"(2022). E completando o elenco com a participação de Carey Mulligan ("Maestro"), que fez a personagem Pamela, amiga de Elspeth.
Sobre o Plot twist: Oliver foi uma espécie de invasão, de violação sobre aquela casa, e talvez só o mordomo que tenha percebido isso desde a sua chegada. Após a passagem de tempo, onde Oliver descobre que o Sir James Catton havia falecido e reencontra a Elspeth, é que ele retorna até a mansão e está agora na presença da Elspeth entubada e em coma. É a partir daí que temos o Plot de toda a história, onde constatamos que tudo que aconteceu desde a universidade foi planejado e arquitetado por Oliver. Dessa forma temos a cena em que o Oliver vai retirando os aparelhos de Elspeth com os flashbacks mostrando detalhadamente tudo que ele fez para chegar até ali.
Acredito que a maior falha se dá exatamente no Plot, quando a diretora sair do místico, do suspense, para entregar tudo de bandeja, tudo mastigadinho para o espectador. Eu entendo que ali era o final e ela queria nos impactar mostrando realmente o que o Oliver causou e premeditou durante toda sua jornada maquiavélica, mas acredito que se ficasse mais na imaginação, na ambiguidade, no lúdico, o final funcionaria melhor, pois naquela altura já tínhamos pegado todos os planos do Oliver, não precisaria escancarar tudo daquela forma.
Outro ponto que também pode pesar (ou não, vai de cada um), é o fato do longa ser intrigante, ousado, corajoso, audacioso, no discurso de abordagem em torno de uma crítica social mórbida e sombria, mas não ser algo inédito e inovador, já que temos outras obras que debatem muito bem uma crítica ao capitalismo dentro desse universo; que é o caso dos recentes "Triângulo da Tristeza" (2022) e "O Menu" (2022), e o impactante e oscarizado "Parasita" (2020). Por outro lado eu vejo que o longa-metragem de Emerald Fennell teve bastante construção e inspiração do clássico "O Talentoso Ripley" (1955/1999). E aqui eu já nem considero como um demérito, por mais que "Saltburn" tenha bebido bastante dessa fonte, mas ainda assim eu vejo sua autenticidade própria.
Tecnicamente o filme é muito bem montado e muito bem estruturado. A trilha sonora de Anthony Willis (que fez a trilha sonora de "Bela Vingança") é dinâmica, é sagaz, com músicas certeiras com a proposta da obra. A playlist do filme é composta por inúmeras baladas da década de 2000, onde eu destacaria com toda certeza a canção "Murder on the Dancefloor" de Sophie Ellis-Bextor, que ficou completamente estourada no Tik Tok e Spotify. A fotografia do longa também vale destacar por agregar toda a qualidade de cada cena. Assim como a direção de arte, que esteve muito bem presente, sendo bastante fiel com a época e com os cenários repletos de costumes ingleses.
"Saltburn" já tem uma arrecadação de US$ 12,1 milhões nos Estados Unidos e Canadá, e US$ 9,3 milhões em outros territórios, totalizando US$ 21,3 milhões. O longa foi nomeado em duas categorias no Globo de Ouro - Melhor Ator (Barry Keoghan) e Melhor Atriz Coadjuvante (Rosamund Pike). O Critics Choice Awards indicou em três categorias - Fotografia, Direção de Arte e Melhor Filme.
Por fim, Emerald Fennell consegue impactar e se destacar com seu novo longa-metragem, que por si só já se mostra bastante corajoso, ousado e polêmico. De fato "Saltburn" não é um filme de fácil aceitação, que irá agradar e cair no gosto de todos, até por levantar debates críticos e ácidos em torno de temas pertinentes como a obsessão, a ganância e a ambição humana, e por outro lado nos expor cenas bizarras, desconfortantes e extremamente doentias, além de apresentar um teor de nudez que poderá incomodar os mais puritanos. Porém, na minha visão é um filme que soube implementar seus próprios méritos em um cenário já muito bem abordado em outras produções, conseguindo se destacar em uma abordagem sobre o percurso maquiavélico de um alpinista social, de um psicopata, de um sádico, usando sua forma excêntrica e extravagante de expor o seu lado mais sombrio, letal e sem nenhum pudor. [13/01/2024]
"Maestro" é uma cinebiografia baseada na vida de Leonard Bernstein. O longa é uma produção distribuída pela Netflix e traz Bradley Cooper na direção, a partir de um roteiro que ele escreveu com Josh Singer (roteirista do oscarizado "Spotlight", de 2015).
Leonard Bernstein foi um maestro, compositor, pianista, educador musical, autor e humanitário americano. Considerado um dos maestros mais importantes do seu tempo, foi o primeiro maestro nascido nos Estados Unidos no século XX a receber reconhecimento internacional, ficando famoso na direção da Filarmônica de Nova York com suas composições, como o musical "West Side Story", "Candide" e "On the Town". Leonard foi um dos músicos mais prodigiosamente talentosos e bem-sucedidos da história musical americana. As homenagens e elogios de Leonard incluem sete prêmios Emmy, dois prêmios Tony, 16 prêmios Grammy (incluindo o prêmio pelo conjunto de sua obra), bem como uma indicação ao Oscar. Dito isto: O filme gira em torno do relacionamento entre Leonard Bernstein (Bradley Cooper) e sua esposa costarriquenha Felicia Montealegre (Carey Mulligan).
Originalmente "Maestro" seria dirigido por Martin Scorsese ou Steven Spielberg, porém, ambos os diretores estavam ocupados com outras produções e a direção da cinebiografia ficou à cargo de Bradley Cooper. Porém, ainda assim tanto o Scorsese quanto o Spielberg colaboraram na produção do longa. Cooper é um excelente ator, que já havia participado da produção de outros filmes ao longo de sua carreira, porém, como roteirista e diretor, este é seu segundo filme (o primeiro foi "Nasce Uma Estrela", de 2018).
"Maestro" é a nova aposta da Netflix para a temporada de premiações e principalmente o Oscar. Sem querer desmerecer toda produção e todas as qualidades do filme, mas temos aqui aquele famoso "Oscar bait". "Maestro" é aquele típico filme biográfico que traz uma personalidade renomada do passado da história da música norte americana, que tenta nos mostrar como aquela figura foi importante para o contexto histórico, como foi a sua participação e o seu peso sendo um gênio da arte. Todavia, ser considerado como um "Oscar bait" não é necessariamente ruim, afinal de contas durante todas as temporadas sempre temos aqueles casos dos famosos "Oscar bait", e que às vezes dão certo às vezes dão errado, e nem sempre atingem a sua principal finalidade dentro da temporada de premiações. Na temporada passada tivemos o caso de "Tar" (Todd Field) como sendo a figura do "Oscar bait", e que saiu da cerimonia do Oscar sem levar nenhum dos principais prêmios, incluindo a própria Cate Blanchett, que estava cotadíssima a levar mais uma estatueta.
Filmes biográficos na maioria das vezes são muito complicados de serem escritos e dirigidos. Consequentemente a procura e o interesse do público é menor se comparado a outros tipos de produções cinematográficas, principalmente no Brasil, quando a história é baseada em uma personalidade norte americana. No meu caso, eu conheço pouquíssimo da vida e obra de Leonard Bernstein.
"Maestro" traz uma narrativa com uma série de acontecimentos que permeia toda a história que vai sendo contada gradativamente com o passar do tempo e de cada década na vida do Leonard e da Felicia. Temos aqui aquele clássico romance biográfico que é uma história de amor imponente e destemida, porém bastante complexa. O longa começa nos anos 40 e nos traz já de cara uma filmagem em preto e branco, que a princípio dita bastante o ritmo da história que vai se desenvolvendo. Um ponto muito curioso que eu observei com o passar do filme, é o fato de "Maestro" ser considerado como uma cinebiografia porém sem um aprofundamento somente na vida e obra de Leonard Bernstein. Ou seja, não é um roteiro que necessariamente vai abordar somente a vida do músico, já que aqui a própria música não é o foco, pois o foco em si é toda complexidade por trás da vida de Leonard, isso envolvendo a sua vida, a sua orientação sexual e principalmente o seu casamento com a Felicia Montealegre.
"Maestro" traz o foco maior no desenvolvimento e construção do relacionamento entre Leonard e Felicia, onde temos um começo com uma paixão arrebatadora, até seu casamento e o começo das crises. Não sei se essa era a principal opção de abordagem do roteiro de Cooper e Singer, já que fica mais do que claro que a narrativa não é inteiramente sobre a vida e obra de Leonard, pois tudo isso fica em segundo plano e é até usado como um pano de fundo para nos mergulhar na complexidade do seu relacionamento. Fato é que o roteiro se divide em duas partes, em duas abordagens que se conversam entre si fazendo uma ligação maior no final. Inicialmente temos as surpresas, as descobertas, os interesses sendo posto à prova por parte de Leonard, já que ele está se autodescobrindo nesse mundo musical, onde ele ganha oportunidades muito importantes para a sua carreira. E é nessa primeira parte do filme que ele conhece a Felicia e desperta o seu interesse amoroso.
Na segunda parte do filme já temos uma filmagem a cores, representando a vida do Maestro naquele momento. Aqui o roteiro avança e traz um novo fôlego para a história, já que o foco maior é em torno do relacionamento entre Leonard e Felicia, que naquele momento já estava bastante conturbado. Nessa parte o drama já está mais estabelecido na trama, o que logo faz um contraponto com a frustração do casal, principalmente pelo lado da Felicia, que passa a contar com suas frustrações pessoais pelo o momento do seu casamento e pela descoberta de que Leonard era gay (ou bissexual). Claramente esta segunda parte do filme é mais interessante do que a primeira, e muito pela sua mudança de ritmo, de tom, inserindo uma dramaticidade ainda maior em toda a história.
"Maestro" é aquele típico caso do filme que se segura mais pelas atuações dos seus protagonistas do que propriamente pela a sua história como um todo. E isso é muito bem sentido, já que o Bradley Cooper e a Carey Mulligan são o coração do filme. Na primeira parte ambos constroem seus personagens com bastante harmonia e bastante química, o que logo se torna bastante funcional para a história caminhar a partir dali. Na segunda parte é onde os dois brilham ainda mais, é onde o roteiro abre mais espaço e dá mais margem para o desenvolvimento de seus personagens.
Bradley Cooper atua com a alma e com o coração na pele do Leonard, e isso é bem sentido em cada cena onde ele se esforça cada vez mais para representar com fidelidade a sua personalidade. Está muito claro que Cooper estudou fervorosamente a vida de Leonard para compor a sua interpretação, e isso é sentido pelos seus trejeitos, pela sua faceta, por seus gestos, por suas expressões, pela sua grande entrega, pela sua forma de se portar, de comandar, de orquestrar, de reger. Aquela cena do concerto, onde ele dá tudo de si, é uma entrega absurda, chegando ao seu limite físico e mental. Uma cena belíssima. Ou seja, Cooper mais uma vez entrega uma baita atuação e que com certeza será lembrada nos festivais de premiações cinematográficas e principalmente no Oscar.
Já a Carey Mulligan é dona da melhor atuação do filme, até mais que o próprio Cooper. Carey personifica com uma extrema competência e elegância toda história e vida da Felicia Montealegre, incorporando todas as suas alegrias, todas as suas descobertas, a sua paixão arrebatadora e abraçando com muita dignidade a sua dor e todo o seu drama. Carey traz a veia de uma personagem que se mostra forte, aguerrida, decidida, porém vulnerável, frágil, principalmente pela construção e desenvolvimento do seu relacionamento. Outro ponto da atuação da Carey Mulligan está exatamente no impacto das suas cenas mais dramáticas, onde é justamente onde sua interpretação sobe ainda mais de nível. Posso citar inúmeras cenas em que ela nos surpreende: como a cena que ela descobre a infidelidade de Leonard e seus casos com outros homens. A cena em que ela julga que o Leonard não tinha amor próprio, sendo ele um dos pivôs da briga no casamento e que ele iria morrer como um velho gay solitário. A cena do consultório médico, quando é descoberto o seu câncer no seio. É uma cena comovente e dramática, onde a partir dali o clima do filme fica mais tenso e mais carregado. Belíssimo trabalho entregue pela Carey Mulligan, que também vai lhe render inúmeras indicações.
Outro ponto que surpreende na dupla Bradley Cooper e Carey Mulligan, é toda a caracterização que ambos se submeteram para trazer ainda mais fidelidade na obra. E aqui já entrando nas partes técnicas e artística do longa; temos um trabalho de maquiagem e caracterização completamente impecável, que traz uma identificação fiel com as personalidades reais de ambos. Eu diria que na segunda parte do filme é onde a caracterização se sobressai ainda mais, principalmente pela representação do casal já idoso e de uma Felicia enferma. Criou-se uma grande polêmica sobre a prótese de nariz que o Bradley Cooper teve que usar em sua caracterização de Leonard Bernstein, e isso tomou uma proporção até inimaginável. Na minha opinião o Cooper fez um ótimo trabalho de transformação e caracterização, por mais que realmente vê-lo em cena atuando com aquela prótese de nariz tenha ficado uma tanto quanto estranho na primeira visão, mas com o passar do filme a gente vai se acostumando.
Sobre a direção de Bradley Cooper: Tecnicamente ele faz um trabalho muito bom, muito digno com a representação da cinebiografia da obra, onde ele sabe como usar a câmera com seus takes, onde ele valoriza as interpretações, as metáforas visuais e os planos-sequência. A cinematografia da obra é bem ajustada e trabalha em harmonia, tanto com a direção quanto com a fotografia. A direção de arte é outro ponto que vale a pena destacar, pois a mesma é muito bem montada, muito bem executada nos padrões de cada década, representando com bastante fidelidade cada cenário da obra em que estava sendo rodada. A trilha sonora foi bem escolhida pelo próprio Bradley Cooper, onde ele decidiu quais composições de Leonard seria usada no filme e as mesmas foram executadas pela Orquestra Sinfônica de Londres. Tecnicamente "Maestro" se destaca na temporada.
"Maestro" foi indicado ao Leão de Ouro no 80º Festival Internacional de Cinema de Veneza. Também foi indicado a quatro Globos de Ouro, oito Critics Choice Awards e dois Sag's Awards. Embora a Netflix não divulgue publicamente o faturamento de bilheteria, a IndieWire estimou que o filme arrecadou cerca de US$ 200.000 em oito cinemas em seu fim de semana de estreia (e um total de US$ 300.000 no período de cinco dias do Dia de Ação de Graças), o que o tornaria a estreia de maior sucesso para a empresa desde pelo menos 2019.
Pontuando os principais pontos negativos do longa-metragem: Cinebiografias tendem a serem caracterizadas pela emoção, pela intensidade, pelo entusiasmo, até por retratar partes da vida de uma figura real. E é justamente o que falta em "Maestro", falta intensidade, falta entusiasmo, falta emoção, e nem é falando propriamente das partes mais dramáticas envolvendo os acontecimentos que permeia o final da obra. Acredito que a opção do roteiro em não destacar uma biografia mais aprofundada da personalidade de Leonard Bernstein deixa a obra menos realista, pois para quem não conhece a sua história vai ficar perdido em certas partes da trama, isso incluindo a falta de informações sobre sua vida pessoal, profissional e principalmente sobre a sua bissexualidade. Este é um ponto que no meu conceito pesa negativamente no filme, justamente uma abordagem mais aprofundada em seus dilemas, em seus traumas e em sua bissexualidade, pois eu acredito que agregaria ainda mais no contexto da obra. Todo drama do relacionamento entre Leonard e Felicia é bem desenvolvido até onde consegue chegar na trama, mas também falta emoção, principalmente para nos fazer sentir realmente todo o drama e toda a emoção vivida pelo casal por tudo que eles estavam enfrentando naquele momento de suas vidas.
Por fim: "Maestro" é um bom filme biográfico até onde consegue ir e nos atingir com a sua mensagem em torno de uma visão geral da vida de Leonard Bernstein. Mas por outro lado falta imersão principalmente no relacionamento do casal. Além de faltar mais informações de quem foi o gênio em seu principal território, que era os palcos musicais. Fica a impressão que o principal objetivo do longa-metragem não era nos mostrar quem verdadeiramente foi Leonard Bernstein enquanto um renomado Maestro, mas sim abordar a sua vida conturbada com sua esposa, mostrar os seus conflitos, suas contradições, seus dilemas pessoais e superficialmente abordar a complexidade de sua bissexualidade. No fim, quem não conhece a história de quem foi Leonard Bernstein, ao fim do filme continuará com a impressão de que ainda não conheceu todo o seu talento e principalmente o seu legado. [09/01/2024]
Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon) 2023
"Assassinos da Lua das Flores" é uma produção Apple Studios lançada pela Apple TV+ sob o selo Apple Original Films, ao lado da Paramount Pictures. O longa-metragem é dirigido e produzido por Martin Scorsese, que co-escreveu o roteiro com Eric Roth (roteirista do clássico "Forrest Gump", de 1994). Leonardo DiCaprio é a estrela principal e também produtor do filme. O longa é inteiramente baseado no livro "Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI" do jornalista americano David Grann lançado em 2017, onde mostra os assassinatos dados a partir de circunstâncias misteriosas na década de 1920 em Oklahoma, assolando os membros da tribo indígena Osage logo depois que o petróleo foi descoberto em suas terras. Um chefe político local corrupto tenta roubar a riqueza dos membros tribais o que acaba desencadeando uma grande investigação envolvendo o poderoso J. Edgar Hoover, considerado o primeiro diretor do FBI.
Recentemente ao reassistir "Os Bons Companheiros" (1990), o que eu considero como a segunda melhor obra-prima de toda a filmografia do mestre Scorsese, eu afirmei que não era à toa que muitas pessoas e muitos críticos de cinema consideram o Scorsese como "o maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". E novamente estou eu aqui para reiterar essa afirmação. O mestre Scorsese vive o cinema, respira o cinema, é um verdadeiro apaixonado pelo cinema, um pesquisador do cinema, um verdadeiro gênio da sétima arte, que ao longo de sua carreira já nos brindou com inúmeras histórias, inúmeras obras-primas, que estão nas listas dos maiores e melhores filmes de todos os tempos.
"Assassinos da Lua das Flores" é um dos trabalhos do Scorsese mais aguardado, e muito por esta produção ter um peso muito importante e muito relevante para a história do cinema. Temos aqui um trabalho que traz uma grande representatividade para o diretor, e muito pela sua forma de estudar o cinema, pela a sua filosofia por trás das suas obras, pela a sua peculiaridade em contar uma grande história, pois o Scorsese é um diretor meticuloso, que sempre busca a perfeição em suas obras e sabe contar e representar uma grande história no cinema.
No alto dos seus 81 anos, Martin Scorsese emprega a sua filosofia de se fazer cinema, a sua forma de estudar uma história, de trabalhar uma história, de se aprofundar em uma história, e mais do que isso, de fazer um grande trabalho de pesquisa com pessoas que fizeram parte da história que ele quer contar. Scorsese revelou que assim que leu o livro de David Grann imediatamente ele decidiu que precisava fazer um filme sobre o tema, o que logo o levou a iniciar um grande trabalho de pesquisas sobre a tribo indígena de Osage, tanto que ele passou horas com o Chief Standing Bear, um líder nativo, tentando convencer o povo Osage a ajudar com a sua produção. E o mais importante, é o fato do Scorsese respeitar os costumes e as tradições dos povos Osage, ou seja, idealizar toda a sua produção mais sempre mostrando um grande respeito pela cultura da tribo.
"Assassinos da Lua das Flores" é uma produção que dá voz ao povo Osage, que traz uma representação histórica fidedigna dos acontecimentos da época, soando como uma verdadeira denúncia sobre toda opressão e assassinatos que os povos Osage sofreram com a invasão dos EUA em suas terras pelo fato do famigerado "Ouro Negro", o petróleo. O longa traz um tema extremamente importante e que precisa ser do conhecimento de todos, afinal de contas estamos falando da ganancia, da opressão, da violência, da ambição humana. Como não somos americanos e não moramos nos EUA, não conhecemos à fundo toda a história do passado americano nem o que ele causou com cada um que atravessava o seu caminho. Mas fato é que os americanos carregam uma grande mancha em sua história, e uma mancha de violência, de crueldade, de sangue, e que poucos conhecem. Eu mesmo não conhecia essa parte da história americana que foi contada no filme do Scorsese.
É preciso destacar que "Assassinos da Lua das Flores" vai contra quase tudo que normalmente conhecemos sobre o cinema norte americano, e digo isso por ser um tema que soa como uma denúncia contra os próprios americanos, já que os americanos sempre mostraram a sua visão estereotipada de determinados fatos da sua história. O longa mostra além de tudo uma visão histórica que aborda a crueldade e a ganância do homem branco contra os índios, um ponto que já foi base para outras produções cinematográficas ao longo da história. E aqui temos um ponto muito interessante do roteiro de Scorsese e Eric Roth, que é uma certa mudança na abordagem do tema principal do livro de David Grann. No livro temos toda a abordagem que investiga os assassinatos dos povos Osage, além é claro, a investigação por trás dos crimes que deu origem ao surgimento da "Bureau of Investigation", o que hoje conhecemos como "Departamento Federal de Investigação dos EUA", o grande FBI. Scorsese revelou que não seguiu exatamente só esse tema, que ele também quis se aprofundar na questão do romance entre o americano e a mulher Osage, ou seja, Scorsese não queria que seu filme fosse visto apenas como uma abordagem sobre o homem branco, mas também sobre os indígenas.
"Assassinos da Lua das Flores" traz uma história interessantíssima, e a forma como o Scorsese conta essa história deixa ainda melhor. Eu afirmo que não seria qualquer diretor que conseguiria nos prender por 3h 26min em uma história fiel, voraz, inteligente, muito bem adaptada, que soube mesclar um drama como uma ação abordo de uma denúncia policial. Temos aqui um Scorsese sendo Scorsese, que sempre foi um mestre em nos surpreender com narrativas tensas sobre uma ascensão e queda (vide o maravilhoso "O Lobo de Wall Street", de 2013). Aqui Scorsese traz um discurso de denúncia que por si só já soa com uma certa complexidade, com uma temática difícil de ser abordada, pois não é só contar uma história mas sim representar aquela traição, aquela crueldade, aquela ganância dos americanos e a impunidade contra os povos Osage.
"Assassinos da Lua das Flores" já tem um início avassalador com aquele diálogo contundente entre o Ernest Burkhart (DiCaprio) e seu tio William Hale (De Niro), assim que ele chega em sua casa a pedido do próprio tio. A partir daí o filme transcorre em um ritmo acertado ao nos contar e nos emergir naquele ambiente do povo Osage. Vemos como o Ernest tem todo aquele charme de conquistador quando ele passa a dirigir para a Mollie Burkhart (Lily Gladstone). E aqui vemos o Ernest mostrando o seu carisma, tentando conquistar a atenção da Mollie, e sim, ele não passa de um fantoche do seu tio, o verdadeiro pau-mandado. Já a Mollie no início é um poço de mistério, fechada, contida no seu canto, sem expressar seus sentimentos ou seus traumas, mas aos poucos ela vai sendo conquistada por Ernest. Já o William é o manda-chuva, o todo poderoso, que se faz de amigo dos Osage mas não passa tudo de um grande plano para dar um grande golpe na tribo junto com seu sobrinho Ernest.
Sobre o elenco: Leonardo DiCaprio mais uma vez constrói um personagem impecável. É impressionante como sempre o DiCaprio estuda muito bem o seu personagem, se doa completamente para o seu personagem, ao ponto de esquecermos de todos os outros personagens que ele já fez. Aqui DiCaprio traça a linha do personagem que quer se dá bem na vida, que almeja o dinheiro, que almeja o interesse antes de qualquer coisa, mas age como um fantoche, como um estúpido, sendo apenas uma muleta para os planos do tio em tomar a riqueza dos povos Osage. Eu fico sempre embasbacado com o nível de atuação que o DiCaprio constrói e entrega em todos os seus personagens, por mais que eu já tenha assistido inúmeros filmes dele mas eu sempre me surpreendo. DiCaprio é um gênio na arte de atuar, e aqui podemos comprovar mais uma vez o seu poder de transformação no personagem, que vai desde aquele carisma de galanteador que quer se enriquecer a qualquer custo inicialmente, até a sua desconstrução e queda, e cada passagem tem uma interpretação milimetricamente condescendente com o momento do seu personagem - uma interpretação que me remete ao seu próprio personagem na obra-prima "O Lobo de Wall Street", o icônico Jordan Belfort.
Já Lily Gladstone faz a sua principal personagem da carreira. Lily incorpora com excelência a Mollie, a herdeira das terras de petróleo da sua tribo, o que sempre vai despertar interesse dos homens ao seu redor, os homens brancos. E aqui é muito interessante acompanhar a construção e o desenvolvimento que a Lily cria para a sua personagem, que assim como eu já destaquei anteriormente, inicialmente ela é misteriosa, fechada embaixo de toda aquela sua vestimenta, completamente trancada para a aproximação masculina, mas é o Ernest que consegue quebrar esse seu bloqueio. A cada cena da Lily íamos comprovando a grande atriz que ela é, pois ela soube personificar a sua personagem, dá o tom exato para cada momento, que ia desde a sua forma de conversar, de se expressar, de ir saindo daquela personalidade fechada e se desconstruindo. A partir do momento que ela passa a sofrer por causa da diabete (ou por causa das injeções que ela tomava), sua atuação cresce ainda mais, pois enquanto enferma ela se mostrava ainda mais aguerrida. Uma elegantérrima atuação de Lily Gladstone, que em certos momentos esteve em pé de igualdade com o DiCaprio e o De Niro.
Robert De Niro é um absurdo, um dos melhores atores da sua geração ainda em atividade. É impressionante como o De Niro junto com o Scorsese só nos entregou trabalhos em altíssimo nível. Ao longo da história este casamento já nos brindou com inúmeras obras-primas, e aqui temos mais uma página fabulosa dessa incrível parceria da história do cinema. O Scorsese sabe exatamente o personagem que ele vai entregar para o De Niro, que é sempre um personagem que é o centro das atenções, onde a história passa muito por ele, se desenrola a partir dele, se desconstrói a partir dele, e aqui temos exatamente esse perfil no personagem do De Niro. De Niro constrói um dos seus personagens mais destetáveis da carreira, e muito pela sua forma de se portar como um amigo, uma pessoa de confiança, de se mostrar empenhado pela causa dos povos Osage, quando na verdade ele não passava de um ser asqueroso, mesquinho, repugnante, frio e totalmente calculista. William Hale era um ser extremamente preconceituoso, que agia unicamente em prol da sua ambição da riqueza dos nativos, e ainda usava pessoas como marionetes ao seu favor. Somente um ator do calibre do De Niro para nos causar repulsa e nos fazer criar ódio mortal pelo seu personagem. Uma atuação estupidamente perfeita desse gênio chamado Robert De Niro.
Completando o elenco: Jesse Plemons vive o personagem Tom White, o agente do FBI que vai até o local dos crimes e passa a investigar o William Hale. Jesse entra já na parte final do filme mas não deixa de ser importante para o contexto final da história, principalmente no encalço do William e nos confrontos com o Ernest. Jesse Plemons se encaixa perfeitamente nesses personagens, ele tem um timming para compor toda a sua interpretação. Curioso que originalmente o papel de Tom White havia sido oferecido ao DiCaprio, mas o ator optou por tentar interpretar o Ernest Burkhart. Foi ai que o Scorsese escalou o Jesse Plemons para o papel do Tom White. Brendan Fraser é mais um que aparece somente nas partes finais do longa, ele interpreta o Hamilton, o advogado de William Hale. Brendan não tem um grande destaque mas em suas aparições ele consegue se impor com seus discursos.
Sobre as qualidades técnicas: Elogiar a direção de Scorsese é simplesmente chover no molhado. Scorsese não dirigi um filme ele dá aula. Um dos pontos altos da direção do Scorsese está exatamente na sua captação dos movimentos dos ângulos de câmeras para captar cada reação e expressão de seus atores em cenas. A trilha sonora foi composta pelo ex-colega universitário de Scorsese, Robbie Robertson. O longa marca a décima primeira e última colaboração entre Scorsese e Robbie Robertson, que morreu dois meses antes do lançamento do filme. O filme é dedicado a Robertson. Devo afirmar que a trilha sonora de "Assassinos da Lua das Flores" é magnânima, homogênea, compenetrada, primordial em cada cena, onde contribuía com toda a tensão, principalmente na parte final do longa (o julgamento). A fotografia de Rodrigo Prieto marca a sua dobradinha em 2023, já que ele também atuou em "Barbie". A fotografia principal ocorreu nos condados de Osage e Washington, Oklahoma, trazendo assim mais fidelidade para a história, já que o filme foi rodado exatamente no mesmo local dos acontecimentos reais. Rodrigo faz um trabalho que é mais um grande destaque do filme, pois esteve o tempo todo muito bem ajustado, ditando bem o ritmo da história unicamente pelo seu enquadramento de cada cena. A direção de arte é outro show à parte, completamente fiel com a época do filme, o que logo se destaca notavelmente. Em questões técnicas o longa do Scorsese é a referência do ano, e poderá ser muito bem reconhecido nos festivais de premiações.
"Assassinos da Lua das Flores" teve um orçamento de US$ 200 milhões, supostamente a maior quantia já gasta em uma filmagem em Oklahoma. O filme arrecadou mais de US$ 156 milhões em todo o mundo. O longa ganhou o prêmio de Melhor Filme no National Board of Review e foi eleito um dos 10 melhores filmes de 2023 pelo American Film Institute. Também foi indicado a sete Globos de Ouro, incluindo Melhor Filme - Drama.
O longa-metragem foi muito bem aceito e teve excelentes críticas em um modo geral. No Rotten Tomatoes, o filme detém um índice de aprovação de 93% com base em 435 resenhas, com uma classificação média de 8,5/10. Já o Metacritic atribuiu ao filme uma pontuação média ponderada de 89 em 100 com base em 63 críticos.
"Assassinos da Lua das Flores" tem uma duração de 3h 26min, o que para muitos será o principal motivo para desistir de assistir o filme. Entendo que o filme é consideravelmente longo, que é uma marca do próprio Scorsese, mas o que surpreende é a forma como essas 3h 26min é bem distribuída no decorrer da história. Temos aqui uma história muito bem contada, muito bem amarrada em cada cena, que nos prende pela curiosidade e pela vontade de ver até onde vai essa ambição doentia e incontrolável. Quando o filme começa a pesar logo o Scorsese trata de trazer um novo ânimo, um novo fôlego para a história, que é justamente a chegada do FBI para as investigações. A partir daí o filme volta a crescer, volta a ficar interessante, pois temos toda a parte em que o Ernest é preso e logo após interrogado. Depois temos uma sequência de cenas na parte do tribunal, onde aquele interrogatório final é fantástico. Só acho que especificamente essas partes finais do julgamento poderiam ter sido mais exploradas, acho que ficou devendo um pouquinho nesse ponto. Ainda temos aquele diálogo final da Mollie com o Ernest, que já torna a cena completamente emblemática.
No mais, "Assassinos da Lua das Flores" é uma obra fantástica, imponente, avassaladora e extremamente importante para o contexto histórico americano. Uma obra meticulosa que mostra até onde vai a ambição, a ganância, a traição, a crueldade e principalmente a impunidade, pois o "Ouro Negro" pode ser visto como algo inovador, próspero e muito importante, mas junto com ele também vem todas as mazelas do ser humano. No final Scorsese encerra a sua obra de forma catártica e poética, nos evidenciando com aquele testemunho sobre o final de cada personagem da história, com o próprio Scorsese em cena lendo o relato final da Molly Cobb, o que me leva a crer que foi o depoimento do caso real. Senhoras e senhores, que final! [01/01/2024]
"Oppenheimer" é escrito e dirigido por Christopher Nolan, com uma colaboração na produção de Emma Thomas (produtora de "Tenet" - 2020) e Charles Roven (produtor de "The Flash" - 2023). A estrela principal do filme é vivido por Cillian Murphy como Julius Robert Oppenheimer, o físico teórico americano que é considerado como o "pai da bomba atômica" por sua participação no "Projeto Manhattan", sendo ele o cientista responsável por liderar o programa confidencial dos Estados Unidos cujo objetivo era desenvolver uma bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. O longa-metragem é baseado na biografia "American Prometheus" de 2005, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, onde narra a carreira de "Oppenheimer", com a história focando predominantemente em seus estudos, sua direção do "Projeto Manhattan" durante a Segunda Guerra Mundial e sua eventual queda em desgraça devido à sua audiência de segurança em 1954.
É impossível não considerar Christopher Nolan como um gênio do cinema moderno, e isso pode ser comprovado ao navegar em sua filmografia, que vem desde o final do anos 90 mas com um destaque maior a partir do início da década de 2000, onde ele se prova como o gênio da sétima arte que conhecemos hoje. Nolan tem trabalhos grandiosos, impecáveis, irretocáveis, grandes obras-primas que navega no drama, no sci-fi, nas adaptações de super-heróis e na guerra. Posso citar aqui obras como "Amnésia" (2000), a trilogia "Batman" (2005/2012), "O Grande Truque" (2006), "Interestelar" (2014), "Dunkirk" (2017) e a maior obra-prima de sua carreira que eu considero, "A Origem" (2010). Nolan sempre foi a referência em criar roteiros complexos, ambíguos, intrigantes, pragmáticos, enigmáticos, audaciosos, que nos leva a enésima sensação do êxtase e sempre dá aquele famoso nó em nossas mentes. Eu sou um fã de carteirinha das obras do Nolan, e tenho "Interestelar" e "A Origem" como os seus dois filmes mais complexos e surpreendentes que eu assisti até hoje.
Quando eu ouvi os rumores que Christopher Nolan iria dirigir um filme relacionado a Segunda Guerra Mundial, eu fiquei bastante curioso e com uma grande expectativa, afinal de contas em toda a sua carreira ele ainda não tinha navegado nesse gênero cinematográfico. Estou falando exatamente de "Dunrkirk", que foi lançado em 2017 e que na minha opinião não está entre os melhores filmes do Nolan, mas não deixa de ser uma belíssima produção, ainda mais falando das qualidades técnicas da obra. Já em 2020, quando Nolan lançou o bagunçado "Tenet", tivemos um fato bastante curioso dentro do roteiro daquele filme; que foi toda a explicação e toda ligação para a criação do método de inverter o mundo, que foi nos passado como uma criação feita por uma Cientista no futuro, que paralelamente foi ligado com o curioso "Projeto Manhattan", que é exatamente o programa de pesquisa e desenvolvimento que produziu as primeiras bombas atômicas durante a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, lá em 2020 Nolan deixou no ar uma referência sobre o roteiro de seu próximo filme, aquele famoso "easter egg".
"Oppenheimer" traz um Nolan de volta a sua grande fase, ao seu grande auge, pois aqui estamos falando de um roteiro pautado em volta de uma grande personalidade histórica, um nome que até hoje causa bastante controvérsia e opiniões diferentes. Nolan mergulha em um filme biográfico com um tema que traz um grande impacto na história da Segunda Guerra Mundial, exatamente sobre o grande fardo que caiu nas costas de Robert Oppenheimer quando ele esteve à frente de um dos maiores projetos de extermínio da história da humanidade - estou me referindo exatamente sobre a bomba nuclear que foi lançada em Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945.
"Oppenheimer" é composto por várias vertentes, e isso que deixa o longa mais interessante, pois afinal de contas estamos falando de uma história real em que nós já conhecemos o seu final. Esse é um ponto extremamente importante para a narrativa de toda a história, ou seja a forma como o Nolan vai trabalhando todo o seu contexto, isso refletindo diretamente em um drama, uma biografia, uma história, que nos conduz por um caminho totalmente político, que nos mostra as suas variações de valores morais e éticos. E como estamos falando de Oppenheimer, fica ainda mais difícil falar de conceitos morais e éticos, pois a história nos mostra simplesmente a criação do "pai da bomba atômica", ou seja, como ele foi o responsável em dar a humanidade um meio de se autodestruir, um meio de exterminar vidas inocentes.
Nolan é muito hábil e inteligente, pois logo na abertura do filme temos uma alegoria com o mito de "Prometeus", que diz: "Prometeus" roubou o fogo dos deuses e deu aos homens." E é interessante notar que a história de Oppenheimer pode ser comparada com a de "Prometeus", pois o próprio Oppenheimer também desafia os limites das leis da natureza, quando ele cria uma forma de autodestruição, que sim, muitos diziam ser um poder unicamente dos deuses. E continuando na linha de "Prometeus", Oppenheimer também sofre o alto preço das suas consequências, por passar a viver uma guerra psicológica interna, uma forma de se torturar, por sentir o peso da sua invenção, por sentir a dor de ser o responsável pelo extermínio humano. O próprio Nolan revelou que Oppenheimer nunca se desculpou pelo o que ele causou a Hiroshima e Nagasaki.
Podemos considerar "Oppenheimer" como um longa que aborda uma personalidade histórica inserida em um profundo drama que soa desconfortável, desgastante, doloroso, que nos mostra que a mente humana não tem limites, que nos faz refletir sobre como o ser humano sempre está propício a falhas, a erros, e que muito desses erros é considerado como grandes vitórias para uns enquanto é uma dolorosa realidade para outros. Realmente "Oppenheimer" é uma experiência que por pode ser boa pelo lado do conhecimento histórico de um acontecimento na Segunda Guerra Mundial, mas ao mesmo tempo é uma experiência totalmente trágica e desconfortante pelos acontecimentos que acometeu toda esse fato histórico.
"Oppenheimer" é um filme longo, de 3h 01min, que se divide em duas partes: a primeira parte envolve toda a parte política do "Projeto Manhattan", junto com suas projeções, liberações e aceitações por parte governamental. Até aquele perfil "mulherengo" de Robert Oppenheimer está em um estado mais aflorado. Já na segunda parte: é onde temos o primeiro teste com a bomba, o filme muda de tom, muda de ritmo, deixa de lado aquele lado político e imperialista para mergulhar nos resultados do teste e afirmar tudo que o Oppenheimer programava com suas ideias e seus desejos. E aqui temos uma cena que por si só já se torna emblemática, que é a cena em que o Oppenheimer diz: "agora eu me tornei a morte. O destruidor de mundos." Logo após a explosão da bomba Oppenheimer é completamente ovacionado por todos, praticamente um ato de heroísmo, um reconhecimento de tudo que ele projetou e trabalhou. Até aquele momento o próprio Oppenheimer ainda não tinha sentido a proporção de tudo que ele havia causado. Ele ainda não tinha a dimensão de tudo que estava por vir, de carregar o título e o fardo de "pai da bomba atômica".
Robert Oppenheimer era um homem que preservava a sua ideologia, as suas crenças, as suas visões do mundo. Logo observamos que mesmo com a queda da Alemanha na Segunda Guerra Mundial e com a morte de Hitler, os americanos junto com o próprio Oppenheimer queriam construir a bomba já com a intenção de atacar o Japão com ela. O próprio Oppenheimer afirma em seu discurso que o mundo nunca esquecerá daquele dia, e que a sua vontade era ter jogado a bomba na Alemanha. Logo após o discurso de Oppenheimer é que ele, assim como nós, vemos até onde vai a ambição do ser humano, a sua ganancia pelo poder, as duras consequências que a bomba nuclear trouxe para as pessoas, o que ela causa em contato com a célula humana. É bizarro na cena em que o Oppenheimer vai receber as considerações do Presidente americano, que logo diz que ele é o "pai da bomba atômica" e como é se sentir o homem mais famoso do mundo. É bizarro e doentio a forma como o Presidente comemora o lançamento da bomba em Hiroshima e Nagasaki, para que assim os americanos pudessem voltar para casa. É nítido observar que Oppenheimer estava se sentindo culpado pelo ataque aos japoneses, tanto que durante essa conversa com o Presidente ele afirma que sente sangue em suas mãos, no momento que o Presidente oferece para ele um lenço para que ele pudesse limpar suas mãos (como uma forma simbólica), já que segundo o Presidente, ninguém dá a mínima para quem construiu a bomba mas sim que a lançou. O Presidente ainda diz: "não deixe mais esse bebê chorão voltar aqui." Esta cena é um dos maiores acontecimentos do filme.
O elenco de "Oppenheimer" é primoroso e genial! Cillian Murphy (o astro de "Peaky Blinders") está no papel da sua vida. Ouso a dizer que Robert Oppenheimer já é considerado o seu melhor personagem da carreira e a sua melhor atuação. É realmente impressionante como Cillian Murphy estudou o personagem, entendeu o personagem, pegou todas as referências do personagem, conseguindo assim construir uma intepretação autêntica e visceral. Assistindo ao filme você consegue pegar todas as fases e todos os ritmos da atuação de Cillian Murphy, que vai desde a sua ambição e desejo pela construção do seu projeto, passando pelos seus relacionamentos amorosos conturbados e chegando até o seu estado psicologicamente degradante. Uma atuação genial de Cillian Murphy. Robert Downey Jr. (eterno Tony Stark) me deixou completamente embasbacado com o nível da sua atuação no personagem Lewis Strauss. Strauss era o oficial da Marinha aposentado e membro de alto escalão da Comissão de Energia Atômica dos EUA. Strauss pode ser considerado como o grande rival de Oppenheimer, aquele que lutou para expor o físico como um espião comunista. Atuação magnífica de Robert Downey Jr., completamente irreconhecível, diga-se de passagem. Matt Damon (recentemente esteve em "AIR: A História Por Trás do Logo") viveu Leslie Groves, oficial do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e diretor do Projeto Manhattan. Outro que também esteve excelente no personagem, e dividiu ótimas cenas de disputas de ideias com Oppenheimer. Emily Blunt ("Um Lugar Silencioso") viveu Katherine "Kitty" Oppenheimer, esposa de Robert Oppenheimer e ex-membro do Partido Comunista dos EUA. Acredito que as participações femininas do filme do Nolan não teve assim um grande destaque, ou um destaque mais notável, ficando apenas como personagens limitadas e pouco exploradas. O mesmo vale para Florence Pugh ("Viúva Negra"), que viveu Jean Tatlock, psiquiatra, membro do Partido Comunista dos EUA e interesse romântico de Robert Oppenheimer.
O longa-metragem ainda contou com ótimas participações do elenco de apoio. Tivemos Casey Affleck (campeão do Oscar por "Manchester à Beira-Mar") como Boris Pash, oficial de inteligência militar do Exército dos EUA e comandante da Missão Alsos. Rami Malek (campeão do Oscar por "Bohemian Rhapsody") como David L. Hill, um físico nuclear do Met Lab, que ajudou a criar a Pilha de Chicago. Kenneth Branagh (diretor de "Morte no Nilo") como Niels Bohr, físico, filósofo ganhador do Nobel e ídolo pessoal de Oppenheimer. Jason Clarke ("Guerra Oculta") como Roger Robb, advogado e futuro juiz de circuito dos EUA que atuou como conselheiro especial da AEC (Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos). E o destaque maior do elenco de apoio é sem dúvida o Gary Oldman ("Mank") como Harry S. Truman, o 33º presidente dos Estados Unidos que tomou a decisão de lançar as duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Aquela cena em que ele recebe em seu gabinete o Robert Oppenheimer é uma cena absurda, uma atuação magnífica, do próprio nível do Gary Oldman.
Outra marca dos filmes do Nolan estão justamente em suas qualidades técnicas, e aqui não é diferente. Nolan Sempre consegue tirar o máximo de potencial de seu elenco, algo como ter o elenco em suas mãos. Em "Oppenheimer" isso fica muito claro, pois cada personagem está em sintonia em cena. A direção de Nolan é mais uma vez impecável e muito eficaz, alcançando aqueles seus famosos takes em anglos que sempre nos surpreende. Muito dos takes do Nolan em "Oppenheimer" me lembrou dos seus takes em "Interestelar". Vale lembrar que pela primeira vez, foi utilizado filtro preto e branco em uma câmera IMAX. A Kodak criou uma versão exclusiva de filmes para gravar algumas cenas do longa. A trilha sonora de Ludwig Göransson (compositor de "Pantera Negra" que já trabalhou com Nolan em "Tenet") é muito bem destacada no filme, pois ela sempre consegue nos dar a dimensão dos acontecimentos em que o Oppenheimer está passando naquele momento de sua vida. Já a fotografia é outro casamento perfeito em cena, que assim como a trilha sonora, também consegue ditar o ritmo exato do efeito Oppenheimer no filme. A direção de arte é a nível de Oscar, sem nenhum exagero, pois aqui vemos um trabalho muito bem ajustado em cada detalhe de cena. Sem falar que o longa ainda conta com uma qualidade absurda na montagem, na mixagem e na edição. Realmente o Nolan nunca economizou nas qualidades técnicas dos seus filmes.
"Oppenheimer" arrecadou mais de US$ 954 milhões em todo o mundo, tornando-se o terceiro filme de maior bilheteria de 2023, o filme relacionado à Segunda Guerra Mundial de maior bilheteria, o filme biográfico de maior bilheteria e o segundo filme censurado de maior bilheteria. Recebeu indicações para oito Globos de Ouro, e foi eleito um dos dez melhores filmes de 2023 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute. O longa-metragem é o quarto filme de Nolan a receber classificação R nos Estados Unidos, precedido por "Following", "Amnésia" e "Insônia".
"Oppenheimer" foi extremamente aclamado pela crítica sendo considerado como um dos melhores filmes de 2023. No Rotten Tomatoes, "Oppenheimer" tem um índice de aprovação de 93% baseado em 458 resenhas, com uma nota média de 8,6 de 10. Já no Metacritic, que dá uma média ponderada, o filme tem uma nota de 88 de 100, baseado em 69 críticas. A recepção da audiência, segundo o CinemaScore foi muito positiva, dando uma nota "A" (numa escala de A+ a F), enquanto o PostTrak deu um índice de aprovação pelo público de 93%.
Por fim, temos aqui um Christopher Nolan de volta ao seu auge, de volta aos seus tempos áureos, que novamente soube nos entregar uma obra extremamente contundente, visceral, importante, cativante, inteligente, gloriosa, eficaz, que mescla com perfeição um drama biográfico histórico com um grande estudo de personagem, onde enfatiza principalmente o poder destrutivo da ambição humana pelo poder. Sem nenhuma dúvida Nolan conseguiu atingir o seu principal objetivo, que era dar ao seu público a dimensão e a proporção da história e principalmente do legado deixado por Robert Oppenheimer, que vai desde o rótulo de "pai da bomba atômica", que pode ser algo grandioso e importante, como também um dos principais causadores do extermínio de vidas inocentes de Hiroshima e Nagasaki. No fim, cada um que assistir "Oppenheimer" poderá tirar as suas próprias conclusões sobre a personalidade de Robert Oppenheimer e tudo que ele causou na história da humanidade. Acredito que este é o maior trunfo do filme, o poder da controvérsia.
Encerro afirmando que "Oppenheimer" é o melhor filme do Nolan desde "Interestelar"! [30/12/2023]
"Barbie" é dirigido por Greta Gerwig com um roteiro que ela própria escreveu junto Noah Baumbach ("História de um Casamento", de 2019). Além de ser baseado nas bonecas homônimas da empresa multinacional Mattel, é o primeiro live-action da "Barbie" depois de vários filmes e especiais animados por computador. O longa-metragem é estrelado por Margot Robbie como personagem-título e Ryan Gosling como Ken.
A ideia sobre um desenvolvimento de um filme live-action da "Barbie" teve seu primeiro anúncio em setembro de 2009 pela Universal Pictures, com a produção de Laurence Mark (um grande produtor americano de cinema e televisão). Logo após algumas intervenções, o desenvolvimento do longa começou em abril de 2014, quando a Sony Pictures adquiriu os direitos comerciais e cinematográficos. A partir daí a produção sofreu várias mudanças entre escritores e diretores, e entre elas a mudança da já escalada Anne Hathaway como "Barbie". Já com os direitos comerciais transferidos para a Warner Bros., em 2019 a Margot Robbie foi escalada para o papel da "Barbie", logo após a recusa de Gal Gadot, e a diretora Greta Gerwig também foi anunciada.
O longa foi lançado nos EUA em 21 de julho de 2023, com seu lançamento simultâneo com "Oppenheimer" (Christopher Nolan), que logo levou ao fenômeno cultural "Barbenheimer", que encorajou o público a ver ambos os filmes como uma característica dupla (que eu sinceramente não entendi o motivo). O filme foi aclamado pela crítica e foi um grade sucesso de público; sendo a melhor estreia em bilheteria do ano de 2023, o filme de maior bilheteria de uma diretora solo e da Warner Bros., o décimo quarto filme de maior bilheteria e o filme de comédia de maior bilheteria de todos os tempos. Com todo esse sucesso, o longa arrecadou cerca de US$ 1,44 bilhão em bilheterias ao redor do mundo. Além de conquistar o posto de um dos 10 melhores filmes de 2023 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute, incluindo indicações para doze prêmios Grammy, nove Globos de Ouro e um recorde de dezoito Critics' Choice Awards.
Uma coisa que não podemos negar é o fato de "Barbie" ter virado um grande fenômeno no maior estilo arrasa-quarteirão. O filme foi um dos maiores fenômenos da internet e do cinema, principalmente entre o público jovem, que eu acredito ser o público alvo do longa. No mês de sua estreia aqui no Brasil não se falava de outra coisa a não ser "Barbie". Em todos os locais que você ia você se deparava com anúncios e coisas relacionadas ao fenômeno "Barbie"; isso desde comerciais, outdoors, TV, YouTube, Facebook, Instagram e principalmente o Tik Tok. A "Barbie" teve um hyper absurdo e logo virou uma febre das redes sociais e do Tik Tok, algo surreal, onde a cada 10 vídeos da plataforma 11 eram sobre o filme da "Barbie". Sem falar na febre de usar rosa, uma coisa estratosférica, que eu nunca tinha visto no cinema, praticamente uma celebração, um evento, um baile de gala, onde as garotas usavam longos vestidos rosa. Fato é, goste você ou não do filme, "Barbie" foi um dos maiores fenômenos da história recente do cinema dessa atual geração!
Mas qual é história de "Barbie"? Bem, temos o mundo da "Barbielândia", onde vivem todas as Barbies, onde cada uma exerce o seu "dom" e seu "poder". Dentro desse contexto já fica muito claro que o filme prega a sua principal causa do feminismo, das mulheres poderem viver em um mundo de igualdade, serem o que elas quiserem. Ou seja, temos ali o poder feminista das Barbies como um todo, o discurso do seja o que você quiser; pois temos variações de cada Barbie ali presente, seja a Barbie Presidente, Médica, Advogada, Escritora, entre outras. Um fato curioso desse mundo da "Barbielândia" é o fato das Barbies exercerem o seu poder de comandar em um mundo aparentemente perfeito para as mulheres, enquanto os homens, aqui no caso as variações dos Kens, simplesmente existirem ali sem a menor relevância ou qualquer importância. Eu diria até que na primeira vista, os Kens do mundo da "Barbielândia" são usados apenas para enaltecer o ego de cada Barbie, já que nas primeiras cenas do Ken (Gosling) temos ele sempre implorando pela atenção exclusiva da Barbie (Robbie). A história segue com a nossa protagonista, aqui vista como a "Barbie Estereotipada", sofrendo trágicas mudanças em sua vida rotineira no mundo de "Barbielândia". Logo ela se depara com a "Barbie Estranha" (Kate McKinnon), que indica que ela precisa partir em uma missão ao nosso mundo real, algo como um ajuste de contas, e logo a Barbie junto do Ken partem para uma jornada de autodescoberta após uma crise existencial.
Sobre o filme: Acredito que o filme tende a funcionar melhor no começo, quando ainda estamos no mundo de "Barbielândia", e muito por estarmos falando do lúdico, do extravagante, do brilhantismo, do carnavalesco, com muita pompa, com muitos efeitos, com muitas cores (mais o rosa, é claro), com muitas luzes, com muitas músicas, em um ambiente muito alegre, funcionando praticamente como um musical feminista rosa. E pasmem, esta parte especificamente no mundo de "Barbielândia" eu até que achei interessante, eu até consegui me divertir, como eu disse: para mim funcionou como um filme musical. Também me surpreendeu aquela abertura com a referência (ou você pode considerar uma homenagem) ao clássico "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (Stanley Kubrick), e até usando a mesma trilha - "Also sprach Zarathustra" de Richard Strauss.
A partir do momento que a Barbie vai para o mundo real o filme cai muito de produção, cai muito no meu gosto pessoal, eu já não conseguia ver o filme com o mesmo brilhantismo de antes. Aqui eu já não entendi muito do roteiro da Greta e do Noah, aonde eles queriam chegar, que rumo eles queriam dar para a história da "Barbie" em nosso mundo real. Logo de cara já vemos que a Barbie e o Ken tem visões completamente diferentes sobre o que o mundo real representa para ambos. Enquanto a Barbie busca a sua autodescoberta, confrontar a sua crise existencial e se adaptar no mundo real, por outro lado o Ken também está se autodescobrindo naquele mundo diferente de tudo que ele já viu. E aqui temos algumas cenas que falam por si só, algo como a nítida exposição do machismo velado e da masculinidade frágil; pois temos o Ken descobrindo como é ser "Macho" no mundo real, como ele passa a acreditar que porque ele é homem isso lhe dar o direito livre de ser o que ele quiser na profissão que ele quiser. Acredito que estas cenas a própria Greta quis cutucar a classe masculina e expor as opiniões machistas, quando ela faz questão de exibir o Ken achando que poderia trabalhar na profissão que ele quisesse sem o menor preparo pelo único fato dele ser homem. E ainda ela vai mais além quando ela faz questão que o Ken fale para a Barbie a frase: "o homem manda no mundo".
Partindo para as polêmicas no filme: Um ponto muito curioso (e até engraçado) foi a grande guerra que se iniciou nas redes sociais e aqui no Filmow com o lançamento de "Barbie". Algo como um embate político, como uma guerra de direita contra esquerda, um guerra de ego, de masculinidade frágil, de feministas desamparadas, de militantes, algo completamente estúpido e irrelevante de pessoas que não tem no que se ocupar, pelo menos no meu ponto de vista. Está mais do que claro que a diretora, os roteiristas e os produtores queriam emplacar um filme como o tema do discurso da principal pauta do feminismo durante toda a sua história. É impossível você viver no ano de 2023 e decidir assistir o filme e não saber disso. Eu me recuso a acreditar que alguém que decidiu assistir o filme da "Barbie" foi surpreendido e não sabia sobre o que ele representava, sobre a bandeira que ele levantava, sobre a causa que ele defendia, sobre o discurso que ele pregava.
Agora uma coisa é certa: Por mais que o filme queira levantar a bandeira do feminismo o tempo todo, e ai você goste ou não, mas fato é que o filme quer abordar o discurso e nos fazer repensar acerca da nossa própria sociedade em que vivemos atualmente. Algo como uma sociedade que nem sempre os homens devem mandar e as mulheres devem obedecer, ou os homens estarem no poder e as mulheres também. Acredito que a principal mensagem, a principal proposta do filme como entretenimento, é pregar a igualdade de gênero, é defender a causa feminista, por mais que a classe masculina às vezes se sintam ofendidos ou atacados pela forma como este discurso está sendo exposto no filme. E eu vi muito disso principalmente aqui no Filmow, pois parecia que os homens estavam se ofendendo com o filme da "Barbie". Sinceramente, eu acho isso uma escrotice sem limites, pois você que é homem e se sente ofendido por uma mídia audiovisual que está defendendo a causa feminista, com certeza você tem a maior carência de masculinidade frágil que eu já vi. Você pode até não gostar do filme, é um direito seu, agora se sentir ofendido já é demais. E eu não tenho nenhum problema em admitir isso sendo hétero e com quase 40 anos de idade.
O que eu achei do filme: E não, eu não estou defendendo o filme como possa parecer, só acho bizarro a classe masculina se ofender com um roteiro que muitos afirmam (e que eu nem acho) pregar a temática "anti-homem" (ou "Misandria", que seja), até porque eu achei o filme como um todo bem mediano (pra não dizer inteiramente ruim). Acredito que uma das principais falhas do filme está exatamente no roteiro, que eu considero como um roteiro que quer pregar a sua mensagem feminista, quer defender o seu discurso feminista, mas faz uma abordagem falha, rasa, vaga, sem uma grande relevância em que as próprias mulheres olhem e se sintam representadas, ou se sintam defendidas. O roteiro não passa de uma grande bagunça em um filme de comédia de fantasia, que atira para todos os lados tentando acertar em um rumo mas falha consideravelmente. E digo isso pelo fato do roteiro ora querer mergulhar de cabeça na comédia pastelona e ora tentar te convencer com um discurso melodramático.
Eu nunca fui um grande apreciador dos trabalhos da Greta Gerwig, pelo contrário, acho que ela tem trabalhos bem medianos, com o próprio "Lady Bird" (2017). Em "Barbie" fica nítido que ela erra tentando acertar, já que ela expõe um símbolo da mulher ideal (como a sociedade acha), que é justamente a Barbie loira, linda, sensual, extravagante, sendo vista como um ícone da beleza e do consumismo, e indo mais além, sem estrias. E por outro lado até podemos entrar no estereótipo da clássica "Loira Burra". Depois já entramos no discurso de "combater o patriarcado", daquela busca incansável pelo descobrimento do seu "eu interior", da clássica transformação da menina em mulher, da sua aceitação, como vemos nas partes finais do filme, quando a Barbie se reconhece como Bárbara e vai até o ginecologista. Dessa forma eu considero um roteiro extremamente bagunçado e mal idealizado, que mistura vários tópicos e no fim não consegue uma abordagem relevante e satisfatória em nenhum.
Sobre o elenco: Margot Robbie (atriz que eu amo de paixão) é indiscutivelmente perfeita na pele da "Boneca Barbie". Ela tem muito carisma, muita elegância, muita simpatia, muito charme, é muito sensual e casou perfeitamente com a personagem, além de ter entregado uma boa performance. Ryan Gosling é outro grande acerto no filme, pois achei ele perfeito como o Ken. Gosling tem essa veia performática da comédia, do musical (vide "La La Land"), onde ele consegue se dar muito bem no personagem e entregar o timming perfeito do drama e da comédia. Quero destacar o seu ponto alto no filme e uma cena que eu adorei: que foi exatamente a cena dele tocando violão e cantando para a Barbie a canção "Push" do Matchbox Twenty. Por sinal essa música é muito boa e a sua performance é excepcional!
O elenco de apoio não tem muito o que destacar, já que cada um faz apenas o que lhe é designado e que o roteiro pede. Isso inclui America Ferrera, Kate McKinnon, Issa Rae, Rhea Perlman, Ariana Greenblatt, Michael Cera, Dua Lipa e Will Ferrell.
Curiosidades sobre o filme: - Ryan Gosling revelou em entrevista que só aceitou o papel após ter visto um "sinal". O ator encontrou um boneco Ken no quintal de sua casa, logo após receber o convite para interpretá-lo nos cinemas. O boneco pertencia a uma de suas filhas. - Apesar das expectativas dos fãs, o single icônico da banda Aqua, "Barbie Girl", não foi apresentado no filme. A Mattel tem um histórico de desavenças com a banda por causa da música e tentou, sem sucesso, processar a banda por "violação de direitos autorais" lá nos anos 90. A banda venceu o processo, já que seu single era uma paródia. - A mulher mais velha com quem Barbie está conversando no mundo real, de acordo com as legendas do trailer principal oficial, se chama Ruth. Ela recebeu o nome de Ruth Handler, co-fundadora da Mattel e é considerada a "Mãe da Barbie". Ela criou a primeira Barbie em 1959. - A fonte usada no filme é baseada na fonte usada para todas as bonecas Barbie, produtos e mercadorias de 1975 - 1991. O logotipo da Barbie geralmente passa por uma reformulação a cada geração. - A Barbie saindo dos saltos na ponta dos pés é uma referência ao molde corporal da Barbie tradicional. Até 2015, com a introdução das bonecas Barbie Fashionista com pés moldados para serem planos para que possam usar calçados baixos, todas as bonecas Barbie eram moldadas para usar apenas salto alto, mesmo que a boneca não tivesse sapatos como parte do truque ou acessórios (como as bonecas Barbie com tema de praia, por exemplo).
Partes técnicas do filme: Um destaque maior fica por conta da trilha sonora, que na minha opinião ficou bem ajustada com o filme. As músicas escolhidas casaram bem com as cenas apresentadas, e o mesmo vale para as performances, que estiveram ótimas; com destaque da performance de Ryan Gosling em "I'm Just Ken". E ainda na trilha sonora: a expectativa maior era para a presença da música "Barbie Girl", já para a versão brasileira era para a versão "Sou a Barbie Girl" da Kelly Key - kkkkkk! A cinematografia é muito boa, com um destaque maior para os enquadramentos da fotografia. O mesmo vale para a direção de arte, que esteve o tempo todo em perfeita harmonia, já que no quesito cenários o filme esteve bem servido, principalmente no mundo de "Barbielândia".
Por fim: É inquestionável que "Barbie" marcou toda uma geração do cinema moderno e da geração moderna. É impossível você não perceber o tamanho do fenômeno que o filme foi nesse ano de 2023. Agora se o filme é bom, é relevante, é importante para a sociedade, tem conteúdo, fez algum efeito na sua vida, deixou alguma mensagem positiva, é da escolha própria de cada um e do gosto pessoal de cada um.
Mesmo o filme sendo essa grande comédia pastelona toda bagunçada e desestruturada, ele deixa a sua mensagem da sua forma; que é uma reflexão sobre valores, sobre existencialismo, sobre a autodescoberta, sobre igualdade de gênero, sobre o livre-arbítrio, sobre a posição feminina em uma sociedade patriarcal opressiva.
É importante ressaltar que antes de mais nada "Barbie" é apenas um conteúdo audiovisual com o intuito em prol do entretenimento. Ou seja, o cinema em suas mais variadas vertentes, que erra e acerta de acordo com a visão e a opinião de cada um, que prega a sua mensagem e o seu discurso de acordo com o gosto cinematográfico de cada um. Você tem o direito de gostar ou não do filme, até porque para mim fica naquela famosa frase: "não cheira e nem fede". Só acho que o filme em si não fere a masculinidade de ninguém e nem ofende ou prega todo esse discurso de ódio que se criou. Fica a dica!
"Os Bons Companheiros" é dirigido por Martin Scorsese, escrito por Nicholas Pileggi e Scorsese, e produzido por Irwin Winkler. O longa-metragem é baseado em uma história real, cuja adaptação cinematográfica é feita a partir do livro de não ficção de 1985, "Wiseguy", de Nicholas Pileggi. Estrelado por Robert De Niro, Ray Liotta, Joe Pesci, Lorraine Bracco e Paul Sorvino, o filme narra a ascensão e queda do associado da máfia Henry Hill (Liotta) e seus amigos e familiares de 1955 a 1980.
Considerar o Martin Scorsese como um mestre, como um verdadeiro gênio da sétima arte, é mais do que natural. Não é à toa que muitas pessoas e muitos críticos de cinema consideram o Scorsese como "o maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". Eu sou uma dessas pessoas que concorda plenamente com esta afirmação, porém eu colocaria mais dois nomes ao lado de Scorsese: James Cameron e Steven Spielberg. Fato é que Scorsese é um verdadeiro mestre quando o assunto é cinema, pois ele foi o responsável por algumas das maiores obras do que hoje é conhecido como cinema moderno. De acordo com o meu gosto pessoal, "Táxi Driver" (1976) é o suprassumo de todas as obras-primas do Scorsese até hoje, e figurando na segunda posição vem justamente a obra-prima "Os Bons Companheiros". A partir daí temos outras belíssimas obras-primas do mestre, mas estes dois citados estão indiscutivelmente no topo.
É interessante notar que em 1990, todo o planeta já tinha visto tudo de melhor que já havia sido lançado desse gênero de máfia e gângster. Ou seja, os verdadeiros clássicos do cinema como "Scarface" (1983), "Era Uma Vez na América" (1984), "Os Intocáveis" (1987) e o maior de todos - "O Poderoso Chefão" (1972). Foi exatamente diante desse cenário que Scorsese planejou e idealizou sua obra, já que ele também queria cravar o seu nome na história dos filmes de gângsteres, uma vez que existe uma história que Scorsese foi chamado para dirigir um dos filmes da franquia "O Poderoso Chefão", mas acabou não dando certo. Dessa forma o Scorsese mostra todo o seu talento na arte cinematográfica ao exibir o seu perfil de cineasta autoral e vasculhar os diversos níveis do crime organizado norte-americano, nos entregando simplesmente um dos maiores filmes da história do cinema, principalmente no gênero gângster.
"Os Bons Companheiros" é uma obra que soa muito intimista, muito peculiar para o Scorsese. Uma obra autoral, familiar, que traduz toda a história do seu crescimento, já que ele teve a sua infância dentro desse ambiente, vindo diretamente de seus pais que eram sicilianos. Ou seja, "Os Bons Companheiros" é um filme que revive a infância do Scorsese, que mostra para todos que as escolhas existem na vida de cada um, tanto para o lado bom quanto para o lado ruim. Eu diria que a história de vida do Henry Hill é exatamente o oposto da vida do Scorsese, e justamente por essas escolhas enquanto adolescente.
Eu sempre afirmo que os anos 90 foram os anos das grandes histórias nos cinemas, e aqui temos uma história que é uma verdadeira pérola cinematográfica, um verdadeiro patrimônio noventista. O longa traz à tona justamente uma bela abordagem em um gênero que sempre foi muito amado pelos americanos, que são os filmes de gângsteres. A figura de um gângster sempre foi uma figura extremamente respeitada e admirada, como conta as histórias. O próprio gênero gângster fez muito sucesso nos EUA, isso desde desenhos, contos, filmes, séries, documentários e livros. Esse estilo de vida sempre foi muito sedutor para os americanos, por toda a sua filosofia, o seu glamour, honra, poder, ambição, cultura, fama, tradição e poder econômico. E principalmente por ser um estilo de vida próprio e único, onde se vive como se não houvesse amanhã, com o melhor que essa vida pode lhe oferecer; com muito dinheiro, respeito, mulheres, sexo, negócios e drogas. Por outro lado é também um estilo de vida baseado na confiança, no companheirismo, na lealdade, onde juntamente terá uma vida arriscada voltada para a corrupção, a violência, o roubo, o tráfico, o sangue frio e muitos assassinatos.
Dentro desse contexto eu diria que "Os Bons Companheiros" é um filme que nos passa mais realismo, sendo até mais verdadeiro do que os outros do gênero. E muito por exatamente nos trazer essa face baseada em uma história real. Temos aqui a história da vida de Henry Hill, um ítalo-irlandês que nasceu em uma família tradicional e rígida com seus costumes e crenças da velha família com origens italianas, onde eles empregavam principalmente o moralismo. O garoto do Brooklyn começa a sua trajetória aos 11 anos, quando ele começa a ter contato com a gangue local, e passa a fazer pequenos favores (trabalhos) envolvendo negócios ilícitos. Este é o retrato da vida conturbada de Henry, que se vê seduzido pelo costumes e tradições das gangues, juntamente com todo o submundo dos contrabandos ilegais.
A partir daí, Henry larga os estudos tradicionais e mergulha de cabeça nessa sociedade que se auto identifica vencedores por meio do faturamento pessoal. Henry é facilmente seduzido pelo dinheiro teoricamente fácil, já que ele é o responsável pelos pequenos delitos a mando do chefe da gangue local, Paulie (Paul Sorvino). Henry começa a se dar bem na gangue muito pelo seu carácter de eficiência e principalmente de obediência. Dessa forma a confiança em Henry passa a crescer, e logo ele começa a sua escala hierárquica dentro desse universo mafioso. Logo que Henry conhece o mafioso em ascensão, Jimmy Conway (Robert De Niro), ele passa a ser visto como o seu novo protegido. Juntamente por ter conhecido outro líder mafioso, Tommy DeVito (Joe Pesci).
Henry era visto como o futuro da organização, até por muito cedo ele já se encaixar nesse perfil e sempre ter afirmado o seu desejo de ser um gângster. Para Henry ser um gângster era a sua escala mais importante na vida, o suprassumo da vida, para ele ser um gângster era melhor que ser o Presidente dos EUA. Tanto que quando Henry foi preso pela primeira vez ainda jovem ele passou a ser respeitado, ele era visto como perdendo a virgindade no mundo dos gângsteres. E Henry desde jovem já tinha aprendido a principal regra dos gângster, as duas coisas mais importante da vida de um homem (segundo o Jimmy Conway): "nunca dedure seus amigos e fique sempre de boca fechada".
Mais interessante ainda é quando passamos a acompanhar do estrelato e queda de Henry Hill, quando ele alcança um certo nível de importância nos negócios e passa a colocar tudo em jogo ao traficar armas e drogas. O que antes era visto como ascensão na cúpula criminosa, agora passa a comprometer tudo, quando Henry passa a atrair a atenção das autoridades sobre seu novo negócio, o que logo acarreta em seu afastamento da equipe.
"Os Bons Companheiros" é uma obra com uma extrema importância e influência dentro desse cenário cinematográfico, e muito por seu retrato fiel e realista desse submundo dos gângsteres. Temos aqui uma das maiores histórias baseada em uma personalidade real, o que obviamente se destaca como um dos melhores filmes sobre gângster. Sem dúvida um dos pontos principais do longa é justamente o seu roteiro e sua narrativa. O roteiro por sua vez é mais seco, cru, tenso, algo que contrasta exatamente com a violência, a barbárie desenfreada e as relações conflituosas entre todos os envolvidos naquele submundo - tanto pelos conflitos entre os membros em si, quanto pela difícil relação de Henry com sua esposa Karen (Lorraine Bracco). Já a narrativa é especificamente feita em primeira pessoa inicialmente pelo protagonista Henry, traçando uma linha em volta de uma biografia da Máfia. Logo após a Karen Hill começa a ganhar um certo peso na trama, e se junta ao Henry com sua própria narrativa. É impossível você assistir "Os Bons Companheiros" e não ser fisgado por essa belíssima narrativa, que se destaca especialmente como um belo e ousado movimento orquestrado pelo roteiro de Scorsese e Nicholas Pileggi.
"Os Bons Companheiros" surpreendeu e impactou em sua época por trazer justamente todas essas técnicas e recursos narrativos. Além, é claro, os famosos "closes congelados", que na época funcionava muito bem por ditar exatamente uma conclusão de uma ideia, uma tomada de decisão, e isso era um recurso específico e funcional, principalmente naqueles discursos voltados para o espectador - a famosa quebra da quarta parede. A técnica do voice-over é magistralmente bem administrada aqui. A trilha sonora do compositor italiano Gino Paoli, juntamente com o Pete Townshend, o guitarrista e vocalista da banda de rock "The Who", é completamente impecável e irretocável. É impressionante como a trilha sonora de "Os Bons Companheiros" é bem casada em cada cena apresentada, a típica trilha sonora que é o coração da obra. A cinematografia é um verdadeiro luxo, com destaque principalmente para a fotografia de Michael Ballhaus, que sempre intensificava cada captura de cena. A direção de arte de Thelma Schoonmaker é a verdadeira cereja do bolo, pois temos uma montagem impecável nos cenários, que abrange com muita dignidade e maestria toda a parte estética do filme, sempre bem uníssona com os padrões da época. É preciso também destacar a cenografia, a ambientação, a montagem, a edição e a mixagem de som. Cada um desses detalhes técnicos são bem orquestrados e funcionais com o peso e a importância histórica da obra.
Quando afirmamos que um filme é uma verdadeira obra-prima do cinema, o elenco tem que acompanhar a proporção e a magnitude dessa obra. E aqui temos um elenco grandioso, impecável, ajustado, compenetrado, que entregaram atuações com um nível de excelência absurdo. O saudoso Ray Liotta (falecido em 26 de maio de 2022) é o protagonista por trás de toda história. Naquela época Liotta tinha poucos filmes no currículo, tanto que seu personagem Henry Hill é o mais conhecido de toda a carreira. Especificamente em "Os Bons Companheiros", Liotta faz um trabalho grandioso, com muita eficiência, que dita bem o ritmo de toda evolução da trama. Robert De Niro é sem dúvida um dos maiores atores da sua geração ainda vivo. Nessa época De Niro já havia trabalhado com o Scorsese 6 vezes antes de "Os Bons Companheiros", sendo aqui um dos seus melhores trabalhos com o diretor. De Niro é um verdadeiro gênio na arte de atuar, o mafioso mais conhecido dos cinemas, que sempre emprega trabalhos fenomenais com atuações estratosféricas. Elogiar o De Niro em "Os Bons Companheiros" é simplesmente chover no molhado, pois o personagem Jimmy Conway ficou conhecido como um dos personagens mais marcantes de toda a sua carreira, assim como Al Capone, Travis Bickle e Vito Corleone. Curioso que o De Niro tem uma química e uma sintonia invejável com o Joe Pesci, justamente por ter trabalhado junto com ele várias vezes. Aqui Pesci se une à De Niro como dois mafiosos perigosos e violentos sempre a um passo do caos desenfreado. Às cenas em que ambos atuam juntos sempre é envolvida por uma grande tensão no ar, porém a irreverência da dupla dá espaço para a comédia, o humor ácido, o humor negro, justamente em um tom que marca os momentos mais críticos da trama. Joe Pesci é outro excelente ator que também está impecável em "Os Bons Companheiros". Lorraine Bracco também atuava em seu filme mais importante na época, juntamente com sua personagem mais notável de toda a carreira. Lorraine deu vida para a co-protagonista que tomou uma grande proporção e uma grande importância na história da vida de Henry Hill durante a trama. Karen desenvolve uma relação conflituosa, mas fiel, com Henry. Onde logo ela se mostra uma mulher dividida entre a força de sua própria personalidade e a fragilidade originária do amor por Henry. É interessante acompanhar esse desenvolvimento crítico com a história de Karen Hill. Paul Sorvino (também falecido 25 de julho de 2022) é outro ator que esteve muito bem em toda a história, sendo pontual nos casos mais cruciais ao contracenar com Ray Liotta. Sem deixar de mencionar as participações mais do que ilustre de Catherine Scorsese (1912-1997) e Charles Scorsese (1933-1993), os pais de Scorsese, que já trabalharam em outras produções, e juntos fizeram uma participação em "Os Bons Companheiros". E fechando com uma participação mais contida de Samuel L. Jackson, como Stacks Edwards.
Cenas clássicas: Toda grande obra sempre contém cenas clássicas e marcantes, e em "Os Bons Companheiros" não é diferente, pois temos várias cenas icônicas. - Aquela cena de abertura, com as facadas e o tiro no homem no porta-malas, já é sensacional e já diz tudo que você pode esperar do filme. - Aquela cena do bar, com o Tommy junto com seus amigos e o Henry, onde de repente ele passa a encenar com o Henry como se ele tivesse ficado incomodado com a situação exposta pelo próprio Henry, é uma cena hilária, emblemática, uma das melhores cenas do filme. E esta cena foi um improviso do próprio Joe Pesci, que diz ter vivido algo parecido na vida e ter trazido para o filme, cujo o próprio Scorsese gostou tanto que resolveu integrar a cena no filme. - A cena em que o Tommy é desafiado no bar e atira contra o rapaz a sangue frio, e depois simplesmente debocha da situação. É outra cena icônica. - Aquela sequência de cenas com o Jimmy apagando todas as provas que o ligaria com o assalto, juntamente com aquela matança. Outra cena absurda e maravilhosa. - A cena em que o Jimmy recebe a notícia do assassinato do Tommy. Esta é uma cena antológica.
Curiosidades sobre o filme: - O nome original de "Goodfellas" seria "Wiseguy", seguindo o título do livro, mas os produtores acharam melhor trocar para não confundir com o filme "O Homem da Máfia" (1987), cujo título original era exatamente "Wiseguy". - Para se prepararem para seus papéis no filme, Robert De Niro, Joe Pesci e Ray Liotta conversaram frequentemente com Nicholas Pileggi, que compartilhou material de pesquisa que sobrou da escrita do livro. - Segundo Joe Pesci, as improvisações surgiram dos ensaios em que Scorsese deu aos atores liberdade para fazer o que quisessem. O diretor fez transcrições dessas sessões, pegou as falas que mais gostou e colocou-as em um roteiro revisado, a partir do qual o elenco trabalhou durante a fotografia principal.
Recepção crítica e bilheteria: "Os Bons Companheiros" foi desenvolvido com um orçamento de US$ 25 milhões e arrecadou US$ 47 milhões. O longa recebeu ampla aclamação após o lançamento, sendo amplamente considerado um dos maiores filmes de gangster já feitos. Em 2000, foi considerado "culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo" e selecionado para preservação no National Film Registry pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Com base em seu feito histórico e grande influenciador, seu conteúdo e estilo foram imitados em vários outros meios de comunicação.
"Os Bons Companheiros" está classificado em 92º lugar na lista 100 Years...100 Movies (10th Anniversary Edition) da AFI, publicada em 2007. Em 2012, o Motion Picture Editors Guild listou "Os Bons Companheiros" como o décimo quinto filme mais bem editado de todos os tempos, baseado em um levantamento de seus membros. Nas pesquisas Sight & Sound de 2012, foi classificado como o 48º melhor filme já feito na pesquisa dos diretores. Nas pesquisas subsequentes de 2022, ficou em 28º lugar na pesquisa dos diretores e empatou em 63º (com "Casablanca", de 1942, e "O Terceiro Homem", de 1949) na pesquisa da crítica. "Os Bons Companheiros" está em 39º lugar na lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos feita por James Berardinelli em 2014. Em 2015, "Os Bons Companheiros" ficou em 20º lugar na lista dos "100 Maiores Filmes Americanos" da BBC, votada por críticos de cinema de todo o mundo.
De acordo com o agregador de críticas Rotten Tomatoes, 96% dos 107 críticos deram ao filme uma crítica positiva, com uma avaliação média de 9,00/10. O consenso dos críticos do site diz: "Contundente e estiloso, "Os Bons Companheiros" é um clássico dos gângsteres - e sem dúvida o ponto alto da carreira de Martin Scorsese." O Metacritic atribuiu ao filme uma pontuação média ponderada de 92 em 100 com base nas avaliações de 21 críticos, indicando "aclamação universal". O público pesquisado pelo CinemaScore deu ao filme uma nota média de "A−" em uma escala de A+ a F.
Premiações: "Os Bons Companheiros" foi indicado a seis Oscars: Roteiro Adaptado, Edição, Atriz Coadjuvante - Lorraine Bracco, Diretor e Melhor Filme, com Joe Pesci vencendo como Melhor Ator Coadjuvante. No Globo de Ouro o longa foi indicado em cinco categorias. No BAFTA foi nomeado em sete categorias, ganhando em Roteiro Adaptado, Montagem, Figurino, Direção e Melhor Filme. Além disso, "Os Bons Companheiros" foi eleito o melhor filme do ano por vários grupos de críticos. No 47º Festival Internacional de Cinema de Veneza, Scorsese foi premiado com o Leão de Prata de Melhor Diretor.
Encerro afirmando que o gênio Martin Scorsese traz aqui a sua segunda maior obra-prima de toda a carreira. "Os Bons Companheiros" é um resgate histórico e bíblico do belíssimo gênero de gângsteres e mafiosos. Um verdadeiro mergulho na arte conceitual cinematográfica, uma linda forma de se fazer cinema ao relatar uma abordagem em um gênero tão amado, idolatrado e aclamado pelos quatro cantos do planeta. "Os Bons Companheiros" soa como uma obra autoral e intimista do mestre Scorsese, mas por outro lado ele também estava nos brindando ao nos entregar esta verdadeira carta de amor dedicada para toda a história da sétima arte.
Simplesmente um dos melhores filmes da década de 90 e indiscutivelmente um dos maiores filmes de gângster de toda a história do cinema. Sem mais! [20/10/2023] ⭐⭐⭐⭐⭐ 👏 👏 👏 👏 👏
"A Freira 2" (também conhecido no original como "The Nun: Chapter Two") é dirigido por Michael Chaves, com roteiro escrito por Ian Goldberg, Richard Naing e Akela Cooper, a partir de uma história de Cooper e James Wan. O longa-metragem serve como uma sequência direta de "A Freira" (2018) e foi desenvolvido como o nono filme da franquia "The Conjuring Universe" (o famoso "Invocaverso"). O filme é estrelado por Taissa Farmiga, Jonas Bloquet e Bonnie Aarons, retornando do primeiro filme.
A história se passa 4 anos após os eventos do primeiro filme, no ano de 1956, na França. Onde temos um padre que é brutalmente assassinado e parece que o mal está novamente se espalhando. Para deter novamente o poder maligno, a Irmã Irene (Taissa Farmiga) mais uma vez deverá enfrentar a poderosa e demoníaca Valak, a Freira.
Este ano completa exatos 10 anos desde a estreia do primeiro "Invocação do Mal", lá em 2013. Na época o longa foi encarado apenas como mais um dos inúmeros filmes de terror que sempre eram lançados. Mas fato é que logo o filme começou a ganhar o conhecimento do público e virou febre. James Wan na época já tinha um grande conhecimento desse mundo cinematográfico de terror, pois ele já havia trabalhado como diretor e roteirista em produções como "Jogos Mortais" (2004), "Gritos Mortais" (2007), "Sentença de Morte"(2007) e "Sobrenatural" (2010). Como James Wan tinha todo o respaldo da produtora Warner Bros., além de todo o sucesso e bilheteria de "Invocação do Mal", logo ele decidiu criar Spin-offs da sua franquia principal. Foi assim que nasceu o "The Conjuring Universe", com produções como "Annabelle", "A Maldição da Chorona" e "A Freira". Além do filme "O Homem Torto", que foi cancelado.
Apesar do grande sucesso do "The Conjuring Universe", não são todos os filmes da franquia que são bons. Quantidade não quer dizer qualidade, e esta afirmação se encaixa perfeitamente aqui. Como no caso do primeiro "A Freira", que serviu apenas como base para a introdução de uma personagem de "Invocação do Mal" em seu filme solo. Porém, o filme é ruim, não funciona com a mesma relevância e estrutura narrativa da franquia principal, e ficou marcado apenas como mais um Spin-off caça-níquel tentando remar na mesma onda de "Invocação do Mal". Eu cheguei a afirmar na minha resenha que "A Freira" é o pior filme do "The Conjuring Universe".
"A Freira" arrecadou 365 milhões de dólares nas bilheterias mundiais, o que a levou ao posto de produção com a maior arrecadação em toda a franquia de "Invocação do Mal". Seria mais do que óbvio que teríamos um segundo capítulo com a continuação de toda a história. E esta continuação veio com "A Freira 2". Mas o filme é bom?
A cena inicial é boa, com a Valak quebrando os ossos do corpo do Padre e depois o queimando vivo, e na frente do garoto. Toda esta introdução deixa bem claro que a Freira demoníaca está de volta e dessa vez mais sangrenta e vingativa. E logo somos informados através de relatos que ela está matando todos que cruzam em seu caminho, seja Padres, pessoas religiosas, Freiras e até coroinhas.
Dito isto: "A Freira 2" é tão ruim quanto o primeiro, ou até pior. Você pode até considerar o primeiro melhor, ou este segundo melhor, a verdade é que ambos são péssimos. O roteiro de "A Freira 2" é preguiçoso, superficial, genérico, pífio, sem pé nem cabeça, que parte do nada para lugar nenhum. Se no primeiro tínhamos a introdução da figura da Freira baseado na complexidade do caso em que duas freiras foram brutalmente atacadas por uma entidade maligna, onde o Vaticano envia o Padre Burke (Demián Bichir) e uma jovem freira, Irmã Irene, para investigar o caso. Aqui o roteiro é tão preguiço e mal escrito que temos o mais do mesmo. Não temos nenhum desenvolvimento, nenhuma evolução, nenhum avanço na história da Valak (que era algo que eu esperava).
Simplesmente o roteiro decide trazer de volta a figura da Freira, onde ela causa algumas mortes bizarras para impressionar o espectador. Decide que dessa vez a protagonista será apenas a Irmã Irene e não contará mais com a presença do Padre Burke, que dizem ter morrido de cólera. No final do primeiro filme o personagem Maurice Theriault (Jonas Bloquet) salva a vida da Irmã Irene, após o embate com a Valak, porém o mesmo fica possuído pela entidade. Ou seja, este é o gancho para o roteiro de "A Freira 2", usar o Maurice como cobaia de Valak durante grande parte da história. Esta é um decisão que eu considero falha, pobre, sem criatividade e sem credibilidade. Poderiam ter desenvolvido algo melhor, mais interessante, que pelo menos surpreendesse.
Uma coisa é certa, o "The Conjuring Universe" nunca foge do trivial, e aqui temos mais uma prova disso. "A Freira 2" também peca pelo comodismo, pelo conformismo, por decidir entregar o mais do mesmo e nunca sair da sua zona de conforto. Ou seja, tudo que você já está acostumado em filmes de terror moderno você verá aqui; justamente os clichês, a forçação de barra em cima dos famosos jumpscare, cenas que sempre pecam pela previsibilidade de você já saber o que irá acontecer na cena seguinte. Além do que "A Freira 2" parece um grande catado de tudo que já presenciamos em outros títulos da franquia, e isso que mais impacta no quesito originalidade, pois o roteiro parece abraçar o comodismo e jogar na segurança de tudo que já fez anteriormente.
Uma das maiores falhas do longa é justamente a falta de atitude, de querer ir mais além, de querer se aprofundar em uma trama mais complexa, mais interessante, e não ficar só bebendo da fonte do primeiro filme. Mas isso definitivamente não acontece, pelo fato de que no final do primeiro filme a Irmã Irene meio que derrota a Valak com o poder do famoso "sangue de Jesus tem poder". Aqui voltamos praticamente na mesma história, que é a Irma Irene novamente derrotando a Valak com o poder dos barris de vinho benzido. A explicação agora é o fato da descoberta de que a Irmã Irene é descendente da Santa Luzia, a padroeira dos olhos. Dessa forma a linhagem sagrada da personagem é o que justifica sua capacidade de milagres e se torna arma fundamental no embate. Ou seja, atacar a Valak novamente com algo líquido. Então tá né...mas a mim não me convenceu!
Outra falha do primeiro que volta a acontecer: Se no primeiro a figura da Freira foi pouca explorada e pouco utilizada, aqui é menos ainda, onde a Freira é utilizada somente como pano de fundo para impressionar nos jumpscare. O Maurice possuído ganha mais destaque e aparece mais vezes do que a própria Freira. A figura da Freira é utilizada apenas nos momentos mais oportunos durante toda a trama, e isso justifica as suas pouquíssimas aparições, o que eu não concordo. Aqui era como se a Freira ficasse o tempo todo oculta e se apoiando em seus servos durante grande parte do tempo; como no caso do próprio Maurice e daquela espécie de "Homem-bode".
Dos poucos pontos positivos no filme: Temos a excelente caracterização da Freira, que é ainda mais bizarra que no primeiro. Por sinal, aquela cena final é boa e se destaca pela agressividade e o tamanho da Freira. A Freira é o grande nome por trás do filme, ela é o grande chamariz da produção, mas aquele "Homem-bode" é bizarro e sensacional. Por sinal, aquela cena em que o bode macabro sai dos vitrais e persegue as garotas é excelente. Eu vi um grande potencial ali, pena que ele foi pouco explorado. Aquela cena na banca de revista, onde se forma a figura da Freira, é muito boa.
Tecnicamente: O diretor Michael Chaves já é um velho conhecido da franquia, ele foi o diretor em "A Maldição da Chorona" (2019) e "Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio" (2021). Em "A Freira 2" Michael Chaves faz um trabalho ok, ele entrega tudo que realmente a produção pedia; como uma direção centrada, ajustada, conseguindo criar ambientes soturnos e macabros com seus takes. A trilha sonora é precisa, agrega bem nas cenas com mais ação. Aqui a trilha sonora ficou à cargo de Marco Beltrami (compositor da excelente trilha sonora de "Um Lugar Silencioso", de 2018), uma vez que o grande conhecido da franquia, Joseph Bishara, ficou de fora. A fotografia é muito boa, destaca muito bem cada cena, principalmente nas cenas finais com o enquadramento da Valak. A direção de arte também tem seus méritos, por construir cenários bem sombrios, ainda mais pelo filme ter sido filmado em uma igreja real abandonada na França.
O elenco: Taissa Farmiga (a irmã da Vera Farmiga) é o grande nome em "A Freira 2". No primeiro filme a Irmã Irene se mostrava bem inexperiente e até assustada em determinadas situações. Aqui ela já é menos ingênua e mais corajosa, até por ela ser a principal ali sem a presença do Padre Burke. Taissa entrega o que a sua personagem pede. Sem a presença do Padre Burke, quem fica ao lado da Irmã Irene dessa vez é a Irmã Debora (Storm Reid). Reid até consegue agregar na história com sua personagem; uma Freira rebelde que não acredita muito no discurso da Igreja e tem como ambição ver um milagre de perto. Bonnie Aarons, que vive a Freira Valak, é novamente o grande destaque do filme. É impressionante todo o poder de interpretação que ela tem na pele na demoníaca Valak, e muito por sua caracterização e maquiagem, que estão em um altíssimo nível de perfeição. Jonas Bloquet é mais uma vez super esforçado, mas especificamente aqui ele peca pelo caricato e pelo exagero. De certa forma ele compõe um personagem que tem suas ligações dentro da franquia, tem sua importância em um modo geral, mas no fundo não passa de um personagem vazio e dispensável. Completando com Katelyn Rose Downey, que faz a pequena Sophie. A atriz é boa e sua personagem é peça fundamental na história.
Ainda temos uma cena pós-créditos: No maior estilo do "Invocaverso", a cena pós-créditos mostra o casal de demonologistas Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) atendendo um telefonema de um Padre que lhes dá alguma má notícia e pede sua ajuda. Esta cena tem toda uma ligação com o universo de "Invocação do Mal", já que ela complementa a ligação que o casal Warren teve ao tentar exorcizar Maurice (dentro da linha cronológica da franquia). Eu acredito que esta cena funciona apenas como uma maneira de ligar o filme à saga, apesar de também parecer como uma espécie de ligação com um possível "Invocação do Mal 4".
"A Freira 2" foi um sucesso comercial, arrecadando US$ 257 milhões em bilheterias ao redor do mundo.
A recepção crítica: No Rotten Tomatoes, 52% das 130 críticas são positivas, com uma classificação média de 5,1/10. O Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 47 em 100, com base em 24 críticos. O público pesquisado pelo CinemaScore deu ao filme uma nota média de "C+" em uma escala de A+ a F, enquanto os entrevistados no PostTrak deram uma pontuação geral positiva de 64%, com 47%.
No mais: "A Freira 2" é apenas mais um capítulo perdido dentro do "The Conjuring Universe". O longa-metragem é muito falho, genérico, superficial e peca excessivamente com erros grotescos e banais. Todavia isso já era esperado, uma vez que o primeiro fez o sucesso que fez unicamente bebendo da fonte de "Invocação do Mal", ao apresentar uma personagem com grande potencial porém mal explorada.
Como essa geração atual é órfã de bons filmes de terror, o que resta é se entregar para Spin-offs genéricos que não passam de verdadeiros caça-níqueis.
O que me resta é novamente afirmar que os dois filmes de "A Freira" são os piores filmes do "The Conjuring Universe". [18/10/2023]
"O Exorcista" foi dirigido por William Friedkin a partir de um roteiro de William Peter Blatty, baseado em seu romance de 1971 com o mesmo nome. O filme é estrelado por Ellen Burstyn, Max von Sydow, Jason Miller e Linda Blair. "O Exorcista" conta a história de Regan McNeil (Blair), uma menina que era doce e meiga até ficar possuída pelo demônio pazuzu, e a tentativa de sua mãe de resgatá-la por meio de um exorcismo realizado por dois padres católicos.
Sobre o livro: A obra-prima de William Peter Blatty é um verdadeiro clássico apoteótico do terror com mais de 13 milhões de exemplares vendidos em todo o planeta. Uma obra que mudou a cultura pop para sempre, se tornando um verdadeiro "marco" como uma das maiores obras da história da literatura. Uma obra-prima literária que mescla o sagrado, o ceticismo, a fé, a crença, o profano, juntamente com o investigativo e um estudo das camadas do ser humano ao ser exposto ao seu limite mental e espiritual.
Uma obra categórica que impactou e assombrou com o seu poder em criar um verdadeiro embate entre a ciência e a fé. Este é exatamente o ponto-chave do livro que dita todo o contexto da sua história. Ou seja, temos aqui uma história que navega com bastante eficiência e relevância no ocultismo, no mistério, no suspense e no terror, e ainda cria todo um ambiente que desenvolve o drama, o trauma, a frustração e o sofrimento.
Sem falar que o livro vai ainda mais além ao nos imergir em um verdadeiro terror psicológico durante toda a leitura. Ou seja, a leitura é fluida e dinâmica, e tem um início até leve e natural, dada a toda proporção da história. Este é o ponto que surpreende o leitor, por teoricamente ser confrontado com uma história que não demonstra um terror visível e palpável, mas desenvolve um terror psicológico, sobrenatural, algo que mexe com a nossa crença, com a nossa fé, que nos causa um desconforto mental e espiritual, pois o livro fala muito mais de fé do que sobre o medo. Durante toda a leitura nos sentimos Como se estivéssemos presos em um labirinto psicológico criado pela nossa própria mente - é bizarro!
Os personagens são incríveis, inteligentes, bem desenvolvidos, bem trabalhados, onde naturalmente o leitor irá facilmente se apegar, criar uma empatia, começar a se importar com cada um. O próprio Padre Damien Karras carrega nas costas o peso de suas escolhas feitas no passado, e essas escolhas viraram traumas atuais que refletem em suas frustrações durante o embate com o demônio. O demônio é outro personagem muito importante da história, que obviamente não criamos empatia, mas sentimos o peso da sua maldade ao expor a sua fase mais destruidora ao corromper a alma da menina Regan.
E toda esta incrível história é vagamente baseada no real caso de "O exorcismo de Roland Doe" no final da década de 1940, nos Estados Unidos. O livro é considerado pela Igreja Católica como um dos maiores relatos sobre um exorcismo já realizado desde a Idade Média.
"O exorcista" é uma verdadeira obra-prima da literatura sombria. Aquela obra de arte literária obrigatória para todos os amantes do terror. Pois esta obra não se trata apenas de uma simples história sobre o bem contra o mal, ou sobre Deus contra o demônio, mas também sobre a renovação e o poder da fé.
Sobre o filme: "O exorcista" é mundialmente conhecido como o maior filme de terror do século XX. E eu vou mais além: eu o considero simplesmente como "o melhor filme de terror de toda a história do cinema". Uma obra extremamente conceituada que chocou o mundo inteiro com sua metáfora do combate entre o sagrado e o profano, entre o poder da ciência e a força da fé, em um dos roteiros mais macabros já escritos em toda a história. O longa supera qualquer outra obra do gênero no quesito terror e possessão, se destacando como um filme completamente influente e revolucionário, um pioneiro que ditou novos rumos ao cinema, mudando e moldando o jeito de se fazer cinema, mais especificamente aos filmes de terror.
O longa-metragem traz uma adaptação completamente fiel com sua obra literária. Ou seja, temos uma abordagem fiel e relevante em como o mal assume várias formas, várias faces, em como ele é responsável em mexer com o nosso psicológico, em quebrar a nossa barreira mental e espiritual nos provocando um certo desconforto, um certo incômodo, ao representar essa essência do nosso lado mais reprovável que reproduz um verdadeiro labirinto psicológico criado por nossa própria mente enquanto somos mergulhados nesse submundo sombrio e macabro. Esta obra é tão grandiosa, tão imponente, tão impactante, tão visceral, que vai além dos nossos medos visíveis. Ou seja, aqui o ponto-chave não é você sentir medo, se assustar, é algo mais palatável, mais sombrio, mais misterioso, mais soturno, um terror sobrenatural criado a partir do nosso medo psicológico em representações com figuras tais como monstros, fantasmas ou demônios, e principalmente com reação às profanações.
Outro ponto que surpreende e se sobressai na obra é toda a abordagem referente ao drama que cada personagem apresenta na trama, e isso especificamente falando de um filme de terror. Temos todo o drama de Chris MacNeil (Ellen Burstyn) referente à sua filha e os problemas que ela passa a apresentar, pois quando todos os esforços da ciência para descobrir o que há de errado com a menina falham uma personalidade demoníaca parece vir à tona. Por outro lado a própria Chris sofre o drama da frustração de ter sido abandonada pelo marido e não poder contar com ele nessas horas. O Padre Karras (Jason Miller) carrega toda suas frustrações e traumas, e cabe a ele salvar a alma de Regan e ao mesmo tempo tentar restabelecer a própria fé, abalada desde a morte de sua mãe.
O grande e notável escritor William Peter Blatty (falecido em 2017), que também era cineasta, é o grande nome por trás do longa-metragem. Além de ser o escritor do livro, ele foi o roteirista e produtor do filme, e partiu dele a escolha pelo diretor que dirigiria a sua adaptação. O diretor escolhido foi o saudoso mestre William Friedkin (falecido recentemente, no dia 7 de agosto de 2023). Ambos tiveram dificuldades para escalar o elenco para o filme. A escolha dos relativamente desconhecidos Ellen Burstyn, Linda Blair e Jason Miller, em vez de grandes estrelas do cinema, atraiu oposição dos executivos da produtora Warner Bros. Porém, eles se mantiveram firmes em suas escolhas sobre o elenco, tanto que a produção demorou o dobro do programado e custou quase três vezes o orçamento inicial.
Devo afirmar que o diretor William Friedkin faz um trabalho completamente impecável por trás das câmeras. Como os seus takes mais próximos dos rostos dos personagens, que aumentava ainda mais o nosso desconforto, principalmente em ângulos fechados diretamente no rosto possuído da Regan. Todos os seus movimentos com a câmera nos causava um certo incômodo, principalmente com aqueles cortes e avanços nas retomadas das cenas, onde parecia que sua câmera desfilava pelos cenários, como se ela tivesse vida própria. Friedkin dominava com muita maestria todo o seu elenco, tinha todos nas mãos, onde ele conseguia tirar o melhor e máximo de cada ator em cena.
Sobre a produção: Além de ser mundialmente cultuado e respeitado, "O exorcista" causou um grande impacto cultural por desafiar as regras cinematográficas da época. O longa carrega o peso de ser o maior filme de terror de todos os tempos, e também carrega o título das polêmicas e das histórias mais bizarras e absurdas que aconteceram na produção nos sets de filmagens. Temos várias histórias de bastidores sobre as histórias que a produção carrega, como as condições precárias e desumanas em que os atores foram colocados para filmar e também os acidentes que aconteceram ao longo de sua produção. Às filmagens ocorreram tanto em desertos quentes quanto em cenários refrigerados. Muitos elenco e equipe ficaram feridos, alguns morreram e acidentes incomuns atrasaram as filmagens. Os muitos contratempos levaram à crença de que o filme teria sido amaldiçoado.
Ao todo, nove pessoas ligadas a produção do filme morreram de forma misteriosa, entre elas os atores Jack MacGowran e Vasiliki Maliaros, o avô de Linda Blair, um segurança do estúdio e um dos especialistas em efeitos especiais. Durante as gravações, o set de filmagem pegou fogo de forma misteriosa. No entanto, apenas o quarto da Regan não foi atingido, de acordo com os relatos da época. Devido às mortes e acidentes inesperados, o diretor William Friedkin consultou o Reverendo Thomas Birmingham sobre a possibilidade de exorcizar o set de filmagens. Em todas as vezes, o reverendo recusou o pedido, dizendo que isto causaria ainda mais ansiedade no elenco. Mas por diversas vezes ele visitou os sets para benzê-los e tranquilizar o elenco. Assim, após os eventos misteriosos envolvendo a equipe, o reverendo passou a acompanhar as gravações.
De acordo com as investigações da época, o ator Paul Bateson fez uma breve participação no filme. No entanto, anos mais tarde, foi condenado pelo assassinato de Addison Verrill. Sem provas, Bateson ainda foi ligado a um serial killer responsável pela morte de outras pessoas, todas encontradas dentro do rio Hudson. Considerado muito assustador, o trailer original foi removido, pois mostrava partes do filme em preto e branco, em que as imagens se misturavam com as dos demônios. Além disso, apresentava Regan MacNeil possuída.
Sobre o elenco: Com apenas 13 anos na época das gravações, a pequena Linda Blair é o grande nome e o principal destaque por trás de "O exorcista". Blair já era uma garota prodígio na época, com 12 anos ela já tinha aparecido em 75 comerciais e centenas de capas de revistas. "O exorcista" é seu filme de estreia nos cinemas, e devo afirmar que ela foi complemente fantástica, impecável e assustadora em sua atuação. A sua caracterização é impecavelmente bizarra, e isso se deve as várias sessões de maquiagem que levavam de duas a cinco horas para serem finalizadas. Blair virou uma das principais crianças em filmes de terror, sendo referência e influência para todas as atuações cinematográficas mirins em filmes de terror a partir dela. Ela é reconhecida e carrega este título até hoje, 50 anos depois. Porém, na época a Linda Blair sofreu muito com o peso dessa personagem, tanto no set de filmagem quanto fora dele. Durante a produção, Blair foi exposta a diversas dificuldades, como o quarto onde ela ficava, que teve que ser constantemente refrigerado, para que se pudesse capturar com exatidão a respiração gélida dos atores. Para tanto, foram usados quatro aparelhos de ar condicionado, todos ligados simultaneamente. Blair recebeu várias ameaças de morte e foi perseguida após o lançamento de "O exorcista", o que fez com que a Warner Bros. contratasse seguranças para viver com sua família durante 6 meses. Mesmo com todo o sucesso conquistado em "O exorcista", a carreira de Linda Blair não decolou, não teve o sucesso que todos esperavam, de certa forma ela ficou marcada pela produção, algo como uma maldição em toda a sua carreira.
Ellen Burstyn é o segundo grande destaque do filme, que também ficou estigmatizada pelo seu papel de Chris MacNeil, a mãe de Regan. Ellen fez um trabalho gigantesco e fantástico ao personificar a figura de uma mãe que ama a sua filha, que sempre se preocupa com o seu bem estar, que sempre se mostra presente em sua vida, demonstrando muito carinho e amor. E sua personagem é marcada pela virada em sua vida, por ter que lidar com novos problemas relacionados à saúde de sua filha, o que logo põe à prova a sua crença entre a ciência e a religião (e logo ela que dizia não ter uma religião). Ellen Burstyn também ficou marcada por eventos misteriosos durante a produção do filme. O principal foi o trauma que ela enfrentou em uma determinada cena, onde sua personagem é arremessada para longe por sua filha possuída e ela bate violentamente com o coccix contra a cama e cai no chão. A verdade é que seu grito de dor foi real nessa cena. Esta cena foi filmada e mantida no filme. Ellen também estabeleceu uma condição durante as filmagens: que sua personagem não dissesse a frase "I believe in the devil!" ("Eu acredito no demônio!"), contida no roteiro original. Os produtores atenderam o pedido e esta frase foi retirada da história. As atrizes Jane Fonda e Shirley MacLaine chegaram a ser sondadas sobre a possibilidade de interpretarem a personagem Chris MacNeil. Mas ainda bem que a personagem ficou com a Ellen Burstyn.
Jason Miller completa o trio de ouro de "O exorcista". Jason faz uma interpretação muito fina e muito competente do Padre Damien Karras. O interessante de seu personagem é o fato que inicialmente ele não faz parte daquela história, ele vai chegando com uma certa modéstia e aos poucos vai se estabelecendo dentro daquele universo. Além do que, Jason entrega uma atuação na medida certa, que mescla seus traumas do passado envolvendo sua mãe, com a atual situação envolvendo Chris e sua filha possuída. O mesmo vale para o Max von Sydow, o experiente Padre Lankester Merrin. Max entra com seu personagem mais na parte final da história e rapidamente já nos conquista. O Padre Merrin tem uma participação fundamental na história e um grande peso na parte final.
Sobre as qualidades técnicas: "O exorcista" trouxe todo um trabalho técnico e artístico muito à frente do seu tempo. Como posso destacar os efeitos especiais, que era uma novidade naquela época. O trabalho de maquiagem e representação artística foi um avanço tecnológico, ou seja, um trabalho impecável. A trilha sonora de Krzysztof Penderecki e George Crumb é uma coisa do outro mundo. Incrível como a trilha sonora de "O exorcista" é maravilhosa, é penetrante, é estridente, é incômoda, principalmente pela clássica composição instrumental de "Tubular bells de Mike Oldfield" (que está completando 50 anos). Este instrumental tocará no meu casamento e no meu velório. A cinematografia é magnífica, e traz uma fotografia de Owen Roizman completamente colossal. A direção de arte é minunciosamente bem detalhada, onde nos apresenta cenários com bastante fidelidade com a obra. A edição é outro grande acerto, assim como a própria mixagem e efeitos sonoros, que nos dava uma dimensão exata acerca de todos os acontecimentos que permeava o quarto da Regan possuída.
Curiosidades sobre a produção: "O Exorcista" foi lançado nos Estados Unidos em 26 de dezembro de 1973, um dia depois do Natal. O público esperou em longas filas durante o tempo frio; os shows esgotados foram ainda mais lucrativos para a Warner, uma vez que eles os reservaram para esses cinemas sob quatro contratos de aluguel de distribuição de parede, a primeira vez que um grande estúdio fez isso.
Alguns espectadores sofreram reações físicas adversas, desmaios ou vômitos em cenas chocantes, como uma angiografia cerebral realista. Muitas crianças foram autorizadas a assisti-lo, o que levou a acusações de que o conselho de classificação da MPAA havia acomodado a Warner, dando ao filme uma classificação R em vez da classificação X para garantir a produção problemática e seu sucesso comercial. Várias cidades tentaram proibi-lo totalmente ou impedir a participação de crianças. No final de sua exibição teatral original, o filme arrecadou US$ 193 milhões e teve um faturamento bruto vitalício de US$ 441 milhões com relançamentos subsequentes.
"O Exorcista" foi banido no Reino Unido durante 11 anos. Foi alegado desde grupos religiosos denunciando seu conteúdo como supostamente imoral, até espectadores desmaiando e vomitando durante sua exibição nos cinemas, tudo isso ajudou a construir a mística de "o filme mais assustador já feito". E não foi só no Reino Unido: durante algum tempo, inúmeras tentativas de censurá-lo ocorreram também nos Estados Unidos, mas foram mal-sucedidas.
As filmagens do longa envolveram dezenas de profissionais e também exigiram soluções criativas da equipe, como por exemplo o uso da sopa de ervilha para simular o vômito.
Os gritos sobrenaturais foram feitos a partir de efeitos sonoros insólitos de mixagens de gritos de porcos quando são enviados para o abate. Inicialmente, a voz do demônio seria da própria Linda Blair. Entretanto, após 150 horas de trabalho em cima do som do filme, o diretor resolveu substituí-la pela voz de Mercedes McCambridge que, para fazer a voz do demônio, comeu ovos crus, tomou muito álcool e fumou diversos cigarros. A atriz McCambridge chegou a processar a Warner Bros., para que seu nome como a dona da voz do demônio entrasse nos créditos do filme.
Além da história de "O exorcista" ter sido baseada no real caso de "O exorcismo de Roland Doe", existem teorias que por sua vez, que a história é também baseado em relatos curiosos de um ex-engenheiro da NASA.
Diferenças entre livro e filme: Eu pude notar que a principal diferença entre ambos está no quesito de que no livro a possibilidade do problema da menina Regan ser psiquiátrico é sempre mantido e questionado até o fim. Já no filme fica mais evidente que o problema da Regan sempre foi possessão, por mais que inicialmente temos as cenas da mãe levando ela para fazer alguns exames médicos. Isso eu nem considero como uma falha de adaptação, eu considero como uma escolha de roteiro por uma liberdade criativa na narrativa do longa-metragem.
Um ponto que foi deixado de lado no filme: é o fato que em nenhum momento é mencionado sobre a filha do casal de empregados Karl e Willi (Rudolf Schündler e Gina Petrushka). Esta é uma parte evidente e importante no livro. Temos aqui outra escolha criativa do roteiro.
Cenas clássicas: "O exorcista" é composto por inúmeras cenas clássicas que sempre foram inesquecíveis e serão lembradas e cultuadas até o fim dos tempos. - Temos a clássica cena da Regan descendo de seu quarto no meio da festa e fazendo xixi no tapete na frente dos convidados. - A Regan descendo pelas escadas de costas com a boca cheia de sangue. - A clássica cena que virou pôster, quadros e papel de parede: o Padre Merrin chegando de táxi à noite na casa da Chris e logo após se pondo de pé em frente ao local. - Regan levitando na cama durante a sessão de exorcismo. - Regan possuída girando completamente a sua cabeça. - Regan se masturbando com o crucifixo até sangrar. E todas essas cenas são lembradas também por ter virado paródias, memes, por ser de alguma forma imitadas e nunca esquecidas.
Um versão estendida de "O exorcista" foi relançado nos cinemas americanos em 2000, com uma nova cópia, som digital e 12 minutos de cenas extras inseridas ao longo do filme.
Premiações: "O Exorcista" é o verdadeiro "Pioneiro do Terror", pois ele foi o primeiro e único filme de terror a ser indicado ao Oscar de melhor filme. Tal revolução foi impulsionada pelo sucesso do filme, que o levou a vencer a resistência das grandes premiações aos filmes de gênero e conquistou dez indicações ao Oscar de 1974: Som, Edição, Direção de Arte, Fotografia, Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante (Linda Blair), Ator Coadjuvante (Jason Miller), Atriz (Ellen Burstyn), Direção e Melhor Filme. Saindo vencedor em duas estatuetas, de Roteiro adaptado e Som. Ganhou quatro Globos de Ouro nas categorias de Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair). Recebeu ainda outras três indicações: Melhor Atriz - Drama (Ellen Burstyn), Melhor Ator coadjuvante (Max von Sydow) e Melhor Revelação Feminina (Linda Blair). Foi indicado ao BAFTA na categoria de Melhor Som. Ao Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films - ganhou nas categorias de Melhor Filme de Terror, Melhor Maquiagem, Melhores Efeitos Especiais e Melhor Roteiro.
Continuações: "O Exorcista" foi o primeiro de uma série de quatro filmes baseados nos personagens. Os demais foram "O Exorcista II - O Herege" (1977), "O Exorcista III" (1990) e "O Exorcista - O Início" (2004). Além de "Dominion: Prequel to the Exorcist" (2005) e "O Exorcista - O Devoto", lançado no Brasil no dia 12 de outubro de 2023.
"O Exorcista" teve uma influência significativa na cultura pop e diversas publicações o consideram um dos maiores filmes de terror já feitos. Em 2010, a Biblioteca do Congresso selecionou o filme para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos como sendo "cultural, histórico ou esteticamente significativo".
Por fim: "O Exorcista" é um dos maiores filmes de todos os tempos, que chocou e traumatizou o mundo em sua estreia, e hoje, com quase 50 anos de lançamento, continua a impactar o público com uma história pesada, macabra, soturna, misteriosa, sombria, onde temos uma narrativa tensa e incômoda, com cenas perturbadoras, atuações primorosas, diálogos tenebrosos e um terror sobrenatural e psicológico que mexe com o nosso estado mental e espiritual.
Temos aqui a obra-prima do terror, a obra de arte do horror, o suprassumo da possessão e a quinta-essência do medo. O verdadeiro masterpiece do incômodo, do desconforto, do perturbador e do assustador.
Senhoras e senhores: o medo revela a sua face no maior filme de terror da história do cinema - "O Exorcista".
"Mas se todo o mal do mundo faz você pensar que pode existir um diabo, como explica todo o bem do mundo?"
"À Espera de Um Milagre" é escrito e dirigido por Frank Darabont e baseado no romance de Stephen King de 1996 com o mesmo nome. O longa-metragem é estrelado por Tom Hanks como Paul Edgecomb, um guarda penitenciário no corredor da morte durante a "Grande Depressão" (a maior crise financeira da história dos Estados Unidos), que narra o filme em flash-back ao testemunhar eventos sobrenaturais após a chegada de um enigmático condenado (John Coffey, magistralmente interpretado por Michael Clarke Duncan) às suas instalações. David Morse, Bonnie Hunt, Sam Rockwell e James Cromwell aparecem em papéis coadjuvantes.
Sobre o livro: King se inspirou na história real do adolescente George Stinney Jr. de ascendência africana, que cuja história foi a pessoa mais jovem condenada à morte no século 20 nos Estados Unidos. Ele tinha apenas 14 anos quando foi executado em uma cadeira elétrica. Ele foi acusado de matar duas meninas Brancas, Betty de 11 anos e Mary de 7, os corpos foram encontrados perto da casa onde o adolescente residia com seus pais. Durante o julgamento, até o dia de sua execução, ele sempre carregava uma Bíblia nas mãos, alegando inocência. Naquela época, todos os jurados eram brancos. O julgamento durou apenas 2 horas e a sentença foi dada 10 minutos depois. George foi eletrocutado com 5.380 volts na cabeça. 70 anos depois, sua inocência foi finalmente comprovada por um juiz da Carolina do Sul. O adolescente era inocente, a sociedade em si fez de tudo para culpá-lo apenas por ele ser negro.
Ao longo da minha vida eu me lembro de já ter assistido o filme "À Espera de um Milagre" algumas vezes, mas até então nunca tinha lido a obra magnífica do mestre Stephen King. Ao terminar a leitura, eu só confirmei o que eu sempre achei dessa obra; que é simplesmente um livro incrível, com uma história arrebatadora, que nos comove até o fundo da nossa alma.
King traz uma leitura fácil, fluida, dinâmica, com abordagens mais detalhadas, que é justamente a sua marca registrada ao trazer a nossa atenção para vários tópicos da história, como a abordagem em personagens secundários. Aqui, no caso, até o camundongo (Sr. Guizos) ganha várias páginas para ilustrar partes da sua história com bastante eficiência. Sem contar que toda essa abordagem mais aprofundada na história do camundongo serviu justamente para elucidar os outros guardas da penitenciária a acreditarem naquele dom que John Coffey possuía - o poder da cura.
Esta obra do mestre King é autêntica, é influente, é extremamente importante como contexto histórico justamente por mostrar uma abordagem sobre a injustiça, a impunidade, a crueldade, a humilhação, o racismo, o preconceito e a redenção. Além, é claro, toda narrativa que é construída e desenvolvida sobre a linda, comovente e breve relação de amizade verdadeira entre Paul e John Coffey.
"À Espera de um Milagre" traz uma história muito forte, muito pesada, muito comovente, que chega a nos incomodar durante a leitura. Principalmente nas partes finais, onde temos a última parte que antecede a execução de John Coffey. Sem nenhuma dúvida foi a parte mais difícil e mais cruel que eu já li em um livro em toda a minha vida, pois de fato é muito triste, fiquei com um nó na garganta e os pingos das lágrimas molharam as páginas do livro. Nunca esquecerei! Esta é simplesmente uma das maiores obras de toda a carreira do mestre King. "À Espera de um Milagre" não é somente uma das suas melhores histórias, como é sem dúvida a sua obra mais impactante e mais emocionante. Uma obra-prima da literatura!
Sobre o filme: Contando com hoje, eu assisti "À Espera de um Milagre" apenas 4 vezes em toda a minha vida: a primeira vez foi no ano de 2000, e justamente por todo burburinho e toda badalação que o longa estava causando na época. O sucesso era estrondoso, principalmente pelo Oscar e pela divulgação no boca a boca, já que na época a internet era escassa. Porém, devo dizer que nesta primeira vez o filme não me impactou tanto assim, pois eu era um adolescente e ainda não conseguia sentir o peso, o poder e a dimensão dessa obra. A segunda vez foi no ano de 2008, e ela aconteceu unicamente pela incansável insistência de uma ex-namorada, que queria muito assistir este filme comigo. A terceira vez foi no ano de 2017, e aconteceu porque eu queria muito escrever um texto sobre ele aqui no Filmow, e no fim nem o texto eu consegui escrever. Foi nessa terceira vez que eu jurei que nunca mais em toda a minha vida eu voltaria a assistir este filme. O motivo desse juramento? Exatamente por ser um filme extremamente pesado, difícil, perturbador e incomodo. Uma obra que mexe e aflora nossos mais profundos sentimentos de tristeza, comoção, piedade, empatia e amor. Junto com com "Titanic" e "A Lista de Schindler", são os três filmes que mais me emocionou em toda a minha vida. Assistir "À Espera de um Milagre" me deixa muito triste, eu fico muito mal, mexe muito comigo, é um sacrifício muito grande, ao ponto de eu ficar pensativo durantes horas ao término do filme. Porém, como eu nunca tinha lido a obra em que o filme foi adaptado, ao terminar a leitura em me vi na obrigação de me sacrificar mais uma vez e assistir o filme para finalmente elaborar meu texto.
Eu sempre me pergunto: o que é necessário para um filme ser considerado uma obra-prima? Pois é muito difícil você achar um filme perfeito, uma obra irretocável, uma obra de arte do cinema, aquele verdadeiro clássico que marca gerações. E aqui eu posso afirmar com 101% de convicção que "À Espera de um Milagre" é este filme, é esta obra perfeita, irretocável, magnífica, comovente, uma verdadeira pérola da sétima arte, uma verdadeira obra de arte do cinema, um clássico, uma obra-prima que está na prateleira dos melhores filmes da década de 90 e de todos os tempos.
Eu considero um filme como uma obra-prima quando ele mexe com todos os meus sentimentos, quando ele me eleva a enésima sensação de satisfação, quando ele me desperta inúmeras reações; eu fico feliz, fico triste, me emociono, fico em êxtase, fico nervoso, fico eufórico, fico alucinado, fico nostálgico, fico em estado de choque e comoção, e aqui temos todos esses sentimentos aflorados em um misto de reações.
Novamente eu tenho que citar aqui como a década de 1990 foi importante para a história do cinema, como ela mudou, moldou e influenciou toda uma geração cinematográfica à sua frente. Principalmente se falarmos especificamente sobre o ano de 1999 e o que ele representou para a história do cinema: pois nesse ano tivemos filmes como "Matrix", "Clube da Luta", "Beleza Americana", "Garota, Interrompida", entre várias outras obras-primas que ficaram marcadas na história da sétima arte. E "À Espera de um Milagre" faz parte desse seleto grupo.
O mestre Stephen King estava muito satisfeito com o resultado da última adaptação feita por Frank Darabont, que era simplesmente a obra-prima "Um Sonho de Liberdade" (1994). Sendo assim o próprio King fez questão que sua obra literária fosse novamente adaptada por Darabont. King convidou Darabont que logo em seu primeiro contato com a obra ficou um tanto quanto receoso, afinal de contas seria novamente um roteiro que se passaria dentro de uma prisão, porém dessa vez com a base de um condenado à cadeira elétrica por estrupo seguido por assassinato. Darabont aceitou novamente o desafio e eu dei graças aos deuses do cinema, pois eu não vejo outro diretor com a capacidade e a genialidade de Darabont para construir esta adaptação que se tornou simplesmente um dos maiores dramas dos anos 90 e de todos os tempos.
Eu sou fã declarado de Frank Darabont, obviamente por obras como "Um Sonho de Liberdade" e "À Espera de um Milagre", e também por ele ser o criador e o desenvolvedor, em minha opinião, de uma das maiores séries de todos os tempos - "The Walking Dead". Sendo a segunda vez que Darabont trabalhava com um roteiro baseado num livro de Stephen King, ele deu tudo de si ao adaptar um roteiro com tamanha competência e genialidade. O próprio Stephen King chamou este filme como a adaptação mais fiel de sua obra. E eu concordo plenamente com o mestre, e vou além, eu não só acho este filme com a melhor adaptação de uma obra do King, como a melhor adaptação da histórias das adaptações de livros para o cinema. E olha que temos ótimas adaptações de obras do Stephen King: como "Carrie" (1976), "Misery" (1990) e "It" (1990). Porém, nenhuma chega na tamanha perfeição da adaptação de "À Espera de um Milagre".
Darabont empregou uma fidelidade absoluta em sua obra onde tínhamos praticamente o livro transplantado para a tela. Darabont conseguiu sintonizar com maestria todos os elementos do livro como cenários, ambientação, acontecimentos, originalidade à história, cenas marcantes, diálogos marcantes. Por falar em diálogos, é absurdo como alguns diálogos em cenas mais impactantes são exatamente os mesmos diálogos do livro, exatamente com as mesmas palavras e as mesmas reações - eu fiquei boquiaberto com tamanha fidelidade à obra original. O livro possui 400 páginas, ou seja, a sua adaptação exigiria um tempo maior de duração, e assim foi, pois o filme possui 3h 09min. E é completamente incrível como um filme de 3h não cansa, não é monótono, não é enfadonho, e ainda por cima sendo um filme em um ritmo morno, que demora para relatar seus acontecimentos cruciais, porém ele vai construindo uma base sólida, vai preparando o terreno e o ambiente para os acontecimentos que impactará os presentes - exatamente como também acontece no livro.
Os pontos cruciais e as abordagens mais relevantes do livro também foram muito bem adaptadas. Darabont conseguiu empregar uma veracidade absurda em temas como injustiça, impunidade, crueldade, humilhação, preconceito e redenção. Pois o longa traz uma clara e singela mensagem acerca do nosso comportamento como princípios em uma sociedade. Eu diria que o filme funciona como uma forte reflexão ao abordar temas complexos e necessários quando estamos diante de um mundo em que a aparência encanta, convence e quase sempre dá o veredito final em nossas decisões. Outro ponto muito bem desenvolvido ao longo do filme é a forma como a narrativa explora a relação que vai se construindo entre a amizade e a confiança entre Paul e Coffey. Com o passar do tempo vamos sendo confrontados com os personagens secundários e suas histórias pessoais, que logo se entrelaçam, revelando um quadro complexo de emoções humanas e moralidade.
Todos que adentram naquela penitenciária estão fadados à execução pelos crimes que cometeram. Mas o que nos chama a atenção é a forma como aquele local funciona como uma espécie de clínica de reabilitação, redenção, aceitação e arrependimento (pelo menos para alguns). O próprio personagem Eduard Delacroix (Michael Jeter) é a clara mensagem da redenção, do arrependimento e da humanização. Ele que foi condenado por estuprar uma menininha e, ao tentar esconder a prova do crime, acabou incendiando várias pessoas. Pois é difícil você não se afeiçoar por ele, é difícil você não estabelecer uma empatia por ele, que nos mostra exatamente as características humanas quanto a oportunidade da segunda chance, do perdão e do arrependimento (por mais que eu não acredite nesses pontos). E quando ele encontra o ratinho Mr. Jingles é que você se dá conta do seu profundo arrependimento de ter sido aquele louco no passado e ter cometido tudo que cometeu. Por outro lado não são todos que aquele local funciona como uma clínica de reabilitação e arrependimento; vemos isso no próprio Wild Bill' Wharton (Sam Rockwell).
Outro ponto muito bem abordado aqui é diretamente sobre o racismo. Pois as gêmeas Detterick eram duas garotinhas brancas e o John Coffey era um negro. Ou seja, mais um motivo claro para incriminá-lo diretamente sem restar nenhuma dúvida, e nem cogitar a possibilidade de não ter sido ele o assassino. O que nos deixa ainda mais revoltados, pois assim como no livro, na parte final do filme é revelado que John Coffey é de fato inocente do assassinato das meninas, mas ainda assim é executado na cadeira elétrica, o que é devastador e desolador tanto para o Paul quanto para os outros guardas e, claro, para todos nós. Logo ficamos sabendo que o verdadeiro assassino das garotas é o repugnante Wharton, que trabalhava na casa da família Detterick.
Eu sou uma das pessoas que acredita fielmente que toda a trajetória de John Coffey é uma espécie de alegoria à Jesus Cristo. Já que John Coffey usava os seus poderes para fazer o bem, para curar as pessoas e trazê-las de volta à vida. Mesmo que algumas pessoas não acreditassem, ou duvidassem, porém ele foi injustamente condenado à morte e deu a sua vida e prol da salvação. Também podemos considerar o fato de John Coffey ser um negro que possui um dom divino, que também funciona como uma alusão à Jesus Cristo, só que sendo negro, o que fatalmente o impossibilitaria a sua trajetória por puro preconceito e desigualdade humana. Esta é de fato uma bela reflexão filosófica usando o sobrenatural em contrapartida com a fé. No fim somos impactados por uma cena com um diálogo belíssimo, comovente e marcante; que é exatamente a parte em que Paul pergunta para John o que ele responderia para Deus no dia do julgamento final por ter permitido que seu milagre divino fosse executado. Paul ainda insiste ao perguntar para John o que ele queria que ele fizesse referente aquela situação. Já o John responde estar cansado da sua trajetória, cansado das pessoas serem más, serem cruéis, que isso o fere profundamente (como naquela cena em que ele entra no local da execução e diz sentir que ali tem muitas pessoas que o odeia, e que ele sente aquele ódio ferindo o seu corpo como picadas de abelhas). Por fim, John Coffey diz aceitar a sua condenação como algo necessário para sua vida e sua trajetória na terra, ou seja, ele aceita o seu destino cruel.
John Coffey é mais um personagem iluminado dentro do Kingverso, pois com seus dons ele é capaz de injetar vida nos seres que toca, retirando o mal que ali existe. Também pode transferir sua imensa vitalidade (a força da vida eterna) às pessoas de que gosta, exatamente como aconteceu no final com o Paul e o ratinho Mr. Jingles. Dessa forma eu tenho que destacar aquela belíssima cena final em que mostra o Mr. Jingles bem velho (com cerca de 64 anos) saindo da caixa de charutos. Paul conta para Elaine (Eve Brent) que John Coffey lhe deu uma parte do seu poder e outra parte para o Mr. Jingles, ou seja, a vida eterna. Paul já tem 108 anos e seu castigo é justamente ter que observar todos que ele ama ao seu redor morrerem e ele continuar vivo, por ter permitido que John Coffey fosse eletrocutado, por ter matado um milagre de Deus. Paul foi condenado a maldição da vida eterna.
Sobre o elenco: O saudoso Michael Clarke Duncan (falecido em 2012) é a grande estrela do filme. Michael foi a escolha certa, a personificação perfeita do John Coffey do livro. Esbanjando muito carisma, muita simpatia, muito talento, muita entrega, com uma atuação grandiosa, magistral, que nos passava exatamente aquele ar de inocência, de timidez, de bondade, de misericórdia, fazendo um contraponto com a escuridão, o medo, a brutalidade e a crueldade das pessoas. Impecável, irretocável, fantástica, perfeita, uma atuação que nos assustava de tamanha entrega e nos comovia verdadeiramente pelo seu desfecho. Michael Clarke Duncan merecia demais aquele Oscar de Ator Coadjuvante. O mestre Michael Caine vai me desculpar, sua atuação em "Regras da Vida" é realmente fantástica, mas o que o Michael Clarke Duncan fez em "À Espera de um Milagre" ninguém fez naquele ano.
Tom Hanks vivia o seu maior auge da carreira nos anos 90, já que ele vinha de obras como "Filadélfia" (1993), "Forrest Gump" (1994) e "O Resgate do Soldado Ryan" (1998). Aqui Tom faz um personagem com um nível de competência muito fiel, com uma atuação sempre muito requintada e com uma ótima entrega de carga dramática, que era justamente o que o seu personagem no livro pedia. Tudo muito bom mas muito normal, sem um grande impacto, apenas compondo o seu papel com muito vigor.
O trio de guardas e amigos de Paul era formado por Brutus Howell (David Morse), Harry Terwilliger (Jeffrey DeMunn) e Dean Stanton (Barry Pepper). Impressionante como cada um consegue conquistar a nossa atenção e consequentemente a nossa empatia. Os três personagens trata-se de uma homenagem ao ator Harry Dean Stanton, que participa do filme interpretando o condenado que é sempre chamado para testar a cadeira elétrica, o hilário Toot-Toot. Doug Hutchison completa o grupo dos guardas da penitenciária com seu personagem Percy Wetmore. Doug esteve incrível, ele conseguiu demonstrar todo o comportamento tempestuoso de um guarda corrupto, cruel, desequilibrado, que sempre tomava atitudes infundadas. Michael Jeter (falecido em 2003) trouxe um Dell, que assim como já destaquei anteriormente, conseguiu conquistar a nossa empatia e nos mostrou um arrependimento verdadeiro e a força de uma amizade verdadeira - com sua amizade com seu ratinho Mr. Jingles. Sam Rockwell traz um personagem que possivelmente foi o grande responsável em alavancar a sua carreira cinematográfica. O que ele entregou na pele do bizarro 'Wild Bill' Wharton é brincadeira. Uma atuação estupenda de uma pessoa doente, desequilibrada, com uma entrega e uma leitura monumental de um psicopata.
Completando o elenco: Ainda tivemos a ótima participação da Bonnie Hunt, Jan Edgecomb, a esposa de Paul. James Cromwell como Warden Hal Moores, o chefe da penitenciária. Graham Greene como Arlen Bitterbuck. Gary Sinise como Burt Hammersmith. E Patricia Clarkson como Melinda Moores, a esposa de Hal, que foi curada por John Coffey.
Algumas curiosidades e comparações entre livro e filme: Inicialmente a obra do mestre King foi publicada nos Estados Unidos em seis volumes. O nome da série de livros vem do fato da cor do chão do corredor da morte ser verde e se estender por uma milha (Green Mile), que de fato é o nome original do filme.
O filme começa exatamente como no livro, com Paul já idoso em um asilo contando partes da sua trajetória ao regressar em suas memórias e narrar suas experiências como chefe dos guardas no corredor da morte da penitenciária de Cold Mountain durante a Grande Depressão. As partes que antecedem a hora em que acham o John Coffey sentado e gritando com as duas meninas no braço é mais longa e mais detalhada no livro, no filme deram uma resumida.
A cena em que o John Coffey assisti um filme como seu desejo antes de sua execução é uma cena exclusiva do filme, não existe no livro. Porém foi um encaixe excelente, uma ideia fantástica, que serviu para nos arrancar mais lágrimas.
O rato no livro se chama Sr. Guizos, no filme é Mr. Jingles. Sendo que trinta ratos de verdade se revezaram em cena para interpretar o ratinho Mr. Jingles.
A forma como o filme é narrado me remete ao épico "Titanic", pois são muito parecidos. Ambos são narrados com o começo da história sendo contada a partir do protagonista idoso, e ao término da história a cena volta para o mesmo protagonista idoso, exatamente da mesma forma como aconteceu com a Rose idosa ao narrar a sua linda história de amor.
Sobre as qualidades técnicas: No quesito direção a obra é impecável, realmente o Frank Darabont deu uma aula de cinema na direção desta magnífica obra. A trilha sonora do mestre Thomas Newman (que no mesmo ano trabalhou na composição da trilha de "À Espera de um Milagre" e "Beleza Americana") é estupidamente perfeita, arrojada, potente, conseguindo se destacar nos momentos cruciais da história, e principalmente sendo a grande responsável nos momentos de maior comoção. A fotografia de David Tattersall (que no mesmo ano também trabalhou em dois filmes, este e "Star Wars: A Ameaça Fantasma") é rica, é esplendorosa, é triunfal, casa perfeitamente em cena e destaca o grandioso trabalho da cinematografia no filme. A direção de arte de Richard Francis-Bruce (também foi o responsável no clássico "Um Sonho de Liberdade") é completamente fiel com o livro, por compor cenários com uma perfeição invejável. O longa-metragem é muito bem montado, muito bem editado, muito bem mixado, muito bem adaptado, muito bem escrito, sendo perfeito tanto tecnicamente como artisticamente.
"À Espera de um Milagre" ganhou a reputação de ser um dos filmes mais emocionantes de todos os tempos (que eu concordo plenamente). O longa foi extremamente cultuado e respeitado. Foi um sucesso comercial, arrecadando US$ 286 milhões de seu orçamento de US$ 60 milhões, e foi indicado a quatro Oscars: Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante para Michael Clarke Duncan, Melhor Som e Melhor Roteiro Adaptado. Além da indicação de Ator Coadjuvante no Globo de Ouro.
Frank Darabont conseguiu brilhar mais uma vez ao adaptar mais uma obra do mestre King, e muito por conseguir construir uma experiência pesada, profunda, tocante, imponente, cativante, verdadeira, importante, necessária, relevante e emocionalmente poderosa ao extremo. Sem dúvidas ele conseguiu elaborar uma excelente adaptação que funciona como uma fábula, como um conto, que nos traz reflexões acerca da força da abordagem sobre a amizade, o destino, o amor, mesclando temas complexos e necessários como o racismo e a redenção, e funcionando diretamente como um drama com uma fantasia misteriosa com elementos sobrenaturais.
Como livro, "À Espera de um Milagre" está no top 5 das melhores obras literárias de toda a bibliografia do mestre Stephen King. Como filme, "À Espera de um Milagre" está no top 10 das pérolas cinematográficas, das obras de artes e das obras-primas da década de 1990. E sem nenhuma dúvida o longa está presente na lista dos melhores filmes de dramas da história do cinema.
Isso aqui é cinema em seu mais alto e puro estado de perfeição! Sem mais! [22/09/2023]
"Speak No Evil" (dinamarquês: Gæsterne, lit. 'Os Convidados') é dirigido por Christian Tafdrup a partir de um roteiro que ele co-escreveu com seu irmão Mads Tafdrup. É produzido por Jacob Jarek e distribuído pela Nordisk Film. As filmagens ocorreram na Dinamarca, Holanda e Itália, e a maior parte do filme é rodada em inglês, com algumas cenas em dinamarquês e holandês. O filme é centrado em Bjørn (Morten Burian) e Louise (Sidsel Siem Koch), um casal dinamarquês que é convidado por Patrick (Fedja van Huêt) e Karin (Karina Smulders), um casal holandês, para passar um fim de semana em sua casa de campo; os anfitriões logo começam a testar os limites de seus convidados à medida que a situação piora.
Devo confessar que eu conheço pouco do cinema europeu, especificamente do terror psicológico europeu, que é justamente o tema em questão aqui nessa produção dinamarquesa. "Speak No Evil" é o terceiro longa-metragem de Christian Tafdrup, que atua principalmente como ator, e seu primeiro filme de gênero, no qual ele tenta combinar o gênero dramático com comentários sociais e elementos de terror psicológico. O filme combina perfeitamente o drama presente com o suspense de terror psicológico, sendo que o roteiro é desenvolvido na base do mistério, do suspense, do intrigante, do suspeito, da inquietação, nos levando ao incômodo, ao sufocante, ao desconforto, misturando uma agonia, uma tensão e uma afobação. Ou seja, temos aqui um terror psicológico que se torna chocante na medida que levanta polêmicas que dialoga com a crua e violenta natureza humana.
Podemos considerar que o longa também aborda uma sátira gelada dos costumes da classe média europeia, que está diretamente ligada com a questão da cultura europeia em diversos países, onde encontramos a passividade, o conformismo e a omissão. Ou seja, especificamente falando, são aquelas pessoas que tem o costume de querer agradar sempre, de se negar a dispensar um convite (como vimos na cena em que a família dinamarquesa diz que seria errado negar o convite da família holandesa), que tem dificuldades em dizer um simples e objetivo "não".
O ponto principal do roteiro é desenvolver a normalidade inicial de cada acontecimento na trama, seja pelo lado da família dinamarquesa ou principalmente pelo lado da família holandesa. Toda essa normalidade é justamente o ponto-chave, o ponto de partida de toda a história, e que nos leva a considerar o nosso próprio cotidiano quando nos encontramos em situações onde temos que ser gentis, passivos, pensando primeiramente em agradar a outra pessoa e não se passar por uma pessoa antissocial (como normalmente acontece no dia a dia).
O longa-metragem é pautado exatamente em cima dessa questão do conformismo, da omissão, da imparcialidade, da passividade, como presenciamos logo de cara com a pressão psicológica que a família dinamarquesa sofre pelo simples motivo em dizer um não. A partir daí vamos observando que a família dinamarquesa age unicamente e exclusivamente na proposta de agradar a família holandesa. Aquela velha questão de você não pensar primeiramente em si, mas se desagradar para agradar outra pessoa pelo simples motivo de querer ser legal, ser sociável e criar um clima agradável (quem nunca). Como presenciamos na cena em que a Louise é coagida a aceitar comer um pedaço de carne mesmo já tendo evidenciado que era vegetariana (ou seja, só para agradar e deixar o ambiente agradável).
É realmente incrível como a família dinamarquesa se colocava em situações desagradáveis e muitas das vezes até desnecessárias só com o intuito de querer sempre agradar e se manter sociável. Por outro lado toda essa passividade, complacência e excesso de gentileza foi o que os levaram a cometerem erros irreversíveis. Esse é exatamente o ponto em que o filme nos causa mais desconforto, se torna cada vez mais intragável e difícil de digerir. Pois além de sermos confrontados com toda omissão, passividade e complacência, ainda somos confrontados com um excesso de flexibilidade absurda; que é exatamente a cena em que o Bjørn decide ceder a pressão psicológica do choro da filha para retornar à casa na busca pelo seu coelho de pelúcia. E aqui podemos observar que esta é uma das cenas (se não for a principal) que nos causa mais raiva pela burrice do casal. Mas não é uma cena aleatória apenas para nos causar repulsa, tem todo um contexto por trás, que é o fato do Bjørn se sentir responsável pela bem-estar da filha (ou querer se provar capaz), pois no começo somos enfatizados por uma cena parecida quando ele sai na procura pelo bichinho perdido. Nessa mesma cena o Patrick o parabeniza como um herói da filha, o que o deixa pensativo sobre aquela declaração de um desconhecido. Outro ponto: também podemos interpretar que o Bjørn usou o motivo de retornar na casa para pegar o bichinho de pelúcia da filha como uma forma de se desculpar por ter saído assim no meio da noite sem se despedir. De fato esta cena abre margens para várias interpretações.
Como já destaquei, o maior acerto do longa é a criar e condessar aquele clima do suspense, da aflição, do mistério, do medo, de que a qualquer momento alguma coisa vai acontecer. E realmente ficamos esperando o tempo todo alguma coisa acontecer mas nada acontece, ou talvez não aconteça visivelmente, mas dentro da nossa mente já estamos desde o começo do filme sofrendo uma pressão com um suspense psicológico, um terror psicológico acerca de que possivelmente irá acontecer. Tanto que passamos cerca de 1 hora de filme sem uma gota de sangue, ou seja, o diretor vai nos conduzindo pelo nosso próprio medo, pela nossa própria aflição, vamos sendo levados apenas com o peso do terror psicológico. Nesse quesito o filme funciona perfeitamente.
Porém, eu não posso simplesmente ignorar vários pontos que me incomodou excessivamente durante o filme: o ponto principal aqui é a burrice dos personagens, que eleva um nível absurdo de irritabilidade. Outro ponto é a forma como o longa constrói uma inquietação que se confundi com irritação, que de fato são as atitudes irreais e infundadas tomadas pelos personagens da família dinamarquesa. É fato que o que mais nos surpreende no filme nem é a violência explícita mas sim a incompetência, a burrice e o excesso de passividade dos personagens em questão. O casal dinamarquês são pessoas totalmente condescendentes, passivas, que aceitam todas as imposições sem nenhum questionamento, sem nenhuma objeção, e ainda agem de forma estúpida quando são ameaçados. Aquela cena onde cortam a língua da pequena Agnes (Liva Forsberg) é patética com a submissão dos pais, e olha que a Karin estava ameaçando a Louise apenas com uma pequena tesoura. Mesmo que eu entenda que o filme queria realmente frisar a passividade e a submissão do casal dinamarquês nessa cena, mas é impossível não se irritar com personagens tão estúpidos. O plot (se é que temos um) é muito previsível e chega a ser até banal, principalmente se levarmos em conta que logo no começo o pequeno Abel (Marius Damslev) mostra a sua língua cortada para o Bjørn como uma forma de alertá-lo, mas ele pouco se importa. A partir dessa cena já temos certeza do que aconteceu com o garotinho, ainda mais após aquela revelação da família holandesa que ele possuía uma doença que o limitava de falar. Nesse ponto já construímos todas as possibilidades que irá acontecer no final do filme, e realmente acontece. Por mais que ficamos presos no clima de suspense e tensão em boa parte do filme, mas esse plot não deixa de ser escandalosamente previsível, o que tira o impacto da revelação final. Realmente eu acho que o longa erra descaradamente ao desafiar a nossa inteligência com situações e atitudes dos personagens que beiram o ridículo.
Em questões de elenco não tenho o que destacar. Acredito que cada ator entregou o que o seu personagem pedia. Agora é fato que nenhum se destaca, nenhum se sobressai, nenhum eleva o nível do personagem em relação com a história que estava sendo contada. É basicamente um feijão com arroz misturado com muitas caras e bocas.
Tecnicamente o filme também não se destaca! Temos uma trilha sonora modesta, ok, que até tenta gerar um impacto, uma tensão em momentos oportunos, mas soa artificial e torna as cenas previsíveis. A cinematografia é básica, a direção de arte é básica, a montagem é básica, tecnicamente o filme é todo básico.
"Speak No Evil" arrecadou cerca de US$ 631 milhões contra um orçamento de produção de cerca de US$ 3,1 milhões.
Sobre a crítica especializada: No Rotten Tomatoes, 84% das 90 críticas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,5/10. O consenso do site diz: "Uma sátira social com dentes afiados, "Speak No Evil" oferece um prazer sombrio e delicioso para os fãs de thrillers misantrópicos." Já o Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 78 de 100, com base em 17 críticos, indicando "críticas geralmente favoráveis". O Festival de Cinema de Sundance elogiou o filme como uma "obra satírica de terror brilhantemente provocativa e fervilhante que incrimina ambos os lados".
Em abril de 2023, foi anunciado que a Blumhouse Productions estava desenvolvendo um remake de mesmo nome, com James McAvoy contratado como estrela e James Watkins escrevendo e dirigindo. O filme está programado para ser lançado nos cinemas em 9 de agosto de 2024 pela Universal Pictures.
Por fim, "Speak No Evil" tem uma premissa interessante, consegue nos prender pelo suspense, pela tensão, pelo mistério e consegue nos causar uma agonia e uma aflição. O suspense psicológico é bem administrado e pontual nas cenas para nos causar um certo desconforto. Por outro lado o filme falha miseravelmente ao construir personagens estúpidos, burros e dementes, que agem com a inteligência de uma porta. De fato é um filme mediano, que erra tentando acertar.
Já a lição que o longa deixa é exatamente sobre como devemos impor limites em tudo, como devemos nos agradar primeiramente antes de agradarmos os outros, como devemos agir nos momentos certos e aproveitarmos as oportunidades que a vida nos dá, porque às vezes pode ser a última vez. Além, é claro, da crítica ácida que o filme faz sobre pessoas passivas, omissas, submissas e complacentes, que não conseguem dizer um não para não desagradar os outros. Nesse sentido "Speak No Evil" funciona e até se destaca ao nos fazer refletir sobre nossas atitudes perante a nossa permissividade e a nossa tolerância, que é exatamente a lição que o longa nos deixa ao nos evidenciarmos com aquele diálogo final: - Por que vocês estão fazendo isso? - Porque vocês deixaram. [08/09/2023]
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças - 2004 (Eternal Sunshine of the Spotless Mind)
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é dirigido por Michel Gondry e escrito por Charlie Kaufman, baseado em uma história de Gondry, Kaufman e Pierre Bismuth. É estrelado por Jim Carrey e Kate Winslet, com Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood e Tom Wilkinson em papéis coadjuvantes. O filme segue duas pessoas que passam por um procedimento para apagar um ao outro de suas memórias após a dissolução de seu relacionamento.
Michel Gondry e Charlie Kaufman foram os nomes principais que fizeram "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" de fato acontecer. Michel Gondry é conhecido por dirigir vários videoclipes famosos de várias personalidades famosas dentro da indústria musical pela MTV americana ao longo da sua carreira. No cinema, Gondry iniciou como diretor em 2001, com o longa-metragem "A Natureza Quase Humana". Depois ele dirigiu "Sonhando Mesmo Acordado" (2005), "Rebobine, Por Favor" (2008) e "O Besouro Verde" (2011). Já o roteirista Charlie Kaufman ficou conhecido após o roteiro badalado de "Quero Ser John Malkovich" (1999), onde ele conseguiu sua primeira indicação ao Oscar. Em 2001 Kaufman trabalharia com o Gondry pela primeira vez justamente em "A Natureza Quase Humana", e em 2004 eles se reencontrariam em "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", onde ambos ganhariam o Oscar de Melhor Roteiro Original.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é simplesmente uma pérola, uma obra de arte em forma de cinema, uma obra-prima da sétima arte, um dos melhores filmes da década de 2000. Um filme extremamente tocante, profundo, singelo, poético, verdadeiro, emocionante, lindo, belo, encantador, inovador, surpreendente, exuberante e reflexivo, ao mesmo tempo que nos confronta com o medo, a perda, o trauma, a decepção, a desilusão, a depressão e a aflição. O roteiro é de uma genialidade absurda sendo muito competente, muito inteligente, muito bem escrito, muito bem desenvolvido, muito bem transplantado para a tela, onde nos passa uma linha de pensamento acerca do passado, do presente e do futuro, que obviamente vai nos retratar sobre a humanização, a descaracterização, a desconstrução e a superação do ser humano em seu alto grau emocional e espiritual.
O fio condutor do roteiro é exatamente a forma como exploramos o passado, como encaramos os nossos sentimentos e as nossas lembranças, a forma como analisamos os nossos próprios atos, a forma como fazemos uma autoavaliação, a forma como confrontamos a nossa própria memória. É interessante notar que o texto aqui conversa diretamente com o espectador com base em um drama, em um romance e até misturando elementos de ficção científica para construir uma narrativa não linear com base na exploração da mente humana. O texto de "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é tão inteligente, tão estratosférico, tão absurdo, que ainda podemos ir além ao analisarmos uma abordagem com elementos de um drama psicológico, um estudo da mente humana, do comportamento humano após uma perda e após uma grande decepção, um estudo de psicanálise, que é o ponto aqui ao discutimos os comportamentos disfuncionais, os traumas e até os pensamentos equivocados dos personagens em questão.
E o mais interessante no texto do longa-metragem é nos passar a percepção de simplicidade, pois de fato estamos falando de um fim de relacionamento, a famosa "dor de cotovelo", que é justamente a narrativa em questão ao nos confrontarmos com os esforços que somos capazes de fazer para esquecer um antigo/grande amor. É inegável que todos nós já passamos por um fim de relacionamento que às vezes é trágico, às vezes traumático, às vezes destruidor, às vezes conturbado, mas fato é: após um fim de relacionamento todos nós queríamos esquecer a pessoa amada. E se você pudesse de fato apagar toda a sua memória do relacionamento passado? E se nós pudéssemos simplesmente apagar da memória aqueles que mais amamos? Você se submeteria ao um processo científico para apagar aquela pessoa para sempre das suas lembranças? Até que ponto você iria para atingir esse objetivo?
Este é o principal motivo para que "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" tenha um dos melhores roteiros daquela década. Exatamente um texto que conversa diretamente com todos nós, que é de fácil identificação, que nos faz refletir, que nos faz pensar com uma trama que soa familiar, pois quem aqui nunca sofreu por amor? Quem aqui nunca sofreu com o término de um romance? E quem aqui não sentiu o desejo de apagar todas as memórias daquelas pessoas que outrora nos fizeram tão felizes? Mas fato é: nem sempre o que queremos conseguimos, às vezes essas próprias memórias nos fere e nos magoa profundamente quando são remexidas. Eu sou um exemplo vivo de já ter sofrido com o término de um grande amor, de um grande relacionamento. Eu me coloquei no lugar do Joel (Jim Carrey), eu também sofri uma decepção e queria apagar a pessoa da minha memória para sempre. Eu só não busquei um método científico como ele buscou, mas fiz de tudo para esquecer, para apagar, mas também não consegui. Na verdade você nunca consegue deletar esta pessoa da sua memória, você pode até esquecer por algum tempo, mas apagar jamais.
Sobre os personagens: É muito interessante acompanhar toda a construção e desconstrução do casal Joel e Clementine (Kate Winslet). Joel sofre com aquela desilusão amorosa e principalmente ao descobrir que Clementine queria esquecê-lo para sempre quando tomou a decisão de entrar no processo de deletar suas memórias. Até por um certo orgulho, uma certa mágoa e um certo rancor Joel decidi fazer o mesmo, que é passar pelo mesmo processo. O ponto-chave é exatamente o arrependimento de Joel durante o processo, onde logo ele tenta de todas as formas uma maneira de parar o procedimento. Dessa forma Joel tenta de todas as maneiras uma forma de aprisionar as memórias de Clementine que já estão desaparecendo de sua mente. Ou seja, o mundo no qual a Clementine pertence está ruindo, e é a partir daí que Joel percebe que está cometendo um grande erro, que ele não é capaz de apagá-la de sua memória, que ele não é capaz de conceber a felicidade sem aquela pessoa que ele tanto ama. Se analisarmos friamente esta é a cereja do bolo desse roteiro que é tão genial. Exatamente a abordagem de um grande amor que falhou, que deu errado, e tudo isso acontecendo dentro da mente do Joel, que logo está em guerra com sua própria mente sobre o que de fato pode ter dado tão errado. De fato o roteiro desse filme é estupidamente genial, um dos melhores que eu já vi em toda a minha vida cinéfila.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" tem um roteiro teoricamente simples mas não é assim tão fácil de entender e de acompanhar em todos os seus acontecimentos. Pois o longa não conta os seus eventos em uma ordem cronológica, temos que ir construindo as nossas percepções e resolvendo os quebra-cabeça em cena após cena. O quê muita das vezes vai nos confundir acerca do presente e do passado, que logo será auxiliado por flashbacks e monólogos para nos elucidar tal acontecimento. Eu acredito que esta decisão mais embaraçosa em nos contar os fatos seja até como uma metáfora para a nossa própria memória, pois é exatamente dessa forma que acontece quando estamos buscando por nossas lembranças, que na maioria das vezes elas vão surgir de forma desordenada e totalmente aleatória. Eu achei uma grande sacada do roteiro!
O elenco é outro show à parte: A maioria das pessoas conhecem o Jim Carrey por seus personagens irreverentes e cômicos, mas aqui ele sai dessa sua zona de conforto e nos impacta com a talvez melhor atuação de toda a sua carreira. É sempre um grande prazer poder acompanhar o Jim Carrey em um personagem mais sério, mais dramático, mais contundente, até mais que os personagens Truman Burbank ("O Show de Truman", de 1998) e Andy Kaufman ("O Mundo de Andy", de1999). Jim Carrey incorpora um personagem introspectivo, frio, obscuro, extremamente reservado, que não se abre fácil, que não demonstra seus sentimentos, que prefere expor seus sentimentos através do seu diário. Jim Carrey está perfeito, está fabuloso, está colossal, uma atuação rica em emoções e sentimentos, carregada dramaticamente, que nos desperta a comoção, a empatia e o sentimento de amor carregado com a tristeza. Eu nunca vou entender o total desprezo e preconceito que a academia sempre teve pela pessoa Jim Carrey, ao ponto de sempre esnobar todas as suas atuações, de não reconhecer o seu talento no drama. Claramente ele merecia pelo menos uma indicação ao Oscar de Melhor Ator em 2005. Mas não veio, como já não vinha nos trabalhos anteriores a este. Jim Carrey ficou com as indicações no BAFTA e no Globo de Ouro.
Kate Winslet definitivamente sempre foi a rainha da p@#$ toda! Kate sempre será lembrada como a eterna e inesquecível "Rose DeWitt Bukater", isso é inegável. Porém, ao longo da carreira ela já nos entregou outras personagens que também se tornaram inesquecíveis; como é o caso da magnífica Hanna Schmitz de "O Leitor" (2008). Clementine Kruczynski é outra personagem eternizada e humanizada da Kate Winslet, que ficou para sempre em nossas memórias e jamais queremos apagá-la. Kate deu vida para a complicada Clementine, que por si só já se mostra com uma personalidade forte, potente, impulsiva, espontânea, rebelde, desbocada, comunicativa, ciumenta e problemática. Clementine usava seu cabelo de diversas cores, e isso traz uma alusão ao momento atual de sua vida: como o azul de esperança quando ela conhece o Joel, logo após o vermelho da paixão avassaladora e depois o verde desbotado que simboliza o desgaste emocional e sentimental. Kate criou mais uma personagem inesquecível, que entrou para a história da cultura pop dos anos 2000. Uma atuação impecável e irretocável, que lhe rendeu a sua quarta indicação ao Oscar de Melhor Atriz.
Kirsten Dunst com apenas 21 aninhos vinha da sua personagem mais lembrada na carreira até os dias de hoje - a incrível Mary Jane Watson de "Homem Aranha". Aqui Kirsten trouxe a personagem Mary, que é a recepcionista da clínica Lacuna, que fornece o serviço de apagar as lembranças. Mary é encantada pelo trabalho que a clínica pratica e possui uma admiração (e um interesse) pelo seu chefe. Temos todo um contexto por trás da personagem que descobre que foi uma cobaia da clínica ao ter as suas lembranças também apagadas, o que a leva a revelar a verdade para todos os pacientes da clínica. Gostei muito da atuação da lindíssima Kirsten Dunst.
O mestre Tom Wilkinson sempre esteve no auge da carreira e já nos entregou cada personagem memorável que fica até difícil comentar. Posso citar o fabuloso Padre Moore do clássico cult "O Exorcismo de Emily Rose" (2005). Tom é Howard, o dono da clínica Lacuna, sendo o principal responsável pelas intervenções na mente dos pacientes. Howard já se utilizou dos interesses amorosos da Mary anteriormente, já fez o procedimento de apagar as memórias nela, e sempre defende que sua causa é estar fazendo o bem para as pessoas, lhe dando a chance de começar uma vida do zero. Mais um trabalho memorável do grande Tom Wilkinson.
Elijah Wood, o eterno e icônico Frodo Bolseiro da franquia "O Senhor dos Anéis". Elijah é o empenhado (e talarico - kkk) Patrick, um dos dos técnicos que a empresa Lacuna envia para a casa dos pacientes, para apagar suas lembranças enquanto dormem. Interessante que o Patrick começa a se interessar pela Clementine enquanto ela está dormindo durante o processo. O que logo o leva a roubar os objetos do Joel na intenção se passar pelas memórias dele para conquistar ela. Elijah Wood conseguiu gerar cenas bem interessantes para todo o contexto da história. Mark Ruffalo, o eterno Bruce Banner de "Os Vingadores". Mark era o Stan, outro dos técnicos que auxiliava o processo da clínica na casa dos clientes. Stan tinha um relacionamento com a Mary, enquanto ele não sabia de grande parte dos acontecimentos dela. Mark Ruffalo está bem convincente no personagem.
Tecnicamente e artisticamente o longa-metragem é ainda mais perfeito: A trilha sonora do filme foi composto pelo músico de Los Angeles Jon Brion, que por sinal é impecável, magnânima, elegante, penetrante e emocionante. Aquela versão de "Everybody's Got to Learn Sometime" é pra chorar no banho de tão emocionante em cena. A fotografia de Ellen Kuras é potente, é avassaladora, é bastante perceptível e se destaca com bastante harmonia. A direção de arte de David Stein (o homem por trás da direção de arte de "12 Anos de Escravidão" e "Cisne Negro") é outra peculiaridade, sempre agregando os detalhes mais minuciosos, sempre atento com os padrões de cenários mais contemporâneos. "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" se sobressai principalmente por ser bem montado, bem editado, bem mixado, bem arquitetado, com detalhes técnicos que saltam aos nossos olhos pela excelência de uma qualidade em altíssimo nível.
Não posso deixar de destacar a direção elegantérrima e acertadíssima do diretor Michel Gondry, que teve a ideia de fazer um filme como "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças" após seu amigo artista plástico Pierre Bismuth sugerir a história de um personagem que encontra um cartão no caixa de correio com a mensagem: "alguém que você conhece apagou você da memória".
Já a origem do título do filme foi retirado do poema "Eloisa to Abelard", de autoria de Alexander Pope. O mesmo poema já havia sido usado pelo roteirista Charlie Kaufman em "Quero ser John Malkovich".
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" foi um sucesso de bilheteria, arrecadando $ 74 milhões em um orçamento de $ 20 milhões, e foi nomeado pelo American Film Institute um dos 10 melhores filmes de 2004.
Prêmios: OSCAR 2005 Ganhou: Melhor Roteiro Original Indicação: Melhor Atriz - Kate Winslet GLOBO DE OURO 2005 Indicações: Melhor Filme - Comédia/Musical Melhor Ator - Comédia/Musical - Jim Carrey Melhor Atriz - Comédia/Musical - Kate Winslet Melhor Roteiro BAFTA 2005 Ganhou: Melhor Roteiro Original e Melhor Edição Indicações: Melhor Filme Melhor Diretor - Michel Gondry Melhor Ator - Jim Carrey Melhor Atriz - Kate Winslet
Em outubro de 2016, o Anonymous Content anunciou que trabalharia com a Universal Cable Productions para produzir uma série de televisão baseada no filme. Charlie Kaufman não está envolvido na escrita do show. O projeto ainda está em fase de planejamento. Em 2023, ainda não havia sido lançado, apesar de seis anos de trabalho no roteiro.
No Rotten Tomatoes, o longa tem um índice de aprovação de 92% com base em 250 resenhas, com nota média de 8,50/10. No Metacritic, o filme tem uma pontuação de 89 de 100, com base em 41 críticas, indicando "aclamação universal". No CinemaScore, o filme tem uma nota média de "B-" na escala A + a F.
O desempenho de Kate Winslet ficou em 81.º lugar da lista das "100 maiores atuações de todos os tempos" da revista Premiere. Em 2013, o filme ficou em 24.º lugar da lista dos "101 maiores roteiros" da Writers Guild of America. O filme ficou em 78.º lugar na lista dos "301 Melhores Filmes De Todos os Tempos" da revista Empire em 2014.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é aquele clássico cult amado, respeitado e idolatrado por todos os seres que respiram. Uma obra extremamente importante, influente, contundente, peculiar, singela e contemporânea, que nos leva a bordo de uma história de perdas e recomeços, de decepções e ilusões, de traumas e conquistas, expondo um olhar mais ríspido e sincero sobre relacionamentos e mágoas. Uma obra que transmite sentimentos, que nos toca verdadeiramente, que nos emociona instantaneamente, que nos transmite uma aura de realismo e nos impacta com lições sobre como um verdadeiro amor pode ser lembrado, renovado e muitas das vezes reconquistado.
O longa nos ensina que nem sempre iremos aprender com nossos erros, mas precisamos persistir, ir além, não se dar por vencido. Também aprendemos que as lembranças existem e sempre vão estar ali, no fundo da nossa memória, impossíveis de serem apagadas, pois as lembranças podem ser ruins por nos fazer sofrer com sentimentos perdidos no passado, mas também podem ser benéficas nos ensinando lições importantes para nosso futuro.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é um clássico de amor dos tempos modernos. Uma verdadeira lição de vida. A representação mais pura do amor em seu estado mais bruto e poético. Um dos romances mais aclamados da década de 2000. Um dos responsável em definir o cinema da década de 2000. Um dos roteiros mais geniais da década de 2000. Presente em qualquer lista dos melhores filmes da década de 2000. Um clássico eterno! Uma obra-prima da sétima arte! Meu filme de cabeceira! Meu filme da vida! ⭐⭐⭐⭐⭐ [03/08/2023]
"A Estrada" é dirigido por John Hillcoat (diretor do bom "Os Infratores", de 2012) e escrito por Joe Penhall (um roteirista que também é pouco conhecido, cujo seu último trabalho foi em "Rei dos Ladrões", de 2018), baseado no romance de 2006 de mesmo nome de Cormac McCarthy. O filme é estrelado por Viggo Mortensen e Kodi Smit-McPhee como pai e filho em mundo pós-apocalíptico que foi destruído há mais de 10 anos, mas ninguém sabe o que exatamente aconteceu. Como resultado, não há energia, vegetação ou comida. Milhões de pessoas morreram, devido aos incêndios, inundações ou queimadas que se seguiram ao cataclisma.
Sobre o livro: Temos aqui uma obra que inicialmente parece ser muito interessante, pois a sinopse do livro vai te deixar muito curioso, principalmente se você gostar de temas como um mundo pós-apocalíptico. E realmente este é aquele típico livro que tem tudo para dar certo, pois a história parece ser muito boa, é uma temática que sempre me agrada, porém a forma como toda a história foi contada é simplesmente horrível.
Ao terminar o livro eu cheguei na conclusão que a história é desinteressante, é vaga, é rasa, não engrena, não te prende, parece que os personagens não avançam, parece que eles estão sempre andando em círculos. O tema fim do mundo poderia ter sido melhor explorado. O livro não possui capítulos, o que deixa a leitura ainda mais cansada. A falta de capítulos faz uma grande diferença na história que está sendo contada. Sem falar que a história acontece no meio do nada, pois não temos nenhuma localização, nenhuma noção de região, absolutamente nada mesmo.
A leitura não é boa, pelo contrário, é muito cansativa, monótona, enfadonha, desgastante e desinteressante. Os diálogos são vagos, sem sentido, pois chega a irritar o tanto de "Está Bem" que tem nas conversas entre o homem e o menino. A empatia com os personagens é zero, a química é zero, a nossa preocupação é zero. Em nenhum momento eu consegui me conectar com os personagens para assim poder sentir o peso daquele sofrimento, para que aquela história de fim do mundo realmente me abalasse. Definitivamente os personagens são todos desinteressantes.
O único momento em que eu fiquei abalado e incomodado durante toda a leitura...
Foi na parte onde o menino é o primeiro a encontrar um corpo de um bebê humano carbonizado e sem a cabeça sendo assado em uma fogueira. Ali me deu um nó na garganta e uma profunda tristeza. Mas também só ali, nem nos acontecimentos finais eu me senti impactado ou triste, que eu acredito ter sido o principal intuito.
"A estrada" foi um livro que me decepcionou muito, pois eu realmente achava que iria gostar da história, dos personagens, que ao final eu iria ficar impactado. Mas definitivamente nada disso aconteceu, pelo contrário, eu quase abandonei a leitura e fiquei aliviado quando o livro terminou.
Sobre o filme: Temos aqui uma obra melancólica, fria, devastada, cinzenta, densa, triste, onde nos mostra todo sofrimento e desolação de uma sobrevivência em um mundo pós-apocalíptico. Este é um dos principais pontos na história, a construção da última fagulha de esperança, de fé, de luta, de poder sobreviver em meio a todo caos e acreditar em uma possível civilização. É nesse fio de esperança que o pai se apega ao proteger e defender seu filho de todos os perigos, de todas as ameaças, de todas as catástrofes naturais. Sem falar que eles ainda precisam evitar os confrontos com as gangues de humanos selvagens, que também estão vagando e querem transformá-los em escravos ou uma coisa muito pior.
"A Estrada" é uma adaptação quase 100% fiel ao livro, pois muitas coisas e muitas passagens que você encontra no filme está no livro. Os diálogos são muito fiéis, os cenários são muito fiéis, a execução das cenas também são muito fiéis. Acredito que a principal diferença é o fato do filme em si ser mais melodramático em relação ao livro. Pois no filme temos um olhar mais dramático, uma construção acerca de cada acontecimento mais dramática. Já o livro é mais cruel, mais pesado, mais sofrido, principalmente naquela cena em spoilers que eu citei acima e que não tem no filme (ainda bem). Os personagens do livro também me parece ser mais sofridos e menos dramáticos, principalmente a figura do garoto. Também achei muito interessante aquele contraponto no filme mostrando os acontecimentos do passado, envolvendo a esposa grávida, com os fatos do presente. Tudo sendo revivido em uma espécie de sonho (ou pesadelo).
O principal acerto do longa-metragem é nos evidenciar sobre a fé, sobre a esperança, sobre a sobrevivência. É nos relatar sobre um elo de confiança entre pai e filho, um laço de amizade verdadeira, uma construção de um verdadeiro amor. "A Estrada" é um filme que está inserido na devastação, na desolação, em todos os tipos de sofrimentos de um mundo pós-apocalíptico, mas por outro lado é também um filme que nos ensina e nos comove com uma história sobre amadurecimento, esperança, fé e sobre as profundas relações entre um pai e seu filho.
Sobre o elenco principal: Viggo Mortensen ("Crimes do Futuro", de 2022) está muito bem ao representar a figura de um pai desolado, sofrido, desacreditado, mas que sempre mantém o amor e a esperança ao proteger seu filho de tudo e de todos. Kodi Smit-McPhee ("Ataque dos Cães", de 2021) estava com apenas 12 anos na época das filmagens. Devo dizer que ele até representa bem o garotinho do livro, talvez um pouco mais chatinho, mas como um todo está até aceitável. Charlize Theron ("Velozes & Furiosos 10", de 2023) traz a figura da esposa, que por sinal é uma figura bem enigmática e misteriosa. O diretor John Hillcoat quis expandir a sua personagem na história, tanto que ela tem um papel maior no filme do que no livro.
Sobre o elenco secundário: Michael K. Williams (falecido em setembro de 2021) faz o ladrão que rouba o carrinho de suprimentos na praia. Por sinal outra cena completamente fiel ao livro. Robert Duvall ("O Pálido Olho Azul", de 2022) faz Ely, um velho homem que aparece no caminho e que é ajudado pelo pai por insistência do filho. Robert Duvall está completamente irreconhecível. Irreconhecível está também o Guy Pearce ("Mare of Easttown", de 2021), que faz um veterano pai de família ao final da história. Molly Parker ("Pieces of a Woman", de 2021) é a esposa do veterano.
Tecnicamente o filme se destaca: O principal destaque é a fotografia, que remonta todo aquele cenário depressivo, desolado, destruído, onde o sofrimento e a sobrevivência andavam de mãos dadas. A trilha sonora também se sobressai, com um instrumental estridente, penetrante e inquietante. A direção de arte é outro grande acerto, por construir os devastados cenários pós-apocalípticos.
"A Estrada" alcançou 76% no ranking Fresh do Rotten Tomatoes, baseado em 167 revisões, e também alcançou um escore de 64/100 no Metacritic, baseado em 32 revisões. Inicialmente a ideia da produtora era fazer uma campanha visando possíveis indicações ao Oscar. Apesar disso, o filme não foi indicado à nenhum prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Ainda assim o longa obteve uma indicação ao BAFTA 2010 na categoria de Melhor Fotografia, que por sinal achei muito justo, já que este é um dos principais destaques do filme.
Infelizmente o livro "A Estrada" é muito ruim, facilmente um dos piores livros que já li este ano (e o livro ganhou o Prêmio Pulitzer em 2006). Em pensar que Cormac McCarthy (falecido no mês passado, em 13 de junho) é o autor da obra literária que foi baseado o magnífico "Onde os Fracos Não Têm Vez" (2007).
Por incrível que pareça e como um caso raríssimo, eu gostei mais do filme do que do livro, até pelo fato das atuações, cenários, trilha sonora e fotografia. Acredito que no audiovisual a obra funcionou melhor do que no livro. [29/07/2023]
Hiya, Barbie Hi, Ken You want to go for a ride? Sure, Ken Jump in I'm a Barbie girl, in the Barbie world Life in plastic, it's fantastic You can brush my hair, undress me everywhere Imagination, life is your creation Come on, Barbie, let's go party I'm a Barbie girl, in the Barbie world Life in plastic, it's fantastic You can brush my hair, undress me everywhere Imagination, life is your creation I'm a blonde bimbo girl in a fantasy world Dress me up, make it tight, I'm your dolly You're my doll, rock'n'roll, feel the glamour in pink Kiss me here, touch me there, hanky panky You can touch You can play If you say, "I'm always yours" (ooh, oh) I'm a Barbie girl, in the Barbie world Life in plastic, it's fantastic You can brush my hair, undress me everywhere Imagination, life is your creation Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah) Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh) Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah) Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh) Make me walk, make me talk, do whatever you please I can act like a star, I can beg on my knees Come jump in, bimbo friend, let us do it again Hit the town, fool around, let's go party You can touch You can play If you say, "I'm always yours" You can touch You can play If you say, "I'm always yours" Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah) Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh) Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah) Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh) I'm a Barbie girl, in the Barbie world Life in plastic, it's fantastic You can brush my hair, undress me everywhere Imagination, life is your creation I'm a Barbie girl, in the Barbie world Life in plastic, it's fantastic You can brush my hair, undress me everywhere Imagination, life is your creation Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah) Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh) Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah) Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh) Oh, I'm having so much fun Well, Barbie, we're just getting started Oh, I love you, Ken
Essa música deveria ser a música-tema da versão original. 😂🤣😅
Sou a Barbie Girl Cantora: Kelly Key Álbum: Kelly Key Ano: 2005
Gabily, Kelly Key Sou a Barbie girl Se você quer ser meu namorado Fica ligado Presta atenção na minha condição É diferente, sou muito exigente Sou assim, uma flor delicada demais Minha cor preferida é o rosa Uma loira legal e que sabe o que quer Decidida, fatal, mas dengosa Você pode me ganhar É só fazer o que eu mandar Você pode me ganhar É só fazer o que eu mandar Sou a Barbie girl Se você quer ser meu namorado Fica ligado Presta atenção na minha condição É diferente, sou muito exigente Deixa eu me arrumar, Ken Já vou, já vou Deixa eu me arrumar, Ken Já vou, já vou Se eu pedir uma estrela, você vai buscar O meu jeito é assim, não reclama Se eu quiser, bato o pé, e vai ter que aceitar Só assim vou saber que me ama Você pode me ganhar É só fazer o que eu mandar Deixa eu me arrumar, Ken Já vou, já vou Deixa eu me arrumar, Ken Já vou, já vou Sou a Barbie girl Se você quer ser meu namorado Fica ligado Presta atenção na minha condição É diferente, sou muito exigente Sou a Barbie girl Se você quer ser meu namorado Fica ligado Presta atenção na minha condição É diferente, sou muito exigente Deixa eu me arrumar, Ken Já vou, já vou Deixa eu me arrumar, Ken Já vou, já vou
Já essa aqui deveria ser a música-tema da versão brasileira.😂🤣😅
Caixa de Pássaros
3.4 2,3K Assista AgoraBird Box - 2018
Caixa de Pássaros é um filme original Netflix baseado na obra escrita por Josh Malerman em 2014. Dirigido por Susanne Bier (Serena), roteirizado por Eric Heisserer (A Chegada) e estrelado por Sandra Bullock, Trevante Rhodes, Jacki Weaver, Rosa Salazar, Danielle Macdonald, Lil Rel Howery, Tom Hollander, BD Wong, Sarah Paulson, Colson Baker e John Malkovich.
O longa nos leva para um mundo pós-apocalíptico onde Malorie (Sandra Bullock) e seus dois filhos buscam refúgio atravessando um rio em um barco. Em todos os momentos eles precisam ficar com os olhos vendados, porque com um simples olhar as pessoas ficam extremamente violentas sendo levadas a cometerem suicídios.
Eu fiquei bastante empolgado quando comecei acompanhar o anúncio do filme, juntamente com os trailers e até os cartazes expostos nos relógios da cidade. Tudo me levava a acreditar que poderia ser um ótimo thriller de terror e suspense, e lendo a sinopse esse fato ficava cada vez mais em evidência. O longa tem uma premissa muito boa, já começa despertando a nossa curiosidade e nos instigando a querer respostas sobre o que de fato está acontecendo, tinha todos os ingredientes necessários para se tornar um ótimo filme e tinha tudo para dar certo, porém não deu.
Eu não li o livro e pelo o que eu vi em alguns comentários, o livro parece ser melhor que o filme (ou talvez não), e de certa forma eu já esperava por isso. Assim como no filme "Serena", me parece que a diretora Susanne Bier não é muito boa com adaptações. Bird Box cria um clima interessante para sua história, nos conduz para um ambiente intrigante, cuja fotografia funciona com perfeição sobre uma floresta acinzentada e densa pela névoa. E assim como no ótimo filme "Um Lugar Silencioso", que não se podia fazer barulhos, aqui não se pode olhar, dessa forma que o roteiro cria um situação bastante interessante, aguçando a audição e o tato, ou seja, as únicas armas para a sobrevivência.
Assistindo Bird Box fica impossível não associá-lo com o péssimo filme do Shyamalan "Fim dos Tempos", onde também aconteciam mortes gratuitas pra tentar impactar o público. O fato de não ter uma explicação plausível sobre o que aconteceu no planeta e o que, ou quem leva as pessoas a cometerem tais atos não me incomodou, mas não me entregou o que eu esperava. O filme parte do nada para lugar nenhum, sem falar que todo clímax se perde ao ficar entrando em constantes flashbacks pra tentar explicar toda história. Foi algo que me incomodou e subestimou a minha inteligência, sem falar que todo elenco foi reunido e jogados dentro daquela casa pra simplesmente morrerem, totalmente clichê.
O roteiro de Eric Heisserer é mastigado demais, explicadinho demais, de certa forma até sem necessidades. É outro ponto que Susanne Bier falha, ao tentar se explicar toda hora, muita das vezes até repetindo cenas e falas, como se ela e o roteirista duvidassem da nossa capacidade de inteligência, nos tirando a graça da surpresa. Podemos associar como se aquelas criaturas (ou o que quer que seja) fossem algum tipo de alegorias a algum problema pelo qual as pessoas estavam passando no momento, como a depressão, ou alguma outra do tipo. Mas feito de uma forma muita vaga, muito rasa, sem coesão, sem nos fazer se importar com as mortes, sem criarmos empatia por ninguém, nem mesmo a própria Sandra Bullock consegue arrancar esses sentimentos de nós.
Outro ponto que me incomodou demais em Bird Box foi o elenco, completamente e totalmente desnecessário! E olha que temos ótimos nomes, mas nenhum faz diferença, sendo que todos foram jogados lá para unicamente morrerem, como se por algum motivo isso fosse nos impressionar. Temos a Sarah Paulson, uma ótima atriz que nos entregou uma atuação estupenda em "12 Anos de Escravidão", mas aqui ela é totalmente mal aproveitada, totalmente aleatória, sem falar que o tempo de tela dela foi o que mais me impressionou. O grande John Malkovich é outro que chega a ser cômico a sua participação em Bird Box, sem necessidade nenhuma, outro completamente mal aproveitado. Assim como a Jacki Weaver, o Lil Rel Howery, a Danielle Macdonald e até o rapper americano Machine Gun Kelly, todos mal aproveitados e mal escritos por culpa do péssimo roteiro. Talvez o único que conseguiu levar seu personagem mais adiante, criando até um certo vínculo com a Sandra Bullock, foi o ator Trevante Rhodes (Moonlight: Sob a Luz do Luar), mas também não podemos esperar grandes coisas.
Sandra Bullock está bastante esforçada no filme, podemos ver o quanto ela se doa para a sua personagem, em até certo ponto fica muito interessante, ela consegue nos entregar uma boa atuação. Contracenar com crianças de 5 anos e em grande parte do tempo com os olhos vendados não deve ser fácil, ainda mais tendo que tomar uma postura mais rígida e mais dura em algumas cenas. Como a própria Sandra Bullock destacou em entrevistas em sua recente passagem pelo Brasil, colocando a sua própria experiência como mãe de duas crianças pequenas. Na minha opinião Sandra Bullock entrega um bom trabalho, nada fora do comum, ou surpreendente, algo que já não tenhamos visto, mas é a única que ainda se salva. Sem falar nas duas crianças fofas, que sim, por elas criamos empatia e torcemos o tempo todo.
Mais uma vez eu me decepciono com um filme da Susanne Bier, acho que criei expectativas demais e no final o que sobrou não foi o resultado esperado. Sem falar que o próprio final do filme é outro ponto controverso, não gostei da forma tão otimista e amorosa como foi entregue - tantas mortes pra nada?! [22/12/2018]
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⚠ TEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME ⚠
Bem, na época em que escrevi este texto acima eu não tinha lido o livro e toda minha opinião foi unicamente baseada no filme.
Revendo o filme hoje e já ter lido o livro, minha opinião mudou em partes:
Sobre o livro:
É impressionante como a história é boa, é bem narrada, é muito envolvente, com uma leitura gostosa, fluida, que te prende em cada página aguçando a sua vontade de ir cada vez mais além. Naturalmente eu já conhecia a história (ou a forma como ela foi adaptada), mas nem por isso a própria história soa desinteressante. Muito pelo contrário, o mistério está muito bem presente, assim como o suspense, o medo, a agonia, a angustia, pois sofremos juntos da Malorie tudo que ela passa e enfrenta em sua verdadeira jornada em busca de sobrevivência em um mudo caótico e totalmente desconhecido.
Sobre a adaptação cinematográfica:
O filme obviamente é adaptado do livro de Josh Malerman, tem ali a sua essência, a sua ideia, a sua premissa, porém o filme segue por um outro caminho, modificando grande parte da história em relação ao livro.
Muita coisa (muita mesmo) do livro foi deixado de fora, o que naturalmente sempre acontece na maioria das adaptações. Porém, o que me incomodou é que o filme usa muito a sua liberdade criativa e modifica pontos cruciais da história em relação ao livro. Nesse ponto eu discordo veementemente dos responsáveis pela adaptação, porque uma coisa é você usar a sua liberdade criativa e modificar alguns pontos durante a história, outra coisa é você mudar a trajetória da história, de alguns personagens, retirar personagens que no livro é extremamente importante no contexto, e foi tudo isso que aconteceu aqui.
O personagem Dom, que no livro é extremamente importante na virada da história em relação ao Gary (Tom Hollander), no filme ele simplesmente não existe, o Gary tem as suas próprias atitudes e decisões. Aqui eu já considero um erro grotesco na adaptação. O caso do personagem Douglas (John Malkovich), que no filme ele está vivo o tempo todo dentro da casa, tirando assim o grande impacto que a sua história teria sobre os sobreviventes que ali estavam, já que no livro ele já estava morto e tinha toda uma história por trás. O Gary mesmo é totalmente diferente do livro, seu personagem no filme não faz o menor sentido, pois ficou faltando a explicação do porque ele agia daquela forma, já que no livro isso tudo é muito bem explicado.
A parte final em que o Tom (Trevante Rhodes) sobrevive e segue com a Malorie e as crianças não existe no livro, ele é morto na casa junto com os outros. Esta parte foi umas das várias mudanças em relação ao livro, porém aqui eu já achei interessante, pois deu mais coragem e ambição para a Malorie seguir acreditando na possível sobrevivência com as crianças.
Outro ponto:
No meu texto acima eu tinha mencionado o elenco estrelado que foram mal utilizados e jogados na casa unicamente para morrer. Até então eu não sabia que grande parte das suas trajetórias são tiradas do livro, portanto eles realmente estão ali unicamente para morrerem mesmo. Agora o que eu acho desnecessário, é o fato de tentarem comprar o nosso interesse com nomes famosos dentro do cenário hollywoodiano, onde se encaixa até a própria Sandra Bullock. Mas ok né, isso já é costumeiro quando se trata de vender um material cinematográfico até então desconhecido.
No geral eu prefiro a forma como a história é contada no livro, até por obviamente ser mais detalhada e abrangente. Por sinal, a história só é muito boa porque é muito bem contada em cada página. Onde eu acho um acerto a forma como foi diversificada ambas às histórias mesclando passado e presente. O livro também testa o poder da sua fé, da sua crença e da sua ambição pela sobrevivência. Além de levantar vários questionamentos durante toda a leitura; questionamentos esses como: durante toda a minha leitura eu ficava pensando naquela odisseia da Malorie. Será que valia realmente todo aquele sacrifício para se manter vivo em um mundo em que você sabe que nunca mais será o mesmo? Até que ponto conseguimos manter a nossa mente saudável, lúcida, para não entrarmos em um estado de loucura e perda da sanidade? No que se apegaríamos? Em quem acreditaríamos? Ainda existe um Deus?
E aqui eu já acho um grande acerto tanto do livro quanto do filme, em não revelar o que aconteceu e quem são as criaturas, pois tudo envolto em nosso imaginário soa ainda mais temível e desconfortante.
A parte final do filme, em que a Malorie se perde das crianças na floresta e que tem aquela voz pedindo para as crianças tirarem a venda, também não existe no livro. Porém, eu achei uma parte bem feita de acordo com todo o contexto da história do filme (não do livro). Nessa cena a Malorie expressa todo o seu desespero de mãe e faz um belo discurso motivacional de sobrevivência para vida baseado no que ela e as próprias crianças viveram ao lado do Tom. Também gostei dessa mudança.
Considerações finais do livro:
O livro é excelente, tem uma história muito boa, muito bem contada, que nos faz sentir na pele toda a trajetória de sobrevivência da Malorie e suas crianças. Sem falar que a história no livro é muito mais pesada, com cenas muito mais impactantes e sufocantes. Posso destacar a cena do parto da Malorie e da Olympia, que é extremamente agonizante, daquelas que incomoda, que você chega a parar por um momento a leitura para respirar. Todos os acontecimentos durante e após esta cena são muito triste e doloroso.
Considerações finais do filme:
Hoje eu mudei bastante a minha opinião em relação ao que eu escrevi no texto de 2018 acima. Hoje, após ter lido o livro, eu não considero o filme como essa tragédia toda que eu havia considerado. Por mais que a adaptação seja muito falha e erre bastante em suas mudanças, eu acho que no geral o filme conseguiu contar a história do livro, conseguiu entregar a proposta do livro, conseguiu transmitir um pouco do suspense, do mistério e do terror do livro.
Dessa forma, antes eu considerava este filme como horrível, hoje eu já o considero como bom e aceitável dentro da sua proposta.
[22/12/2018]⭐⭐
[03/05/2024] ⭐⭐⭐
A Sociedade da Neve
4.2 724 Assista AgoraA Sociedade da Neve (Inglês: Society of the Snow / Espanhol: La Sociedad de la Nieve) 2023
"A Sociedade da Neve" é dirigido por JA Bayona e baseado no livro de mesmo nome de Pablo Vierci de 2009, que detalha a verdadeira história do trágico acontecimento da seleção uruguaia de Rugby.
Em 13 de outubro de 1972, o Voo 571 da Força Aérea Uruguaia, fretado por um time uruguaio de futebol de Rugby e seus torcedores para levá-los a um jogo em Santiago, no Chile, cai em uma geleira no coração da Cordilheira dos Andes. Dos 45 passageiros a bordo, 29 sobreviveram ao acidente inicial, embora mais morressem devido a ferimentos, doenças e uma avalanche nas semanas seguintes. Presos num dos ambientes mais inacessíveis e hostis do planeta, os sobreviventes são obrigados a recorrer ao canibalismo de sobrevivência daqueles que já morreram para se manterem vivos. No entanto, em vez de se voltarem uns contra os outros, os sobreviventes recorrem ao trabalho cooperativo em equipe que aprenderam através do rugby e da fé espiritual, para escapar das montanhas.
O diretor espanhol JA Bayona, que recentemente dirigiu episódios da série "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder", ficou conhecido cinematograficamente pelos seus dois primeiros trabalhos: "O Orfanato" (2007), um bom filme espanhol que mistura elementos de fantasia e terror, e "O Impossível" (2012), um drama baseado em uma história real comovente, tocante e profundo. Dessa vez Bayona traz "A Sociedade da Neve", uma produção espanhola original Netflix, que conta com um elenco que na sua grande maioria é composto por atores novatos argentinos e uruguaios. Um ponto muito curioso, é o fato do autor uruguaio Pablo Vierci conhecer alguns dos 16 sobreviventes reais do caso, o que o motivou ainda mais para escrever o livro documentando os relatos ocorridos.
Ao longo dos anos esta história real do trágico voo 571 já foi adaptada em outras produções, como "Sobreviventes dos Andes" (1976), "Vivos" (1993) e "I Am Alive: Surviving the Andes Plane Crash" (2010). Em "A Sociedade da Neve", Bayona optou por relatar os acontecimentos fazendo uma mescla como um documentário inserido em um filme. Tanto que toda a equipe de produção gravaram mais de 100 horas de entrevistas com todos os sobreviventes ainda vivos. Por outro lado, os atores do longa tiveram contato direto com os sobreviventes e as famílias das vítimas. A produção teve todo um estudo sobre o local do acidente, realizando parte das filmagens exatamente no local.
"A Sociedade da Neve" se destaca pela excelente direção de Bayona, que soube extrair os detalhes mais minuciosos e profundos do caso e nos passar com uma veracidade impecável. Sem falar que todo o seu trabalho de câmeras é muito bem executado, onde ele sempre buscava o foco nos rostos e nas expressões do elenco em cena, aliado com os mais variados diálogos e monólogos, que nos dava a dimensão e a profundidade daqueles acontecimentos. O trabalho de maquiagem é completamente absurdo e corrobora com toda a grandeza da direção, já que ao longo da trama somos impactados pela degradação física dos personagens, o que vai de encontro com uma aparência desgastada, maltratada, judiada, onde todos ali iam definhando com o passar do tempo, e tudo que víamos acontecer era grande parte por méritos da direção de maquiagem e dos efeitos especiais. E com um destaque muito justo para David Martí e Montse Ribé, maquiadores de efeitos especiais vencedores do Oscar por "O Labirinto do Fauno" (2006). Juntos eles criaram próteses de cadáveres, cortes, feridas, tudo que nos dava a dimensão e a proporção do que estava ocorrendo com cada um presente naquele local.
Aliado com todas essas qualidades técnicas que eu já destaquei, temos uma fotografia que é absurda, com uma qualidade extremamente profissional e que destacava em cada cena apresentada. O interessante aqui é o fato da fotografia fazer um contraponto entre o colorido e o cinza; sendo o colorido destacando os momentos de competividade do time, onde podíamos notar um sentimento de felicidade e esperança nos rostos de cada um. Por outro lado temos o cinza, que se destaca justamente a partir do momento da queda do avião, onde transcendia o sofrimento e o limite da fé, e mais uma vez de esperança. A direção de arte também merece ser enaltecida, pois é a partir dela que temos aqueles gigantescos cenários de neves, onde nos abalava profundamente quando a câmera ia se distanciando e íamos tomando conhecimento do local em que eles estavam. A trilha sonora é bem pontual com cada cenário e cada acontecimento, sempre diversificando a melodia de acordo com a situação que o grupo estava enfrentando. A trilha sonora é a grande responsável em unir ali lado a lado a fé e o desespero.
Falando sobre o filme:
Temos aqui um dos filmes dramáticos de sobrevivência que mais me impactou nos últimos anos. O diretor Bayona já conseguiu este mesmo feito com "O Impossível", que foi um filme que me deixou profundamente impactado, entristecido, chateado, comovido, que me deixou uma semana pensando e refletindo sobre tudo que eu havia presenciado. Em "A Sociedade da Neve" Bayona põe em pauta novamente o poder da fé, da esperança, da motivação, da luta pela sobrevivência, da crença, da determinação, da coragem, fazendo um contraponto com o desespero, a agonia, a desolação, a crueldade, a tristeza, a comoção, nos despertando os mais profundos sentimentos de compaixão, empatia, carinho, amor pelo próximo, nos fazendo sentir na pele a dor excessiva da extremidade enfrentada por cada um dos sobreviventes.
"A Sociedade da Neve" é aquele típico caso do filme documentário que você já conhece a história, já sabe como tudo terminou, já que houve sobreviventes, mas mesmo assim você se impressiona, pois o nível de adrenalina é muito alto de acordo com cada acontecimento. Eu não conhecia a história real à fundo, só tinha ouvido alguns relatos a respeito do caso, e o filme conseguiu me deixar muito mal, mexeu muito com meus sentimentos, me despertou um profundo sentimento de tristeza, compaixão, agonia, tensão, dor, por presenciar cenas tão cruéis, tão deploráveis, tão bárbaras, tão brutais, tão excessivas, com uma extremidade dolorida, daquelas que parte o seu coração e te faz refletir por dias.
O longa-metragem trabalha muito bem a mente humana e seus extremos quando exigida, pois estamos diante de um cenário completamente inóspito, cruel, sem qualquer possibilidade de sobrevivência, e ao longo dos dias eles vão sendo confrontados com as consequências desse local, que é o frio, a fome, a sede, o medo da morte, o desespero pela sobrevivência e a agonia pelo resgate. Nesse ponto temos um estudo sobre o poder da fé, da esperança, da misericórdia, a crença em um Deus, os limites do corpo humano. Até que ponto o seu corpo pode suportar a fome, a sede e o frio? Até que ponto você consegue manter a sua mente saudável e lúcida para não mergulhar na loucura e no extremismo? Quais os limites que você consegue enfrentar para se manter vivo na esperança por sobrevivência? Até que ponto você consegue pensar sobre a prática do canibalismo para se manter vivo e resistente? Já que seu corpo vai acabar exigindo esses nutrientes para sobreviver. São perguntas que em todos os momentos estão vagando pela mente de cada um ali, na medida que nós espectadores também estamos nos fazendo essas mesmas perguntas se nós estivéssemos diante daquela situação.
Todos esses sentimentos citados são despertados a partir da composição de cenas absurdamente bem feitas e bem elaboradas. Pois as cenas de "A Sociedade da Neve" foram feitas com um alto nível de qualidade, onde nos proporcionava sentir a dor, o desespero e a agonia de tal acontecimento.
- Vou começar citando a cena da queda do avião, que pra mim já é uma das grandes cenas de todo o filme. A partir do momento em que o avião se choca com a montanha de gelo, onde temos o impacto com o bico do avião, que logo ele vai se destroçando e rompendo o solo em uma altíssima velocidade. Nessa cena eu fiquei em choque e boquiaberto, ao observar aquele impacto dos restos do avião com a neve, fazendo uma pressão para frente onde o impacto vinha de trás para frente fazendo as pessoas serem esmagadas uma pelas outras com os bancos do avião.
- Temos aquela cena em que os sobreviventes vão retirando os corpos de dentro dos restos do avião, e ao lado da tela vai aparecendo o nome e a idade de cada um.
- A cena em que eles discutem a possibilidade da prática do canibalismo, que por si só já é uma cena controversa e reflexiva, de acordo com a crença de cada um, é claro. Especificamente nessa cena temos um dos melhores diálogos de todo o filme, quando o grupo discute sobre praticar o canibalismo ou não, já que ali era um caso de extremismo pela sobrevivência. Muitos ali tinham a dificuldade em aceitar a prática pela falta da liberação do dono do corpo, onde mais tarde temos a cena onde cada um diz liberar o seu corpo para alimentar os sobreviventes - que cena pesada e incomoda!
- Outra cena que me impactou bastante, foi a cena da tempestade de neve, onde soterrou todos os sobreviventes, obrigando eles a passarem 4 dias soterrados pela neve - outra cena absurda!
- E não posso deixar de mencionar aquela cena onde eles conseguem fazer funcionar um rádio, quando eles tem a notícia que as buscas pelos os sobreviventes do desastre foram encerradas. É uma cena impressionante, que dilacera o seu coração, pois você vê aquelas pessoas entrando em um estado de completa loucura e desespero - mais uma cena que me deu um nó na garganta.
Sobre o elenco:
O elenco de "A Sociedade da Neve" é muito bom, muito competente, onde cada um entregou atuações certeiras, condizentes com o personagem e as situações, mesmo que em grande maioria o elenco era composto por novatos.
Os maiores destaques foram Enzo Vogrincic Roldán que fez o Numa Turcatti, Matías Recalt que fez o Roberto Canessa e o Agustín Pardella que fez o Nando Parrado.
Nem preciso destacar todo o elenco, pois cada um fez muito bem a sua parte, onde contribuíram muito bem com a representação daquele momento desesperador e aterrorizante.
"A Sociedade da Neve" ganhou 12 prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor no Prêmio Goya. No Oscar, foi indicado para Melhor Longa-Metragem Internacional, representando a Espanha, e Melhor Maquiagem e Penteado.
O longa alcançou a lista dos 10 melhores filmes não ingleses da Netflix, sendo que nos primeiros dias, teve 51 milhões de visualizações no streaming.
No Rotten Tomatoes, 90% das 151 resenhas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,8/10. Já no Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 72 em 100, com base em 33 críticos.
Por fim: "A Sociedade da Neve" é um belíssimo trabalho de JA Bayona, que traz uma habilidade técnica magistral para apoiar sua história de tragédia da vida real. É um filme triste, tocante, profundo, desconfortante, incomodo, comovente, que vai mexer com a sua mente e principalmente com o seu coração. Mas por outro lado é também um filme muito reflexivo, preponderante, contundente, importante, que nos exemplifica o poder da fé, da força, da resistência, da perseverança, da esperança, do equilíbrio da mente, da busca incansável pela sobrevivência, que nos mostra que basicamente não somos nada diante de situações extremas e desoladoras.
[16/03/2024]
Segredos de um Escândalo
3.5 334 Assista AgoraSegredos de um Escândalo (May December) 2023
"Segredos de um Escândalo" (ou "Maio Dezembro", sinceramente não entendi essa versão brasileira do título) é dirigido por Todd Haynes ("Longe do Paraíso", de 2002) a partir de um roteiro de Samy Burch, baseado em uma história de Burch e Alex Mechanik. A Netflix adquiriu os direitos de distribuição na América do Norte. O longa é estrelado por Natalie Portman como uma atriz que viaja para conhecer e estudar a vida da polêmica Gracie (Julianne Moore) que ela interpretará em um filme.
De acordo com as minhas pesquisas:
O filme é inspirado no caso real sobre a vida de Mary Kay Letourneau, uma mulher de 36 anos que aliciou e estuprou um pré-adolescente de apenas 13 anos em 1996. Na época, ela era professora de Vili Fualaau, e o caso resultou na prisão de Mary, que ficou seis anos na cadeia. Quando Mary conheceu Vili, ele era apenas uma criança e ela já era casada com quatro filhos, além de ser uma professora conceituada. Mary dizia que tudo começou porque ele a perseguia, e ela teria apenas consentido com o caso. No início, a relação foi mantida em segredo, até que tudo veio à tona. Em meio a todo o escândalo, nenhum dos envolvidos tratou a relação como um crime, nem a abusadora e nem a vítima. Em entrevistas para a televisão, o casal protagonizava declarações bizarras, principalmente Mary, quando eram questionados por repórteres sobre a diferença de idade. Mary nunca assumiu que cometeu um crime, tanto que permaneceu em uma relação com Vili e eles chegaram a se casar. O casamento durou 12 anos, com o divórcio acontecendo em 2017, e juntos eles tiveram duas filhas. Mary morreu em 2020 aos 58 anos.
Sobre o filme:
"Segredos de um Escândalo" traz uma história chocante e muito interessante, e desperta ainda mais a nossa curiosidade quando descobrimos que tudo foi baseado em uma bizarra história real. Logo vamos entendendo toda a história e encaixando cada personagem nela. É interessante notar que o escândalo real acontece nos anos 90, mas no filme estamos praticamente duas décadas depois, ali por volta do ano de 2015. Partindo desse ponto, temos atualmente a Gracie Atherton-Yoo que hoje é casada com Joe Yoo (Charles Melton), com quem ela formou uma família e tiveram 3 filhos.
Pode parecer bizarro, mas Gracie foi condenada por estupro de vulnerável e ainda formou uma família com a vítima. Dito isto, Gracie hoje vive sua vida com esposo e filhos, e preferiu se afastar da mídia em um modo geral. Dessa forma Gracie opta por aceitar receber em sua casa a atriz Elizabeth Berry, que se prepara para encarar um dos papéis mais desafiadores de sua carreira. A partir daí, Elizabeth passa a analisar cada passo da vida da Gracie, fazendo um verdadeiro estudo de personagem, de características, de sentimentos, mergulhando naquela relação entre Gracie e Joe, se inteirando cada vez mais daquele romance midiático. Logo toda essa convivência entre Elizabeth, Gracie e Joe começa a reviver segredos obscuros de uma passado traumático na vida do casal, expondo seus limites, ultrapassando seus limites, expondo verdades que até então estavam guardadas, ou de certa forma até ignoradas no âmbito familiar.
Um ponto muito curioso e até questionável, é exatamente a forma como o roteiro aborda (vagamente) toda história real, que é justamente a partir da chegada e da interação de Elizabeth com aquela família. Ou seja, não temos uma abordagem dos fatos ocorridos a partir de todo o escândalo, não temos um resumo sobre a história no passado, como tudo aconteceu. A produção do filme não chegou a consultar o Vili Fualaau sobre os fatos ocorridos, o que acabou sendo preenchido com uma ficção baseada em relatos. Eu acredito que esta foi uma escolha de roteiro, usando uma certa liberdade criativa dos fatos e optando por deixar de fora todo esse contexto polêmico, até por se tratar de um crime sexual envolvendo um menor de idade. Eu entendo toda essa escolha de roteiro, até para o filme de Todd Haynes se manter fora de polêmicas, mas confesso que eu fiquei curioso em como seria uma abordagem a partir desse ponto na história.
"Segredos de um Escândalo" opta por ir na contramão de todas as polêmicas do início do relacionamento, e focar especialmente na obsessão da figura da Elizabeth dentro daquele contexto que ela se encontra no momento. De fato é um roteiro que abrange o estupro estatutário, o envolvimento das pessoas no caso, em como elas vivem atualmente, mas especificamente é um filme sobre a obsessão humana, e sobre obsessão ninguém é melhor do que a talentosíssima Natalie Portman. Natalie venceu o Oscar justamente pela sua obsessão, pelo seu perfeccionismo, pela sua busca incessante pela perfeição na pele da bailarina Nina, em "Cisne Negro" (2010). Dessa forma temos uma Natalie na pele da Elizabeth Berry que tem uma obsessão pela aquela mulher (ou pela sua história), que busca trabalhar e absorver cada vez mais as características da personagem que ela vai interpretar naquele filme independente, fazendo um verdadeiro laboratório, ficando perto daquela família, entrevistando cada membro daquela família, além de sempre se manter perto da Gracie, sempre observando como é a sua relação com o Joe. Temos aqui uma boa metaficção.
"Segredos de um Escândalo" é aquele típico True Crime, que traz uma análise sobre como a mídia pode distorcer os fatos ocorridos, ou até a percepção das pessoas sobre si mesma, ou sobre as pessoas envolvidas no caso. O longa de Todd Haynes bebe bastante da fonte dos True Crime dos anos 90 (até por ser um desejo do próprio diretor). É interessante perceber que a Gracie e o Joe viviam uma vida longe da mídia, longe das polêmicas que ela causou, como se estivessem presos em seus mundos, dentro da sua bolha, sem a percepção sobre o que aquela relação poderia representar em uma visão geral de alguém de fora. E nesse ponto o roteiro cresce e ganha mais fôlego, ao desenvolver a chegada da Elizabeth e em como a sua presença começa a abalar a estrutura daquela relação, em como ela faz com que o casal comece a pensar fora da bolha do relacionamento. Já pelo lado da Elizabeth, ela passa a se envolver cada vez mais, mergulhar cada vez mais naquele ambiente hostil, onde ela própria passa a carregar o peso e a pressão que a sua jornada exige, o que acaba a levando por um outro caminho diferente.
Nesse ponto do filme temos um grande estudo de personagem, pois a Elizabeth passa a incorporar a Gracie de uma forma assustadora, misturando suas emoções reais com uma interpretação intensa e repleta de camadas, onde ela busca incessantemente a perfeição, e passa a se vestir igual a Gracie, a se portar igual a Gracie, a falar igual a Gracie, e na medida que elas vão se conhecendo melhor vamos se aprofundando cada vez mais em duas mentes distintas que acabam se conectando estranhamente. Elizabeth passa a ficar tão obcecada em viver a vida da Gracie e ser parecida cada vez mais com essa personalidade, que ela acaba mergulhando profundamente em viver e sentir tudo em sua volta com a cabeça da própria Gracie, isso incluindo em ser um clone da Gracie, em tomar pra si a vida da Gracie, o relacionamento familiar, o envolvimento com os filhos, e até chegar em seu marido. Nesse ponto é interessante acompanhar essa aproximação entre a Elizabeth e o Joe, pois ambos tem idades parecidas mas com mentes completamente distintas, e a partir dessa aproximação que a Elizabeth dá a sua maior cartada em incorporar a Gracie, que é seduzindo seu marido e até transando com ele.
E aqui eu preciso destacar o elenco de "Segredos de um Escândalo", especificamente o trio composto por Natalie Portman, Julianne Moore e Charles Melton. Pois temos aqui aquele típico caso do filme que se segura unicamente e exclusivamente pela atuação de seu elenco.
Como já mencionei anteriormente, a Natalie Portman ("Thor: Amor e Trovão") foi a escolha perfeita para viver a Elizabeth Berry, justamente pela sua obsessão e perfeccionismo na personagem. Natalie faz uma personagem carregada, cheia de camadas, de nuances, que aos pouco vai mergulhando naquela vida paralela e desvendando segredos, traumas do passado de Gracie, e vai cada vez mais entrando em uma zona perigosa e expondo a sua dualidade. No fim, a Elizabeth acaba se perdendo na personagem da Gracie, onde ela acaba se tornando aquela sedutora que ela tanto queria interpretar. Temos algumas cenas onde a Natalie dá um show de atuação: Como aquela cena onde ela discursa na escola sobre sexo com a turma, porém de uma forma um tanto quanto exagerada. Aquela outra cena onde ela acaba desabafando sobre toda a sua trajetória, seus arrependimentos, diante de uma quebra da quarta parede. Belíssima atuação da Natalie Portman!
Já a Julianne Moore ("A Mulher na Janela") faz aquela mulher que vive em um conto de fadas, em uma fantasia criada pela sua cabeça, em mundo onde ela criou e acha que todos ao seu redor gostam dela, se importam com ela, praticamente vivendo uma vida ilusória. Por outro lado a Gracie faz a linha da coitadinha, da ingênua, de tentar convencer as pessoas ao seu redor que ela é aquela pessoa pura, inocente, confiável, quando na verdade ela é detestável, desprezável, traiçoeira, manipulável, maquiavélica, verdadeiramente uma predadora preparando seu terreno para o ataque. Julianne Moore dá um verdadeiro show de atuação, e nos conquista com uma interpretação forte, arrojada, compenetrada, onde ela foca nos trejeitos, em sua expressões, em suas falas, em seu modo de agir, de se portar, com toda a certeza ela estudou profundamente a personagem.
Charles Melton (da série "Riverdale") faz um contraponto muito interessante entre a Natalie e a Julianne. Melton pra mim faz a atuação mais difícil e complicada de todo o filme, pois inicialmente ele nos passa a sensação de estar perdido dentro daquele mundo, daquela relação com a Gracie, onde ela se vê o tempo todo como uma dependente dele, com ele assumindo todo o papel daquela relação, como pai e marido. A partir daí (e principalmente da chegada da Elizabeth) começamos a perceber que o Joe começa a expor suas insatisfações, suas inseguranças, suas frustrações, e começa a perceber tudo em sua volta, como uma forma de despertar daquela relação, daquela vida. E nesse ponto é muito interessante acompanharmos o despertar de Joe, quando ele se dá conta que sempre foi a vítima naquela relação, que ele sofreu abuso daquela predadora sexual, que ele era imaturo e foi manipulado pela Gracie, que ele perdeu grande parte da sua vida, principalmente da sua juventude, tendo que assumir papeis que não lhe cabiam naquele momento. E toda essa desconstrução e descaracterização vai ocorrendo com o Joe quando ele vai percebendo que teve sua vida privada dos seus desejos próprios, que teve sua adolescência podada por aquela mulher que o fez passar por uma grande pressão psicológica, que ele foi uma vítima dela e viveu em uma prisão dentro de uma vida ilusória.
Posso afirmar que Charles Melton tem o melhor personagem e entrega a melhor atuação dentro do filme.
Agora eu preciso deixar registrado a minha indignação com o Oscar em esnobar essas três impecáveis atuações. Apesar que vindo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, podemos esperar qualquer tipo de absurdo e de injustiça.
Outro ponto muito interessante no longa e que precisa ser mencionado, é a forma como os acontecimentos tomam proporções diferentes de acordo com a respectiva época em que ocorreu. Digo isso pelo fato desse caso, que obviamente se tivesse acontecido hoje em dia tomaria uma proporção absurda e seria recebido totalmente diferente daquela época. Pois nos anos 90 a mídia em si encarava o caso como um caso de amor infeliz, que não deu certo, que fracassou, onde a própria Mary não era vista como uma abusadora, sendo encarada apenas como uma aventura amorosa. E mais absurdo ainda é a própria família do Vili afirmar que ele era muito maduro para sua idade, que eles eram muito apaixonados, encarando o caso como normal. A Mary com 36 anos e o Vili com 13, e ainda tinha pessoas que encarava este relacionamento como normal - é realmente uma coisa inexplicavelmente absurda!
Outro ponto que me faz pensar: e se fosse ao contrário, como reagiria as pessoas? Se ele tivesse 36 anos e ela 13. Fica ai o questionamento.
Falando das partes técnicas:
É preciso destacar a excelente direção de Todd Haynes, onde ele exerce um trabalho de câmera impecável, traçando um paralelo entre os acontecimentos em cena com um close fechado nas expressões dos atores/atrizes. É muito interessante analisar a forma como o diretor usar os takes e os ângulos mais fechados em vários momentos de diálogos, para nos dar a dimensão daquela cena, daquele acontecimento, daquela descoberta; como na cena onde a Elizabeth conversa com a Gracie no banheiro, e a cena com o Joel fumando droga com seu filho no telhado. São duas cenas que traz esse trabalho de câmera que eu destaquei, com ênfase nos closes mais fechados justamente para nos revelar aquela descoberta, tanto pelo lado da Elizabeth, quanto pelo lado do Joe.
A trilha sonora do filme é potente, é eficaz nos momentos mais oportunos da trama, onde ela dita o ritmo da cena, do acontecimento que está sendo narrado, nos fazendo mergulhar cada vez mais naquela história. Uma boa trilha sonora de Marcelo Zarvos e Michel Legrand. A fotografia de Christopher Blauvelt também tem o seu merecido destaque. Assim como todo o trabalho da direção de arte, da edição, da montagem e da cenografia. Tecnicamente o filme é muito bem feito!
"Segredos de um Escândalo" foi lançado em cinemas selecionados dos EUA, antes de ser transmitido na Netflix nos EUA e Canadá. O filme foi selecionado para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. Também foi exibido como "Filme da Noite de Abertura" no Festival de Cinema de Nova York de 2023. O longa ficou em décimo lugar na lista dos 50 melhores filmes de 2023 da Sight and Sound, entre 363 filmes indicados por 106 participantes britânicos e internacionais. Também foi escolhido pelo American Film Institute como um dos dez melhores filmes de 2023. No Rotten Tomatoes, 90% das 300 resenhas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,8/10. Já no Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 86 em 100, com base em 53 críticos.
O longa-metragem de Todd Haynes recebeu quatro indicações no Globo de Ouro e apenas uma indicação de Melhor Roteiro Original no Oscar. Alguns críticos opinaram que houve uma omissão de indicações de atuação no Oscar, apesar de ter sido indicado em outras associações de premiação importantes. EJ Dickson da Rolling Stone citou o padrão da Academia de excluir atores de ascendência asiática e sua falta de reconhecimento a artistas com menos de 40 anos como as razões pelas quais Charles Melton não foi indicado. Foi como eu já mencionei anteriormente, sobre a grande esnobada por parte da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Por fim, "Segredos de um Escândalo" se destaca por analisar um caso real bastante bizarro, cujo roteiro se destaca por explorar as consequências e as polêmicas desse escândalo na vida daquele improvável casal. É um filme que consegue fazer uma linha entre o drama e o romance misturando sentimentos e emoções de todas as pessoas envolvidas na trama. Mas por outro lado é preciso mencionar que algumas partes da história soa confusa, bagunçada, displicente, onde o elenco e suas atuações são basicamente o que segura todo o filme.
[10/03/2024]
Pobres Criaturas
4.1 1,2K Assista AgoraPobres Criaturas (Poor Things) 2023
"Pobres Criaturas" é dirigido por Yorgos Lanthimos e escrito por Tony McNamara. Baseado no romance de 1992 de Alasdair Gray, o enredo segue Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem que ganha vida através de um transplante de cérebro e embarca em uma odisseia de autodescoberta.
Yorgos Lanthimos é um cineasta marcado pela sua excentricidade, extravagância, filosofia, eloquência, por construir obras fora do trivial, do convencional, onde muita das vezes flerta com o bizarro, com o complexo, com o místico, com a profundidade de personagens, com um estudo de personagens. Dentro dessas características as suas obras que mais se sobressaem são "O Lagosta" (2015), "O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017) e "A Favorita" (2018).
Em "Pobres Criaturas", Yorgos atinge o ápice do bizarro, do estranho, do místico, criando uma releitura do clássico Frankenstein que reflete além dos limites éticos e morais da ciência, da fragilidade do ser humano como um todo (principalmente a fragilidade masculina), da imagem feminina em uma sociedade patriarcal, e principalmente uma abordagem e uma percepção de um mundo imoral, injusto, alheio à várias vertentes de uma posição de criação e criador. A obra de Yorgos pode ser classificada como um "Frankestein sexualizado", ou uma espécie de "Frankenstein do século XXI", que acompanha o fascínio e a autodescoberta da protagonista, aliado à um contexto que subverte a lógica dos fatos que ela própria vai se descobrindo e vivenciando com o avanço na trama.
A excelente direção de Yorgos é aliada com um ótimo roteiro de Tony McNamara (roteirista de "A Favorita"), onde juntos eles constroem uma obra fora do convencional, onde uma das suas principais característica é a estranheza, a forma como o roteiro é livre de amarras, de rótulos, por justamente não seguir um caminho convencional e cruzar uma linha entre a comédia, o drama, o mistério e até um improvável romance. Nesse ponto o roteiro de Tony se sobressai e salta aos nossos olhos, pois a forma como ele consegue dosar pequenas pitadas de uma comédia sombria, com uma comédia dramática surrealista, com um toque de humor negro, misturando a sátira, o sarcasmo, sendo provocativo, desconfortável, incisivo, criando uma linha que cruza o místico, a ficção científica, a fantasia, a fábula, com uma visão profunda, onde ainda assim consegue nos divertir, nos impactar, com um roteiro que consegue se manifestar na mesma proporção que entretém.
"Pobres Criaturas" é um dos melhores filmes que eu já assisti nos últimos anos em questão de desenvolvimento de roteiro, de personagem, de estrutura narrativa, de conseguir construir um personagem e desenvolvê-lo na medida certa, fazendo um belíssimo estudo de suas principais características. Temos aqui a construção e o desenvolvimento de Bella Baxter, onde o roteiro aborda principalmente a sua autodescoberta, o seu autoconhecimento, o seu amadurecimento, a sua profundidade, a perda da sua inocência, o seu desejo pela liberdade e pelo conhecimento da vida. Sem dúvida é uma visão singela e peculiar sobre uma jornada de emancipação feminina, uma viagem excêntrica sobre o descobrimento e a liberdade feminina.
A história se passa na Era Vitoriana, onde temos aquela jovem que estava grávida e cometeu suicídio ao pular de uma ponte. Ao ser resgatada pelo médico cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), ela tem o seu cérebro removido e trocado pelo cérebro ainda em desenvolvimento de seu filho que estava em gestação. Ou seja, Bella tem o corpo de uma mulher que já não existe mais. E aqui entra um ponto muito interessante do roteiro, que é justamente o desenvolvimento de Bella onde ela é praticamente uma criança. Ou seja, Bella age como uma pessoa com problemas mentais, como um corpo de adulto com uma mente de uma criança, com atitudes de criança, com comportamentos de uma criança, como se o corpo dela não estivesse sincronizado corretamente com o seu cérebro (segundo as explicações do próprio Dr. Godwin). Dessa forma Bella precisa aprender tudo do princípio, como andar, falar, comer, ter um comportamento, respeitar e obedecer regras impostas pelo Dr. Godwin. E a figura do Dr. Godwin a princípio é vista por Bella como o seu criador, o seu pai, o seu Deus (como ela mesmo se portava perante ele sempre o chamando de "God").
A partir desse ponto acompanhamos a jornada de Bella Baxter sem nenhuma bagagem emocional, social, sentimental, sem nenhuma experiência em como é a vida fora dos domínios do Dr. Godwin. Ou seja, ali era o nascimento de uma criatura que se mostrava monstruosa (aparentemente), com uma casca cheia de camadas de um ser puro, singelo, meigo e encantador.
Um ponto muito interessante de roteiro e produção é a forma como toda a filmagem é projetada e transplantada para a tela. Logo uma escolha em representar o começo da história da Bella Baxter com uma filmagem em preto e branco em takes mais profundos, que nos dimensionava através da sua fragilidade, vulnerabilidade, inexperiência, enquanto ela ainda era uma criança em desenvolvimento, se autoconhecendo e se autodescobrindo. É interessante notar como a Bella vai se desenvolvendo com o passar do tempo, cujo a chegada do excêntrico advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) traz uma verdadeira mudança na vida de Bella Baxter. Pois o convite que ele faz para ela era justamente o que ela estava mais esperando naquele momento; se aventurar pelo mundo embarcando em uma odisseia surrealista de autodescoberta e libertação. A partir desse ponto já temos a mudança para uma filmagem colorida, como se a Bella ganhasse vida, ganhasse cores, onde simbolizava a libertação de Bella das garras do Dr. Godwin. Mas por outro lado ela estava prestes a conhecer um outro tipo de prisão.
Yorgos Lanthimos condensa as fases da vida de Bella Baxter com uma exploração da sexualidade da personagem, que era algo que ela também autodescobriu. E nesse ponto é muito curioso observar que a Bella deu vários saltos na composição das fases de sua vida, o que obviamente vai limitá-la de conhecer o seu corpo e os seus próprios desejos sexuais, onde naturalmente ela vai despertar seus desejos infinitos sem o conhecimento e o discernimento ditado pela própria sociedade perante essa nova descoberta em sua vida. Dessa forma Bella Baxter mergulha em seus desejos e sensações físicas, despertando cada vez mais a sua curiosidade em relação ao ato sexual, que de certa forma é também o seu autoconhecimento e o seu autodescobrimento.
Se analisarmos friamente, todas as cenas de sexo sem pudor não são cenas gratuitas e em vão, pois tudo parte de novas etapas da sua evolução, seu conhecimento, sua curiosidade, uma forma de explorar a sua mente, o seu corpo, e deixar de ser apenas uma criação desprovida de inteligência e ganância para uma forma de aceitação própria a partir dos seus próprios desconfortos. Não vejo que o filme romantiza a prostituição, também não vejo como um desrespeito com a pauta da mensagem feminina. Acredito que a obra projeta tudo dentro de um aspecto por uma outra perspectiva, com uma ótica própria feminina sobre como seria a liberdade sexual. Acredito que tudo foi projetado de forma poética e filosófica.
Mas isso não quer dizer que não seja uma pauta polêmica dentro do roteiro.
O que seria de "Pobres Criaturas" sem a presença de Emma Stone?
Emma já foi uma das queridinhas de Hollywood, já ganhou o Oscar pelo seu papel no badalado "La La Land" (2016), além de acumular várias indicações e vários prêmios em outros festivais de premiações cinematográficas. Emma Stone já fez vários trabalhos soberbos, fenomenais, com personagens fortes e representativos; como a própria Mia de "La La Land", a Cruella de Vil de "Cruella" (2021), e a Abigail Hill de "A Favorita". Até o momento a sua personagem de "A Favorita" era a minha preferida de toda a sua carreira, além de considerar que ela merecia mais o Oscar por esta personagem do que por "La La Land". Porém, nesse momento a Bella Baxter acaba de se tornar a minha personagem preferida da Emma, além de também considerar que é a sua maior e melhor atuação de toda a carreira até o momento.
Emma Stone incorpora com muita grandeza e muita maestria a Bella Baxter, pois o filme precisava ser sustentado por uma atriz que conseguisse transparecer o crescimento da personagem em sintonia com o desenvolvimento do roteiro, e ela consegue fazer essa tarefa de forma absurdamente impecável e perfeita. Emma constrói sua atuação pautada junto com o desenvolvimento de sua personagem, que vai desde a ingenuidade inicial, a inexperiência, indo desde aquela criança, passando pela uma espécie de crescimento, até florescer suas reflexões melancólicas de uma vida adulta. Emma está segura, está convincente, está arrojada, exibindo uma interpretação rica em expressões corporais, em linguagem corporal, com seus trejeitos, com seu gestual, com um timing cômico na medida certa.
É impossível não se apaixonar pelo brilhantismo de Emma Stone em "Pobres Criaturas", pois ela consegue dosar muito bem cada cena com o que o roteiro estava pedindo naquele momento, onde ela nos passava uma personagem vulnerável e inexperiente, logo após ela estava em um processo de amadurecimento, de desconstrução, de descaracterização, se tornando idealista, utópica, indo em uma linha de evolução física e mental a partir dos seus prazeres sexuais sem moralismo e culpa.
Emma evolui em um nível altíssimo de patamar de personagem lendária e icônica dentro do cenário cinematográfico. Pois obviamente a Bella Baxter ficará marcada e estigmatizada pela sua monstruosa e irretocável interpretação. E aqui eu preciso confessar que a minha torcida para a estatueta de Melhor Atriz está completamente com a Lily Gladstone, pela sua excelente personagem em "Killers of the Flower Moon", que me cativou profundamente. Mas eu preciso registrar aqui que este Oscar obrigatoriamente precisa ser da Emma Stone, como forma de justiça por uma atuação em uma personagem que ficará marcada na história do cinema.
O mestre Willem Dafoe é uma enciclopédia cinematográfica na arte de atuar. É realmente impressionante o nível de qualidade das suas performances. Em "Pobres Criaturas" Dafoe é aquele médico inteligente, um cientista brilhante, uma espécie de pai com uma extrema proteção com sua filha, ou um criador com um cuidado excessivo com sua criação, onde ele a mantinha sempre aprisionada e longe do mundo lá fora. Dafoe traz a veia daquele cientista complexo, ingênuo, egoísta, maldoso, arrogante, mesquinho, sempre exibindo a sua extrema obsessão pela sua criação. Uma atuação impecável do mestre Dafoe!
Já o Mark Ruffalo é o melhor personagem em cena, ficando atrás somente da Emma Stone, é claro. Mark faz um advogado meticuloso, sedutor, maquiavélico, uma figura cafajeste, prepotente, que só queria se aproveitar da Bella, tanto fisicamente como mentalmente. Mas com o passar do tempo vamos conhecendo à fundo o seu personagem e descobrimos quão fútil, raso e vazio que ele sempre foi. Excelente trabalho de Mark Ruffalo, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante.
Completando o elenco ainda tivemos o Ramy Youssef (conhecido pelas séries "Ramy" e "Mr. Robot"), que fez o Max McCandles, o noivo da Bella. Um personagem bastante interessante, que tinha suas nuances e suas camadas. Christopher Abbott ("Ao Cair da Noite"), que fez o Alfie Blessington, o marido de Victoria Blessington, a mulher que era dona do corpo atual da personagem. Um ser completamente asqueroso e odiável, que mantinha a sua esposa como parte de sua propriedade, se exibindo como o seu dono, o seu controlador, praticamente o seu carrasco. O seu final é muito bom, quando a Bella transplanta o cérebro do bode para ele. E encerrando com a Margaret Qualley (da série "The Leftovers"), que fez a Felicity, o novo experimento científico do Dr. Godwin. E é interessante observar aquela conversa entre o Dr. Godwin e o Max McCandles, quando o Max acha que o Dr. está sendo muito cruel com sua nova criação, mas o Dr. afirma que cometeu um erro com a Bella, em permitir que os sentimentos nela se desenvolvessem. Dessa forma a Felicity é praticamente uma criação como um dos seus inúmeros animais - bizarro!
Outro ponto que engrandece ainda mais o nível da obra de Yorgos Lanthimos, são todas as suas qualidades técnicas.
Este é o primeiro filme de Yorgos com uma trilha sonora original de um compositor. Todos os seus filmes anteriores usaram apenas músicas existentes. E aqui temos uma trilha sonora do compositor Jerskin Fendrix (um músico pop que fez sua estreia em um longa-metragem) que impregnou em minha mente, chegando a me deixar desconfortável, com aquele som estridente, com toques finos, penetrantes, sendo repetitivo na maioria das vezes, o que fatalmente era proposital, já que esta era a real intenção da trilha sonora. A cinematografia é absurdamente perfeita, onde temos uma fotografia de Robbie Ryan (diretor de fotografia de "A Favorita") que acompanha com muita eloquência cada cena, sendo extravagante na hora certa e compondo muito bem cada tomada de cena. O mesmo vale para a direção de arte, que abusa de cenários grandiosos, bem montados, com figurinos extremamente marcantes, o que encaixa perfeitamente com toda realidade excêntrica e extravagante da história. O longa-metragem é muito bem roteirizado, possui uma direção impecável, muito bem montado, com uma excelente edição, um ótima cenografia e uma perfeita ambientação.
"Pobres Criaturas" ganhou o Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza. No Globo de Ouro, o filme recebeu sete indicações e ganhou Melhor Filme - Musical ou Comédia e Melhor Atriz - Filme Musical ou Comédia por Emma Stone. No Critics' Choice Awards, o longa recebeu treze indicações, vencendo como Melhor Atriz. Ainda recebeu onze indicações no BAFTA, e onze indicações no Oscar, sendo elas: Figurino, Edição, Maquiagem, Fotografia, Trilha Sonora, Direção de Arte, Roteiro Adaptado, Direção, Ator Coadjuvante, Atriz e, claro, Melhor Filme.
"Pobres Criaturas" já arrecadou US$ 33,1 milhões nos Estados Unidos e Canadá, e US$ 68,8 milhões em outros territórios, totalizando US$ 101,8 milhões em todo o mundo.
Encerro afirmando que Yorgos Lanthimos traz aqui o seu melhor filme de toda a sua carreira, e muito pela sua ousadia, competência, inteligência, relevância, que junto de Tony McNamara nos entrega uma belíssima obra de arte em forma de cinema, uma obra-prima do cinema moderno, que soube quebrar estereótipos, quebrar barreiras, descontruir o imaginário popular com uma obra que navega com bastante propriedade na comédia, no drama, na fantasia, na ficção científica e no romance.
Sem nenhuma dúvida, "Pobres Criaturas" com o passar do tempo entrará para a história do cinema, para a lista de filmes lendários e icônicos, onde virará um verdadeiro clássico cult amado por inúmeros cinéfilos.
"Pobres Criaturas" é uma obra fascinante, colossal, eloquente, apoteótica, excêntrica, extravagante, perturbadora, desconfortável, provocativa, onde emprega uma narrativa poética e filosófica com um texto sobre os preceitos da vida em relação ao autoconhecimento, a autodescoberta, a aceitação, a redenção, a desconstrução e a descaracterização enquanto ser humano. Bella Baxter é uma personagem que ficará marcada como uma mente feminina que foi criada, explorada, diversificada, retomada, ao mergulhar no amadurecimento e em todo o descobrimento e liberdade feminina. Sem falar que ainda temos aquela lição que toda a sua trajetória nos dá através da sua evolução e crescimento, onde ela própria clama por igualdade e libertação sem aquele olhar moralista e ético sempre presentes na sociedade em geral.
"Pobres Criaturas" é uma obra-prima que respira cinema em um nível poético, filosófico, categórico e incisivo!
[01/03/2024]
Zona de Interesse
3.6 604 Assista AgoraZona de Interesse (The Zone of Interest) 2023
"Zona de Interesse" é escrito e dirigido por Jonathan Glazer, sendo baseado no romance de 2014 de Martin Amis. O longa-metragem é uma produção da A24, com uma coprodução entre o Reino Unido e a Polônia. O filme é estrelado por Christian Friedel e Sandra Hüller como o comandante nazista alemão Rudolf Höss e sua esposa Hedwig, onde acompanhamos aquela família que leva a vida tranquilamente em uma nova casa bem ao lado do campo de concentração de Auschwitz.
Jonathan Glazer (diretor dos excelentes "Reencarnação", de 2004, e "Sob a Pele", de 2013) constrói um dos melhores filmes do ano passado e de toda a sua carreira. "Zona de Interesse" é mais uma obra que nos leva diretamente ao momento mais trágico e perverso da história da humanidade, o assombroso e desolador Holocausto. Ao longo de toda a história cinematográfica já tivemos vários filmes que estão relacionados e fazem diversas abordagens sobre o Holocausto; como é o caso de obras impecáveis e irretocáveis como "O Menino do Pijama Listrado" (2008), "A Vida é Bela" (1997) e "A Lista de Schindler"(1993), que são os meus três filmes preferidos sobre o tema.
A principal diferença dos três filmes citados para a obra de Glazer está exatamente na forma como o roteiro é construído e abordado ao longo de toda a história. Ou seja, nesses filmes somos impactados pela barbárie e pela violência explicita dos acontecimentos que assolavam os campos de concentração, onde nos despertava revolta, tristeza, comoção, empatia, e principalmente a dor e o nó na garganta de imaginar como foi terrível aquele momento na vida de cada um presente naquele local. Já a obra de Glazer vai na contramão por ser justamente um filme que mostra a sua Zona de Interesse, os seus ideais, as suas propostas, as suas regras, onde somos confrontados com um roteiro que apresenta uma experiência perturbadora porém sobre uma perspectiva distinta se comparado exatamente com os três filmes citados.
"Zona de Interesse" é uma experiência seca, crua, amarga, densa, cinza, incomoda, perturbadora, desoladora, que nos impacta e nos obriga a sairmos da nossa zona de conforto e presenciarmos um nível trágico e bizarro de falta de empatia, de amor com o próximo, de conivência, complacência e cumplicidade com tudo que estava acontecendo ao redor daquela família logo atrás dos muros de sua casa. Jonathan Glazer conseguiu elaborar um roteiro que me deixou chocado, pensativo, reflexivo, se destacando como um dos filmes mais difíceis que eu já assisti nos últimos anos. Temos aqui aquela típica obra que mexe com a nossa consciência, com o nosso imaginário, que ao término do filme você continua com ele na cabeça e pensando em tudo que presenciou por dias, tentando entender o quão detestável e desprezível é a raça humana.
Os maior acerto da obra de Jonathan Glazer é exatamente a forma como ele planeja deixar o espectador perturbado e incomodado com a forma que a história vai acontecendo ao longo das suas 1h 45min. Ou seja, já iniciamos com uma tela completamente escura e somente com uma música estridente de fundo, e ficamos nessa cena por quase 4 minutos. Ali você já sente o peso da obra, logo a intenção é realmente nos incomodar e nos tirar da nossa zona de conforto. Logo após esta cena já temos um corte para uma cena com uma família feliz se deliciando com um banho de rio. A partir daí o que fica mais notável e se sobressai em toda produção de "Zona de Interesse" é exatamente o trabalho impecável da edição e mixagem de som. Pois o som é a cereja do bolo do roteiro de Jonathan Glazer, sendo o som o responsável em nos aproximar dos terríveis acontecimentos logo após o muro da casa, no campo de concentração de Auschwitz.
E aqui eu preciso dar todos os créditos para o belíssimo roteiro de Glazer e forma como ele atua durante toda a história. Que é apostando diretamente no místico, no imaginário, no lúdico, fazendo um contraponto da vida feliz daquela família durante o seu dia a dia, em contrapartida com a desolação e a crueldade de tudo que estava acontecendo à uns 100 metros dali. É nesse ponto que a obra de Glazer se torna avassaladora, por nos impactar de forma sutil porém extremamente incomoda e perturbadora, e sem o uso de cenas que pudessem exemplificar tudo que estava acontecendo logo adiante. Tudo é construído a partir do nosso imaginário com o poder dos sons desesperador de gritos, torturas, tiros, sirenes e choros de crianças. A opção de Glazer por não mostrar nada que estava acontecendo nos deixa ainda mais incomodados e pensativos, pois quando não temos a imagem tudo em nossa mente fica em um grau ainda mais trágico e perturbador. Ainda mais pegando a pauta que o som corrobora ainda mais para toda a nossa tragédia mental, pois na medida que aquela família levava a sua vida normal, nós estávamos sendo torturados por um som inquietante que ficava constantemente com um grave mais agudo e sempre tomado por choros de crianças de fundo.
"Zona de Interesse" é uma obra extremamente desconfortável, inquietante, com uma atmosfera pesadíssima, que nos exemplifica de forma auditiva em como de uma lado tínhamos vidas e do outro as vidas eram tiradas. Que nos mostra em como de um lado estavam os sonhos e do outro simplesmente a morte. Quando não temos a retratação visual dos horrores, o que fica é exatamente os gritos desesperador vindo dos campos de concentração. E chega a ser bizarro a forma como temos cenas da família feliz de um lado e a crueldade do outro, e tudo acontecendo exatamente ao mesmo tempo. Logo temos aquela cena onde reproduz um jardim completamente florido, colorido, onde teoricamente poderia simbolizar a alegria, a vida, a liberdade, mas logo toda essa plenitude é confundida com o choro e os gritos de horrores.
O que me deixa extremamente triste e desconfortável, é observar a inocência das crianças ao brincarem alegremente na piscina com um muro lado a lado com o terror, e sem a devida proporção e dimensão que tudo aquilo significava. Esta cena me remete diretamente ao filme "O Menino do Pijama Listrado", onde também tínhamos a inocência de uma criança em contraponto com toda crueldade e desolação dos campos de concentração, onde confronta um dos maiores sofrimentos da história da humanidade com a pureza e a inocência de uma criança.
Christian Friedel (da série "Babylon Berlin") e Sandra Hüller (indicada ao Oscar por "Anatomia de uma Queda") estão divinamente bem em seus respectivos personagens.
Christian é a personificação daquela linha de comandante nazista alemão seco, duro, introspectivo, que se porta como silencioso, metódico e letal. Rudolf era aquele ser que só se importava com a sua tarefa, que era ser o melhor comandante, e isso ele fazia com muito empenho. Era como almoçar em sua casa ao lado de sua família e logo após atravessar o muro e exterminar as pessoas, como se tudo isso fosse o emprego mais normal do mundo.
Já a Sandra traz aquela mulher que tem os seus interesses voltados para a sua família e seu marido, que só se preocupa em ter tudo que quiser independente da forma que o seu marido consiga. Hedwig é também uma mulher que se mostra completamente indiferente de tudo que está acontecendo ao seu redor, além de também exibir a sua apatia e o seu preconceito em relação à todos aqueles acontecimentos.
Tanto o Christian Friedel como a Sandra Hüller entregam uma atuação muito bem acertada, e muito bem condizente com toda a proposta do roteiro para o intuito dos seus personagens.
Tecnicamente a obra é soberba!
A trilha sonora de Mica Levi (compositora da trilha sonora de "Jack", de 2016) é esplendorosa, contundente, extremamente incisiva em cena após cena, onde ditava com muita coesão cada ritmo que impregnava em nossa mente. O mesmo vale para o designer de som Johnnie Burn, que junto com a própria Mica, compuseram a música e os efeitos sonoros do filme.
A fotografia de Łukasz Zal ("Guerra Fria", de 2018) é outro ponto extremamente importante no longa, pois a partir dela que tínhamos aquela dimensão do feliz e triste ali lado a lado separados apenas por um muro. Sem falar que a cinematografia é muito bem estruturada no filme. Assim como a direção de arte, que compôs minunciosamente cada detalhe dos cenários, tanto na casa da família quanto no lado dos campos de extermínios.
"Zona de Interesse" foi selecionado para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes de 2023, onde ganhou o Grand Prix, o Cannes Soundtrack Award e o Prêmio FIPRESCI. O longa ainda ganhou 3 BAFTAs (incluindo Filme não na Língua Inglesa ), e foi indicado a 5 Oscars (incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor para Jonathan Glazer) e 3 Globos de Ouro.
O longa-metragem foi muito bem em sua semana de estreia nas bilheterias, onde arrecadou US$ 124 mil em quatro cinemas. Após suas cinco indicações ao Oscar, o filme expandiu de 215 cinemas para 333 em sua sétima semana de lançamento e arrecadou US$ 1,08 milhão, um aumento de 141% em relação ao fim de semana anterior, e um total acumulado de US$ 3 milhões.
Um dos maiores diretores de todos os tempos, o renomado cineasta Steven Spielberg elogiou "Zona de Interesse", chamando-o de o melhor filme sobre o Holocausto já feito desde seu próprio "A Lista de Schindler". E já aproveito a ocasião para informar que eu considero "A Lista de Schindler" como o melhor filme de toda carreira cinematográfica do Spielberg, e também como um dos melhores filmes sobre o tema de todos os tempos.
Jonathan Glazer cria uma obra categórica, crucial, terminante, contundente, que nos exibe um choque de realidade quando nos mostra que aquele casal alemão que viviam suas vidas normais podem ser comparados a nós mesmo em nosso dia a dia, quando estamos sendo omissos e cúmplices com crueldades, e principalmente com pessoas que são coniventes com esses atos. Esta é uma das maiores falhas do ser humano, a cumplicidade, a omissão, a conivência, a banalização do mal, quando o que está acontecendo é com os nossos vizinhos e não com nós. Ou seja, este é o ponto crucial em comparação com o genocídio do Holocausto com relação aquela família, onde todos viviam suas vidas normalmente como se nada estivesse acontecendo, desde que não aconteça com eles, é claro! Este é o comparativo com a nossa realidade atual; o mal pode existir ao seu lado, a crueldade pode existir ao seu lado, desde que você não sofra, os outros ao seu redor pouco importa.
Por fim: "Zona de Interesse" é uma obra grandiosa, necessária e extremamente importante. Que nos conscientiza principalmente sobre a banalidade do mal, que nos exemplifica em como o ser humano é horrendo, repugnante, odioso, perverso, mesquinho, em como existem pessoas que compactuam com a crueldade, que naturaliza todos e qualquer acontecimento ao seu redor, a partir do momento que estão sendo cúmplices de brutalidades imperdoáveis.
"Zona de Interesse" é também uma obra extremamente difícil, desconfortável, incômoda, pesada, que vai te tirar da sua zona de conforto, vai te fazer pensar e refletir à respeito dos valores da sua vida e a forma como você está atuando nela a partir das suas atitudes. Jonathan Glazer entrega um excelente estudo de personagem, cheio de subjetividades, com uma demonstração bizarra do lado mais sombrio e mórbido da humanidade.
[28/02/2024]
Ficção Americana
3.8 385 Assista AgoraAmerican Fiction - 2023
"American Fiction" é escrito e dirigido por Cord Jefferson (roteirista da série "The Good Place"), em sua estreia na direção de um longa-metragem. O filme baseado no romance "Erasure" de Percival Everett, de 2001, segue um professor romancista frustrado que escreve uma sátira bizarra de livros "negros" estereotipados, apenas para ser confundida pela elite liberal com literatura séria e publicada com altas vendas e críticas.
É fato que entre as inúmeras listas de filmes dessa temporada de premiações cinematográficas, "American Fiction" surge como um provável azarão, e muito por ser uma aposta da produtora, do próprio diretor Cord Jefferson, em um contexto que está diretamente inserido na sátira, na crítica social e ainda exibindo uma boa carga de drama.
É muito interessante acompanhar a história de Thellonious Ellison (Jeffrey Wright), que é mais conhecido como Monk. Um professor que se mostra esgotado, frustrado, indo ao seu limite, e muito por estar em um momento da sua vida onde parece que suas história e suas aulas dentro de um contexto mais racista, de certa forma tem ofendido os seus alunos, que na grande maioria são brancos. E o mais curioso é o fato de cada vez mais os seus romances e suas histórias terem sido rejeitado pelo público, especificamente falando sobre a forma como o entretenimento norte-americano é consumido naquele momento, uma vez que a grande maioria aidna prefira aqueles romances clichês cheio de estereótipos. Dentro de todo esse contexto, Monk decide usar um pseudônimo para fazer exatamente o que ele é contra, que é escrever o que o público quer consumir, já que seu último romance não foi bem aceito exatamente por não conter as famosas histórias negras com estereótipos negros.
Partindo dessa premissa, "American Fiction" é bastante funcional, bem trabalhado, ousado, audacioso, construtivo, sarcástico. Funcionando diretamente com um texto que traz uma pauta inserida em uma sátira social incisiva, poderosa, com um humor mais ácido, sendo irônico, provocativo e ainda misturando uma boa dose de uma comédia ágil e perspicaz. Porém, por outro lado aidna temos uma adição de um drama familiar, que é básico, mas de certa forma até contribui com a trama. Todavia todo esse contexto acaba ganhando mais espaço até do que deveria, e sendo assim acaba pesando e tomando grande parte do desenvolvimento que estava voltado para os conflitos pessoais do Monk e toda sátira que permeava a história.
Cord Jefferson faz uma estreia muito segura e bastante competente, e aidna sendo muito bem blindado por um ótimo elenco.
Jeffrey Wright (que também está em "Rustin") é a verdadeira cereja do bolo. Jeffrey traz um personagem cheio de camadas, que está vivendo um confusão pessoal, com seus conflitos pessoais, suas decisões pessoais e seu drama pessoal. Logo ele mostra uma atuação segura, centrada, arrojada, que anda em uma linha até mais sutil e plena.
Sterling K. Brown ("This is Us ") é um poço de carisma que contribui diretamente com seu personagem Cliff Ellison, o irmão de Monk. Podemos notar que Sterling entrega uma atuação que é pautada principalmente no irreverente, no cômico, exibindo seus trejeitos, sua faceta, seu gestual, com uma presença de cena bastante intensa.
Tracee Ellis Ross ("Black-ish") vive Lisa Ellison, a irmã de Monk. Assim como o Sterling, Tracee é simpática, carismática, com uma veia cômica na medida certa, com muita personalidade, com muita dinâmica, sendo uma engrenagem muito necessária na história.
Posso afirmar que o trio formado por Jeffrey, Sterling e Tracee tem muita harmonia, uma boa química, um relacionamento interessante, que se destaca principalmente nas cenas com uma alta dose de diálogos entre eles.
Completando o elenco ainda tivemos o ótimo John Ortiz ("Vem Dançar"), que faz Arthur, o agente do Monk. Um personagem muito hilário que rendeu boas cenas. E Issa Rae (também esteve em "Barbie") como a escritora Sintara Golden, que também rendeu ótimas cenas.
Tecnicamente "American Fiction" está bem decente.
A trilha sonora de Laura Karpman (compositora da trilha sonora de "As Marvels") é bem dinâmica e dita bem o ritmo do filme.
A fotografia de Cristina Dunlap é bem desenvolvida e chega a se destacar em diversas cenas (principalmente dentro do drama familiar da história).
O longa ainda conta com uma boa direção de arte. Uma boa montagem. Uma boa edição. Um bom roteiro digno de uma boa adaptação.
"American Fiction" recebeu cinco indicações no Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator (Jeffrey Wright) e Melhor Ator Coadjuvante (Sterling K. Brown). Também teve duas indicações no Globo de Ouro, e ganhou Melhor Roteiro Adaptado no Critics Choice Awards e ganhou o People's Choice Award.
O longa-metragem arrecadou US$ 229.000 em sete cinemas em seu fim de semana de estreia, uma média por local de US$ 32.400. Após suas cinco indicações ao Oscar, o filme expandiu de 852 cinemas para 1.702 em sua 7ª semana de lançamento e arrecadou US$ 2,9 milhões, um aumento de 65% em relação ao fim de semana anterior, e um total acumulado de US$ 11,8 milhões.
Por fim, "American Fiction" é um bom filme que soube implementar bem um texto inserido em uma sátira social, com uma boa dose de um humor ácido, irreverente, provocativo, trazendo uma crítica direta à sociedade atual, ao politicamente correto, à indústria midiática, ao racismo e seus estereótipos, e aidna construindo uma narrativa familiar com um material nitidamente humorístico e perspicaz.
[24/02/2024]
NYAD
3.7 156NYAD - 2023
"Nyad" é uma produção original Netflix, dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin (diretores de "De Volta ao Espaço", de 2022), e escrito por Julia Cox (roteirista do curta-metragem "The Haircut", de 2014). O filme é baseado no livro de memórias de Diana Nyad de 2015, "Find a Way".
Quase todos os anos temos produções sobre a história de uma personalidade norte-americana. Dessa vez estamos falando sobre "Nyad", o filme biográfico sobre a nadadora Diana Nyad. Diana ganhou um grande destaque em 1970, ao ser reconhecida como a principal nadadora de longa distância do mundo. Diana competia principalmente em mar aberto, onde realizou conquistas como o recorde de natação ao redor da ilha de Manhattan, e o percurso de 164 km de Bimini, Bahamas, até a Flórida, em 27 horas, em 1979.
Diana dedicou grande parte da sua vida esportiva ao seu sonho de fazer um percurso nadando de Cuba até a Flórida. Diana fez cincos tentativas ao longo de sua vida, iniciando em 1978, depois de 33 anos ela volta a fazer mais duas tentativas em agosto e setembro de 2011, em 2012 ela faz uma nova tentativa, conseguindo realizar a sua missão de vida em 2 de setembro de 2013. Diana fez o percurso de Havana até Key West aos 64 anos, percorrendo uma distância de 177 km em 52 horas e 54 minutos, nadando em mar aberto sem a utilização de uma gaiola protetora (que geralmente é usado para evitar ataques de tubarões). Atualmente, aos 74 anos, Diana dedica grande parte de sua vida como escritora, jornalista, radialista esportiva, linguista e palestrante motivacional.
Temos aqui um exemplo a ser seguido, um feito heroico, um ato de coragem, fé, força, crença, motivação, determinação e superação. A própria Diana conta em seu livro todos os limites que ela se submeteu a enfrentar; como o limite do seu próprio corpo, da sua mente, em se manter firme com sua perseverança ao enfrentar os maiores desafios como o medo, a pressão psicológica, as falhas, os erros, o desânimo, as consequências e os perigos em alto mar. Diana nos mostra uma grande lição de vida ao nos imergir em seu filme biográfico motivacional, onde seu principal feito é transformar a superação em competência para vencer, para seguir em frente, para manter principalmente a sua coragem e o seu empenho em busca dos seus sonhos.
Sem nenhuma dúvida o filme nos serve principalmente como uma palestra motivacional, ao nos mostrar um ato intenso e inspirador à bordo de uma aventura emocionante, comovente, desafiadora, expondo principalmente uma luta contra o preconceito de idade e a importância de nunca desistir. O longa nos inspira e reforça que não existe idade para se correr atrás dos sonhos. Como a própria Nyad (que equivale a "Ninfa do Mar" na mitologia grega) enfatiza que quis marcar o seu feito na história e deixar um legado, que tenha se espalhado para uma grande população com a esperança e a força da fé.
"Nyad" inicia nos mostrando filmagens e relatos reais da vida da Diana. Depois temos uma bela passagem de gerações ao som da belíssima "The Sound of Silence", de Simon & Garfunkel. Logo após somos confrontados por aquele diálogo entre a Diana (Annette Bening) e a sua inseparável amiga Bonnie Stoll (Jodie Foster), onde ela afirma que vai realizar a prova de Cuba até a Flórida, cuja a própria Bonnie diz: "você não conseguiu com 28 anos, vai conseguir com 60". Diana responde: "não acredito em limitações impostas." E Diana ainda afirma que agora ela tem a mente que ela precisa para realizar a travessia, que era isso que lhe faltava quando era jovem, o equilíbrio da mente. Bonnie continua confrontando a Diana ao dizer que ela pode ter a mente que precisa mas não tem o corpo. Aproveitando a oportunidade, Diana revela para Bonnie que ela será a sua treinadora.
O longa-metragem transcorre bem com a passagem das cenas e de cada relato. Por mais que temos uma história de superação e todo o seu drama, a história flui de forma leve, dinâmica, com uma dose cômica na medida certa, com diálogos fortes e bastante envolventes. O roteiro acerta bem ao realizar uma mescla entre as cenas reais da Diana nadando ainda jovem, comparando com as cenas do filme com uma Diana já na casa dos 60 anos. A cena que a Diana dá palestras sobre as dificuldades da natação em mar aberto, é muito boa. Outro acerto do roteiro é exatamente nas cenas em que a Diana está tentando realizar o seu percurso, quando temos a Diana do filme nadando enquanto aparecem alguns flashbacks de sua infância, e algumas filmagens reais da competição da época. Não sei até que ponto é real ou não, mas também temos todo o drama que a Diana enfrentou com seu antigo treinador. Outra cena muito boa, é aquele discurso motivacional que a Bonnie faz para a Diana, quando ela esta perto de completar o percurso e está chegando no seu limite físico e mental. A cena final também é muito boa, quando a Bonnie evita tocar na Diana para ajudá-la, e fica incentivando para ela conseguir forças para sair para fora da água com os dois tornozelos, para que assim pudesse então completar a prova.
O que seria desse filme sem as presenças ilustres de Annette Bening e Jodie Foster. É inquestionável que as duas carregam completamente o filme nas costas, onde ouso a dizer que sem elas este filme sequer teria existido e teria sido reconhecido principalmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Primeiramente falando da Jodie Foster (eterna Clarice Starling em "O Silêncio dos Inocentes"): Jodie incorporou aquela esposa e amiga inseparável, mentora, tutora, conselheira, que de alguma forma tentou tirar aquela ideia que parecia absurda da cabeça da Diana, até pela sua idade, mais de 60 anos. Mas o incrível é a química das duas, tanto que a amiga que a aconselha a desistir por motivos óbvios, é a mesma amiga que dá o incentivo, a fé, a coragem e a força que Diana precisava para se manter firme, estando sempre ao seu lado até a conclusão da missão. Belíssimo trabalho da Jodie Foster.
Já Annette Bening (eterna Carolyn Burnham em "Beleza Americana") é a estrela, a protagonista, a personagem-título, o centro das atenções. Annette estudou a personagem, personificou a personagem, analisou cada detalhe, cada oportunidade de se manter cada vez mais fiel com a personalidade verdadeira da Diana Nyad. Sem dúvidas é uma grande atuação, um grande trabalho, onde ela conseguiu acertar no timing perfeito, se manter coerente com cada acontecimento, com uma interpretação forte, verdadeira, carregada dramaticamente e ainda mesclando os momentos mais cômicos. Annette e Jodie estiveram o tempo todo em perfeita sintonia, harmonia, com uma excelente química, onde nos passava ainda mais veracidade acerca daquela forte amizade e comprometimento. Annette Bening entregou uma performance em alto nível de entrega, com a mesma gana e o mesmo desejo de vencer da verdadeira Diana Nyad.
Ambas foram indicadas ao Oscar de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante.
Agora um ponto que eu jamais poderia deixar de mencionar: a controversa história real por trás do filme.
Todo mundo que assistir "Nyad" poderá naturalmente se perguntar o porque que este feito histórico não entrou para o Guinness World Records. Pois o normal seria a Diana Nyad entrar para o Guinnes como a primeira mulher a realizar o trajeto sem o suporte de uma gaiola anti-tubarão. Existe uma grande polêmica que é liderado pela "Associação Mundial de Nadadores em Mar Aberto", que se recusa a validar o recorde. A associação chegou a soltar uma nota (durante o lançamento do filme) que seria essencial assistir o longa-metragem com o total discernimento dos fatos em questão, para que assim todos tivessem em mente as discrepâncias em torno da prova e consequentemente do percurso realizado pela Diana.
A polêmica ocorre porque segundo os órgãos responsáveis, Diana não esteve dentro de todos os protocolos estabelecidos para uma ultramaratona em mar aberto. Ainda se discutem que o recorde da nadadora não foi registrado e nem acompanhado por uma equipe responsável pela avaliação e concretização do percurso. Outro ponto que é discutido, é o fato da própria Diana afirmar que seu recorde foi realizado sem interferências e assistências para ajudá-la no percurso, quando na verdade afirmam que ela utilizou uma roupa especial. Mais uma polêmica sobre o caso, é o fato de afirmarem que grande parte do trajeto (mais ou menos um total de 9 horas) não ter sido completamente acompanhado e consequentemente filmado. E o mais bizarro e polêmico, é o fato de considerarem que em determinados trechos do percurso, segundo os dados do GPS, ela ter conseguido uma aceleração consideravelmente suspeita pela sua forma e velocidade costumeira de nadar, o que julgam que ela possa ter recebido uma ajuda de algum tipo de objeto ou veículo. O lado de defesa da Diana afirma que esta polêmica aceleração ocorreu porque ela teve um impulso de uma correnteza específica do golfo, mesmo sem provas concretas. Diante de todas essas polêmicas e acusações, o recorde de Diana Nyad até hoje foi negado pela associação, o que sempre a impediu de ser reconhecida no Guinness World Records.
Em entrevistas sobre o caso, a própria Diana diz: "Talvez eu tenha tido muita arrogância, tipo, 'Não preciso provar isso a ninguém.' Esse é o meu mal".
Dizem que existe uma Teoria da conspiração sobre a carreira esportiva de Diana Nyad, que mostra ela envolvida em várias polêmicas ao longo da sua trajetória como nadadora profissional. Vamos aos casos:
Jornais e órgãos relevantes do meio esportivo afirmam que Diana sempre mentiu (ou exagerou) em suas conquistas. Tem o caso em que ela afirmou ter sido a primeira mulher a nadar ao redor da ilha de Manhattan, em 1975, sendo que a primeira, na verdade, foi Ida
Elionsky, em 1916, ela foi considerada como a sétima. Dizem que a própria Diana mais tarde se arrependeu dessa afirmação.
Outro caso que afirma que Diana já havia mentido sobre seu histórico de natação. Ela afirmou ter ficado em sexto lugar nas seletivas olímpicas de 1968, às quais nunca compareceu. Todas essas questões de certa forma corrobora para uma perda de credibilidade das conquistas da Diana quanto ao ser reconhecida no Guinness World Records.
Todas essas polêmicas foi perguntado para a direção do filme, que responderam que o filme não era sobre o recorde em si, mas sobre a história de coragem, superação física e mental de uma mulher com mais de 60 anos, que percebeu que sua vida ainda não tinha chegado ao fim, e que ela ainda poderia deixar o seu legado ao realizar o seu grande sonho de vida, enquanto o mundo ao seu redor desacreditava dela.
Muitas pessoas saem em defesa da Diana Nyad, ao rejeitarem o seu feito, afirmando como resposta sexista a uma mulher poderosa. Ainda afirmam que não reconhecem toda a trajetória da nadadora porque grande parte da população ainda é anti-mulheres, anti-LGBTQIAPN+, pelo fato de ser um recorde em que uma mulher supera os homens competitivamente falando. Atletas como Gertrude Ederle, Greta Andersen, Shelley Taylor-Smith e Cindy Nicholas foram celebradas pela comunidade da natação por superar os homens em resistência e velocidade. É realmente uma grande polêmica!
Outro ponto que desvalida o filme e perde relevância para muitas pessoas, é o fato da produção apresentar algumas discrepâncias em decorrência da história original. Muitos dizem (incluindo a tal crítica especializada), que o filme simplifica todo o percurso da Diana mostrando apenas uma embarcação que acompanhava o trajeto dela durante o percurso, sendo que na história real ela foi acompanhada por várias embarcações e uma grande tripulação. Ou seja, dentro desse contexto parece que o filme realmente diminuiu o feito dela.
Outro caso, ai eu já não sei até que ponto as cenas são reais ou não, mas fato é que a produção cinematográfica sempre gosta de dramatizar um pouco mais a história para gerar engajamento e comover o espectador. Mas também muitas pessoas envolvidas diretamente com a Diana Nyad afirma que o longa dramatiza eventos que não aconteceram como foi visto; que o caso das cenas do encontro com um tubarão e com a água-viva. Já eu achei um tanto quanto exagerada e fictícia algumas daquelas representações de como se vive em Cuba e todo o trajeto livre e fácil para o local.
"Nyad" teve o reconhecimento em alguns festivais de premiações, consequentemente recebendo indicações, entre elas de Melhor Atriz (Annette Bening) e Melhor Atriz Coadjuvante (Jodie Foster) no Oscar, no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild Awards.
No mais, "Nyad" é um bom filme biográfico de mais uma personalidade norte-americana. O longa nos mostra que sonhos não tem idade e nem limites, que nos exemplifica acerca do poder da fé, da coragem, da perseverança, da motivação, da determinação e principalmente da superação tanto física quanto mental. Confesso que eu vou me abster em comentar sobre as inúmeras polêmicas, tanto da carreira profissional quanto do filme da Diana Nyad, até porque eu não tenho um vasto conhecimento dos casos. Até que ponto é verdade ou não, isso não vem ao caso, o que me resta é reconhecer o grande feito heroico, o grande recorde e o grande legado motivacional que esta mulher deixou marcado na história do esporte e principalmente da vida.
Encerro citando as três frases que a Diana Nyad fala ao término de sua missão:
1 - Nunca desistam!
2 - Nunca é tarde para ir atrás dos sonhos!
3 - Você vai precisar de uma equipe!
[02/02/2024]
Vidas Passadas
4.2 773 Assista Agora⚠ TEM SPOILERS ⚠
Vidas Passadas (Past Lives) 2023
"Vidas Passadas" é uma produção da A24, escrito e dirigido por Celine Song em sua estreia na direção de um longa-metragem. A história segue dois amigos de infância ao longo de 24 anos enquanto eles contemplam a natureza de seu relacionamento à medida que se distanciam, vivendo vidas distantes e diferentes.
Apesar de "Vidas Passadas" não ser uma biografia real da diretora Celine Song, temos aqui um enredo que é semiautobiográfico e inspirado em acontecimentos reais de sua vida. Pois de acordo com as minhas pesquisas, o longa se baseia na trajetória da cineasta, soando como uma obra muito intimista e de grande valor sentimental para ela. Celine é nascida na Coréia do Sul, e migrou-se para o Canadá com sua família quando tinha 12 anos, justamente deixando para trás o seu primeiro grande amor. Celine viveu em Nova York, se casou, e depois de muito tempo ela reencontra o seu primeiro amor pela internet, e depois de mais algum tempo eles se reencontram pessoalmente.
Quem aqui nunca teve uma amor de infância e depois foram separados pela vida, mas que até hoje ainda se lembra desse primeiro amor?
Dentro desse contexto que "Vidas Passadas" é desenvolvido e criado para nos confrontar com escolhas, com decisões, com atitudes, traçando uma linha que nos propõe se impactar com um amor que transcende a idade, o tempo e a distância. Celine Song cria um cenário para nos faze pensar e nos questionar sobre nossas próprias escolhas, quando essas escolhas impacta em nosso percurso de vida, quando essas escolhas nos confronta com amores interrompidos ou até perdidos. É muito claro toda a reflexão que o longa nos obriga a fazer durante todo o trajeto que vamos fazendo junto da protagonista Nora (Greta Lee).
Eu já vou iniciar destacando o excelente roteiro da Celine Song. Pois a forma como ela idealizou e realizou toda a história é de uma genialidade absurda, nem parecia que era sua estreia no cinema (roteiro digno de Oscar). Por ser uma história autoral, íntima e bastante sentimental, Celine comanda todo o desenvolvimento de forma sútil, sensível, sensorial, empregando um olhar mais contemplativo, mais poético (inicialmente), mais humano, que vai nos envolvendo pela sua leveza e vai nos amarrando cada vez mais naquela história. O maior acerto do roteiro é justamente um desenvolvimento mais lento, mais introspectivo, mais reflexivo, sem exagerar, sem acelerar, sem forçar, sem pesar a mão em cima do melodrama. Pois a história vai tomando forma aos poucos, vai criando um ambiente que nos cativa pela sua profundidade e pela sua delicadeza nos temas abordados.
O início da história já é bastante singelo ao nos apresentar para a inocência de duas crianças que eram inseparáveis amigos de infância. Ali eles já tinham criado seus eternos laços de amor e amizade. E aqui o roteiro já nos puxa para fazermos uma grande reflexão; afinal de contas a jovem Na Young (Seung Ah Moon) e o jovem Hae Sung (Seung Min Yim) estavam se separando não por suas próprias escolhas e sim por fatos familiares. Dessa forma nos questionamos o poder que escolhas tem em mudar nossa vida, sendo que essas escolhas será determinante para o nosso destino, em definitivo ou não.
Depois desse início temos uma passagem de tempo, 12 anos, onde o Hae Sung (Teo Yoo) já está adulto, já foi para a guerra, porém jamais se esqueceu da Nora. Dessa forma ele busca encontrar ela pela internet (Facebook) e eles conseguem ter um contato depois de todos esses anos através de uma videochamada no Skype. Nora tinha saído do Canadá e estava morando em Nova York, onde ela já era uma escritora. Hae Sung estava na universidade e pretendia estudar na China para aprender mandarim. Como cada um tinha diferentes projetos de vida naquele momento, não conseguiram se encontrar pessoalmente, o que fez com que Nora decidisse se afastar dele naquele momento e focar em sua vida profissional.
Temos mais um salto no tempo, mais 12 anos, quando Nora é informada pelo próprio Hae Sung que ele iria para Nova York tirar férias e queria se reencontrar com ela. Nessa altura da trama temos um ponto muito importante, que é justamente a definição da palavra "In-Yun", que na Coréia tem um significado como destino. Os coreanos acreditam em conexões humanas quando duas pessoas se esbarram em algum momento da vida. Algo como se essas duas pessoas que se esbarraram já tivessem se encontrado anteriormente em uma espécie de vidas passadas. Sendo assim, Nora acaba conhecendo (ou se esbarrando) com Arthur (John Magaro), durante sua residência em Nova York. Nora está casada com Arthur há 7 anos e ele conhece toda a sua história de infância envolvendo Hae Sung. Já Hae Sung, que está indo ao encontro de Nora, também sabe que ela está casada.
Celine Song é magnífica ao explorar sentimentos, emoções, surpresas, ao confrontar os dois maiores amores da vida da Nora ali lado a lado. E o fato curioso é justamente o relacionamento entre Nora e Arthur, que é uma base sólida de um casamento que é feito com honestidade e confiança. Sendo assim, Arthur compreende e entende sobre seu amor de infância e o que aquela presença pode significar para ele. E aqui o roteiro de Celine Song cresce ainda mais, ao tomar uma proporção que vai explorar os três personagens, que vai impactar e confrontar Arthur pela presença de Hae Sung, já que o Arthur é uma pessoa confiante e compreensiva, mas ele entende todos os riscos que ele está correndo com aquele reencontro.
Este é o ponto alto do roteiro de Celine Song, exatamente este confronto, esta rivalidade, que poderia existir ou não. E aqui já nos pegamos na indecisão de qual lado defender, ou simpatizarmos, já que no lado do Arthur, ele é o atual amor de Nora, que sim, sente ciúmes, sente insegurança, mais que não se deixa abalar visivelmente, já que internamente ele se sente como um intruso naquele momento, por estar no meio de um vínculo muito forte, que transcende os limites de tempo e espaço. Exatamente como ele se refere à Nora, que se sente como o marido branco americano malvado que está interferindo com o destino. E aqui eu preciso destacar aquela cena em que a Nora leva o Hae Sung para conhecer o Arthur. É uma situação extremamente embaraçosa e constrangedora (até para nós espectadores). E ainda tem aquela outra cena no restaurante, em que Hae Sung e Nora conversam em coreano (idioma que o Arthur não dominava) sobre o passado e suas decisões, enquanto o Arthur fica completamente escanteado no assunto e no lado da mesa.
Já pelo lado do Hae Sung, é fato que ele nunca esqueceu a Nora, que ele sempre amou ela incondicionalmente, que de alguma forma ele estava buscando respostas quando viajou para reencontrá-la em Nova York. Nesse ponto os três personagens da história se pegam fazendo perguntas que nós nos fazemos no dia a dia. Pois temos costumes de nos questionarmos sobre como seria se nós tivéssemos feito outras escolhas. Estaríamos fazendo certo? Estaríamos fazendo errado? Como seria minha vida se eu tivesse mudado minha escolha no passado sobre tal questão? Este é o ponto em que o roteiro de Celine Song é extremamente reflexivo. Um ponto que também me remete à um excelente livro de profunda reflexão sobre as escolhas que fazemos em nossas vidas - "A Biblioteca da Meia-Noite" - do autor Matt Haig.
O elenco de "Vidas Passadas" passa veracidade em todas as cenas!
Greta Lee ("The Morning Show") é o centro das atenções. Ela constrói uma personagem forte, empenhada, destemida, que precisa fazer escolhas em sua vida, que certas escolhas faz com que ela viva em um dilema.
Teo Yoo ("Love To Hate You") faz aquele contraponto acertado com a Greta, trazendo uma bela química ao contracenarem juntos. Teo mostra uma bela veia para encarar dramas, para se apresentar com um personagem mais introspectivo, mais fechado, para também expor os seus dilemas.
Já o John Magaro ("Orange Is the New Black") surpreende positivamente ao apresentar um personagem que pode ser encarado como o forasteiro daquela história de primeiro amor, que está confiante em sua esposa e seu casamento, que ainda assim encara os riscos daquela paixão reacender.
E aqui eu preciso confessar que sempre me pareceu que os asiáticos fossem pessoas frias, que não expressam totalmente seus sentimentos e suas emoções, porém esta dupla mudou meu pensamento. Nem preciso destacar individualmente a atuação de cada um, já que os três estiveram o tempo todo em uma perfeita sintonia, com uma grande exibição e um grande entrosamento. Porém, vale ressaltar um ponto que engrandeceu ainda mais a atuação de todo o elenco; que é a sutileza de uma interpretação que é carregada nos detalhes de expressões, reações, olhares, ampliando todo um gestual que casou com perfeição entre os fortes diálogos.
Um grande filme precisa se destacar nas qualidades técnicas!
A trilha sonora dos compositores Christopher Bear e Daniel Rossen tocam o fundo de nossas almas. Temos aqui composições leves, singelas, com suaves melodias de pianos, que transmitia afeto, carinho, amor, ternura, que nos deixava emocionados, principalmente naquela cena final de despedida entre a Nora e o Hae Sung (por sinal, o ponto alto filme). O diretor de fotografia Shabier Kirchner ("Lovers Rock") faz um trabalho impecável, ajustado, compondo enquadramentos que nos aproximava cada vez mais dos personagens em cena.
"Vidas Passadas" arrecadou US$ 232.266 em quatro cinemas em seu fim de semana de estreia, uma média de US$ 55.066. O longa recebeu cinco indicações no Globo de Ouro, incluindo Melhor Filme - Drama. No Oscar, recebeu indicações para Melhor Roteiro Original e Melhor Filme (um grande feito e um grande reconhecimento para uma diretora estreante).
Encerro afirmando que a diretora Celine Song faz a sua estreia com o pé direito, pois ela compôs um lindo roteiro autoral, intimista, de grande valor sentimental, usando como base a sua trajetória de vida. Dessa forma ela conseguiu impactar com uma história forte, verdadeira, imponente, avassaladora, que nos confrontou com o poder da aceitação e das nossas escolhas, e nos mostrou uma nova perspectiva de como encarar um amor que ficou deixado para trás. Além de uma visão que nem sempre o amor é suficiente.
[31/01/2024]
Os Rejeitados
4.0 321 Assista AgoraOs Rejeitados (The Holdovers) 2023
"Os Rejeitados" é dirigido por Alexander Payne e escrito por David Hemingson em sua estreia como roteirista de um longa-metragem. O filme se passa no ano de 1970, e é estrelado por Paul Giamatti como um professor clássico rigoroso em um internato de uma pequena cidade em Massachusetts, que é forçado a acompanhar e ser o responsável por um grupo de alunos que estão retidos durante as férias de Natal.
Alexander Payne é um cineasta conhecido por ter uma opinião forte, por impor um senso de humor ácido aliado à um contexto satírico, o que muita das vezes compõe roteiros mais afiados, com um certo nível de críticas sociais, com monólogos e todo um desenvolvimento de personagem. Alexander já tem uma grande bagagem hollywoodiana, já foi indicado ao Oscar e já venceu por "Sideways" (2004) e "Os Descendentes" (2011).
Diferentemente dos dois filmes citados, em que Alexander Payne ganha o Oscar justamente pelo seu roteiro, em "Os Rejeitados" ele conta com um roteiro inteiramente escrito pelo roteirista David Hemingson. David sempre esteve mais envolvidos com roteiros de séries, como por exemplo: "How I Met Your Mother" (2005), "American Dad"(2005) e "Whiskey Cavalier" (2019). Aqui David surpreende ao trazer um roteiro que foca principalmente no estudo de personagem, no desenvolvimento de personagem, traçando uma linha entre uma comédia natalina e um profundo drama.
"Os Rejeitados" tem um início mais voltado ao desenvolvimento das grandes películas da década de 70, funcionando como resgate nostálgico da época, emulando toda aquela época, que foi justamente uma época marcada pelos grandes protestos, os grandes conflitos e as grandes mudanças em todo território norte americano. Este cenário é o pano de fundo do desenvolvimento de toda a história, já que no início temos o grupo dos "Rejeitados" que estão sobre a tutela daquele professor, que obrigatoriamente estão com os seus sonhos trancados e sofrem uma melancolia. É interessante notar que todos do grupo sofrem de alguma forma com aquele abandono de suas famílias, com aquela situação que estão passando, por mais que eles não admitam nem para eles próprios. E aqui entra a parte que o roteiro aborda questões humanas sobre o relacionamento humano entre pais, filhos e professores.
O roteiro foca no desenvolvimento de pontos como relacionamento, isolamento, crescimento, o teor da juventude, da aceitação e da superação. De início fica bem claro toda as questões que serão abordadas ao logo da trama, porém, logo após a parte que os três alunos (Teddy Kountze, Alex Ollerman e Ye-Joon Park) vão embora de helicóptero, o filme cresce ainda mais de rendimento, muda de tom, de ritmo e passamos a acompanhar aquele relacionamento conturbado que vai tomando forma entre mentor e aprendiz. Esta segunda parte é onde o filme constrói e estabelece sentimentos de solidão, conexão, reaproximação, libertação, transformação, criando um ambiente que percorre o sentimentalismo, a dor, a perda, o luto, o trauma e o abandono.
Nesse ponto o roteiro é muito hábil e muito inteligente ao traçar uma linha que percorre sobre o trio (Paul, Tully e Mary), mostrando suas diferenças, suas personalidades, seus conflitos, seus pensamentos, suas fragilidades, suas vulnerabilidades, o que logo corrobora para cada um lidar com suas dores, seus traumas e seus sofrimentos internos. O longa consegue abordar com maestria cada um desses pontos fazendo uma dosagem perfeita entre o sentimento de nostalgia, solidão, melancolia, mas sem desandar para o melodrama forçado e aidna conseguindo mesclar tudo dentro de uma comédia dramática. O mais interessante é a forma como o filme consegue manter o equilíbrio de todos os personagens, pois cada um tinha sua dor e seu sofrimento interno, e por mais que nenhum deles quisessem estar naquele local em uma data que remete a união familiar, mas logo eles vão se reencontrando, criando um vínculo improvável, um senso de união, uma forma para que juntos pudessem encarar suas diferenças enquanto atravessavam aquelas férias natalina.
"Os Rejeitados" é aquele típico caso que você lê a sinopse e não dá nada para o filme, e justamente, temos aquela história simples porém bem desenvolvida, bem contada, bem interpretada, com um tom sensível, emocionante, libertador, que logo nos prende e nos deixa confortável aquecendo os nossos corações. De fato é muito gostoso e muito comovente acompanhar aquele nascimento daquele relacionamento improvável entre aluno e professor, aidna mais se falando de duas pessoas que a princípio se mostram totalmente diferentes, com ideias e atitudes diferentes. Porém, com o passar da história vamos conhecendo melhor cada um e entendendo melhor cada um. Como no caso do Angus Tully (Dominic Sessa), que se mostra rebelde, insatisfeito, melancólico, e justamente pela sua criação, pelo abandono de sua família. Como na cena em que ele nos conta toda a sua história e logo após ele vai ao encontro do seu pai, que está internado por sofrer de uma doença mental debilitante, esquizofrenia paranoica e demência precoce. Ali já notamos toda a sua desconstrução e descaracterização daquela personalidade que conhecemos no início.
Dominic Sessa faz a sua estreia no cinema e de cara ele já nos surpreende com uma atuação forte, arrojada, competente, de um jovem rebelde, problemático, rejeitado, revoltado com a vida, tomado por dores e traumas familiares. Porém, logo ele nos conquista e nos convence pela sua sensibilidade, pelo seu carisma, pela sua naturalidade de atuar, que realmente nos desperta empatia e passamos a sentir as suas dores.
Já o Paul Giamatti (dos clássicos "O Show de Truman" e "O Resgate do Soldado Ryan") faz aquela linha de professor carrancudo, linha dura, com um olhar rigoroso e uma postura mais arrojada, que a principio transcende os seus limites até aquela conexão imediata e problemática com o Jovem Tully. Uma atuação extremamente perfeita e muito bem apresentada de Paul Giamatti, que navega em diferentes personalidades de seu personagem, nos expondo um lado rigoroso tomado de um senso de humor sarcástico, contrapondo com um lado mais humano, mais natural e mais sensível de um professor que cria empatia e compaixão pelo seu aluno.
E aqui vale destacar a enorme química alcançada entre o Dominic Sessa e o Paul Giamatti, que juntos estiveram o tempo todo em uma perfeita harmonia, sintonia, expondo carisma, sinergia, um senso de humor, um timing para as cenas mais cômicas, mais hilárias, mais casuais, e compondo duas personalidades que juntas se reencontraram com uma enorme transformação de caráter.
Completando o belo trio de "Os Rejeitados", temos a Da'Vine Joy Randolph ("Only Murders in the Building") que interpreta a cozinheira-chefe Mary Lamb. Mary é uma mulher ressentida, trancada dentro de si, enlutada pela perda do filho na guerra, que silenciosamente explora a sua dor e o seu trauma. Porém, ela é a peça-chave que começa a costurar as emendas do roteiro em relação a improvável convivência entre Paul e Tully. No fim ela é parte fundamental do trio, que juntos exploram suas dores, a profundidade da solidão e a essência da construção daquele relacionamento. E o mais interessante é que juntos eles conseguem encontrar conforto, carinho e afeto. Belíssima atuação de Da'Vine Joy Randolph, que nos conquistou pelo seu enorme carisma e seu ótimo trabalho.
E para contextualizar a enorme química do trio, temos algumas cenas que são interpretadas como uma verdadeira libertação.
Como por exemplo: aquela cena onde os três estão ao lado de fora do restaurante, onde juntos fizeram o seu próprio "Cherries Jubilee". Esta é uma cena incrível, onde já exemplifica o poder de um relacionamento construído como uma base familiar.
Aquela cena que o Paul defende o Tully na frente do diretor, da mãe e do padrasto, afirmando que a culpa era dele, ao levá-lo naquela férias e o convencer a visitar o pai. E o Paul sacrifica o seu emprego ali para evitar que o jovem fosse para uma escola militar. É uma cena que funciona como uma lavagem na alma do Paul, afinal de contas ele estava se doando e fazendo uma coisa boa, pois no fim ele conheceu a verdadeira personalidade do Tully e viu todo o seu potencial.
E no fim temos o fechamento com chave de ouro, o ápice de toda a trama; que é justamente a despedida do Paul e o Tully, com ele dizendo que não sabia o que o Paul tinha dito para seus pais e o diretor, mas que ele não iria mais ser expulso. Eles se despedem com um forte e verdadeiro aperto de mãos, com o Paul partindo comovido e o filme acabando. Este final é apoteótico, libertador, um afago em nosso coração, em nossa alma, funcionando como uma verdadeira lição de vida, de formação de carácter, de amadurecimento, de engrandecimento e de criação do ser humano.
Destacando as partes técnicas do filme:
A trilha sonora é melodramática, mas isso não quer dizer que é ruim e nem forçado, soa como necessária para acompanhar todo o desenrolar daquela história. Tanto que no início tínhamos uma trilha sonora mais potente, dado ao momento de rebeldia do grupo, logo após a trilha é mais densa, mais pesada, mais comovente, com melodias mais agravantes diante daquele cenário. Sem falar que ainda tínhamos algumas músicas natalinas, que personificou ainda mais a proposta do filme. A cinematografia é bem apresentada, cujo funcionamento esteve em perfeita harmonia com uma base sólida da fotografia. Sem falar na direção de arte, que também colaborou em grande estilo com cenários que nos remetia à década de 1970.
"Os Rejeitados" foi eleito um dos 10 melhores filmes de 2023 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute, e recebeu muitos outros prêmios, incluindo o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante (Da'Vine Joy Randolph) e Melhor Ator em Filme – Musical ou Comédia (Paul Giamatti). Também recebeu cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator para Paul Giamatti, Melhor Atriz Coadjuvante para Da'Vine Joy Randolph e sete indicações ao BAFTA, incluindo Melhor Filme e Diretor.
"Os Rejeitados" arrecadou US$ 211.093 em seis cinemas em seu fim de semana de estreia, uma média de US$ 35.082 por local, totalizando US$ 26 milhões no geral.
Por fim: Alexander Payne nos brinda com um excelente filme que trata de uma leitura de personagem, de amizade, de avaliação comportamental, da criação de vínculos, de relacionamentos, analisando temas como melancolia, dor, luto, perdas e recomeços. Sem dúvida o filme consegue nos imergir em uma comédia dramática natalina inserida em uma releitura acerca da solidão, do abandono, da aceitação, da redenção, que nos mostra principalmente os nossos erros, a nossa superação e a reconstrução de relacionamentos quebrados entre pais e filhos.
"Os Rejeitados" é uma grata surpresa, pois no fim eu fiquei comovido e tocado pela sua linda mensagem, que inclui valores, conceitos, empatia, bondade, sensibilidade, e principalmente uma grande lição de vida.
[28/01/2024]
Anatomia de uma Queda
4.0 824 Assista Agora⚠ TEM SPOILERS ⚠
Anatomia de uma Queda (Anatomie d'une Chute / Anatomy of a Fall) 2023
"Anatomia de uma queda" é dirigido pela francesa Justine Triet (diretora de "Sibyl", de 2019) com um roteiro que ela co-escreveu com Arthur Harari (roteirista de "Sibyl"). A história nos leva até Sandra (Sandra Hüller), uma escritora alemã, e Samuel (Samuel Theis), seu marido francês, que vivem juntos com Daniel (Milo Machado Graner), o filho de 11 anos do casal, em uma pequena e isolada cidade nos Alpes. Quando Samuel é encontrado morto do lado de fora da casa, a polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio, e Sandra se torna a principal suspeita.
O cinema francês volta ao grande destaque cinematográfico na temporada de premiações com "Anatomia de uma queda", que estreou no Festival de Cinema de Cannes em 2023, onde ganhou a Palma de Ouro e o prêmio Palm Dog e concorreu ao Queer Palm. O longa-metragem vem ganhando cada vez mais notoriedade e vem recebendo inúmeros elogios da crítica especializada, com elogios à direção e roteiro de Justine Triet e principalmente pela atuação de Sandra Hüller.
O filme já vendeu mais de um milhão de ingressos somente na França, e consequentemente obteve um sucesso significativo em prêmios internacionais, ganhando dois Globos de Ouro de Melhor Roteiro e Melhor Filme Estrangeiro. O longa também ganhou seis prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor no European Film Awards, e recebeu sete indicações no BAFTA, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. No Oscar, o filme recebeu cinco indicações, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Original.
Agora eu me pergunto: qual é o verdadeiro motivo de "Anatomia de uma queda" ter se tornado um filme de tanto sucesso?
Vou começar destacando o roteiro da Justine Triet (junto com Arthur Harari) e a forma como ela idealizou e criou todo aquele universo. A principal característica do roteiro é sem dúvida a complexidade, a ambiguidade, a inteligência e a competência em criar um ambiente misterioso, intrigante, tenso, envolto em um drama carregado com o suspense, que imediatamente já se instala no ar com aquela investigação que já começa baseada em nossa curiosidade em começar a tentar desvendar todos os mistério daquela morte. O primeiro ato do filme surpreende e se destaca pela eficácia em justamente criar um labirinto psicológico que flerta com a complexidade e a curiosidade da mente humana em querer logo descobrir algo. Nesse ponto já entramos no suspense e na psicologia que é criada a partir de todos os relatos iniciais, algo que me remete à um excelente livro de suspense e psicologia que li no ano passado - "A Paciente Silenciosa" (do autor Alex Michaelides). Inclusive eu indico o livro para quem gosta do tema.
Podemos considerar que a Justine cria o retrato de uma mulher que é a principal suspeita pela morte do marido, porém se mantém forte, safa, sagaz, principalmente por todo o julgamento que ela é submetida. E nesse ponto o roteiro se utiliza de suas artimanhas para nos mostrar como uma pessoa tenta provar sua inocência perante às possíveis provas de incriminação. Também acredito que a diretora dá uma certa cutucada no feminismo e no machismo ao criar um drama potente, que mostra uma mulher poderosa que é suspeita porém se mantém lúcida de seus atos. Aqui a diretora cria um tema que subverte os papéis de gênero. Outro ponto é a forma como essa mesma mulher forte e aguerrida também se mostra frágil, vulnerável, por estar sempre tentando defender a sua tese, pois no mesmo momento que ela está sendo interrogada ela também está se desmoronando ao reviver às profundezas da sua relação conturbada com o marido.
"Anatomia de uma queda" se divide em duas partes: a primeira hora o filme constrói todo o seu terreno pautado no investigativo, no depoimento local, em reunir provas daquele ocorrido. Ou seja, nesse ponto o ritmo do filme tende a cair bastante, fica mais lento, mais arrastado, o que fatalmente poderá cansar, pois logicamente você vai precisar de mais paciência e bastante foco para ir desvendando e juntando as peças desse quebra-cabeça. Já na segunda hora do filme: é onde temos aquela passagem de tempo de um ano, e já estamos na parte das audiências no tribunal, tomando o depoimento de cada pessoa que de certa forma esteve envolvida no caso.
Nessa segunda parte do filme já temos uma abordagem mais enfática no caso, que logo vai nos revelando segredos do casal que até então eram desconhecidos. Dessa forma o roteiro voltar a crescer e toma um novo fôlego, saindo do marasmo da primeira hora e mergulhando em um drama jurídico. Nesse ponto o roteiro de Justine volta a brilhar, quando ela deixa de lado apenas às circunstâncias das investigações iniciais e nos mergulha em uma jornada inquietante, intrigante, desgastante, com um drama e uma construção psicológica.
Filmes de tribunais são difíceis de construir, de se sustentar, de prender o espectador com o tema em questão, de conseguir segurar o interesse na história que está sendo desenrolada. Na maioria das vezes é uma temática que se não for bem desenvolvida fatalmente vai acabar caindo no marasmo, no enfadonho, perdendo cada vez mais a sua força. "Anatomia de uma queda" tinha tudo para ser apenas mais um desses inúmeros filmes investigativos de tribunais que sofre com tudo que mencionei anteriormente, já que sua primeira hora é instigante mas sofre com o ritmo lento e arrastado. Porém, quando entramos em um thriller de tribunal o roteiro volta em sua potência máxima, já que ele passa a brincar com o espectador e a sua capacidade de desvendar o crime. Pois é óbvio que inicialmente todos iriam desconfiar da própria Sandra, por ser a esposa, por possivelmente o marido sentir ciúmes dela, por ela nutrir um possível interesse em mulheres. Logo após já somos tomado pela dúvida a respeito dela e do advogado, já que ela o conhece há algum tempo e parece ter um certo interesse no ar. Logo após já estamos analisando o possível suicídio pelo fato das aspirinas, do cachorro e de todo o depoimento do Daniel.
A cereja do bolo é aquela construção do drama, do investigativo, da tensão, do suspense, do psicológico, do roteiro sempre querer nos pregar uma peça, nos fazer levantar suspeitas. Suspeitas essas que acreditamos fielmente ser culpa da Sandra, ainda mais depois que descobrimos as brigas de seu relacionamento e seu interesse em mulheres. Mas é nesse ponto que o roteiro começa a dissecar aquele relacionamento que soa dúbio, pois a intenção do filme não é chegar no final e entregar tudo de bandeja e mastigadinho para o espectador (como assisti recentemente em "Saltburn"), tanto que em nenhum momento temos cenas com flashbacks mostrando realmente o que aconteceu na cena da morte. A intenção é fazer com que nós criássemos as nossas interpretações e tirássemos as nossas próprias conclusões à respeito de todo o acontecimento na trama. Aqui a intenção é justamente criar um labirinto psicológico que confronta o assassinato, o suicídio e o possível acidente, nos obrigando a colocar tudo em uma balança. É nessa pauta que o filme progride em todo o seu tempo, deixando tudo no ar e encerrando com uma final ambíguo.
E aqui entra um ponto que pode desagradar o público, já que na maioria das vezes as pessoas estão acostumadas com filmes fechadinhos, com começo, meio e fim. Pode ser questão de gosto próprio, mas particularmente eu prefiro quando o filme explora a minha capacidade cognitiva, que me obriga pensar, analisar, criar situações em minha mente para tentar entender e desvendar tais fatos. Nesse ponto fica muito claro que esta é principal intenção do roteiro, em propor uma discursão que não enfatiza 100% da verdade, já que aqui a verdade pode ser ressignificada, incognoscível e incerta, já que a Justine trabalha um roteiro calçado com incertezas, dúvidas, inconclusões, que é justamente a sua intenção para prender o espectador em busca de respostas. Tudo isso nos causa agonia, desconforto e também pode causar frustração, já que no fim o filme termina apresentando mais dúvidas do que respostas, o que pode ser uma falha para uns como pode ser o ponto alto para outros.
Todo o sucesso e todos os prêmios de "Anatomia de uma queda" não seria possível sem a presença de Sandra Hüller (vencedora do European Film de melhor atriz por "Toni Erdmann", de 2017). É impressionante a performance da Sandra ao incorporar uma mulher que é carregada emocionalmente, dramaticamente, cheia de camadas, cheia de mistério, cheia de ambiguidade, que se mostra fechada em até certo ponto, que desperta incertezas, suspeitas e curiosidades por todos os lados. Sandra constrói uma personagem que divide o público, que muitos acreditam em sua versão dos fatos e outros já duvidam. A cena da discursão entre ela e o marido na noite antes do ocorrido, que foi reconstituída no tribunal, mostra uma atuação poderosíssima da Sandra Hüller. Este é o poder e a força da sua atuação, que naturalmente está em um alto nível de excelência, e que merecidamente foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz.
Swann Arlaud ("Uma Vida Sem Ele", de 2022) contribui muito bem ao lado da Sandra, representando aquele curioso e enigmático advogado de defesa.
Milo Machado Graner ganha a importância do seu personagem ao longo da trama e se destaca mais na parte final. Vale destacar aquela cena dele com o cachorro, que foi surpreendente e até comovente.
Antoine Reinartz ("Oh Mercy!", de 2019) me surpreendeu pela potência de sua atuação na pele do promotor de justiça. Suas cenas durante o julgamento surpreende pelo debate acusatório, por compor diálogos e discursões em uma velocidade que era difícil até de acompanhar nas legendas (que por sinal o idioma francês deixa a sua atuação ainda mais elegante).
Samuel Theis ("Softie", de 2021) tem um tempo menor de tela, mas em suas aparições ele conseguia manter o nível de atuação ao contracenar com a Sandra Hüller. Destaco também a mesma cena que destaquei da Sandra, aquela cena da discursão, que ele foi muito bem.
Falando das qualidades técnicas do filme:
A cinematografia é muito boa, a fotografia tem enquadramentos muito satisfatórios, até porque se entrarmos na direção de arte iremos nos deparar com um cenário muito belo, envolto um ambiente gelado, onde a própria fotografia vai se destacar com focos mais cinza, mais frio, com cores mais frias. Já por outro lado a própria direção de arte nos entrega um cenário mais fechado na segunda parte do filme, que em contrapartida contracena com uma fotografia mais focada nas expressões e emoções dos personagens. Já a trilha sonora tem a sua dose de contribuição, sendo a responsável em nos deixar incomodados em várias cenas. O que dizer daquela versão de "P.I.M.P", do 50 Cent, que literalmente me deixou incomodado.
Curiosidades:
"Anatomia de uma queda" foi lançado em 379 cinemas na França, onde estreou em segundo lugar nas bilheterias, arrecadando mais de US$ 2 milhões e vendendo 262.698 ingressos, atrás de "Barbie" (288.185 ingressos) e à frente de "Oppenheimer" (231.550 ingressos). O longa teve a melhor abertura para um vencedor da Palma de Ouro desde "The Class" (2008), que vendeu 358.000 ingressos na França durante seu fim de semana de estreia. Em seu segundo fim de semana, o filme ficou em segundo lugar, atrás de "The Equalizer 3" e à frente de "Barbie", acumulando 608.913 ingressos vendidos. Em seu terceiro fim de semana, o filme alcançou o primeiro lugar nas bilheterias francesas com 191.392 ingressos em 738 cinemas, acumulando 800.283 ingressos vendidos, e arrecadando US$ 5,7 milhões. Em setembro de 2023, o longa-metragem ultrapassou 1 milhão de entradas na França um mês após seu lançamento nos cinemas, tornando-se o sétimo vencedor da Palma de Ouro - e o terceiro vencedor da Palma de Ouro francesa - a ultrapassar a marca de 1 milhão de entradas na França desde 2000.
Por fim, "Anatomia de uma queda" é um filme que mistura várias camadas do ser humano e consegue construir um roteiro inteligente, potente, complexo, intrigante e curioso, que mostra um procedimento inteligente e solidamente elaborado para se mostrar presente durante todo o drama familiar. Por outro lado eu não o vejo como uma obra inédita, autêntica, revolucionária, já que existem outros thrillers de tribunal que aborda muito bem essa temática de julgamento investigativo, sendo com finais abertos ou não.
Por mais que a primeira hora do filme o ritmo seja lento e arrastado, mas a segunda hora compensa com um ótimo thriller de tribunal imerso em questões misteriosas, complexas e psicológicas, que contribui um ótimo desfecho final.
O final de "Anatomia de uma queda" fica em aberto e abre espaço para você criar a sua interpretação e, consequentemente, a sua conclusão à respeito de quem é a vítima e quem é o vilão no final da história. Um final que me remete à outra obra-prima literária que também li no ano passado - "Verity" - da poderosa Colleen Hoover.
[23/01/2024]
Cemitério Maldito
3.7 1,1K Assista Agora⚠ TEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME ⚠
Cemitério Maldito (Pet Sematary) 1989
"Cemitério Maldito" é a primeira adaptação do romance homônimo de Stephen King lançado em 1983. Dirigido por Mary Lambert e escrito pelo próprio King, o longa é estrelado por Dale Midkiff, Denise Crosby, Blaze Berdahl, Fred Gwynne e Miko Hughes.
A trama se passa em 1969, onde o jovem médico Louis Creed (Dale Midkiff), junto de sua família, decidem deixar a vida na cidade grande e se mudarem para uma vida interiorana na cidade de Ludlow, no Maine. Após conhecer o velho Jud Crandall (Fred Gwynne), o simpático vizinho, Louis descobre os segredos sinistros daquele local, sendo forçado a enfrentar a sombria história de sua família, que o manterá para sempre conectado com aquela cidadezinha.
Sobre o livro:
Não é à toa que o livro é considerado por muitos (incluindo eu) como uma das melhores obras literárias de toda a carreira do mestre King. A cada página que você lê você se surpreende ainda mais, pois a história tem um poder inimaginável em nos prender e aguçar a nossa mente, os acontecimentos são cada vez mais interessantes e mais misteriosos. A forma como o King vai desenvolvendo a sua história com o passar de cada página é muito interessante e muito envolvente, e deixa a gente cada vez mais curioso acerca daquele universo ambíguo que estamos conhecendo. Toda essa interpretação que o livro faz sobre o que é a morte, o que ela representa para cada um, a forma como ela é vista na história. Sem dúvida o início do livro é uma belíssima construção para o terror.
E o mais interessante é o fato do livro ser direcionado como um terror, obviamente contando uma história de terror, mas não é somente uma simples história de terror. Pois a dimensão que temos aqui vai muito além do terror e da morte, o que nos confronta diretamente com a dor, a perda, o luto, a depressão, a superação, a desilusão, a frustração, o trauma e a redenção. King constrói um história muito inteligente, intrigante, misteriosa, lúdica, que mexe com o nosso psicológico, que desperta a nossa crença sobre o bem e o mal, sobre o real e o imaginário, sobre o certo e o errado, sobre a lucidez e o ilusório. E ainda vai além, ao nos envolver com uma história surpreendente e misteriosa sobre aquele local, que foi construído sobre a base das desilusões e da fé das crianças, "O Simitério de Bichos", que é um local que mantém poderes sobrenaturais e sombrios e oculta um misterioso sepulcro indígena com poderes de ressurreição.
É impossível você lê esta história e não se prender, não se surpreender, não ficar envolvido, não se apegar pelos personagens, pois tudo é muito bem construído, muito bem desenvolvido, muito bem contado. "O Cemitério" tem a melhor história já escrita pelo mestre King, juntamente com "O Iluminado", que são os meus dois livros preferidos de sua bibliografia.
Sobre a produção do filme:
King foi muito criterioso e muito exigente ao vender os direitos autorais de seu livro para compor uma adaptação cinematográfica. King queria que a adaptação de sua obra respeitassem principalmente a essência de sua história, já que naquela mesma década ele havia se decepcionado bastante com a versão de Stanley Kubrick de seu clássico "O Iluminado". King enfrentou algumas dificuldades e recusou várias outras ofertas para uma adaptação cinematográfica, incluindo adversidades até com os estúdios de produção da época, que afirmava que não havia mais demanda por filmagem de Stephen King após uma série de adaptações de seus romances lançados durante todo os anos 80.
Desde o ano de 1984 que King já havia vendido os direitos de adaptação de seu livro, que foi passando de mão em mão, e somente no ano de 1988, durante a greve do Writers Guild of America, que a Paramount Pictures reconsiderou a ideia porque o estúdio estava enfrentando uma possível escassez de novas produções para lançamento em 1989. A partir da luz verde do estúdio que King obviamente foi rigoroso com a adaptação, começando com exigência que o filme fosse rodado no estado norte-americano do Maine e que seu roteiro fosse seguido rigorosamente. O estúdio escolheu a direção da obra, mas a palavra final foi do King, que aceitou a diretora Mary Lambert, que o impressionou com seu entusiasmo por seus romances e seu compromisso em permanecer fiel ao material original.
Mary era mais conhecida por seu trabalho na direção de videoclipes, como alguns clipes da Madonna, incluindo "Material Girl" (1984) e "Like a Prayer" (1989). Através de seu trabalho na indústria musical ela era amiga dos Ramones, que era uma das bandas favoritas do King. Mary também foi a responsável em discutir com a banda sobre a gravação de uma música para o filme, que eles logo concordaram em escrever e interpretar a clássica "Pet Sematary", que também foi outro ponto que o King adorou da diretora.
Sobre a adaptação do filme:
King esteve muito envolvido no processo de produção e filmagem do longa, consultando a diretora Mary Lambert frequentemente sobre suas ideias para a história e quaisquer desvios do roteiro que ela desejava fazer (King estava realmente traumatizado pelo "O Iluminado" do Kubrick). No decorrer das adaptações das obras do King para o cinema, temos algumas que seguiram muito bem o material original do livro e se tornaram adaptações cinematográficas bem fiéis; que o caso de obras como "Carrie" (1976), "It"(1990/2017/2019), "Misery / Louca Obsessão" (1990) e "À Espera de um Milagre" (1999). De acordo com a ideia/exigência de King, posso dizer que aqui temos uma adaptação cinematográfica em até certo ponto fiel com a obra original (por mais que tenha uns pontos que discordo). Assim como o livro, o filme também aborda a questão da morte, o significado da morte, a relação da morte com cada um dos personagens da história, o que dá a entender que muita das vezes estar morto pode ser melhor (como menciona o próprio Jud Crandall). E o interessante é exatamente todo esse contexto da história da família Creed, que aborda exatamente aquela ideia de que se mudar muita das vezes significa iniciar uma vida nova em um novo local, recomeçar, mas no caso da família Creed pode significar o começo do fim.
A história que o King constrói tanto no livro quanto no filme é surpreendente e maravilhosa, que logo destaca o grande mestre do terror que ele é, ao nos embarcar (juntamente daquela família) como uma espécie de passagem para o inferno em um local que propriamente nos remete a paz de espírito. E o mais intrigante é o fato do King colocar em sua história uma espécie de guia turístico para o inferno, que é o amigável Jud Crandall. Aqui temos outro ponto bem curioso e discutível, que o fato do peso na história que traz a participação do Jud, que a princípio ele só queria ajudar a filha do Louis para que ela não viesse a sentir o peso e a tristeza da morte de seu gatinho Church. Por outro lado ele sabia o que tudo aquilo poderia causar na vida do Louis e sua família, pois ele próprio já tinha passado por isso quando era jovem com seu cachorro. Essa é uma discursão muito inteligente que agrega ainda mais em todo o contexto da história, que é a decisão em você querer evitar a morte, ou não querer que uma criança sofra pelo fato da morte existir e ela não saber o seu peso e as suas consequências. Este é um tópico excelente.
Outro ponto que pode ser discutido é em relação às decisões de Louis. Obviamente ele faz escolhas terríveis durante todo o seu percurso. E quem vai julgá-lo? Quem vai apontar aonde ele errou? Afinal de contas ele era médico e acreditava no dom da vida e na desilusão da morte. Tudo que o Louis fez foi por amor a sua família, talvez da maneira errada e precipitada, mas fatalmente foi por amor. Pois certamente ele queria sempre manter a sua família ao seu lado, que vai desde o gato, o filho e a sua esposa. Exatamente nesse ponto temos uma obra que mergulha em um suspense psicológico, um terror psicológico, que aborda o peso da dor, do luto, do trauma, que discuti sobre a morte e a sua aceitação, em como nós enfrentamos a morte e as suas consequências, em como temos consciência de que o amanhã pode não chegar, que muita coisa pode acontecer num intervalo de tempo muito curto. Posso assegurar que este é um tópico que discuti a filosofia da vida, obviamente um raciocínio filosófico sobre a vida e a morte, e que é muito melhor abordado no livro do que no filme.
Sobre essa questão da filosofia da vida que é melhor abordado no livro, é um ponto que vale a pena ressaltar, pois no livro temos toda a construção da perda de consciência e sanidade do Louis, que o leva diretamente a agonia e ao extremismo, a tomar decisões precipitadas e radicais, é um processo que leva o Louis de encontro a total loucura. O livro constrói melhor os diálogos que aborda justamente toda essa questão da finitude da vida, e que no filme é feito de forma muito rápida e pouco abrangente, e que interfere diretamente no peso que a obra poderá nos causar. Este é um dos problemas de adaptar um livro com mais de 400 páginas em um longa-metragem de pouco mais de 1h 30min, pois obviamente a história no livro será sempre mais detalhada e logo, mais abrangente. No filme os acontecimentos são muito rápidos e não transmite o peso real e a profundidade psicológica daquela história, logo não consegue imergir o espectador na história como faz no livro, pois no livro temos construções e passagens que nos deixa incomodados e sufocados (como naquela cena em que o Louis vai desenterrar o filho). Isso não acontece no filme, inclusive esta cena que eu mencionei é feita sem nenhum peso psicológico, apenas como uma passagem obrigatória do roteiro.
E aqui eu preciso destacar dois pontos importantes do livro e que não foram bem adaptadas no filme:
1 - A participação da irmã da Rachel Creed (Denise Crosby) na trama, a Zelda (Andrew Hubatsek). No livro temos toda uma construção e desenvolvimento da Zelda, juntamente com o peso e o impacto que ela proporcionou na vida de sua irmã Rachel. Isso conta muito para todo o desenvolvimento da própria Rachel durante a história com sua família, e a forma como ela vê e sente aqueles acontecimentos em sua vida. No filme a Zelda é simplesmente jogada na história como uma obrigatoriedade de roteiro, sem nenhum desenvolvimento para quem não leu o livro pudesse entender quem é ela e o que ela significa na história.
2 - Decidiram cortar a esposa do Jud, a Sra. Norma Crandall, e usar o seu espaço na história com a empregada da família Creed, a Missy Dandridge (Susan Blommaert). No livro a personagem da Sra. Norma é muito importante no contexto da história do Jud e do próprio Louis. Temos aquela abordagem em torno do seu sofrimento com artrite, a maneira como ela faz parte da história em relação ao Louis como médico, sendo que até a sua morte foi um choque para a menina Ellie Creed (Blaze Berdahl). No filme ela é cortada da história e conhecemos o Jud morando sozinho em sua casa. Já a Missy Dandridge tem sua participação no filme, porém é bem curta, pois logo ela descobre um câncer e se enforca. Não sei os reais motivos que decidiram retirar a Sra. Norma do filme e deixar somente a Missy Dandridge. Também gostaria de saber até que ponto o próprio King concordou com estas decisões, já que pra mim são mudanças cruciais, e ele queria que a adaptação seguisse fielmente a sua obra original. Fica aí a dúvida!
Sobre o elenco:
Dale Midkiff estava praticamente estreando no cinema e até que ele conseguiu compor bem o personagem do Louis. Tudo bem que em determinadas cenas faltava nele mais a veia dramática e principalmente aquela sensação de extrema loucura presente no Louis do livro. Mas até que ele entregou um personagem aceitável.
Já o Fred Gwynne pegou a essência do personagem do livro. Eu diria que ele foi o que mais se aproximou do Jud do Livro, por ter aquele jeitão amigável, amistoso, logo após ser misterioso e muito intrigante.
Denise Crosby colabora bem com a história, tem uma participação ok com sua personagem e contracena bem com Dale Midkiff. Ela convence em algumas cenas mais dramáticas, que lhe exigia um algo a mais de sua atuação, e ela também foi bem.
Blaze Berdahl, com apenas 9 anos na época, é mais uma que acerta muito bem em sua personagem, conseguindo interpretar bem uma Ellie que se assemelha muito com o livro.
O pequenino Miko Hughes, com 3 aninhos, brilha como o doce Gage. E aqui fica muito claro que sua participação foi melhor no início do filme, já que nas partes que ele volta, é nítido observarmos que na maioria das vezes é um boneco em seu lugar. Sem falar que nas cenas em que ele começa a andar na casa matando, é claramente inspirado no clássico "Brinquedo Assassino", que havia estreado um ano antes, em 1988.
Brad Greenquist teve até mais espaço do que eu imaginava com seu Victor Pascow. Esse eu gostei bastante da sua participação, e sua maquiagem ficou muito boa pra época.
Curioso que a Zelda foi na verdade interpretada por um homem (Andrew Hubatsek). O motivo foi que os produtores não conseguiram encontrar uma mulher magra o suficiente para a personagem.
Sem esquecer de mencionar o próprio Stephen King, que aparece em uma pequena ponta no filme, interpretando o padre na cena do funeral.
Algumas diferenças entre livro e filme:
- A forma como Jud conhece a família é diferente do livro. Aqui ele chega bem na hora de pegar o Gage que estava indo para a estrada, no livro o jud chega bem na hora que o Gage havia sido picado por uma abelha.
- Até por uma questões lógica da época, no filme não mostrou o Gage em pedaços como no livro, em que ele estava até sem a cabeça quando o Louis abriu o caixão - por sinal a cena mais pesada do livro.
- No livro a Rachel chega até a casa do Jud com um carro azul, logo após ele ter ligado para ela e pedido que assim que ela chegasse que fosse primeiro na casa dele, no filme ela pega carona em um caminhão da Orinco e quando chega ela é surpreendida pela voz da sua irmã Zelda vindo da casa do Jud, e ai ela decide ir até lá.
- No final a Rachel retorna assim como no livro, porém no filme fica claro que ela mata o Louis com a faca, no livro isso não fica claro, já que o Louis está sentado em sua casa mexendo nas cartas do baralho, e ela chega por trás colocando a mão em seu ombro e o chamando de "Querido", com uma voz carregada com um chiado que parecia estar cheio de terra. Este é o final do livro.
- No filme, o final é com aquela cena bizarra em que o Louis beija aquela Rachel recém ressuscitada cheia de barro e sem um olho.
Curiosidades do filme:
O título original do filme ("Pet Sematary") é uma grafia que faz uma alusão de "Cemitério de Animais de Estimação" ("Simitério de Bichos"). Curioso que esta mudança na escrita original da palavra em inglês, que seria cemetery, foi uma decisão do King como uma alusão à escrita errada da placa do Cemitério dos Bichos feito pelas crianças. Mais curioso ainda que no Brasil o título do filme não seguiu esta grafia incorreta, para simbolizar a intenção do próprio King. Mas confesso que seria legal se o título do filme fosse "O Simitério Maldito", apesar das críticas e polêmicas que isto geraria.
A versão original do filme entregue aos executivos da Paramount foi considerada muito longa, então o excesso de filmagem teve que ser removido. Por isso ficou faltando várias abordagens relevantes do livro para o filme.
A cena final original era mais ambígua: mostrava apenas a morta-viva Rachel entrando na cozinha onde Louis está jogando paciência, deixando seu destino incerto (mais fiel ao livro). Embora a diretora tenha chamado esta opção de final "mais assustador, triste e trágico", porque o público sabe que não vai ser o que ele quer. Ela não vai voltar como sua esposa. Ainda assim o estúdio decidiu que era muito inofensivo e a pedidos, foi refeito para ser mais impactante graficamente e menos ambíguo.
Uma sequência, "Cemitério Maldito 2", foi lançada em 1992, com críticas ruins e bilheteria decepcionante. Embora faça referência aos eventos do primeiro filme, a sequência se concentra em personagens totalmente novos. Uma segunda adaptação cinematográfica foi lançada em 2019 com o mesmo título do original. No dia 06 de outubro de 2023, o serviço de streaming Paramount+ lançou um spin-off chamado "Cemitério Maldito: A Origem" (Pet Sematary: Bloodlines). Um documentário, "Unearthed & Untold: The Path to Pet Sematary", estreou em setembro de 2014 e foi lançado em janeiro de 2017.
"Cemitério Maldito" ficou em 16º lugar na lista da IFC das melhores adaptações para cinema e televisão de Stephen King, e também em 16º lugar no Top 30 de adaptações de King da Rolling Stone.
O longa-metragem arrecadou US$ 57,5 milhões de bilheteria com um orçamento de US$ 11,5 milhões.
A trilha sonora do filme foi escrita por Elliot Goldenthal (por sinal uma boa trilha sonora). O filme traz duas músicas dos Ramones: "Sheena Is a Punk Rocker" (1977) aparece na cena do caminhão que vai atropelar o Gage, e " Pet Sematary ", uma nova faixa escrita especialmente para o filme, que toca nos créditos. A música "Pet Sematary" se tornou um dos maiores sucessos dos Ramones, alcançando o quarto lugar na lista "Modern Rock Tracks" da Billboard, apesar de ser, nas palavras da AMG: "injuriada pela maioria dos fãs hardcore da banda". Eu adoro a música, é uma clássico atemporal.
Encerro afirmando que "Cemitério Maldito" é um clássico do terror, um verdadeiro patrimônio da cinematografia dos anos 80, uma obra que marcou geração, que moldou uma geração, que em sua época obteve um grande impacto na indústria do cinema e consequentemente da música. O longa tem uma boa adaptação da obra original e está na lista dos melhores filmes tirados de uma obra-prima do mestre Stephen King.
[20/01/2024]
Saltburn
3.5 862⚠ TEM SPOILERS ⚠
Saltburn - 2023
"Saltburn" é escrito, dirigido e coproduzido por Emerald Fennell, a vencedora do Oscar por Roteiro Original de "Bela Vingança", de 2020. O longa é situado em Oxford e Northamptonshire, Inglaterra, onde se concentra em um estudante da universidade de Oxford que fica obcecado por um colega popular e rico, que mais tarde o convida para passar o verão na propriedade de sua excêntrica família.
Emerald Fennell volta novamente aos holofotes ao apostar na ousadia, nas polêmicas, gerando inúmeras discursões e interpretações. "Saltburn" é o filme mais polêmico dessa temporada de premiações cinematográficas, pois muitas pessoas discutem a banalização das cenas de cunho sexual e nudez explícitas que o longa entrega. A própria diretora foi questionada sobre o tema e afirmou que queria fazer algo diferente, causar estranheza, que fizesse as pessoas pensarem e sentirem algo. Na verdade ela queria tirar o seu espectador da sua zona de conforto, que seria justamente causar o desconforto, causar uma discursão de opiniões adversas, polemizar um texto bastante ousado.
Eu confesso que no início eu achei que "Saltburn" fosse um romance gay, que fosse focar no desenvolvimento daquela descoberta de uma relação de amizade e o despertar de um interesse amoroso entre duas pessoas que se conheceram, algo como o filme "Me Chame Pelo Seu Nome" (2017). E todo esse meu pensamento faz sentindo, já que inicialmente o roteiro traz uma abordagem em torno do jovem bolsista que acaba de chegar em uma nova universidade e logo quer se enturmar com a galera, ou pelo menos passar a conhecer aquela nova galera. O que logo faz ele deixar de lado o primeiro amigo que fez para se integrar nessa nova galera, que por sua vez o vê como estranho, como pobre, o bolsista que compra roupas no brechó e que ninguém quer sentar ao seu lado. Logo Oliver Quick (Barry Keoghan) se vê em um ambiente em que acaba de conhecer o cara mais popular da universidade, em que as garotas querem usá-lo apenas como uma válvula de escape com a intenção de causar ciúmes naquele galã daquela bolha. Por outro lado o cara popular, Felix Catton (Jacob Elord), logo se compadece pela história triste contada pelo Oliver, que o desperta talvez culpa, pena, interesse, compaixão, até ele o convidar para ir passar um tempo em sua casa.
"Saltburn" é um suspense psicológico, uma comédia de humor negro, um thriller psicológico de comédia ácida, como temas satíricos, com uma abordagem tragicômica, com situações trágicas, adversas e desagradáveis, que nos causa desconforto, que usa temas mórbidos, sérios, para quebrar tabus, que choca e nos causa reflexões sérias sobre questões que normalmente são difíceis de abordar. Eu diria que "Saltburn" é um filme nonsense, fora do habitual, fora do convencional, onde temos uma demonstração de fragilidade, obsessão e vulnerabilidade de uma forma exótica, disfuncional, indigesta, catastrófica, irracional, onde seu principal tempero é a sátira social. Emerald aposta na excentricidade, na extravagância, ao explorar as questões humanas mais sombrias, como desejo e obsessão, que é justamente o maior desejo de Oliver, em querer fazer uma escalada social dentro daquele ambiente.
Podemos considerar que "Saltburn" discuti o sistema de classes sociais, já que temos aquela família tradicional britânica, que usam uma aristocracia inglesa como costumes, com facetas de uma sociedade que é escalonada pelas diferenças sociais e suas crenças arcaicas. Logo temos um estudo de personagens em suas mais variadas camadas, em suas mais variadas facetas, trazendo justamente aquele suspense psicológico em forma de crítica ácida sobre ambição, desejo e poder. Todo esse contexto permeia a nossa curiosidade sobre o Oliver e sua "talvez" origem social diferente daquelas pessoas presentes naquele local, já que a princípio podemos nos questionar sobre a sua principal finalidade, seja ela como ambição pelo poder de uma alta classe social, ou apenas fazer ruir todo aquele castelo por uma pura obsessão sombria e mórbida.
Um ponto muito curioso sobre o roteiro de "Saltburn" é o foco que ele dá no excesso da obsessão humana e o poder absolutamente insano de um desejo obsessivo e obscuro. Pois aqui a ambição e o extremismo é visto como realidades absurdas e doentias, e que se cruzam justamente entre o sexo e o poder causando tensão e desconforto. Obviamente a diretora quis abusar do extremo de uma obsessão sombria e mórbida, onde fatalmente iremos contextualizar a sua obra como um clássico romance gótico, onde encontramos um terror gráfico que pode ser fascinante como pode ser desconfortante. Digo isso pela forma como vamos estudando e descobrindo os desejos letais de Oliver por cada personalidade que habita aquela mansão. E aqui cada um pode interpretar o Oliver de formas diferentes, como o fato de talvez ele despertar uma obsessão sádica e doentia por Felix como uma espécie de desejo sexual, amor e ódio, o que logo explica as cenas mais polêmicas e bizarras do filme.
Nesse ponto temos um grande estudo de personagem que pode abordar um Oliver esquizofrênico e psicopata, onde somos confrontados com o repugnante, com o bizarro, com a ambiguidade, com a melancolia e principalmente com o poder da ilusão. É difícil descrever o Oliver e suas atitudes de um personagem que ficou encantado, obcecado e atraído por aquele mundo lúdico, aristocrático e charmoso do Felix. Toda essa aproximação/amizade é logo escalonada para uma crescente obsessão, principalmente pela forma como o Oliver analisa cada membro daquela excêntrica família. A partir daí a mansão Saltburn é palco das maiores bizarrices do filme, onde temos as cenas mais alarmantes, polêmicas e ousadas do roteiro de Emerald Fennell.
Sobre as cenas polêmicas:
- Quando o Oliver se vê naquele ambiente ele começa a colocar pra fora o seu desejo sexual e doentio por Felix, a partir da cena em que ele o observa se masturbar na banheira e logo após ele vai até a banheira e entra em um completo delírio sexual com a água da banheira.
- Temos a cena com o Oliver fazendo sexo oral e depois transando com a Venetia (Alison Oliver) menstruada. É uma cena bizarra!
- Mais bizarro ainda é a cena em que o Oliver fica nu em cima da sepultura do Felix e começa a transar com a terra como se estivesse transando com ele. Uma clara demonstração de desespero, agonia, sadismo, extremismo e esquizofrenia. Esta cena por si só já é muito bizarra, e ela se tornou a cena mais polêmica do filme.
Sobre as cenas de nudez eu confesso que não me incomodou (assim como as cenas polêmicas também não me incomodaram). Toda essa demonstração de nudez no filme é de fato feita de forma até mais artística do que gratuita, se assim podermos considerar. Eu vejo como uma nudez que faz um contraponto necessário e entendível como o roteiro e a sua proposta, já que estamos falando de obsessão, desejo, ambição, o que leva aos desejos sexuais e consequentemente a nudez. A nudez no filme é vista como o apogeu do Oliver no domínio daquele território, onde consequentemente é o ápice da sua excentricidade e extravagância, algo como uma celebração, um ato de profanação, um ato de tomada de território e de poder, como vemos na cena final do filme, quando o Oliver dança nu ao som de "Murder on the Dancefloor" de Sophie Ellis-Bextor, de 2001.
Sobre o elenco:
Barry Keoghan é a grande estrela do filme. Incrível como o Barry tem uma veia para atuações em personagens carregados e multifacetados, como ele já havia entregado um excelente personagem em "Os Banshees de Inisherin" (2022). Aqui Barry traz o clássico personagem que inicialmente é visto como o estranho, o diferente, o excluído, tentando se enturmar expondo um lado que pode ser encarado até como generoso. Por outro lado ele surpreende com seu lado sombrio, ambicioso, maquiavélico, sádico e doentio. Uma atuação sensacional de Barry Keoghan.
Jacob Elordi ("A Barraca do Beijo") é a personificação do garoto rico, popular, egocêntrico, o centro das atenções, aquele galã que desperta interesse de todos ao seu lado, e que obviamente iria despertar o interesse em Oliver. Jacob traz um personagem que sabe ser carismático e descontraído na medida certa, e contribuí bem para o desenvolvimento de toda a personalidade do Oliver.
Rosamund Pike ("Eu Me Importo") faz uma personagem muito interessante, pois ela é a mãe daquela excêntrica família, sendo ela própria muito excêntrica e extravagante. Elspeth Catton é uma mulher aristocrática, requintada, cheia de maniqueísmos, de costumes, de regras, mas por outro lado é uma mulher vazia, carente, manipulável e cheia de camadas. Mais um trabalho soberbo de Rosamund Pike.
Richard E. Grant ("Todos Estão Falando Sobre Jamie") é o Sir James Catton, o chefe da família. Richard traz aquele personagem que funciona com uma engrenagem principal da trama, que carrega seus costumes e suas contradições, que muita das vezes o coloca preso dentro da sua própria bolha (sua casa e família), e que não enxerga (ou não quer enxergar) tudo que acontece em sua volta. Richard E. Grant nunca decepciona e sempre nos ganha com seus personagens.
Archie Madekwe ("Beau Tem Medo") traz o personagem que mais chama atenção dentro daquela mansão. Ele faz o Farleigh Start, primo de Felix, o excêntrico, o extravagante, que sempre está rodeando todos, sempre interferindo em todas as conversas, sempre querendo comprar a atenção de todos, mas que claramente está preso dentro de si próprio e das suas próprias camadas.
Alison Oliver ("Conversations with Friends") faz a personagem que talvez seja a mais desconexa daquele ambiente desestruturado. Ela é a Venetia Catton, irmã de Felix, que às vezes tenta se mostrar forte, às vezes perdida, às vezes querendo ser o centro das atenções, mas que também às vezes sofre calada. Podemos ver que Venetia tem seus dramas, tem seus desejos, que ora soa como misterioso e ora soa cômico. Aquele seu final é bem trágico e impactante.
Paul Rhys ("Napoleão") é o personagem mais misterioso e obscuro de todo o elenco. Ele faz Duncan, o mordomo de Saltburn, que é carregado de mistérios, de suspenses, que sempre está preso dentro daquele personagem, dentro daquele uniforme, dentro daquelas etiquetas e costumes, dentro daquela prisão de mansão que é o seu verdadeiro calvário. O personagem de Paul Rhys me lembrou a personagem de Houng Chau em "O Menu"(2022).
E completando o elenco com a participação de Carey Mulligan ("Maestro"), que fez a personagem Pamela, amiga de Elspeth.
Sobre o Plot twist:
Oliver foi uma espécie de invasão, de violação sobre aquela casa, e talvez só o mordomo que tenha percebido isso desde a sua chegada. Após a passagem de tempo, onde Oliver descobre que o Sir James Catton havia falecido e reencontra a Elspeth, é que ele retorna até a mansão e está agora na presença da Elspeth entubada e em coma. É a partir daí que temos o Plot de toda a história, onde constatamos que tudo que aconteceu desde a universidade foi planejado e arquitetado por Oliver. Dessa forma temos a cena em que o Oliver vai retirando os aparelhos de Elspeth com os flashbacks mostrando detalhadamente tudo que ele fez para chegar até ali.
Acredito que a maior falha se dá exatamente no Plot, quando a diretora sair do místico, do suspense, para entregar tudo de bandeja, tudo mastigadinho para o espectador. Eu entendo que ali era o final e ela queria nos impactar mostrando realmente o que o Oliver causou e premeditou durante toda sua jornada maquiavélica, mas acredito que se ficasse mais na imaginação, na ambiguidade, no lúdico, o final funcionaria melhor, pois naquela altura já tínhamos pegado todos os planos do Oliver, não precisaria escancarar tudo daquela forma.
Outro ponto que também pode pesar (ou não, vai de cada um), é o fato do longa ser intrigante, ousado, corajoso, audacioso, no discurso de abordagem em torno de uma crítica social mórbida e sombria, mas não ser algo inédito e inovador, já que temos outras obras que debatem muito bem uma crítica ao capitalismo dentro desse universo; que é o caso dos recentes "Triângulo da Tristeza" (2022) e "O Menu" (2022), e o impactante e oscarizado "Parasita" (2020). Por outro lado eu vejo que o longa-metragem de Emerald Fennell teve bastante construção e inspiração do clássico "O Talentoso Ripley" (1955/1999). E aqui eu já nem considero como um demérito, por mais que "Saltburn" tenha bebido bastante dessa fonte, mas ainda assim eu vejo sua autenticidade própria.
Tecnicamente o filme é muito bem montado e muito bem estruturado. A trilha sonora de Anthony Willis (que fez a trilha sonora de "Bela Vingança") é dinâmica, é sagaz, com músicas certeiras com a proposta da obra. A playlist do filme é composta por inúmeras baladas da década de 2000, onde eu destacaria com toda certeza a canção "Murder on the Dancefloor" de Sophie Ellis-Bextor, que ficou completamente estourada no Tik Tok e Spotify. A fotografia do longa também vale destacar por agregar toda a qualidade de cada cena. Assim como a direção de arte, que esteve muito bem presente, sendo bastante fiel com a época e com os cenários repletos de costumes ingleses.
"Saltburn" já tem uma arrecadação de US$ 12,1 milhões nos Estados Unidos e Canadá, e US$ 9,3 milhões em outros territórios, totalizando US$ 21,3 milhões. O longa foi nomeado em duas categorias no Globo de Ouro - Melhor Ator (Barry Keoghan) e Melhor Atriz Coadjuvante (Rosamund Pike). O Critics Choice Awards indicou em três categorias - Fotografia, Direção de Arte e Melhor Filme.
Por fim, Emerald Fennell consegue impactar e se destacar com seu novo longa-metragem, que por si só já se mostra bastante corajoso, ousado e polêmico. De fato "Saltburn" não é um filme de fácil aceitação, que irá agradar e cair no gosto de todos, até por levantar debates críticos e ácidos em torno de temas pertinentes como a obsessão, a ganância e a ambição humana, e por outro lado nos expor cenas bizarras, desconfortantes e extremamente doentias, além de apresentar um teor de nudez que poderá incomodar os mais puritanos.
Porém, na minha visão é um filme que soube implementar seus próprios méritos em um cenário já muito bem abordado em outras produções, conseguindo se destacar em uma abordagem sobre o percurso maquiavélico de um alpinista social, de um psicopata, de um sádico, usando sua forma excêntrica e extravagante de expor o seu lado mais sombrio, letal e sem nenhum pudor.
[13/01/2024]
Maestro
3.1 260Maestro - 2023
"Maestro" é uma cinebiografia baseada na vida de Leonard Bernstein. O longa é uma produção distribuída pela Netflix e traz Bradley Cooper na direção, a partir de um roteiro que ele escreveu com Josh Singer (roteirista do oscarizado "Spotlight", de 2015).
Leonard Bernstein foi um maestro, compositor, pianista, educador musical, autor e humanitário americano. Considerado um dos maestros mais importantes do seu tempo, foi o primeiro maestro nascido nos Estados Unidos no século XX a receber reconhecimento internacional, ficando famoso na direção da Filarmônica de Nova York com suas composições, como o musical "West Side Story", "Candide" e "On the Town". Leonard foi um dos músicos mais prodigiosamente talentosos e bem-sucedidos da história musical americana. As homenagens e elogios de Leonard incluem sete prêmios Emmy, dois prêmios Tony, 16 prêmios Grammy (incluindo o prêmio pelo conjunto de sua obra), bem como uma indicação ao Oscar.
Dito isto: O filme gira em torno do relacionamento entre Leonard Bernstein (Bradley Cooper) e sua esposa costarriquenha Felicia Montealegre (Carey Mulligan).
Originalmente "Maestro" seria dirigido por Martin Scorsese ou Steven Spielberg, porém, ambos os diretores estavam ocupados com outras produções e a direção da cinebiografia ficou à cargo de Bradley Cooper. Porém, ainda assim tanto o Scorsese quanto o Spielberg colaboraram na produção do longa. Cooper é um excelente ator, que já havia participado da produção de outros filmes ao longo de sua carreira, porém, como roteirista e diretor, este é seu segundo filme (o primeiro foi "Nasce Uma Estrela", de 2018).
"Maestro" é a nova aposta da Netflix para a temporada de premiações e principalmente o Oscar. Sem querer desmerecer toda produção e todas as qualidades do filme, mas temos aqui aquele famoso "Oscar bait". "Maestro" é aquele típico filme biográfico que traz uma personalidade renomada do passado da história da música norte americana, que tenta nos mostrar como aquela figura foi importante para o contexto histórico, como foi a sua participação e o seu peso sendo um gênio da arte. Todavia, ser considerado como um "Oscar bait" não é necessariamente ruim, afinal de contas durante todas as temporadas sempre temos aqueles casos dos famosos "Oscar bait", e que às vezes dão certo às vezes dão errado, e nem sempre atingem a sua principal finalidade dentro da temporada de premiações. Na temporada passada tivemos o caso de "Tar" (Todd Field) como sendo a figura do "Oscar bait", e que saiu da cerimonia do Oscar sem levar nenhum dos principais prêmios, incluindo a própria Cate Blanchett, que estava cotadíssima a levar mais uma estatueta.
Filmes biográficos na maioria das vezes são muito complicados de serem escritos e dirigidos. Consequentemente a procura e o interesse do público é menor se comparado a outros tipos de produções cinematográficas, principalmente no Brasil, quando a história é baseada em uma personalidade norte americana. No meu caso, eu conheço pouquíssimo da vida e obra de Leonard Bernstein.
"Maestro" traz uma narrativa com uma série de acontecimentos que permeia toda a história que vai sendo contada gradativamente com o passar do tempo e de cada década na vida do Leonard e da Felicia. Temos aqui aquele clássico romance biográfico que é uma história de amor imponente e destemida, porém bastante complexa. O longa começa nos anos 40 e nos traz já de cara uma filmagem em preto e branco, que a princípio dita bastante o ritmo da história que vai se desenvolvendo. Um ponto muito curioso que eu observei com o passar do filme, é o fato de "Maestro" ser considerado como uma cinebiografia porém sem um aprofundamento somente na vida e obra de Leonard Bernstein. Ou seja, não é um roteiro que necessariamente vai abordar somente a vida do músico, já que aqui a própria música não é o foco, pois o foco em si é toda complexidade por trás da vida de Leonard, isso envolvendo a sua vida, a sua orientação sexual e principalmente o seu casamento com a Felicia Montealegre.
"Maestro" traz o foco maior no desenvolvimento e construção do relacionamento entre Leonard e Felicia, onde temos um começo com uma paixão arrebatadora, até seu casamento e o começo das crises. Não sei se essa era a principal opção de abordagem do roteiro de Cooper e Singer, já que fica mais do que claro que a narrativa não é inteiramente sobre a vida e obra de Leonard, pois tudo isso fica em segundo plano e é até usado como um pano de fundo para nos mergulhar na complexidade do seu relacionamento. Fato é que o roteiro se divide em duas partes, em duas abordagens que se conversam entre si fazendo uma ligação maior no final. Inicialmente temos as surpresas, as descobertas, os interesses sendo posto à prova por parte de Leonard, já que ele está se autodescobrindo nesse mundo musical, onde ele ganha oportunidades muito importantes para a sua carreira. E é nessa primeira parte do filme que ele conhece a Felicia e desperta o seu interesse amoroso.
Na segunda parte do filme já temos uma filmagem a cores, representando a vida do Maestro naquele momento. Aqui o roteiro avança e traz um novo fôlego para a história, já que o foco maior é em torno do relacionamento entre Leonard e Felicia, que naquele momento já estava bastante conturbado. Nessa parte o drama já está mais estabelecido na trama, o que logo faz um contraponto com a frustração do casal, principalmente pelo lado da Felicia, que passa a contar com suas frustrações pessoais pelo o momento do seu casamento e pela descoberta de que Leonard era gay (ou bissexual). Claramente esta segunda parte do filme é mais interessante do que a primeira, e muito pela sua mudança de ritmo, de tom, inserindo uma dramaticidade ainda maior em toda a história.
"Maestro" é aquele típico caso do filme que se segura mais pelas atuações dos seus protagonistas do que propriamente pela a sua história como um todo. E isso é muito bem sentido, já que o Bradley Cooper e a Carey Mulligan são o coração do filme. Na primeira parte ambos constroem seus personagens com bastante harmonia e bastante química, o que logo se torna bastante funcional para a história caminhar a partir dali. Na segunda parte é onde os dois brilham ainda mais, é onde o roteiro abre mais espaço e dá mais margem para o desenvolvimento de seus personagens.
Bradley Cooper atua com a alma e com o coração na pele do Leonard, e isso é bem sentido em cada cena onde ele se esforça cada vez mais para representar com fidelidade a sua personalidade. Está muito claro que Cooper estudou fervorosamente a vida de Leonard para compor a sua interpretação, e isso é sentido pelos seus trejeitos, pela sua faceta, por seus gestos, por suas expressões, pela sua grande entrega, pela sua forma de se portar, de comandar, de orquestrar, de reger. Aquela cena do concerto, onde ele dá tudo de si, é uma entrega absurda, chegando ao seu limite físico e mental. Uma cena belíssima. Ou seja, Cooper mais uma vez entrega uma baita atuação e que com certeza será lembrada nos festivais de premiações cinematográficas e principalmente no Oscar.
Já a Carey Mulligan é dona da melhor atuação do filme, até mais que o próprio Cooper. Carey personifica com uma extrema competência e elegância toda história e vida da Felicia Montealegre, incorporando todas as suas alegrias, todas as suas descobertas, a sua paixão arrebatadora e abraçando com muita dignidade a sua dor e todo o seu drama. Carey traz a veia de uma personagem que se mostra forte, aguerrida, decidida, porém vulnerável, frágil, principalmente pela construção e desenvolvimento do seu relacionamento. Outro ponto da atuação da Carey Mulligan está exatamente no impacto das suas cenas mais dramáticas, onde é justamente onde sua interpretação sobe ainda mais de nível. Posso citar inúmeras cenas em que ela nos surpreende: como a cena que ela descobre a infidelidade de Leonard e seus casos com outros homens. A cena em que ela julga que o Leonard não tinha amor próprio, sendo ele um dos pivôs da briga no casamento e que ele iria morrer como um velho gay solitário. A cena do consultório médico, quando é descoberto o seu câncer no seio. É uma cena comovente e dramática, onde a partir dali o clima do filme fica mais tenso e mais carregado. Belíssimo trabalho entregue pela Carey Mulligan, que também vai lhe render inúmeras indicações.
Outro ponto que surpreende na dupla Bradley Cooper e Carey Mulligan, é toda a caracterização que ambos se submeteram para trazer ainda mais fidelidade na obra. E aqui já entrando nas partes técnicas e artística do longa; temos um trabalho de maquiagem e caracterização completamente impecável, que traz uma identificação fiel com as personalidades reais de ambos. Eu diria que na segunda parte do filme é onde a caracterização se sobressai ainda mais, principalmente pela representação do casal já idoso e de uma Felicia enferma. Criou-se uma grande polêmica sobre a prótese de nariz que o Bradley Cooper teve que usar em sua caracterização de Leonard Bernstein, e isso tomou uma proporção até inimaginável. Na minha opinião o Cooper fez um ótimo trabalho de transformação e caracterização, por mais que realmente vê-lo em cena atuando com aquela prótese de nariz tenha ficado uma tanto quanto estranho na primeira visão, mas com o passar do filme a gente vai se acostumando.
Sobre a direção de Bradley Cooper:
Tecnicamente ele faz um trabalho muito bom, muito digno com a representação da cinebiografia da obra, onde ele sabe como usar a câmera com seus takes, onde ele valoriza as interpretações, as metáforas visuais e os planos-sequência. A cinematografia da obra é bem ajustada e trabalha em harmonia, tanto com a direção quanto com a fotografia. A direção de arte é outro ponto que vale a pena destacar, pois a mesma é muito bem montada, muito bem executada nos padrões de cada década, representando com bastante fidelidade cada cenário da obra em que estava sendo rodada. A trilha sonora foi bem escolhida pelo próprio Bradley Cooper, onde ele decidiu quais composições de Leonard seria usada no filme e as mesmas foram executadas pela Orquestra Sinfônica de Londres. Tecnicamente "Maestro" se destaca na temporada.
"Maestro" foi indicado ao Leão de Ouro no 80º Festival Internacional de Cinema de Veneza. Também foi indicado a quatro Globos de Ouro, oito Critics Choice Awards e dois Sag's Awards. Embora a Netflix não divulgue publicamente o faturamento de bilheteria, a IndieWire estimou que o filme arrecadou cerca de US$ 200.000 em oito cinemas em seu fim de semana de estreia (e um total de US$ 300.000 no período de cinco dias do Dia de Ação de Graças), o que o tornaria a estreia de maior sucesso para a empresa desde pelo menos 2019.
Pontuando os principais pontos negativos do longa-metragem:
Cinebiografias tendem a serem caracterizadas pela emoção, pela intensidade, pelo entusiasmo, até por retratar partes da vida de uma figura real. E é justamente o que falta em "Maestro", falta intensidade, falta entusiasmo, falta emoção, e nem é falando propriamente das partes mais dramáticas envolvendo os acontecimentos que permeia o final da obra. Acredito que a opção do roteiro em não destacar uma biografia mais aprofundada da personalidade de Leonard Bernstein deixa a obra menos realista, pois para quem não conhece a sua história vai ficar perdido em certas partes da trama, isso incluindo a falta de informações sobre sua vida pessoal, profissional e principalmente sobre a sua bissexualidade.
Este é um ponto que no meu conceito pesa negativamente no filme, justamente uma abordagem mais aprofundada em seus dilemas, em seus traumas e em sua bissexualidade, pois eu acredito que agregaria ainda mais no contexto da obra. Todo drama do relacionamento entre Leonard e Felicia é bem desenvolvido até onde consegue chegar na trama, mas também falta emoção, principalmente para nos fazer sentir realmente todo o drama e toda a emoção vivida pelo casal por tudo que eles estavam enfrentando naquele momento de suas vidas.
Por fim:
"Maestro" é um bom filme biográfico até onde consegue ir e nos atingir com a sua mensagem em torno de uma visão geral da vida de Leonard Bernstein. Mas por outro lado falta imersão principalmente no relacionamento do casal. Além de faltar mais informações de quem foi o gênio em seu principal território, que era os palcos musicais. Fica a impressão que o principal objetivo do longa-metragem não era nos mostrar quem verdadeiramente foi Leonard Bernstein enquanto um renomado Maestro, mas sim abordar a sua vida conturbada com sua esposa, mostrar os seus conflitos, suas contradições, seus dilemas pessoais e superficialmente abordar a complexidade de sua bissexualidade. No fim, quem não conhece a história de quem foi Leonard Bernstein, ao fim do filme continuará com a impressão de que ainda não conheceu todo o seu talento e principalmente o seu legado.
[09/01/2024]
Assassinos da Lua das Flores
4.1 615 Assista AgoraAssassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon) 2023
"Assassinos da Lua das Flores" é uma produção Apple Studios lançada pela Apple TV+ sob o selo Apple Original Films, ao lado da Paramount Pictures. O longa-metragem é dirigido e produzido por Martin Scorsese, que co-escreveu o roteiro com Eric Roth (roteirista do clássico "Forrest Gump", de 1994). Leonardo DiCaprio é a estrela principal e também produtor do filme. O longa é inteiramente baseado no livro "Killers of the Flower Moon: The Osage Murders and the Birth of the FBI" do jornalista americano David Grann lançado em 2017, onde mostra os assassinatos dados a partir de circunstâncias misteriosas na década de 1920 em Oklahoma, assolando os membros da tribo indígena Osage logo depois que o petróleo foi descoberto em suas terras. Um chefe político local corrupto tenta roubar a riqueza dos membros tribais o que acaba desencadeando uma grande investigação envolvendo o poderoso J. Edgar Hoover, considerado o primeiro diretor do FBI.
Recentemente ao reassistir "Os Bons Companheiros" (1990), o que eu considero como a segunda melhor obra-prima de toda a filmografia do mestre Scorsese, eu afirmei que não era à toa que muitas pessoas e muitos críticos de cinema consideram o Scorsese como "o maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". E novamente estou eu aqui para reiterar essa afirmação. O mestre Scorsese vive o cinema, respira o cinema, é um verdadeiro apaixonado pelo cinema, um pesquisador do cinema, um verdadeiro gênio da sétima arte, que ao longo de sua carreira já nos brindou com inúmeras histórias, inúmeras obras-primas, que estão nas listas dos maiores e melhores filmes de todos os tempos.
"Assassinos da Lua das Flores" é um dos trabalhos do Scorsese mais aguardado, e muito por esta produção ter um peso muito importante e muito relevante para a história do cinema. Temos aqui um trabalho que traz uma grande representatividade para o diretor, e muito pela sua forma de estudar o cinema, pela a sua filosofia por trás das suas obras, pela a sua peculiaridade em contar uma grande história, pois o Scorsese é um diretor meticuloso, que sempre busca a perfeição em suas obras e sabe contar e representar uma grande história no cinema.
No alto dos seus 81 anos, Martin Scorsese emprega a sua filosofia de se fazer cinema, a sua forma de estudar uma história, de trabalhar uma história, de se aprofundar em uma história, e mais do que isso, de fazer um grande trabalho de pesquisa com pessoas que fizeram parte da história que ele quer contar. Scorsese revelou que assim que leu o livro de David Grann imediatamente ele decidiu que precisava fazer um filme sobre o tema, o que logo o levou a iniciar um grande trabalho de pesquisas sobre a tribo indígena de Osage, tanto que ele passou horas com o Chief Standing Bear, um líder nativo, tentando convencer o povo Osage a ajudar com a sua produção. E o mais importante, é o fato do Scorsese respeitar os costumes e as tradições dos povos Osage, ou seja, idealizar toda a sua produção mais sempre mostrando um grande respeito pela cultura da tribo.
"Assassinos da Lua das Flores" é uma produção que dá voz ao povo Osage, que traz uma representação histórica fidedigna dos acontecimentos da época, soando como uma verdadeira denúncia sobre toda opressão e assassinatos que os povos Osage sofreram com a invasão dos EUA em suas terras pelo fato do famigerado "Ouro Negro", o petróleo. O longa traz um tema extremamente importante e que precisa ser do conhecimento de todos, afinal de contas estamos falando da ganancia, da opressão, da violência, da ambição humana. Como não somos americanos e não moramos nos EUA, não conhecemos à fundo toda a história do passado americano nem o que ele causou com cada um que atravessava o seu caminho. Mas fato é que os americanos carregam uma grande mancha em sua história, e uma mancha de violência, de crueldade, de sangue, e que poucos conhecem. Eu mesmo não conhecia essa parte da história americana que foi contada no filme do Scorsese.
É preciso destacar que "Assassinos da Lua das Flores" vai contra quase tudo que normalmente conhecemos sobre o cinema norte americano, e digo isso por ser um tema que soa como uma denúncia contra os próprios americanos, já que os americanos sempre mostraram a sua visão estereotipada de determinados fatos da sua história. O longa mostra além de tudo uma visão histórica que aborda a crueldade e a ganância do homem branco contra os índios, um ponto que já foi base para outras produções cinematográficas ao longo da história. E aqui temos um ponto muito interessante do roteiro de Scorsese e Eric Roth, que é uma certa mudança na abordagem do tema principal do livro de David Grann. No livro temos toda a abordagem que investiga os assassinatos dos povos Osage, além é claro, a investigação por trás dos crimes que deu origem ao surgimento da "Bureau of Investigation", o que hoje conhecemos como "Departamento Federal de Investigação dos EUA", o grande FBI. Scorsese revelou que não seguiu exatamente só esse tema, que ele também quis se aprofundar na questão do romance entre o americano e a mulher Osage, ou seja, Scorsese não queria que seu filme fosse visto apenas como uma abordagem sobre o homem branco, mas também sobre os indígenas.
"Assassinos da Lua das Flores" traz uma história interessantíssima, e a forma como o Scorsese conta essa história deixa ainda melhor. Eu afirmo que não seria qualquer diretor que conseguiria nos prender por 3h 26min em uma história fiel, voraz, inteligente, muito bem adaptada, que soube mesclar um drama como uma ação abordo de uma denúncia policial. Temos aqui um Scorsese sendo Scorsese, que sempre foi um mestre em nos surpreender com narrativas tensas sobre uma ascensão e queda (vide o maravilhoso "O Lobo de Wall Street", de 2013). Aqui Scorsese traz um discurso de denúncia que por si só já soa com uma certa complexidade, com uma temática difícil de ser abordada, pois não é só contar uma história mas sim representar aquela traição, aquela crueldade, aquela ganância dos americanos e a impunidade contra os povos Osage.
"Assassinos da Lua das Flores" já tem um início avassalador com aquele diálogo contundente entre o Ernest Burkhart (DiCaprio) e seu tio William Hale (De Niro), assim que ele chega em sua casa a pedido do próprio tio. A partir daí o filme transcorre em um ritmo acertado ao nos contar e nos emergir naquele ambiente do povo Osage. Vemos como o Ernest tem todo aquele charme de conquistador quando ele passa a dirigir para a Mollie Burkhart (Lily Gladstone). E aqui vemos o Ernest mostrando o seu carisma, tentando conquistar a atenção da Mollie, e sim, ele não passa de um fantoche do seu tio, o verdadeiro pau-mandado. Já a Mollie no início é um poço de mistério, fechada, contida no seu canto, sem expressar seus sentimentos ou seus traumas, mas aos poucos ela vai sendo conquistada por Ernest. Já o William é o manda-chuva, o todo poderoso, que se faz de amigo dos Osage mas não passa tudo de um grande plano para dar um grande golpe na tribo junto com seu sobrinho Ernest.
Sobre o elenco:
Leonardo DiCaprio mais uma vez constrói um personagem impecável. É impressionante como sempre o DiCaprio estuda muito bem o seu personagem, se doa completamente para o seu personagem, ao ponto de esquecermos de todos os outros personagens que ele já fez. Aqui DiCaprio traça a linha do personagem que quer se dá bem na vida, que almeja o dinheiro, que almeja o interesse antes de qualquer coisa, mas age como um fantoche, como um estúpido, sendo apenas uma muleta para os planos do tio em tomar a riqueza dos povos Osage. Eu fico sempre embasbacado com o nível de atuação que o DiCaprio constrói e entrega em todos os seus personagens, por mais que eu já tenha assistido inúmeros filmes dele mas eu sempre me surpreendo. DiCaprio é um gênio na arte de atuar, e aqui podemos comprovar mais uma vez o seu poder de transformação no personagem, que vai desde aquele carisma de galanteador que quer se enriquecer a qualquer custo inicialmente, até a sua desconstrução e queda, e cada passagem tem uma interpretação milimetricamente condescendente com o momento do seu personagem - uma interpretação que me remete ao seu próprio personagem na obra-prima "O Lobo de Wall Street", o icônico Jordan Belfort.
Já Lily Gladstone faz a sua principal personagem da carreira. Lily incorpora com excelência a Mollie, a herdeira das terras de petróleo da sua tribo, o que sempre vai despertar interesse dos homens ao seu redor, os homens brancos. E aqui é muito interessante acompanhar a construção e o desenvolvimento que a Lily cria para a sua personagem, que assim como eu já destaquei anteriormente, inicialmente ela é misteriosa, fechada embaixo de toda aquela sua vestimenta, completamente trancada para a aproximação masculina, mas é o Ernest que consegue quebrar esse seu bloqueio. A cada cena da Lily íamos comprovando a grande atriz que ela é, pois ela soube personificar a sua personagem, dá o tom exato para cada momento, que ia desde a sua forma de conversar, de se expressar, de ir saindo daquela personalidade fechada e se desconstruindo. A partir do momento que ela passa a sofrer por causa da diabete (ou por causa das injeções que ela tomava), sua atuação cresce ainda mais, pois enquanto enferma ela se mostrava ainda mais aguerrida. Uma elegantérrima atuação de Lily Gladstone, que em certos momentos esteve em pé de igualdade com o DiCaprio e o De Niro.
Robert De Niro é um absurdo, um dos melhores atores da sua geração ainda em atividade. É impressionante como o De Niro junto com o Scorsese só nos entregou trabalhos em altíssimo nível. Ao longo da história este casamento já nos brindou com inúmeras obras-primas, e aqui temos mais uma página fabulosa dessa incrível parceria da história do cinema. O Scorsese sabe exatamente o personagem que ele vai entregar para o De Niro, que é sempre um personagem que é o centro das atenções, onde a história passa muito por ele, se desenrola a partir dele, se desconstrói a partir dele, e aqui temos exatamente esse perfil no personagem do De Niro. De Niro constrói um dos seus personagens mais destetáveis da carreira, e muito pela sua forma de se portar como um amigo, uma pessoa de confiança, de se mostrar empenhado pela causa dos povos Osage, quando na verdade ele não passava de um ser asqueroso, mesquinho, repugnante, frio e totalmente calculista. William Hale era um ser extremamente preconceituoso, que agia unicamente em prol da sua ambição da riqueza dos nativos, e ainda usava pessoas como marionetes ao seu favor. Somente um ator do calibre do De Niro para nos causar repulsa e nos fazer criar ódio mortal pelo seu personagem. Uma atuação estupidamente perfeita desse gênio chamado Robert De Niro.
Completando o elenco:
Jesse Plemons vive o personagem Tom White, o agente do FBI que vai até o local dos crimes e passa a investigar o William Hale. Jesse entra já na parte final do filme mas não deixa de ser importante para o contexto final da história, principalmente no encalço do William e nos confrontos com o Ernest. Jesse Plemons se encaixa perfeitamente nesses personagens, ele tem um timming para compor toda a sua interpretação. Curioso que originalmente o papel de Tom White havia sido oferecido ao DiCaprio, mas o ator optou por tentar interpretar o Ernest Burkhart. Foi ai que o Scorsese escalou o Jesse Plemons para o papel do Tom White.
Brendan Fraser é mais um que aparece somente nas partes finais do longa, ele interpreta o Hamilton, o advogado de William Hale. Brendan não tem um grande destaque mas em suas aparições ele consegue se impor com seus discursos.
Sobre as qualidades técnicas:
Elogiar a direção de Scorsese é simplesmente chover no molhado. Scorsese não dirigi um filme ele dá aula. Um dos pontos altos da direção do Scorsese está exatamente na sua captação dos movimentos dos ângulos de câmeras para captar cada reação e expressão de seus atores em cenas. A trilha sonora foi composta pelo ex-colega universitário de Scorsese, Robbie Robertson. O longa marca a décima primeira e última colaboração entre Scorsese e Robbie Robertson, que morreu dois meses antes do lançamento do filme. O filme é dedicado a Robertson. Devo afirmar que a trilha sonora de "Assassinos da Lua das Flores" é magnânima, homogênea, compenetrada, primordial em cada cena, onde contribuía com toda a tensão, principalmente na parte final do longa (o julgamento).
A fotografia de Rodrigo Prieto marca a sua dobradinha em 2023, já que ele também atuou em "Barbie". A fotografia principal ocorreu nos condados de Osage e Washington, Oklahoma, trazendo assim mais fidelidade para a história, já que o filme foi rodado exatamente no mesmo local dos acontecimentos reais. Rodrigo faz um trabalho que é mais um grande destaque do filme, pois esteve o tempo todo muito bem ajustado, ditando bem o ritmo da história unicamente pelo seu enquadramento de cada cena. A direção de arte é outro show à parte, completamente fiel com a época do filme, o que logo se destaca notavelmente. Em questões técnicas o longa do Scorsese é a referência do ano, e poderá ser muito bem reconhecido nos festivais de premiações.
"Assassinos da Lua das Flores" teve um orçamento de US$ 200 milhões, supostamente a maior quantia já gasta em uma filmagem em Oklahoma. O filme arrecadou mais de US$ 156 milhões em todo o mundo. O longa ganhou o prêmio de Melhor Filme no National Board of Review e foi eleito um dos 10 melhores filmes de 2023 pelo American Film Institute. Também foi indicado a sete Globos de Ouro, incluindo Melhor Filme - Drama.
O longa-metragem foi muito bem aceito e teve excelentes críticas em um modo geral. No Rotten Tomatoes, o filme detém um índice de aprovação de 93% com base em 435 resenhas, com uma classificação média de 8,5/10. Já o Metacritic atribuiu ao filme uma pontuação média ponderada de 89 em 100 com base em 63 críticos.
"Assassinos da Lua das Flores" tem uma duração de 3h 26min, o que para muitos será o principal motivo para desistir de assistir o filme. Entendo que o filme é consideravelmente longo, que é uma marca do próprio Scorsese, mas o que surpreende é a forma como essas 3h 26min é bem distribuída no decorrer da história. Temos aqui uma história muito bem contada, muito bem amarrada em cada cena, que nos prende pela curiosidade e pela vontade de ver até onde vai essa ambição doentia e incontrolável. Quando o filme começa a pesar logo o Scorsese trata de trazer um novo ânimo, um novo fôlego para a história, que é justamente a chegada do FBI para as investigações. A partir daí o filme volta a crescer, volta a ficar interessante, pois temos toda a parte em que o Ernest é preso e logo após interrogado. Depois temos uma sequência de cenas na parte do tribunal, onde aquele interrogatório final é fantástico. Só acho que especificamente essas partes finais do julgamento poderiam ter sido mais exploradas, acho que ficou devendo um pouquinho nesse ponto. Ainda temos aquele diálogo final da Mollie com o Ernest, que já torna a cena completamente emblemática.
No mais, "Assassinos da Lua das Flores" é uma obra fantástica, imponente, avassaladora e extremamente importante para o contexto histórico americano. Uma obra meticulosa que mostra até onde vai a ambição, a ganância, a traição, a crueldade e principalmente a impunidade, pois o "Ouro Negro" pode ser visto como algo inovador, próspero e muito importante, mas junto com ele também vem todas as mazelas do ser humano.
No final Scorsese encerra a sua obra de forma catártica e poética, nos evidenciando com aquele testemunho sobre o final de cada personagem da história, com o próprio Scorsese em cena lendo o relato final da Molly Cobb, o que me leva a crer que foi o depoimento do caso real.
Senhoras e senhores, que final!
[01/01/2024]
Oppenheimer
4.0 1,1KOppenheimer - 2023
"Oppenheimer" é escrito e dirigido por Christopher Nolan, com uma colaboração na produção de Emma Thomas (produtora de "Tenet" - 2020) e Charles Roven (produtor de "The Flash" - 2023). A estrela principal do filme é vivido por Cillian Murphy como Julius Robert Oppenheimer, o físico teórico americano que é considerado como o "pai da bomba atômica" por sua participação no "Projeto Manhattan", sendo ele o cientista responsável por liderar o programa confidencial dos Estados Unidos cujo objetivo era desenvolver uma bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. O longa-metragem é baseado na biografia "American Prometheus" de 2005, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, onde narra a carreira de "Oppenheimer", com a história focando predominantemente em seus estudos, sua direção do "Projeto Manhattan" durante a Segunda Guerra Mundial e sua eventual queda em desgraça devido à sua audiência de segurança em 1954.
É impossível não considerar Christopher Nolan como um gênio do cinema moderno, e isso pode ser comprovado ao navegar em sua filmografia, que vem desde o final do anos 90 mas com um destaque maior a partir do início da década de 2000, onde ele se prova como o gênio da sétima arte que conhecemos hoje. Nolan tem trabalhos grandiosos, impecáveis, irretocáveis, grandes obras-primas que navega no drama, no sci-fi, nas adaptações de super-heróis e na guerra. Posso citar aqui obras como "Amnésia" (2000), a trilogia "Batman" (2005/2012), "O Grande Truque" (2006), "Interestelar" (2014), "Dunkirk" (2017) e a maior obra-prima de sua carreira que eu considero, "A Origem" (2010).
Nolan sempre foi a referência em criar roteiros complexos, ambíguos, intrigantes, pragmáticos, enigmáticos, audaciosos, que nos leva a enésima sensação do êxtase e sempre dá aquele famoso nó em nossas mentes. Eu sou um fã de carteirinha das obras do Nolan, e tenho "Interestelar" e "A Origem" como os seus dois filmes mais complexos e surpreendentes que eu assisti até hoje.
Quando eu ouvi os rumores que Christopher Nolan iria dirigir um filme relacionado a Segunda Guerra Mundial, eu fiquei bastante curioso e com uma grande expectativa, afinal de contas em toda a sua carreira ele ainda não tinha navegado nesse gênero cinematográfico. Estou falando exatamente de "Dunrkirk", que foi lançado em 2017 e que na minha opinião não está entre os melhores filmes do Nolan, mas não deixa de ser uma belíssima produção, ainda mais falando das qualidades técnicas da obra. Já em 2020, quando Nolan lançou o bagunçado "Tenet", tivemos um fato bastante curioso dentro do roteiro daquele filme; que foi toda a explicação e toda ligação para a criação do método de inverter o mundo, que foi nos passado como uma criação feita por uma Cientista no futuro, que paralelamente foi ligado com o curioso "Projeto Manhattan", que é exatamente o programa de pesquisa e desenvolvimento que produziu as primeiras bombas atômicas durante a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, lá em 2020 Nolan deixou no ar uma referência sobre o roteiro de seu próximo filme, aquele famoso "easter egg".
"Oppenheimer" traz um Nolan de volta a sua grande fase, ao seu grande auge, pois aqui estamos falando de um roteiro pautado em volta de uma grande personalidade histórica, um nome que até hoje causa bastante controvérsia e opiniões diferentes. Nolan mergulha em um filme biográfico com um tema que traz um grande impacto na história da Segunda Guerra Mundial, exatamente sobre o grande fardo que caiu nas costas de Robert Oppenheimer quando ele esteve à frente de um dos maiores projetos de extermínio da história da humanidade - estou me referindo exatamente sobre a bomba nuclear que foi lançada em Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945.
"Oppenheimer" é composto por várias vertentes, e isso que deixa o longa mais interessante, pois afinal de contas estamos falando de uma história real em que nós já conhecemos o seu final. Esse é um ponto extremamente importante para a narrativa de toda a história, ou seja a forma como o Nolan vai trabalhando todo o seu contexto, isso refletindo diretamente em um drama, uma biografia, uma história, que nos conduz por um caminho totalmente político, que nos mostra as suas variações de valores morais e éticos. E como estamos falando de Oppenheimer, fica ainda mais difícil falar de conceitos morais e éticos, pois a história nos mostra simplesmente a criação do "pai da bomba atômica", ou seja, como ele foi o responsável em dar a humanidade um meio de se autodestruir, um meio de exterminar vidas inocentes.
Nolan é muito hábil e inteligente, pois logo na abertura do filme temos uma alegoria com o mito de "Prometeus", que diz: "Prometeus" roubou o fogo dos deuses e deu aos homens." E é interessante notar que a história de Oppenheimer pode ser comparada com a de "Prometeus", pois o próprio Oppenheimer também desafia os limites das leis da natureza, quando ele cria uma forma de autodestruição, que sim, muitos diziam ser um poder unicamente dos deuses. E continuando na linha de "Prometeus", Oppenheimer também sofre o alto preço das suas consequências, por passar a viver uma guerra psicológica interna, uma forma de se torturar, por sentir o peso da sua invenção, por sentir a dor de ser o responsável pelo extermínio humano. O próprio Nolan revelou que Oppenheimer nunca se desculpou pelo o que ele causou a Hiroshima e Nagasaki.
Podemos considerar "Oppenheimer" como um longa que aborda uma personalidade histórica inserida em um profundo drama que soa desconfortável, desgastante, doloroso, que nos mostra que a mente humana não tem limites, que nos faz refletir sobre como o ser humano sempre está propício a falhas, a erros, e que muito desses erros é considerado como grandes vitórias para uns enquanto é uma dolorosa realidade para outros. Realmente "Oppenheimer" é uma experiência que por pode ser boa pelo lado do conhecimento histórico de um acontecimento na Segunda Guerra Mundial, mas ao mesmo tempo é uma experiência totalmente trágica e desconfortante pelos acontecimentos que acometeu toda esse fato histórico.
"Oppenheimer" é um filme longo, de 3h 01min, que se divide em duas partes: a primeira parte envolve toda a parte política do "Projeto Manhattan", junto com suas projeções, liberações e aceitações por parte governamental. Até aquele perfil "mulherengo" de Robert Oppenheimer está em um estado mais aflorado. Já na segunda parte: é onde temos o primeiro teste com a bomba, o filme muda de tom, muda de ritmo, deixa de lado aquele lado político e imperialista para mergulhar nos resultados do teste e afirmar tudo que o Oppenheimer programava com suas ideias e seus desejos. E aqui temos uma cena que por si só já se torna emblemática, que é a cena em que o Oppenheimer diz: "agora eu me tornei a morte. O destruidor de mundos." Logo após a explosão da bomba Oppenheimer é completamente ovacionado por todos, praticamente um ato de heroísmo, um reconhecimento de tudo que ele projetou e trabalhou. Até aquele momento o próprio Oppenheimer ainda não tinha sentido a proporção de tudo que ele havia causado. Ele ainda não tinha a dimensão de tudo que estava por vir, de carregar o título e o fardo de "pai da bomba atômica".
Robert Oppenheimer era um homem que preservava a sua ideologia, as suas crenças, as suas visões do mundo. Logo observamos que mesmo com a queda da Alemanha na Segunda Guerra Mundial e com a morte de Hitler, os americanos junto com o próprio Oppenheimer queriam construir a bomba já com a intenção de atacar o Japão com ela. O próprio Oppenheimer afirma em seu discurso que o mundo nunca esquecerá daquele dia, e que a sua vontade era ter jogado a bomba na Alemanha. Logo após o discurso de Oppenheimer é que ele, assim como nós, vemos até onde vai a ambição do ser humano, a sua ganancia pelo poder, as duras consequências que a bomba nuclear trouxe para as pessoas, o que ela causa em contato com a célula humana. É bizarro na cena em que o Oppenheimer vai receber as considerações do Presidente americano, que logo diz que ele é o "pai da bomba atômica" e como é se sentir o homem mais famoso do mundo. É bizarro e doentio a forma como o Presidente comemora o lançamento da bomba em Hiroshima e Nagasaki, para que assim os americanos pudessem voltar para casa.
É nítido observar que Oppenheimer estava se sentindo culpado pelo ataque aos japoneses, tanto que durante essa conversa com o Presidente ele afirma que sente sangue em suas mãos, no momento que o Presidente oferece para ele um lenço para que ele pudesse limpar suas mãos (como uma forma simbólica), já que segundo o Presidente, ninguém dá a mínima para quem construiu a bomba mas sim que a lançou. O Presidente ainda diz: "não deixe mais esse bebê chorão voltar aqui." Esta cena é um dos maiores acontecimentos do filme.
O elenco de "Oppenheimer" é primoroso e genial!
Cillian Murphy (o astro de "Peaky Blinders") está no papel da sua vida. Ouso a dizer que Robert Oppenheimer já é considerado o seu melhor personagem da carreira e a sua melhor atuação. É realmente impressionante como Cillian Murphy estudou o personagem, entendeu o personagem, pegou todas as referências do personagem, conseguindo assim construir uma intepretação autêntica e visceral. Assistindo ao filme você consegue pegar todas as fases e todos os ritmos da atuação de Cillian Murphy, que vai desde a sua ambição e desejo pela construção do seu projeto, passando pelos seus relacionamentos amorosos conturbados e chegando até o seu estado psicologicamente degradante. Uma atuação genial de Cillian Murphy.
Robert Downey Jr. (eterno Tony Stark) me deixou completamente embasbacado com o nível da sua atuação no personagem Lewis Strauss. Strauss era o oficial da Marinha aposentado e membro de alto escalão da Comissão de Energia Atômica dos EUA. Strauss pode ser considerado como o grande rival de Oppenheimer, aquele que lutou para expor o físico como um espião comunista. Atuação magnífica de Robert Downey Jr., completamente irreconhecível, diga-se de passagem.
Matt Damon (recentemente esteve em "AIR: A História Por Trás do Logo") viveu Leslie Groves, oficial do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e diretor do Projeto Manhattan. Outro que também esteve excelente no personagem, e dividiu ótimas cenas de disputas de ideias com Oppenheimer.
Emily Blunt ("Um Lugar Silencioso") viveu Katherine "Kitty" Oppenheimer, esposa de Robert Oppenheimer e ex-membro do Partido Comunista dos EUA. Acredito que as participações femininas do filme do Nolan não teve assim um grande destaque, ou um destaque mais notável, ficando apenas como personagens limitadas e pouco exploradas. O mesmo vale para Florence Pugh ("Viúva Negra"), que viveu Jean Tatlock, psiquiatra, membro do Partido Comunista dos EUA e interesse romântico de Robert Oppenheimer.
O longa-metragem ainda contou com ótimas participações do elenco de apoio.
Tivemos Casey Affleck (campeão do Oscar por "Manchester à Beira-Mar") como Boris Pash, oficial de inteligência militar do Exército dos EUA e comandante da Missão Alsos.
Rami Malek (campeão do Oscar por "Bohemian Rhapsody") como David L. Hill, um físico nuclear do Met Lab, que ajudou a criar a Pilha de Chicago.
Kenneth Branagh (diretor de "Morte no Nilo") como Niels Bohr, físico, filósofo ganhador do Nobel e ídolo pessoal de Oppenheimer.
Jason Clarke ("Guerra Oculta") como Roger Robb, advogado e futuro juiz de circuito dos EUA que atuou como conselheiro especial da AEC (Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos).
E o destaque maior do elenco de apoio é sem dúvida o Gary Oldman ("Mank") como Harry S. Truman, o 33º presidente dos Estados Unidos que tomou a decisão de lançar as duas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Aquela cena em que ele recebe em seu gabinete o Robert Oppenheimer é uma cena absurda, uma atuação magnífica, do próprio nível do Gary Oldman.
Outra marca dos filmes do Nolan estão justamente em suas qualidades técnicas, e aqui não é diferente. Nolan Sempre consegue tirar o máximo de potencial de seu elenco, algo como ter o elenco em suas mãos. Em "Oppenheimer" isso fica muito claro, pois cada personagem está em sintonia em cena. A direção de Nolan é mais uma vez impecável e muito eficaz, alcançando aqueles seus famosos takes em anglos que sempre nos surpreende. Muito dos takes do Nolan em "Oppenheimer" me lembrou dos seus takes em "Interestelar". Vale lembrar que pela primeira vez, foi utilizado filtro preto e branco em uma câmera IMAX. A Kodak criou uma versão exclusiva de filmes para gravar algumas cenas do longa.
A trilha sonora de Ludwig Göransson (compositor de "Pantera Negra" que já trabalhou com Nolan em "Tenet") é muito bem destacada no filme, pois ela sempre consegue nos dar a dimensão dos acontecimentos em que o Oppenheimer está passando naquele momento de sua vida. Já a fotografia é outro casamento perfeito em cena, que assim como a trilha sonora, também consegue ditar o ritmo exato do efeito Oppenheimer no filme. A direção de arte é a nível de Oscar, sem nenhum exagero, pois aqui vemos um trabalho muito bem ajustado em cada detalhe de cena. Sem falar que o longa ainda conta com uma qualidade absurda na montagem, na mixagem e na edição. Realmente o Nolan nunca economizou nas qualidades técnicas dos seus filmes.
"Oppenheimer" arrecadou mais de US$ 954 milhões em todo o mundo, tornando-se o terceiro filme de maior bilheteria de 2023, o filme relacionado à Segunda Guerra Mundial de maior bilheteria, o filme biográfico de maior bilheteria e o segundo filme censurado de maior bilheteria. Recebeu indicações para oito Globos de Ouro, e foi eleito um dos dez melhores filmes de 2023 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute. O longa-metragem é o quarto filme de Nolan a receber classificação R nos Estados Unidos, precedido por "Following", "Amnésia" e "Insônia".
"Oppenheimer" foi extremamente aclamado pela crítica sendo considerado como um dos melhores filmes de 2023. No Rotten Tomatoes, "Oppenheimer" tem um índice de aprovação de 93% baseado em 458 resenhas, com uma nota média de 8,6 de 10. Já no Metacritic, que dá uma média ponderada, o filme tem uma nota de 88 de 100, baseado em 69 críticas. A recepção da audiência, segundo o CinemaScore foi muito positiva, dando uma nota "A" (numa escala de A+ a F), enquanto o PostTrak deu um índice de aprovação pelo público de 93%.
Por fim, temos aqui um Christopher Nolan de volta ao seu auge, de volta aos seus tempos áureos, que novamente soube nos entregar uma obra extremamente contundente, visceral, importante, cativante, inteligente, gloriosa, eficaz, que mescla com perfeição um drama biográfico histórico com um grande estudo de personagem, onde enfatiza principalmente o poder destrutivo da ambição humana pelo poder.
Sem nenhuma dúvida Nolan conseguiu atingir o seu principal objetivo, que era dar ao seu público a dimensão e a proporção da história e principalmente do legado deixado por Robert Oppenheimer, que vai desde o rótulo de "pai da bomba atômica", que pode ser algo grandioso e importante, como também um dos principais causadores do extermínio de vidas inocentes de Hiroshima e Nagasaki.
No fim, cada um que assistir "Oppenheimer" poderá tirar as suas próprias conclusões sobre a personalidade de Robert Oppenheimer e tudo que ele causou na história da humanidade. Acredito que este é o maior trunfo do filme, o poder da controvérsia.
Encerro afirmando que "Oppenheimer" é o melhor filme do Nolan desde "Interestelar"!
[30/12/2023]
Barbie
3.9 1,6K Assista AgoraBarbie - 2023
"Barbie" é dirigido por Greta Gerwig com um roteiro que ela própria escreveu junto Noah Baumbach ("História de um Casamento", de 2019). Além de ser baseado nas bonecas homônimas da empresa multinacional Mattel, é o primeiro live-action da "Barbie" depois de vários filmes e especiais animados por computador. O longa-metragem é estrelado por Margot Robbie como personagem-título e Ryan Gosling como Ken.
A ideia sobre um desenvolvimento de um filme live-action da "Barbie" teve seu primeiro anúncio em setembro de 2009 pela Universal Pictures, com a produção de Laurence Mark (um grande produtor americano de cinema e televisão). Logo após algumas intervenções, o desenvolvimento do longa começou em abril de 2014, quando a Sony Pictures adquiriu os direitos comerciais e cinematográficos. A partir daí a produção sofreu várias mudanças entre escritores e diretores, e entre elas a mudança da já escalada Anne Hathaway como "Barbie". Já com os direitos comerciais transferidos para a Warner Bros., em 2019 a Margot Robbie foi escalada para o papel da "Barbie", logo após a recusa de Gal Gadot, e a diretora Greta Gerwig também foi anunciada.
O longa foi lançado nos EUA em 21 de julho de 2023, com seu lançamento simultâneo com "Oppenheimer" (Christopher Nolan), que logo levou ao fenômeno cultural "Barbenheimer", que encorajou o público a ver ambos os filmes como uma característica dupla (que eu sinceramente não entendi o motivo). O filme foi aclamado pela crítica e foi um grade sucesso de público; sendo a melhor estreia em bilheteria do ano de 2023, o filme de maior bilheteria de uma diretora solo e da Warner Bros., o décimo quarto filme de maior bilheteria e o filme de comédia de maior bilheteria de todos os tempos. Com todo esse sucesso, o longa arrecadou cerca de US$ 1,44 bilhão em bilheterias ao redor do mundo. Além de conquistar o posto de um dos 10 melhores filmes de 2023 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute, incluindo indicações para doze prêmios Grammy, nove Globos de Ouro e um recorde de dezoito Critics' Choice Awards.
Uma coisa que não podemos negar é o fato de "Barbie" ter virado um grande fenômeno no maior estilo arrasa-quarteirão. O filme foi um dos maiores fenômenos da internet e do cinema, principalmente entre o público jovem, que eu acredito ser o público alvo do longa. No mês de sua estreia aqui no Brasil não se falava de outra coisa a não ser "Barbie". Em todos os locais que você ia você se deparava com anúncios e coisas relacionadas ao fenômeno "Barbie"; isso desde comerciais, outdoors, TV, YouTube, Facebook, Instagram e principalmente o Tik Tok. A "Barbie" teve um hyper absurdo e logo virou uma febre das redes sociais e do Tik Tok, algo surreal, onde a cada 10 vídeos da plataforma 11 eram sobre o filme da "Barbie". Sem falar na febre de usar rosa, uma coisa estratosférica, que eu nunca tinha visto no cinema, praticamente uma celebração, um evento, um baile de gala, onde as garotas usavam longos vestidos rosa.
Fato é, goste você ou não do filme, "Barbie" foi um dos maiores fenômenos da história recente do cinema dessa atual geração!
Mas qual é história de "Barbie"?
Bem, temos o mundo da "Barbielândia", onde vivem todas as Barbies, onde cada uma exerce o seu "dom" e seu "poder". Dentro desse contexto já fica muito claro que o filme prega a sua principal causa do feminismo, das mulheres poderem viver em um mundo de igualdade, serem o que elas quiserem. Ou seja, temos ali o poder feminista das Barbies como um todo, o discurso do seja o que você quiser; pois temos variações de cada Barbie ali presente, seja a Barbie Presidente, Médica, Advogada, Escritora, entre outras. Um fato curioso desse mundo da "Barbielândia" é o fato das Barbies exercerem o seu poder de comandar em um mundo aparentemente perfeito para as mulheres, enquanto os homens, aqui no caso as variações dos Kens, simplesmente existirem ali sem a menor relevância ou qualquer importância. Eu diria até que na primeira vista, os Kens do mundo da "Barbielândia" são usados apenas para enaltecer o ego de cada Barbie, já que nas primeiras cenas do Ken (Gosling) temos ele sempre implorando pela atenção exclusiva da Barbie (Robbie).
A história segue com a nossa protagonista, aqui vista como a "Barbie Estereotipada", sofrendo trágicas mudanças em sua vida rotineira no mundo de "Barbielândia". Logo ela se depara com a "Barbie Estranha" (Kate McKinnon), que indica que ela precisa partir em uma missão ao nosso mundo real, algo como um ajuste de contas, e logo a Barbie junto do Ken partem para uma jornada de autodescoberta após uma crise existencial.
Sobre o filme:
Acredito que o filme tende a funcionar melhor no começo, quando ainda estamos no mundo de "Barbielândia", e muito por estarmos falando do lúdico, do extravagante, do brilhantismo, do carnavalesco, com muita pompa, com muitos efeitos, com muitas cores (mais o rosa, é claro), com muitas luzes, com muitas músicas, em um ambiente muito alegre, funcionando praticamente como um musical feminista rosa. E pasmem, esta parte especificamente no mundo de "Barbielândia" eu até que achei interessante, eu até consegui me divertir, como eu disse: para mim funcionou como um filme musical.
Também me surpreendeu aquela abertura com a referência (ou você pode considerar uma homenagem) ao clássico "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (Stanley Kubrick), e até usando a mesma trilha - "Also sprach Zarathustra" de Richard Strauss.
A partir do momento que a Barbie vai para o mundo real o filme cai muito de produção, cai muito no meu gosto pessoal, eu já não conseguia ver o filme com o mesmo brilhantismo de antes. Aqui eu já não entendi muito do roteiro da Greta e do Noah, aonde eles queriam chegar, que rumo eles queriam dar para a história da "Barbie" em nosso mundo real. Logo de cara já vemos que a Barbie e o Ken tem visões completamente diferentes sobre o que o mundo real representa para ambos. Enquanto a Barbie busca a sua autodescoberta, confrontar a sua crise existencial e se adaptar no mundo real, por outro lado o Ken também está se autodescobrindo naquele mundo diferente de tudo que ele já viu. E aqui temos algumas cenas que falam por si só, algo como a nítida exposição do machismo velado e da masculinidade frágil; pois temos o Ken descobrindo como é ser "Macho" no mundo real, como ele passa a acreditar que porque ele é homem isso lhe dar o direito livre de ser o que ele quiser na profissão que ele quiser. Acredito que estas cenas a própria Greta quis cutucar a classe masculina e expor as opiniões machistas, quando ela faz questão de exibir o Ken achando que poderia trabalhar na profissão que ele quisesse sem o menor preparo pelo único fato dele ser homem. E ainda ela vai mais além quando ela faz questão que o Ken fale para a Barbie a frase: "o homem manda no mundo".
Partindo para as polêmicas no filme:
Um ponto muito curioso (e até engraçado) foi a grande guerra que se iniciou nas redes sociais e aqui no Filmow com o lançamento de "Barbie". Algo como um embate político, como uma guerra de direita contra esquerda, um guerra de ego, de masculinidade frágil, de feministas desamparadas, de militantes, algo completamente estúpido e irrelevante de pessoas que não tem no que se ocupar, pelo menos no meu ponto de vista. Está mais do que claro que a diretora, os roteiristas e os produtores queriam emplacar um filme como o tema do discurso da principal pauta do feminismo durante toda a sua história. É impossível você viver no ano de 2023 e decidir assistir o filme e não saber disso. Eu me recuso a acreditar que alguém que decidiu assistir o filme da "Barbie" foi surpreendido e não sabia sobre o que ele representava, sobre a bandeira que ele levantava, sobre a causa que ele defendia, sobre o discurso que ele pregava.
Agora uma coisa é certa:
Por mais que o filme queira levantar a bandeira do feminismo o tempo todo, e ai você goste ou não, mas fato é que o filme quer abordar o discurso e nos fazer repensar acerca da nossa própria sociedade em que vivemos atualmente. Algo como uma sociedade que nem sempre os homens devem mandar e as mulheres devem obedecer, ou os homens estarem no poder e as mulheres também. Acredito que a principal mensagem, a principal proposta do filme como entretenimento, é pregar a igualdade de gênero, é defender a causa feminista, por mais que a classe masculina às vezes se sintam ofendidos ou atacados pela forma como este discurso está sendo exposto no filme. E eu vi muito disso principalmente aqui no Filmow, pois parecia que os homens estavam se ofendendo com o filme da "Barbie". Sinceramente, eu acho isso uma escrotice sem limites, pois você que é homem e se sente ofendido por uma mídia audiovisual que está defendendo a causa feminista, com certeza você tem a maior carência de masculinidade frágil que eu já vi. Você pode até não gostar do filme, é um direito seu, agora se sentir ofendido já é demais. E eu não tenho nenhum problema em admitir isso sendo hétero e com quase 40 anos de idade.
O que eu achei do filme:
E não, eu não estou defendendo o filme como possa parecer, só acho bizarro a classe masculina se ofender com um roteiro que muitos afirmam (e que eu nem acho) pregar a temática "anti-homem" (ou "Misandria", que seja), até porque eu achei o filme como um todo bem mediano (pra não dizer inteiramente ruim). Acredito que uma das principais falhas do filme está exatamente no roteiro, que eu considero como um roteiro que quer pregar a sua mensagem feminista, quer defender o seu discurso feminista, mas faz uma abordagem falha, rasa, vaga, sem uma grande relevância em que as próprias mulheres olhem e se sintam representadas, ou se sintam defendidas. O roteiro não passa de uma grande bagunça em um filme de comédia de fantasia, que atira para todos os lados tentando acertar em um rumo mas falha consideravelmente. E digo isso pelo fato do roteiro ora querer mergulhar de cabeça na comédia pastelona e ora tentar te convencer com um discurso melodramático.
Eu nunca fui um grande apreciador dos trabalhos da Greta Gerwig, pelo contrário, acho que ela tem trabalhos bem medianos, com o próprio "Lady Bird" (2017). Em "Barbie" fica nítido que ela erra tentando acertar, já que ela expõe um símbolo da mulher ideal (como a sociedade acha), que é justamente a Barbie loira, linda, sensual, extravagante, sendo vista como um ícone da beleza e do consumismo, e indo mais além, sem estrias. E por outro lado até podemos entrar no estereótipo da clássica "Loira Burra". Depois já entramos no discurso de "combater o patriarcado", daquela busca incansável pelo descobrimento do seu "eu interior", da clássica transformação da menina em mulher, da sua aceitação, como vemos nas partes finais do filme, quando a Barbie se reconhece como Bárbara e vai até o ginecologista. Dessa forma eu considero um roteiro extremamente bagunçado e mal idealizado, que mistura vários tópicos e no fim não consegue uma abordagem relevante e satisfatória em nenhum.
Sobre o elenco:
Margot Robbie (atriz que eu amo de paixão) é indiscutivelmente perfeita na pele da "Boneca Barbie". Ela tem muito carisma, muita elegância, muita simpatia, muito charme, é muito sensual e casou perfeitamente com a personagem, além de ter entregado uma boa performance.
Ryan Gosling é outro grande acerto no filme, pois achei ele perfeito como o Ken. Gosling tem essa veia performática da comédia, do musical (vide "La La Land"), onde ele consegue se dar muito bem no personagem e entregar o timming perfeito do drama e da comédia. Quero destacar o seu ponto alto no filme e uma cena que eu adorei: que foi exatamente a cena dele tocando violão e cantando para a Barbie a canção "Push" do Matchbox Twenty. Por sinal essa música é muito boa e a sua performance é excepcional!
O elenco de apoio não tem muito o que destacar, já que cada um faz apenas o que lhe é designado e que o roteiro pede. Isso inclui America Ferrera, Kate McKinnon, Issa Rae, Rhea Perlman, Ariana Greenblatt, Michael Cera, Dua Lipa e Will Ferrell.
Curiosidades sobre o filme:
- Ryan Gosling revelou em entrevista que só aceitou o papel após ter visto um "sinal". O ator encontrou um boneco Ken no quintal de sua casa, logo após receber o convite para interpretá-lo nos cinemas. O boneco pertencia a uma de suas filhas.
- Apesar das expectativas dos fãs, o single icônico da banda Aqua, "Barbie Girl", não foi apresentado no filme. A Mattel tem um histórico de desavenças com a banda por causa da música e tentou, sem sucesso, processar a banda por "violação de direitos autorais" lá nos anos 90. A banda venceu o processo, já que seu single era uma paródia.
- A mulher mais velha com quem Barbie está conversando no mundo real, de acordo com as legendas do trailer principal oficial, se chama Ruth. Ela recebeu o nome de Ruth Handler, co-fundadora da Mattel e é considerada a "Mãe da Barbie". Ela criou a primeira Barbie em 1959.
- A fonte usada no filme é baseada na fonte usada para todas as bonecas Barbie, produtos e mercadorias de 1975 - 1991. O logotipo da Barbie geralmente passa por uma reformulação a cada geração.
- A Barbie saindo dos saltos na ponta dos pés é uma referência ao molde corporal da Barbie tradicional. Até 2015, com a introdução das bonecas Barbie Fashionista com pés moldados para serem planos para que possam usar calçados baixos, todas as bonecas Barbie eram moldadas para usar apenas salto alto, mesmo que a boneca não tivesse sapatos como parte do truque ou acessórios (como as bonecas Barbie com tema de praia, por exemplo).
Partes técnicas do filme:
Um destaque maior fica por conta da trilha sonora, que na minha opinião ficou bem ajustada com o filme. As músicas escolhidas casaram bem com as cenas apresentadas, e o mesmo vale para as performances, que estiveram ótimas; com destaque da performance de Ryan Gosling em "I'm Just Ken". E ainda na trilha sonora: a expectativa maior era para a presença da música "Barbie Girl", já para a versão brasileira era para a versão "Sou a Barbie Girl" da Kelly Key - kkkkkk!
A cinematografia é muito boa, com um destaque maior para os enquadramentos da fotografia. O mesmo vale para a direção de arte, que esteve o tempo todo em perfeita harmonia, já que no quesito cenários o filme esteve bem servido, principalmente no mundo de "Barbielândia".
Por fim:
É inquestionável que "Barbie" marcou toda uma geração do cinema moderno e da geração moderna. É impossível você não perceber o tamanho do fenômeno que o filme foi nesse ano de 2023. Agora se o filme é bom, é relevante, é importante para a sociedade, tem conteúdo, fez algum efeito na sua vida, deixou alguma mensagem positiva, é da escolha própria de cada um e do gosto pessoal de cada um.
Mesmo o filme sendo essa grande comédia pastelona toda bagunçada e desestruturada, ele deixa a sua mensagem da sua forma; que é uma reflexão sobre valores, sobre existencialismo, sobre a autodescoberta, sobre igualdade de gênero, sobre o livre-arbítrio, sobre a posição feminina em uma sociedade patriarcal opressiva.
É importante ressaltar que antes de mais nada "Barbie" é apenas um conteúdo audiovisual com o intuito em prol do entretenimento. Ou seja, o cinema em suas mais variadas vertentes, que erra e acerta de acordo com a visão e a opinião de cada um, que prega a sua mensagem e o seu discurso de acordo com o gosto cinematográfico de cada um. Você tem o direito de gostar ou não do filme, até porque para mim fica naquela famosa frase: "não cheira e nem fede". Só acho que o filme em si não fere a masculinidade de ninguém e nem ofende ou prega todo esse discurso de ódio que se criou. Fica a dica!
Hi Barbie!
Hi Ken!
[23/12/2023]
Os Bons Companheiros
4.4 1,2K Assista AgoraOs Bons Companheiros (Goodfellas) 1990
"Os Bons Companheiros" é dirigido por Martin Scorsese, escrito por Nicholas Pileggi e Scorsese, e produzido por Irwin Winkler. O longa-metragem é baseado em uma história real, cuja adaptação cinematográfica é feita a partir do livro de não ficção de 1985, "Wiseguy", de Nicholas Pileggi. Estrelado por Robert De Niro, Ray Liotta, Joe Pesci, Lorraine Bracco e Paul Sorvino, o filme narra a ascensão e queda do associado da máfia Henry Hill (Liotta) e seus amigos e familiares de 1955 a 1980.
Considerar o Martin Scorsese como um mestre, como um verdadeiro gênio da sétima arte, é mais do que natural. Não é à toa que muitas pessoas e muitos críticos de cinema consideram o Scorsese como "o maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". Eu sou uma dessas pessoas que concorda plenamente com esta afirmação, porém eu colocaria mais dois nomes ao lado de Scorsese: James Cameron e Steven Spielberg. Fato é que Scorsese é um verdadeiro mestre quando o assunto é cinema, pois ele foi o responsável por algumas das maiores obras do que hoje é conhecido como cinema moderno. De acordo com o meu gosto pessoal, "Táxi Driver" (1976) é o suprassumo de todas as obras-primas do Scorsese até hoje, e figurando na segunda posição vem justamente a obra-prima "Os Bons Companheiros". A partir daí temos outras belíssimas obras-primas do mestre, mas estes dois citados estão indiscutivelmente no topo.
É interessante notar que em 1990, todo o planeta já tinha visto tudo de melhor que já havia sido lançado desse gênero de máfia e gângster. Ou seja, os verdadeiros clássicos do cinema como "Scarface" (1983), "Era Uma Vez na América" (1984), "Os Intocáveis" (1987) e o maior de todos - "O Poderoso Chefão" (1972). Foi exatamente diante desse cenário que Scorsese planejou e idealizou sua obra, já que ele também queria cravar o seu nome na história dos filmes de gângsteres, uma vez que existe uma história que Scorsese foi chamado para dirigir um dos filmes da franquia "O Poderoso Chefão", mas acabou não dando certo. Dessa forma o Scorsese mostra todo o seu talento na arte cinematográfica ao exibir o seu perfil de cineasta autoral e vasculhar os diversos níveis do crime organizado norte-americano, nos entregando simplesmente um dos maiores filmes da história do cinema, principalmente no gênero gângster.
"Os Bons Companheiros" é uma obra que soa muito intimista, muito peculiar para o Scorsese. Uma obra autoral, familiar, que traduz toda a história do seu crescimento, já que ele teve a sua infância dentro desse ambiente, vindo diretamente de seus pais que eram sicilianos. Ou seja, "Os Bons Companheiros" é um filme que revive a infância do Scorsese, que mostra para todos que as escolhas existem na vida de cada um, tanto para o lado bom quanto para o lado ruim. Eu diria que a história de vida do Henry Hill é exatamente o oposto da vida do Scorsese, e justamente por essas escolhas enquanto adolescente.
Eu sempre afirmo que os anos 90 foram os anos das grandes histórias nos cinemas, e aqui temos uma história que é uma verdadeira pérola cinematográfica, um verdadeiro patrimônio noventista. O longa traz à tona justamente uma bela abordagem em um gênero que sempre foi muito amado pelos americanos, que são os filmes de gângsteres. A figura de um gângster sempre foi uma figura extremamente respeitada e admirada, como conta as histórias. O próprio gênero gângster fez muito sucesso nos EUA, isso desde desenhos, contos, filmes, séries, documentários e livros. Esse estilo de vida sempre foi muito sedutor para os americanos, por toda a sua filosofia, o seu glamour, honra, poder, ambição, cultura, fama, tradição e poder econômico. E principalmente por ser um estilo de vida próprio e único, onde se vive como se não houvesse amanhã, com o melhor que essa vida pode lhe oferecer; com muito dinheiro, respeito, mulheres, sexo, negócios e drogas. Por outro lado é também um estilo de vida baseado na confiança, no companheirismo, na lealdade, onde juntamente terá uma vida arriscada voltada para a corrupção, a violência, o roubo, o tráfico, o sangue frio e muitos assassinatos.
Dentro desse contexto eu diria que "Os Bons Companheiros" é um filme que nos passa mais realismo, sendo até mais verdadeiro do que os outros do gênero. E muito por exatamente nos trazer essa face baseada em uma história real. Temos aqui a história da vida de Henry Hill, um ítalo-irlandês que nasceu em uma família tradicional e rígida com seus costumes e crenças da velha família com origens italianas, onde eles empregavam principalmente o moralismo. O garoto do Brooklyn começa a sua trajetória aos 11 anos, quando ele começa a ter contato com a gangue local, e passa a fazer pequenos favores (trabalhos) envolvendo negócios ilícitos. Este é o retrato da vida conturbada de Henry, que se vê seduzido pelo costumes e tradições das gangues, juntamente com todo o submundo dos contrabandos ilegais.
A partir daí, Henry larga os estudos tradicionais e mergulha de cabeça nessa sociedade que se auto identifica vencedores por meio do faturamento pessoal. Henry é facilmente seduzido pelo dinheiro teoricamente fácil, já que ele é o responsável pelos pequenos delitos a mando do chefe da gangue local, Paulie (Paul Sorvino). Henry começa a se dar bem na gangue muito pelo seu carácter de eficiência e principalmente de obediência. Dessa forma a confiança em Henry passa a crescer, e logo ele começa a sua escala hierárquica dentro desse universo mafioso. Logo que Henry conhece o mafioso em ascensão, Jimmy Conway (Robert De Niro), ele passa a ser visto como o seu novo protegido. Juntamente por ter conhecido outro líder mafioso, Tommy DeVito (Joe Pesci).
Henry era visto como o futuro da organização, até por muito cedo ele já se encaixar nesse perfil e sempre ter afirmado o seu desejo de ser um gângster. Para Henry ser um gângster era a sua escala mais importante na vida, o suprassumo da vida, para ele ser um gângster era melhor que ser o Presidente dos EUA. Tanto que quando Henry foi preso pela primeira vez ainda jovem ele passou a ser respeitado, ele era visto como perdendo a virgindade no mundo dos gângsteres. E Henry desde jovem já tinha aprendido a principal regra dos gângster, as duas coisas mais importante da vida de um homem (segundo o Jimmy Conway): "nunca dedure seus amigos e fique sempre de boca fechada".
Mais interessante ainda é quando passamos a acompanhar do estrelato e queda de Henry Hill, quando ele alcança um certo nível de importância nos negócios e passa a colocar tudo em jogo ao traficar armas e drogas. O que antes era visto como ascensão na cúpula criminosa, agora passa a comprometer tudo, quando Henry passa a atrair a atenção das autoridades sobre seu novo negócio, o que logo acarreta em seu afastamento da equipe.
"Os Bons Companheiros" é uma obra com uma extrema importância e influência dentro desse cenário cinematográfico, e muito por seu retrato fiel e realista desse submundo dos gângsteres. Temos aqui uma das maiores histórias baseada em uma personalidade real, o que obviamente se destaca como um dos melhores filmes sobre gângster. Sem dúvida um dos pontos principais do longa é justamente o seu roteiro e sua narrativa. O roteiro por sua vez é mais seco, cru, tenso, algo que contrasta exatamente com a violência, a barbárie desenfreada e as relações conflituosas entre todos os envolvidos naquele submundo - tanto pelos conflitos entre os membros em si, quanto pela difícil relação de Henry com sua esposa Karen (Lorraine Bracco). Já a narrativa é especificamente feita em primeira pessoa inicialmente pelo protagonista Henry, traçando uma linha em volta de uma biografia da Máfia. Logo após a Karen Hill começa a ganhar um certo peso na trama, e se junta ao Henry com sua própria narrativa. É impossível você assistir "Os Bons Companheiros" e não ser fisgado por essa belíssima narrativa, que se destaca especialmente como um belo e ousado movimento orquestrado pelo roteiro de Scorsese e Nicholas Pileggi.
"Os Bons Companheiros" surpreendeu e impactou em sua época por trazer justamente todas essas técnicas e recursos narrativos. Além, é claro, os famosos "closes congelados", que na época funcionava muito bem por ditar exatamente uma conclusão de uma ideia, uma tomada de decisão, e isso era um recurso específico e funcional, principalmente naqueles discursos voltados para o espectador - a famosa quebra da quarta parede. A técnica do voice-over é magistralmente bem administrada aqui. A trilha sonora do compositor italiano Gino Paoli, juntamente com o Pete Townshend, o guitarrista e vocalista da banda de rock "The Who", é completamente impecável e irretocável. É impressionante como a trilha sonora de "Os Bons Companheiros" é bem casada em cada cena apresentada, a típica trilha sonora que é o coração da obra. A cinematografia é um verdadeiro luxo, com destaque principalmente para a fotografia de Michael Ballhaus, que sempre intensificava cada captura de cena. A direção de arte de Thelma Schoonmaker é a verdadeira cereja do bolo, pois temos uma montagem impecável nos cenários, que abrange com muita dignidade e maestria toda a parte estética do filme, sempre bem uníssona com os padrões da época. É preciso também destacar a cenografia, a ambientação, a montagem, a edição e a mixagem de som. Cada um desses detalhes técnicos são bem orquestrados e funcionais com o peso e a importância histórica da obra.
Quando afirmamos que um filme é uma verdadeira obra-prima do cinema, o elenco tem que acompanhar a proporção e a magnitude dessa obra. E aqui temos um elenco grandioso, impecável, ajustado, compenetrado, que entregaram atuações com um nível de excelência absurdo.
O saudoso Ray Liotta (falecido em 26 de maio de 2022) é o protagonista por trás de toda história. Naquela época Liotta tinha poucos filmes no currículo, tanto que seu personagem Henry Hill é o mais conhecido de toda a carreira. Especificamente em "Os Bons Companheiros", Liotta faz um trabalho grandioso, com muita eficiência, que dita bem o ritmo de toda evolução da trama.
Robert De Niro é sem dúvida um dos maiores atores da sua geração ainda vivo. Nessa época De Niro já havia trabalhado com o Scorsese 6 vezes antes de "Os Bons Companheiros", sendo aqui um dos seus melhores trabalhos com o diretor. De Niro é um verdadeiro gênio na arte de atuar, o mafioso mais conhecido dos cinemas, que sempre emprega trabalhos fenomenais com atuações estratosféricas. Elogiar o De Niro em "Os Bons Companheiros" é simplesmente chover no molhado, pois o personagem Jimmy Conway ficou conhecido como um dos personagens mais marcantes de toda a sua carreira, assim como Al Capone, Travis Bickle e Vito Corleone.
Curioso que o De Niro tem uma química e uma sintonia invejável com o Joe Pesci, justamente por ter trabalhado junto com ele várias vezes. Aqui Pesci se une à De Niro como dois mafiosos perigosos e violentos sempre a um passo do caos desenfreado. Às cenas em que ambos atuam juntos sempre é envolvida por uma grande tensão no ar, porém a irreverência da dupla dá espaço para a comédia, o humor ácido, o humor negro, justamente em um tom que marca os momentos mais críticos da trama. Joe Pesci é outro excelente ator que também está impecável em "Os Bons Companheiros".
Lorraine Bracco também atuava em seu filme mais importante na época, juntamente com sua personagem mais notável de toda a carreira. Lorraine deu vida para a co-protagonista que tomou uma grande proporção e uma grande importância na história da vida de Henry Hill durante a trama. Karen desenvolve uma relação conflituosa, mas fiel, com Henry. Onde logo ela se mostra uma mulher dividida entre a força de sua própria personalidade e a fragilidade originária do amor por Henry. É interessante acompanhar esse desenvolvimento crítico com a história de Karen Hill.
Paul Sorvino (também falecido 25 de julho de 2022) é outro ator que esteve muito bem em toda a história, sendo pontual nos casos mais cruciais ao contracenar com Ray Liotta.
Sem deixar de mencionar as participações mais do que ilustre de Catherine Scorsese (1912-1997) e Charles Scorsese (1933-1993), os pais de Scorsese, que já trabalharam em outras produções, e juntos fizeram uma participação em "Os Bons Companheiros".
E fechando com uma participação mais contida de Samuel L. Jackson, como Stacks Edwards.
Cenas clássicas:
Toda grande obra sempre contém cenas clássicas e marcantes, e em "Os Bons Companheiros" não é diferente, pois temos várias cenas icônicas.
- Aquela cena de abertura, com as facadas e o tiro no homem no porta-malas, já é sensacional e já diz tudo que você pode esperar do filme.
- Aquela cena do bar, com o Tommy junto com seus amigos e o Henry, onde de repente ele passa a encenar com o Henry como se ele tivesse ficado incomodado com a situação exposta pelo próprio Henry, é uma cena hilária, emblemática, uma das melhores cenas do filme. E esta cena foi um improviso do próprio Joe Pesci, que diz ter vivido algo parecido na vida e ter trazido para o filme, cujo o próprio Scorsese gostou tanto que resolveu integrar a cena no filme.
- A cena em que o Tommy é desafiado no bar e atira contra o rapaz a sangue frio, e depois simplesmente debocha da situação. É outra cena icônica.
- Aquela sequência de cenas com o Jimmy apagando todas as provas que o ligaria com o assalto, juntamente com aquela matança. Outra cena absurda e maravilhosa.
- A cena em que o Jimmy recebe a notícia do assassinato do Tommy. Esta é uma cena antológica.
Curiosidades sobre o filme:
- O nome original de "Goodfellas" seria "Wiseguy", seguindo o título do livro, mas os produtores acharam melhor trocar para não confundir com o filme "O Homem da Máfia" (1987), cujo título original era exatamente "Wiseguy".
- Para se prepararem para seus papéis no filme, Robert De Niro, Joe Pesci e Ray Liotta conversaram frequentemente com Nicholas Pileggi, que compartilhou material de pesquisa que sobrou da escrita do livro.
- Segundo Joe Pesci, as improvisações surgiram dos ensaios em que Scorsese deu aos atores liberdade para fazer o que quisessem. O diretor fez transcrições dessas sessões, pegou as falas que mais gostou e colocou-as em um roteiro revisado, a partir do qual o elenco trabalhou durante a fotografia principal.
Recepção crítica e bilheteria:
"Os Bons Companheiros" foi desenvolvido com um orçamento de US$ 25 milhões e arrecadou US$ 47 milhões. O longa recebeu ampla aclamação após o lançamento, sendo amplamente considerado um dos maiores filmes de gangster já feitos. Em 2000, foi considerado "culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo" e selecionado para preservação no National Film Registry pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Com base em seu feito histórico e grande influenciador, seu conteúdo e estilo foram imitados em vários outros meios de comunicação.
"Os Bons Companheiros" está classificado em 92º lugar na lista 100 Years...100 Movies (10th Anniversary Edition) da AFI, publicada em 2007. Em 2012, o Motion Picture Editors Guild listou "Os Bons Companheiros" como o décimo quinto filme mais bem editado de todos os tempos, baseado em um levantamento de seus membros. Nas pesquisas Sight & Sound de 2012, foi classificado como o 48º melhor filme já feito na pesquisa dos diretores. Nas pesquisas subsequentes de 2022, ficou em 28º lugar na pesquisa dos diretores e empatou em 63º (com "Casablanca", de 1942, e "O Terceiro Homem", de 1949) na pesquisa da crítica. "Os Bons Companheiros" está em 39º lugar na lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos feita por James Berardinelli em 2014. Em 2015, "Os Bons Companheiros" ficou em 20º lugar na lista dos "100 Maiores Filmes Americanos" da BBC, votada por críticos de cinema de todo o mundo.
De acordo com o agregador de críticas Rotten Tomatoes, 96% dos 107 críticos deram ao filme uma crítica positiva, com uma avaliação média de 9,00/10. O consenso dos críticos do site diz: "Contundente e estiloso, "Os Bons Companheiros" é um clássico dos gângsteres - e sem dúvida o ponto alto da carreira de Martin Scorsese." O Metacritic atribuiu ao filme uma pontuação média ponderada de 92 em 100 com base nas avaliações de 21 críticos, indicando "aclamação universal". O público pesquisado pelo CinemaScore deu ao filme uma nota média de "A−" em uma escala de A+ a F.
Premiações:
"Os Bons Companheiros" foi indicado a seis Oscars: Roteiro Adaptado, Edição, Atriz Coadjuvante - Lorraine Bracco, Diretor e Melhor Filme, com Joe Pesci vencendo como Melhor Ator Coadjuvante. No Globo de Ouro o longa foi indicado em cinco categorias. No BAFTA foi nomeado em sete categorias, ganhando em Roteiro Adaptado, Montagem, Figurino, Direção e Melhor Filme. Além disso, "Os Bons Companheiros" foi eleito o melhor filme do ano por vários grupos de críticos. No 47º Festival Internacional de Cinema de Veneza, Scorsese foi premiado com o Leão de Prata de Melhor Diretor.
Encerro afirmando que o gênio Martin Scorsese traz aqui a sua segunda maior obra-prima de toda a carreira. "Os Bons Companheiros" é um resgate histórico e bíblico do belíssimo gênero de gângsteres e mafiosos. Um verdadeiro mergulho na arte conceitual cinematográfica, uma linda forma de se fazer cinema ao relatar uma abordagem em um gênero tão amado, idolatrado e aclamado pelos quatro cantos do planeta.
"Os Bons Companheiros" soa como uma obra autoral e intimista do mestre Scorsese, mas por outro lado ele também estava nos brindando ao nos entregar esta verdadeira carta de amor dedicada para toda a história da sétima arte.
Simplesmente um dos melhores filmes da década de 90 e indiscutivelmente um dos maiores filmes de gângster de toda a história do cinema.
Sem mais!
[20/10/2023]
⭐⭐⭐⭐⭐
👏 👏 👏 👏 👏
A Freira 2
2.6 427 Assista AgoraTEM SPOILERS!
A Freira 2 (The Nun 2) 2023
"A Freira 2" (também conhecido no original como "The Nun: Chapter Two") é dirigido por Michael Chaves, com roteiro escrito por Ian Goldberg, Richard Naing e Akela Cooper, a partir de uma história de Cooper e James Wan. O longa-metragem serve como uma sequência direta de "A Freira" (2018) e foi desenvolvido como o nono filme da franquia "The Conjuring Universe" (o famoso "Invocaverso"). O filme é estrelado por Taissa Farmiga, Jonas Bloquet e Bonnie Aarons, retornando do primeiro filme.
A história se passa 4 anos após os eventos do primeiro filme, no ano de 1956, na França. Onde temos um padre que é brutalmente assassinado e parece que o mal está novamente se espalhando. Para deter novamente o poder maligno, a Irmã Irene (Taissa Farmiga) mais uma vez deverá enfrentar a poderosa e demoníaca Valak, a Freira.
Este ano completa exatos 10 anos desde a estreia do primeiro "Invocação do Mal", lá em 2013. Na época o longa foi encarado apenas como mais um dos inúmeros filmes de terror que sempre eram lançados. Mas fato é que logo o filme começou a ganhar o conhecimento do público e virou febre. James Wan na época já tinha um grande conhecimento desse mundo cinematográfico de terror, pois ele já havia trabalhado como diretor e roteirista em produções como "Jogos Mortais" (2004), "Gritos Mortais" (2007), "Sentença de Morte"(2007) e "Sobrenatural" (2010). Como James Wan tinha todo o respaldo da produtora Warner Bros., além de todo o sucesso e bilheteria de "Invocação do Mal", logo ele decidiu criar Spin-offs da sua franquia principal. Foi assim que nasceu o "The Conjuring Universe", com produções como "Annabelle", "A Maldição da Chorona" e "A Freira". Além do filme "O Homem Torto", que foi cancelado.
Apesar do grande sucesso do "The Conjuring Universe", não são todos os filmes da franquia que são bons. Quantidade não quer dizer qualidade, e esta afirmação se encaixa perfeitamente aqui. Como no caso do primeiro "A Freira", que serviu apenas como base para a introdução de uma personagem de "Invocação do Mal" em seu filme solo. Porém, o filme é ruim, não funciona com a mesma relevância e estrutura narrativa da franquia principal, e ficou marcado apenas como mais um Spin-off caça-níquel tentando remar na mesma onda de "Invocação do Mal". Eu cheguei a afirmar na minha resenha que "A Freira" é o pior filme do "The Conjuring Universe".
"A Freira" arrecadou 365 milhões de dólares nas bilheterias mundiais, o que a levou ao posto de produção com a maior arrecadação em toda a franquia de "Invocação do Mal". Seria mais do que óbvio que teríamos um segundo capítulo com a continuação de toda a história. E esta continuação veio com "A Freira 2". Mas o filme é bom?
A cena inicial é boa, com a Valak quebrando os ossos do corpo do Padre e depois o queimando vivo, e na frente do garoto. Toda esta introdução deixa bem claro que a Freira demoníaca está de volta e dessa vez mais sangrenta e vingativa. E logo somos informados através de relatos que ela está matando todos que cruzam em seu caminho, seja Padres, pessoas religiosas, Freiras e até coroinhas.
Dito isto: "A Freira 2" é tão ruim quanto o primeiro, ou até pior. Você pode até considerar o primeiro melhor, ou este segundo melhor, a verdade é que ambos são péssimos. O roteiro de "A Freira 2" é preguiçoso, superficial, genérico, pífio, sem pé nem cabeça, que parte do nada para lugar nenhum. Se no primeiro tínhamos a introdução da figura da Freira baseado na complexidade do caso em que duas freiras foram brutalmente atacadas por uma entidade maligna, onde o Vaticano envia o Padre Burke (Demián Bichir) e uma jovem freira, Irmã Irene, para investigar o caso. Aqui o roteiro é tão preguiço e mal escrito que temos o mais do mesmo. Não temos nenhum desenvolvimento, nenhuma evolução, nenhum avanço na história da Valak (que era algo que eu esperava).
Simplesmente o roteiro decide trazer de volta a figura da Freira, onde ela causa algumas mortes bizarras para impressionar o espectador. Decide que dessa vez a protagonista será apenas a Irmã Irene e não contará mais com a presença do Padre Burke, que dizem ter morrido de cólera. No final do primeiro filme o personagem Maurice Theriault (Jonas Bloquet) salva a vida da Irmã Irene, após o embate com a Valak, porém o mesmo fica possuído pela entidade. Ou seja, este é o gancho para o roteiro de "A Freira 2", usar o Maurice como cobaia de Valak durante grande parte da história. Esta é um decisão que eu considero falha, pobre, sem criatividade e sem credibilidade. Poderiam ter desenvolvido algo melhor, mais interessante, que pelo menos surpreendesse.
Uma coisa é certa, o "The Conjuring Universe" nunca foge do trivial, e aqui temos mais uma prova disso. "A Freira 2" também peca pelo comodismo, pelo conformismo, por decidir entregar o mais do mesmo e nunca sair da sua zona de conforto. Ou seja, tudo que você já está acostumado em filmes de terror moderno você verá aqui; justamente os clichês, a forçação de barra em cima dos famosos jumpscare, cenas que sempre pecam pela previsibilidade de você já saber o que irá acontecer na cena seguinte. Além do que "A Freira 2" parece um grande catado de tudo que já presenciamos em outros títulos da franquia, e isso que mais impacta no quesito originalidade, pois o roteiro parece abraçar o comodismo e jogar na segurança de tudo que já fez anteriormente.
Uma das maiores falhas do longa é justamente a falta de atitude, de querer ir mais além, de querer se aprofundar em uma trama mais complexa, mais interessante, e não ficar só bebendo da fonte do primeiro filme. Mas isso definitivamente não acontece, pelo fato de que no final do primeiro filme a Irmã Irene meio que derrota a Valak com o poder do famoso "sangue de Jesus tem poder". Aqui voltamos praticamente na mesma história, que é a Irma Irene novamente derrotando a Valak com o poder dos barris de vinho benzido. A explicação agora é o fato da descoberta de que a Irmã Irene é descendente da Santa Luzia, a padroeira dos olhos. Dessa forma a linhagem sagrada da personagem é o que justifica sua capacidade de milagres e se torna arma fundamental no embate. Ou seja, atacar a Valak novamente com algo líquido. Então tá né...mas a mim não me convenceu!
Outra falha do primeiro que volta a acontecer:
Se no primeiro a figura da Freira foi pouca explorada e pouco utilizada, aqui é menos ainda, onde a Freira é utilizada somente como pano de fundo para impressionar nos jumpscare. O Maurice possuído ganha mais destaque e aparece mais vezes do que a própria Freira. A figura da Freira é utilizada apenas nos momentos mais oportunos durante toda a trama, e isso justifica as suas pouquíssimas aparições, o que eu não concordo. Aqui era como se a Freira ficasse o tempo todo oculta e se apoiando em seus servos durante grande parte do tempo; como no caso do próprio Maurice e daquela espécie de "Homem-bode".
Dos poucos pontos positivos no filme:
Temos a excelente caracterização da Freira, que é ainda mais bizarra que no primeiro. Por sinal, aquela cena final é boa e se destaca pela agressividade e o tamanho da Freira. A Freira é o grande nome por trás do filme, ela é o grande chamariz da produção, mas aquele "Homem-bode" é bizarro e sensacional. Por sinal, aquela cena em que o bode macabro sai dos vitrais e persegue as garotas é excelente. Eu vi um grande potencial ali, pena que ele foi pouco explorado. Aquela cena na banca de revista, onde se forma a figura da Freira, é muito boa.
Tecnicamente:
O diretor Michael Chaves já é um velho conhecido da franquia, ele foi o diretor em "A Maldição da Chorona" (2019) e "Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio" (2021). Em "A Freira 2" Michael Chaves faz um trabalho ok, ele entrega tudo que realmente a produção pedia; como uma direção centrada, ajustada, conseguindo criar ambientes soturnos e macabros com seus takes. A trilha sonora é precisa, agrega bem nas cenas com mais ação. Aqui a trilha sonora ficou à cargo de Marco Beltrami (compositor da excelente trilha sonora de "Um Lugar Silencioso", de 2018), uma vez que o grande conhecido da franquia, Joseph Bishara, ficou de fora. A fotografia é muito boa, destaca muito bem cada cena, principalmente nas cenas finais com o enquadramento da Valak. A direção de arte também tem seus méritos, por construir cenários bem sombrios, ainda mais pelo filme ter sido filmado em uma igreja real abandonada na França.
O elenco:
Taissa Farmiga (a irmã da Vera Farmiga) é o grande nome em "A Freira 2". No primeiro filme a Irmã Irene se mostrava bem inexperiente e até assustada em determinadas situações. Aqui ela já é menos ingênua e mais corajosa, até por ela ser a principal ali sem a presença do Padre Burke. Taissa entrega o que a sua personagem pede.
Sem a presença do Padre Burke, quem fica ao lado da Irmã Irene dessa vez é a Irmã Debora (Storm Reid). Reid até consegue agregar na história com sua personagem; uma Freira rebelde que não acredita muito no discurso da Igreja e tem como ambição ver um milagre de perto.
Bonnie Aarons, que vive a Freira Valak, é novamente o grande destaque do filme. É impressionante todo o poder de interpretação que ela tem na pele na demoníaca Valak, e muito por sua caracterização e maquiagem, que estão em um altíssimo nível de perfeição.
Jonas Bloquet é mais uma vez super esforçado, mas especificamente aqui ele peca pelo caricato e pelo exagero. De certa forma ele compõe um personagem que tem suas ligações dentro da franquia, tem sua importância em um modo geral, mas no fundo não passa de um personagem vazio e dispensável.
Completando com Katelyn Rose Downey, que faz a pequena Sophie. A atriz é boa e sua personagem é peça fundamental na história.
Ainda temos uma cena pós-créditos:
No maior estilo do "Invocaverso", a cena pós-créditos mostra o casal de demonologistas Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) atendendo um telefonema de um Padre que lhes dá alguma má notícia e pede sua ajuda. Esta cena tem toda uma ligação com o universo de "Invocação do Mal", já que ela complementa a ligação que o casal Warren teve ao tentar exorcizar Maurice (dentro da linha cronológica da franquia). Eu acredito que esta cena funciona apenas como uma maneira de ligar o filme à saga, apesar de também parecer como uma espécie de ligação com um possível "Invocação do Mal 4".
"A Freira 2" foi um sucesso comercial, arrecadando US$ 257 milhões em bilheterias ao redor do mundo.
A recepção crítica:
No Rotten Tomatoes, 52% das 130 críticas são positivas, com uma classificação média de 5,1/10. O Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 47 em 100, com base em 24 críticos. O público pesquisado pelo CinemaScore deu ao filme uma nota média de "C+" em uma escala de A+ a F, enquanto os entrevistados no PostTrak deram uma pontuação geral positiva de 64%, com 47%.
No mais:
"A Freira 2" é apenas mais um capítulo perdido dentro do "The Conjuring Universe". O longa-metragem é muito falho, genérico, superficial e peca excessivamente com erros grotescos e banais. Todavia isso já era esperado, uma vez que o primeiro fez o sucesso que fez unicamente bebendo da fonte de "Invocação do Mal", ao apresentar uma personagem com grande potencial porém mal explorada.
Como essa geração atual é órfã de bons filmes de terror, o que resta é se entregar para Spin-offs genéricos que não passam de verdadeiros caça-níqueis.
O que me resta é novamente afirmar que os dois filmes de "A Freira" são os piores filmes do "The Conjuring Universe".
[18/10/2023]
O Exorcista
4.1 2,3K Assista AgoraTEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME!
O Exorcista (The Exorcist) 1973
"O Exorcista" foi dirigido por William Friedkin a partir de um roteiro de William Peter Blatty, baseado em seu romance de 1971 com o mesmo nome. O filme é estrelado por Ellen Burstyn, Max von Sydow, Jason Miller e Linda Blair. "O Exorcista" conta a história de Regan McNeil (Blair), uma menina que era doce e meiga até ficar possuída pelo demônio pazuzu, e a tentativa de sua mãe de resgatá-la por meio de um exorcismo realizado por dois padres católicos.
Sobre o livro:
A obra-prima de William Peter Blatty é um verdadeiro clássico apoteótico do terror com mais de 13 milhões de exemplares vendidos em todo o planeta. Uma obra que mudou a cultura pop para sempre, se tornando um verdadeiro "marco" como uma das maiores obras da história da literatura. Uma obra-prima literária que mescla o sagrado, o ceticismo, a fé, a crença, o profano, juntamente com o investigativo e um estudo das camadas do ser humano ao ser exposto ao seu limite mental e espiritual.
Uma obra categórica que impactou e assombrou com o seu poder em criar um verdadeiro embate entre a ciência e a fé. Este é exatamente o ponto-chave do livro que dita todo o contexto da sua história. Ou seja, temos aqui uma história que navega com bastante eficiência e relevância no ocultismo, no mistério, no suspense e no terror, e ainda cria todo um ambiente que desenvolve o drama, o trauma, a frustração e o sofrimento.
Sem falar que o livro vai ainda mais além ao nos imergir em um verdadeiro terror psicológico durante toda a leitura. Ou seja, a leitura é fluida e dinâmica, e tem um início até leve e natural, dada a toda proporção da história. Este é o ponto que surpreende o leitor, por teoricamente ser confrontado com uma história que não demonstra um terror visível e palpável, mas desenvolve um terror psicológico, sobrenatural, algo que mexe com a nossa crença, com a nossa fé, que nos causa um desconforto mental e espiritual, pois o livro fala muito mais de fé do que sobre o medo. Durante toda a leitura nos sentimos Como se estivéssemos presos em um labirinto psicológico criado pela nossa própria mente - é bizarro!
Os personagens são incríveis, inteligentes, bem desenvolvidos, bem trabalhados, onde naturalmente o leitor irá facilmente se apegar, criar uma empatia, começar a se importar com cada um. O próprio Padre Damien Karras carrega nas costas o peso de suas escolhas feitas no passado, e essas escolhas viraram traumas atuais que refletem em suas frustrações durante o embate com o demônio. O demônio é outro personagem muito importante da história, que obviamente não criamos empatia, mas sentimos o peso da sua maldade ao expor a sua fase mais destruidora ao corromper a alma da menina Regan.
E toda esta incrível história é vagamente baseada no real caso de "O exorcismo de Roland Doe" no final da década de 1940, nos Estados Unidos. O livro é considerado pela Igreja Católica como um dos maiores relatos sobre um exorcismo já realizado desde a Idade Média.
"O exorcista" é uma verdadeira obra-prima da literatura sombria. Aquela obra de arte literária obrigatória para todos os amantes do terror. Pois esta obra não se trata apenas de uma simples história sobre o bem contra o mal, ou sobre Deus contra o demônio, mas também sobre a renovação e o poder da fé.
Sobre o filme:
"O exorcista" é mundialmente conhecido como o maior filme de terror do século XX. E eu vou mais além: eu o considero simplesmente como "o melhor filme de terror de toda a história do cinema". Uma obra extremamente conceituada que chocou o mundo inteiro com sua metáfora do combate entre o sagrado e o profano, entre o poder da ciência e a força da fé, em um dos roteiros mais macabros já escritos em toda a história. O longa supera qualquer outra obra do gênero no quesito terror e possessão, se destacando como um filme completamente influente e revolucionário, um pioneiro que ditou novos rumos ao cinema, mudando e moldando o jeito de se fazer cinema, mais especificamente aos filmes de terror.
O longa-metragem traz uma adaptação completamente fiel com sua obra literária. Ou seja, temos uma abordagem fiel e relevante em como o mal assume várias formas, várias faces, em como ele é responsável em mexer com o nosso psicológico, em quebrar a nossa barreira mental e espiritual nos provocando um certo desconforto, um certo incômodo, ao representar essa essência do nosso lado mais reprovável que reproduz um verdadeiro labirinto psicológico criado por nossa própria mente enquanto somos mergulhados nesse submundo sombrio e macabro. Esta obra é tão grandiosa, tão imponente, tão impactante, tão visceral, que vai além dos nossos medos visíveis. Ou seja, aqui o ponto-chave não é você sentir medo, se assustar, é algo mais palatável, mais sombrio, mais misterioso, mais soturno, um terror sobrenatural criado a partir do nosso medo psicológico em representações com figuras tais como monstros, fantasmas ou demônios, e principalmente com reação às profanações.
Outro ponto que surpreende e se sobressai na obra é toda a abordagem referente ao drama que cada personagem apresenta na trama, e isso especificamente falando de um filme de terror. Temos todo o drama de Chris MacNeil (Ellen Burstyn) referente à sua filha e os problemas que ela passa a apresentar, pois quando todos os esforços da ciência para descobrir o que há de errado com a menina falham uma personalidade demoníaca parece vir à tona. Por outro lado a própria Chris sofre o drama da frustração de ter sido abandonada pelo marido e não poder contar com ele nessas horas. O Padre Karras (Jason Miller) carrega toda suas frustrações e traumas, e cabe a ele salvar a alma de Regan e ao mesmo tempo tentar restabelecer a própria fé, abalada desde a morte de sua mãe.
O grande e notável escritor William Peter Blatty (falecido em 2017), que também era cineasta, é o grande nome por trás do longa-metragem. Além de ser o escritor do livro, ele foi o roteirista e produtor do filme, e partiu dele a escolha pelo diretor que dirigiria a sua adaptação. O diretor escolhido foi o saudoso mestre William Friedkin (falecido recentemente, no dia 7 de agosto de 2023). Ambos tiveram dificuldades para escalar o elenco para o filme. A escolha dos relativamente desconhecidos Ellen Burstyn, Linda Blair e Jason Miller, em vez de grandes estrelas do cinema, atraiu oposição dos executivos da produtora Warner Bros. Porém, eles se mantiveram firmes em suas escolhas sobre o elenco, tanto que a produção demorou o dobro do programado e custou quase três vezes o orçamento inicial.
Devo afirmar que o diretor William Friedkin faz um trabalho completamente impecável por trás das câmeras. Como os seus takes mais próximos dos rostos dos personagens, que aumentava ainda mais o nosso desconforto, principalmente em ângulos fechados diretamente no rosto possuído da Regan. Todos os seus movimentos com a câmera nos causava um certo incômodo, principalmente com aqueles cortes e avanços nas retomadas das cenas, onde parecia que sua câmera desfilava pelos cenários, como se ela tivesse vida própria. Friedkin dominava com muita maestria todo o seu elenco, tinha todos nas mãos, onde ele conseguia tirar o melhor e máximo de cada ator em cena.
Sobre a produção:
Além de ser mundialmente cultuado e respeitado, "O exorcista" causou um grande impacto cultural por desafiar as regras cinematográficas da época. O longa carrega o peso de ser o maior filme de terror de todos os tempos, e também carrega o título das polêmicas e das histórias mais bizarras e absurdas que aconteceram na produção nos sets de filmagens. Temos várias histórias de bastidores sobre as histórias que a produção carrega, como as condições precárias e desumanas em que os atores foram colocados para filmar e também os acidentes que aconteceram ao longo de sua produção. Às filmagens ocorreram tanto em desertos quentes quanto em cenários refrigerados. Muitos elenco e equipe ficaram feridos, alguns morreram e acidentes incomuns atrasaram as filmagens. Os muitos contratempos levaram à crença de que o filme teria sido amaldiçoado.
Ao todo, nove pessoas ligadas a produção do filme morreram de forma misteriosa, entre elas os atores Jack MacGowran e Vasiliki Maliaros, o avô de Linda Blair, um segurança do estúdio e um dos especialistas em efeitos especiais. Durante as gravações, o set de filmagem pegou fogo de forma misteriosa. No entanto, apenas o quarto da Regan não foi atingido, de acordo com os relatos da época. Devido às mortes e acidentes inesperados, o diretor William Friedkin consultou o Reverendo Thomas Birmingham sobre a possibilidade de exorcizar o set de filmagens. Em todas as vezes, o reverendo recusou o pedido, dizendo que isto causaria ainda mais ansiedade no elenco. Mas por diversas vezes ele visitou os sets para benzê-los e tranquilizar o elenco. Assim, após os eventos misteriosos envolvendo a equipe, o reverendo passou a acompanhar as gravações.
De acordo com as investigações da época, o ator Paul Bateson fez uma breve participação no filme. No entanto, anos mais tarde, foi condenado pelo assassinato de Addison Verrill. Sem provas, Bateson ainda foi ligado a um serial killer responsável pela morte de outras pessoas, todas encontradas dentro do rio Hudson. Considerado muito assustador, o trailer original foi removido, pois mostrava partes do filme em preto e branco, em que as imagens se misturavam com as dos demônios. Além disso, apresentava Regan MacNeil possuída.
Sobre o elenco:
Com apenas 13 anos na época das gravações, a pequena Linda Blair é o grande nome e o principal destaque por trás de "O exorcista". Blair já era uma garota prodígio na época, com 12 anos ela já tinha aparecido em 75 comerciais e centenas de capas de revistas. "O exorcista" é seu filme de estreia nos cinemas, e devo afirmar que ela foi complemente fantástica, impecável e assustadora em sua atuação. A sua caracterização é impecavelmente bizarra, e isso se deve as várias sessões de maquiagem que levavam de duas a cinco horas para serem finalizadas.
Blair virou uma das principais crianças em filmes de terror, sendo referência e influência para todas as atuações cinematográficas mirins em filmes de terror a partir dela. Ela é reconhecida e carrega este título até hoje, 50 anos depois.
Porém, na época a Linda Blair sofreu muito com o peso dessa personagem, tanto no set de filmagem quanto fora dele. Durante a produção, Blair foi exposta a diversas dificuldades, como o quarto onde ela ficava, que teve que ser constantemente refrigerado, para que se pudesse capturar com exatidão a respiração gélida dos atores. Para tanto, foram usados quatro aparelhos de ar condicionado, todos ligados simultaneamente. Blair recebeu várias ameaças de morte e foi perseguida após o lançamento de "O exorcista", o que fez com que a Warner Bros. contratasse seguranças para viver com sua família durante 6 meses. Mesmo com todo o sucesso conquistado em "O exorcista", a carreira de Linda Blair não decolou, não teve o sucesso que todos esperavam, de certa forma ela ficou marcada pela produção, algo como uma maldição em toda a sua carreira.
Ellen Burstyn é o segundo grande destaque do filme, que também ficou estigmatizada pelo seu papel de Chris MacNeil, a mãe de Regan. Ellen fez um trabalho gigantesco e fantástico ao personificar a figura de uma mãe que ama a sua filha, que sempre se preocupa com o seu bem estar, que sempre se mostra presente em sua vida, demonstrando muito carinho e amor. E sua personagem é marcada pela virada em sua vida, por ter que lidar com novos problemas relacionados à saúde de sua filha, o que logo põe à prova a sua crença entre a ciência e a religião (e logo ela que dizia não ter uma religião).
Ellen Burstyn também ficou marcada por eventos misteriosos durante a produção do filme. O principal foi o trauma que ela enfrentou em uma determinada cena, onde sua personagem é arremessada para longe por sua filha possuída e ela bate violentamente com o coccix contra a cama e cai no chão. A verdade é que seu grito de dor foi real nessa cena. Esta cena foi filmada e mantida no filme. Ellen também estabeleceu uma condição durante as filmagens: que sua personagem não dissesse a frase "I believe in the devil!" ("Eu acredito no demônio!"), contida no roteiro original. Os produtores atenderam o pedido e esta frase foi retirada da história. As atrizes Jane Fonda e Shirley MacLaine chegaram a ser sondadas sobre a possibilidade de interpretarem a personagem Chris MacNeil. Mas ainda bem que a personagem ficou com a Ellen Burstyn.
Jason Miller completa o trio de ouro de "O exorcista". Jason faz uma interpretação muito fina e muito competente do Padre Damien Karras. O interessante de seu personagem é o fato que inicialmente ele não faz parte daquela história, ele vai chegando com uma certa modéstia e aos poucos vai se estabelecendo dentro daquele universo. Além do que, Jason entrega uma atuação na medida certa, que mescla seus traumas do passado envolvendo sua mãe, com a atual situação envolvendo Chris e sua filha possuída.
O mesmo vale para o Max von Sydow, o experiente Padre Lankester Merrin. Max entra com seu personagem mais na parte final da história e rapidamente já nos conquista. O Padre Merrin tem uma participação fundamental na história e um grande peso na parte final.
Sobre as qualidades técnicas:
"O exorcista" trouxe todo um trabalho técnico e artístico muito à frente do seu tempo. Como posso destacar os efeitos especiais, que era uma novidade naquela época. O trabalho de maquiagem e representação artística foi um avanço tecnológico, ou seja, um trabalho impecável. A trilha sonora de Krzysztof Penderecki e George Crumb é uma coisa do outro mundo. Incrível como a trilha sonora de "O exorcista" é maravilhosa, é penetrante, é estridente, é incômoda, principalmente pela clássica composição instrumental de "Tubular bells de Mike Oldfield" (que está completando 50 anos). Este instrumental tocará no meu casamento e no meu velório. A cinematografia é magnífica, e traz uma fotografia de Owen Roizman completamente colossal. A direção de arte é minunciosamente bem detalhada, onde nos apresenta cenários com bastante fidelidade com a obra. A edição é outro grande acerto, assim como a própria mixagem e efeitos sonoros, que nos dava uma dimensão exata acerca de todos os acontecimentos que permeava o quarto da Regan possuída.
Curiosidades sobre a produção:
"O Exorcista" foi lançado nos Estados Unidos em 26 de dezembro de 1973, um dia depois do Natal. O público esperou em longas filas durante o tempo frio; os shows esgotados foram ainda mais lucrativos para a Warner, uma vez que eles os reservaram para esses cinemas sob quatro contratos de aluguel de distribuição de parede, a primeira vez que um grande estúdio fez isso.
Alguns espectadores sofreram reações físicas adversas, desmaios ou vômitos em cenas chocantes, como uma angiografia cerebral realista. Muitas crianças foram autorizadas a assisti-lo, o que levou a acusações de que o conselho de classificação da MPAA havia acomodado a Warner, dando ao filme uma classificação R em vez da classificação X para garantir a produção problemática e seu sucesso comercial. Várias cidades tentaram proibi-lo totalmente ou impedir a participação de crianças. No final de sua exibição teatral original, o filme arrecadou US$ 193 milhões e teve um faturamento bruto vitalício de US$ 441 milhões com relançamentos subsequentes.
"O Exorcista" foi banido no Reino Unido durante 11 anos. Foi alegado desde grupos religiosos denunciando seu conteúdo como supostamente imoral, até espectadores desmaiando e vomitando durante sua exibição nos cinemas, tudo isso ajudou a construir a mística de "o filme mais assustador já feito". E não foi só no Reino Unido: durante algum tempo, inúmeras tentativas de censurá-lo ocorreram também nos Estados Unidos, mas foram mal-sucedidas.
As filmagens do longa envolveram dezenas de profissionais e também exigiram soluções criativas da equipe, como por exemplo o uso da sopa de ervilha para simular o vômito.
Os gritos sobrenaturais foram feitos a partir de efeitos sonoros insólitos de mixagens de gritos de porcos quando são enviados para o abate. Inicialmente, a voz do demônio seria da própria Linda Blair. Entretanto, após 150 horas de trabalho em cima do som do filme, o diretor resolveu substituí-la pela voz de Mercedes McCambridge que, para fazer a voz do demônio, comeu ovos crus, tomou muito álcool e fumou diversos cigarros. A atriz McCambridge chegou a processar a Warner Bros., para que seu nome como a dona da voz do demônio entrasse nos créditos do filme.
Além da história de "O exorcista" ter sido baseada no real caso de "O exorcismo de Roland Doe", existem teorias que por sua vez, que a história é também baseado em relatos curiosos de um ex-engenheiro da NASA.
Diferenças entre livro e filme:
Eu pude notar que a principal diferença entre ambos está no quesito de que no livro a possibilidade do problema da menina Regan ser psiquiátrico é sempre mantido e questionado até o fim. Já no filme fica mais evidente que o problema da Regan sempre foi possessão, por mais que inicialmente temos as cenas da mãe levando ela para fazer alguns exames médicos. Isso eu nem considero como uma falha de adaptação, eu considero como uma escolha de roteiro por uma liberdade criativa na narrativa do longa-metragem.
Um ponto que foi deixado de lado no filme: é o fato que em nenhum momento é mencionado sobre a filha do casal de empregados Karl e Willi (Rudolf Schündler e Gina Petrushka). Esta é uma parte evidente e importante no livro. Temos aqui outra escolha criativa do roteiro.
Cenas clássicas:
"O exorcista" é composto por inúmeras cenas clássicas que sempre foram inesquecíveis e serão lembradas e cultuadas até o fim dos tempos.
- Temos a clássica cena da Regan descendo de seu quarto no meio da festa e fazendo xixi no tapete na frente dos convidados.
- A Regan descendo pelas escadas de costas com a boca cheia de sangue.
- A clássica cena que virou pôster, quadros e papel de parede: o Padre Merrin chegando de táxi à noite na casa da Chris e logo após se pondo de pé em frente ao local.
- Regan levitando na cama durante a sessão de exorcismo.
- Regan possuída girando completamente a sua cabeça.
- Regan se masturbando com o crucifixo até sangrar.
E todas essas cenas são lembradas também por ter virado paródias, memes, por ser de alguma forma imitadas e nunca esquecidas.
Um versão estendida de "O exorcista" foi relançado nos cinemas americanos em 2000, com uma nova cópia, som digital e 12 minutos de cenas extras inseridas ao longo do filme.
Premiações:
"O Exorcista" é o verdadeiro "Pioneiro do Terror", pois ele foi o primeiro e único filme de terror a ser indicado ao Oscar de melhor filme. Tal revolução foi impulsionada pelo sucesso do filme, que o levou a vencer a resistência das grandes premiações aos filmes de gênero e conquistou dez indicações ao Oscar de 1974: Som, Edição, Direção de Arte, Fotografia, Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante (Linda Blair), Ator Coadjuvante (Jason Miller), Atriz (Ellen Burstyn), Direção e Melhor Filme. Saindo vencedor em duas estatuetas, de Roteiro adaptado e Som.
Ganhou quatro Globos de Ouro nas categorias de Melhor Filme - Drama, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Melhor Atriz Coadjuvante (Linda Blair). Recebeu ainda outras três indicações: Melhor Atriz - Drama (Ellen Burstyn), Melhor Ator coadjuvante (Max von Sydow) e Melhor Revelação Feminina (Linda Blair).
Foi indicado ao BAFTA na categoria de Melhor Som. Ao Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films - ganhou nas categorias de Melhor Filme de Terror, Melhor Maquiagem, Melhores Efeitos Especiais e Melhor Roteiro.
Continuações:
"O Exorcista" foi o primeiro de uma série de quatro filmes baseados nos personagens. Os demais foram "O Exorcista II - O Herege" (1977), "O Exorcista III" (1990) e "O Exorcista - O Início" (2004). Além de "Dominion: Prequel to the Exorcist" (2005) e "O Exorcista - O Devoto", lançado no Brasil no dia 12 de outubro de 2023.
"O Exorcista" teve uma influência significativa na cultura pop e diversas publicações o consideram um dos maiores filmes de terror já feitos. Em 2010, a Biblioteca do Congresso selecionou o filme para preservação no Registro Nacional de Filmes dos Estados Unidos como sendo "cultural, histórico ou esteticamente significativo".
Por fim: "O Exorcista" é um dos maiores filmes de todos os tempos, que chocou e traumatizou o mundo em sua estreia, e hoje, com quase 50 anos de lançamento, continua a impactar o público com uma história pesada, macabra, soturna, misteriosa, sombria, onde temos uma narrativa tensa e incômoda, com cenas perturbadoras, atuações primorosas, diálogos tenebrosos e um terror sobrenatural e psicológico que mexe com o nosso estado mental e espiritual.
Temos aqui a obra-prima do terror, a obra de arte do horror, o suprassumo da possessão e a quinta-essência do medo. O verdadeiro masterpiece do incômodo, do desconforto, do perturbador e do assustador.
Senhoras e senhores: o medo revela a sua face no maior filme de terror da história do cinema - "O Exorcista".
"Mas se todo o mal do mundo faz você pensar que pode existir um diabo, como explica todo o bem do mundo?"
[Sexta-Feira, 13 de outubro de 2023)
⭐⭐⭐⭐⭐
👏👏👏👏👏
À Espera de Um Milagre
4.4 2,1K Assista AgoraTEM SPOILERS DO LIVRO E DO FILME!
À Espera de Um Milagre (The Green Mile) 1999
"À Espera de Um Milagre" é escrito e dirigido por Frank Darabont e baseado no romance de Stephen King de 1996 com o mesmo nome. O longa-metragem é estrelado por Tom Hanks como Paul Edgecomb, um guarda penitenciário no corredor da morte durante a "Grande Depressão" (a maior crise financeira da história dos Estados Unidos), que narra o filme em flash-back ao testemunhar eventos sobrenaturais após a chegada de um enigmático condenado (John Coffey, magistralmente interpretado por Michael Clarke Duncan) às suas instalações. David Morse, Bonnie Hunt, Sam Rockwell e James Cromwell aparecem em papéis coadjuvantes.
Sobre o livro:
King se inspirou na história real do adolescente George Stinney Jr. de ascendência africana, que cuja história foi a pessoa mais jovem condenada à morte no século 20 nos Estados Unidos. Ele tinha apenas 14 anos quando foi executado em uma cadeira elétrica. Ele foi acusado de matar duas meninas Brancas, Betty de 11 anos e Mary de 7, os corpos foram encontrados perto da casa onde o adolescente residia com seus pais. Durante o julgamento, até o dia de sua execução, ele sempre carregava uma Bíblia nas mãos, alegando inocência. Naquela época, todos os jurados eram brancos. O julgamento durou apenas 2 horas e a sentença foi dada 10 minutos depois. George foi eletrocutado com 5.380 volts na cabeça. 70 anos depois, sua inocência foi finalmente comprovada por um juiz da Carolina do Sul. O adolescente era inocente, a sociedade em si fez de tudo para culpá-lo apenas por ele ser negro.
Ao longo da minha vida eu me lembro de já ter assistido o filme "À Espera de um Milagre" algumas vezes, mas até então nunca tinha lido a obra magnífica do mestre Stephen King. Ao terminar a leitura, eu só confirmei o que eu sempre achei dessa obra; que é simplesmente um livro incrível, com uma história arrebatadora, que nos comove até o fundo da nossa alma.
King traz uma leitura fácil, fluida, dinâmica, com abordagens mais detalhadas, que é justamente a sua marca registrada ao trazer a nossa atenção para vários tópicos da história, como a abordagem em personagens secundários. Aqui, no caso, até o camundongo (Sr. Guizos) ganha várias páginas para ilustrar partes da sua história com bastante eficiência. Sem contar que toda essa abordagem mais aprofundada na história do camundongo serviu justamente para elucidar os outros guardas da penitenciária a acreditarem naquele dom que John Coffey possuía - o poder da cura.
Esta obra do mestre King é autêntica, é influente, é extremamente importante como contexto histórico justamente por mostrar uma abordagem sobre a injustiça, a impunidade, a crueldade, a humilhação, o racismo, o preconceito e a redenção. Além, é claro, toda narrativa que é construída e desenvolvida sobre a linda, comovente e breve relação de amizade verdadeira entre Paul e John Coffey.
"À Espera de um Milagre" traz uma história muito forte, muito pesada, muito comovente, que chega a nos incomodar durante a leitura. Principalmente nas partes finais, onde temos a última parte que antecede a execução de John Coffey. Sem nenhuma dúvida foi a parte mais difícil e mais cruel que eu já li em um livro em toda a minha vida, pois de fato é muito triste, fiquei com um nó na garganta e os pingos das lágrimas molharam as páginas do livro. Nunca esquecerei! Esta é simplesmente uma das maiores obras de toda a carreira do mestre King. "À Espera de um Milagre" não é somente uma das suas melhores histórias, como é sem dúvida a sua obra mais impactante e mais emocionante. Uma obra-prima da literatura!
Sobre o filme:
Contando com hoje, eu assisti "À Espera de um Milagre" apenas 4 vezes em toda a minha vida: a primeira vez foi no ano de 2000, e justamente por todo burburinho e toda badalação que o longa estava causando na época. O sucesso era estrondoso, principalmente pelo Oscar e pela divulgação no boca a boca, já que na época a internet era escassa. Porém, devo dizer que nesta primeira vez o filme não me impactou tanto assim, pois eu era um adolescente e ainda não conseguia sentir o peso, o poder e a dimensão dessa obra. A segunda vez foi no ano de 2008, e ela aconteceu unicamente pela incansável insistência de uma ex-namorada, que queria muito assistir este filme comigo. A terceira vez foi no ano de 2017, e aconteceu porque eu queria muito escrever um texto sobre ele aqui no Filmow, e no fim nem o texto eu consegui escrever. Foi nessa terceira vez que eu jurei que nunca mais em toda a minha vida eu voltaria a assistir este filme.
O motivo desse juramento? Exatamente por ser um filme extremamente pesado, difícil, perturbador e incomodo. Uma obra que mexe e aflora nossos mais profundos sentimentos de tristeza, comoção, piedade, empatia e amor. Junto com com "Titanic" e "A Lista de Schindler", são os três filmes que mais me emocionou em toda a minha vida. Assistir "À Espera de um Milagre" me deixa muito triste, eu fico muito mal, mexe muito comigo, é um sacrifício muito grande, ao ponto de eu ficar pensativo durantes horas ao término do filme. Porém, como eu nunca tinha lido a obra em que o filme foi adaptado, ao terminar a leitura em me vi na obrigação de me sacrificar mais uma vez e assistir o filme para finalmente elaborar meu texto.
Eu sempre me pergunto: o que é necessário para um filme ser considerado uma obra-prima? Pois é muito difícil você achar um filme perfeito, uma obra irretocável, uma obra de arte do cinema, aquele verdadeiro clássico que marca gerações. E aqui eu posso afirmar com 101% de convicção que "À Espera de um Milagre" é este filme, é esta obra perfeita, irretocável, magnífica, comovente, uma verdadeira pérola da sétima arte, uma verdadeira obra de arte do cinema, um clássico, uma obra-prima que está na prateleira dos melhores filmes da década de 90 e de todos os tempos.
Eu considero um filme como uma obra-prima quando ele mexe com todos os meus sentimentos, quando ele me eleva a enésima sensação de satisfação, quando ele me desperta inúmeras reações; eu fico feliz, fico triste, me emociono, fico em êxtase, fico nervoso, fico eufórico, fico alucinado, fico nostálgico, fico em estado de choque e comoção, e aqui temos todos esses sentimentos aflorados em um misto de reações.
Novamente eu tenho que citar aqui como a década de 1990 foi importante para a história do cinema, como ela mudou, moldou e influenciou toda uma geração cinematográfica à sua frente. Principalmente se falarmos especificamente sobre o ano de 1999 e o que ele representou para a história do cinema: pois nesse ano tivemos filmes como "Matrix", "Clube da Luta", "Beleza Americana", "Garota, Interrompida", entre várias outras obras-primas que ficaram marcadas na história da sétima arte. E "À Espera de um Milagre" faz parte desse seleto grupo.
O mestre Stephen King estava muito satisfeito com o resultado da última adaptação feita por Frank Darabont, que era simplesmente a obra-prima "Um Sonho de Liberdade" (1994). Sendo assim o próprio King fez questão que sua obra literária fosse novamente adaptada por Darabont. King convidou Darabont que logo em seu primeiro contato com a obra ficou um tanto quanto receoso, afinal de contas seria novamente um roteiro que se passaria dentro de uma prisão, porém dessa vez com a base de um condenado à cadeira elétrica por estrupo seguido por assassinato. Darabont aceitou novamente o desafio e eu dei graças aos deuses do cinema, pois eu não vejo outro diretor com a capacidade e a genialidade de Darabont para construir esta adaptação que se tornou simplesmente um dos maiores dramas dos anos 90 e de todos os tempos.
Eu sou fã declarado de Frank Darabont, obviamente por obras como "Um Sonho de Liberdade" e "À Espera de um Milagre", e também por ele ser o criador e o desenvolvedor, em minha opinião, de uma das maiores séries de todos os tempos - "The Walking Dead".
Sendo a segunda vez que Darabont trabalhava com um roteiro baseado num livro de Stephen King, ele deu tudo de si ao adaptar um roteiro com tamanha competência e genialidade. O próprio Stephen King chamou este filme como a adaptação mais fiel de sua obra. E eu concordo plenamente com o mestre, e vou além, eu não só acho este filme com a melhor adaptação de uma obra do King, como a melhor adaptação da histórias das adaptações de livros para o cinema. E olha que temos ótimas adaptações de obras do Stephen King: como "Carrie" (1976), "Misery" (1990) e "It" (1990). Porém, nenhuma chega na tamanha perfeição da adaptação de "À Espera de um Milagre".
Darabont empregou uma fidelidade absoluta em sua obra onde tínhamos praticamente o livro transplantado para a tela. Darabont conseguiu sintonizar com maestria todos os elementos do livro como cenários, ambientação, acontecimentos, originalidade à história, cenas marcantes, diálogos marcantes. Por falar em diálogos, é absurdo como alguns diálogos em cenas mais impactantes são exatamente os mesmos diálogos do livro, exatamente com as mesmas palavras e as mesmas reações - eu fiquei boquiaberto com tamanha fidelidade à obra original.
O livro possui 400 páginas, ou seja, a sua adaptação exigiria um tempo maior de duração, e assim foi, pois o filme possui 3h 09min. E é completamente incrível como um filme de 3h não cansa, não é monótono, não é enfadonho, e ainda por cima sendo um filme em um ritmo morno, que demora para relatar seus acontecimentos cruciais, porém ele vai construindo uma base sólida, vai preparando o terreno e o ambiente para os acontecimentos que impactará os presentes - exatamente como também acontece no livro.
Os pontos cruciais e as abordagens mais relevantes do livro também foram muito bem adaptadas. Darabont conseguiu empregar uma veracidade absurda em temas como injustiça, impunidade, crueldade, humilhação, preconceito e redenção. Pois o longa traz uma clara e singela mensagem acerca do nosso comportamento como princípios em uma sociedade. Eu diria que o filme funciona como uma forte reflexão ao abordar temas complexos e necessários quando estamos diante de um mundo em que a aparência encanta, convence e quase sempre dá o veredito final em nossas decisões. Outro ponto muito bem desenvolvido ao longo do filme é a forma como a narrativa explora a relação que vai se construindo entre a amizade e a confiança entre Paul e Coffey. Com o passar do tempo vamos sendo confrontados com os personagens secundários e suas histórias pessoais, que logo se entrelaçam, revelando um quadro complexo de emoções humanas e moralidade.
Todos que adentram naquela penitenciária estão fadados à execução pelos crimes que cometeram. Mas o que nos chama a atenção é a forma como aquele local funciona como uma espécie de clínica de reabilitação, redenção, aceitação e arrependimento (pelo menos para alguns). O próprio personagem Eduard Delacroix (Michael Jeter) é a clara mensagem da redenção, do arrependimento e da humanização. Ele que foi condenado por estuprar uma menininha e, ao tentar esconder a prova do crime, acabou incendiando várias pessoas. Pois é difícil você não se afeiçoar por ele, é difícil você não estabelecer uma empatia por ele, que nos mostra exatamente as características humanas quanto a oportunidade da segunda chance, do perdão e do arrependimento (por mais que eu não acredite nesses pontos). E quando ele encontra o ratinho Mr. Jingles é que você se dá conta do seu profundo arrependimento de ter sido aquele louco no passado e ter cometido tudo que cometeu. Por outro lado não são todos que aquele local funciona como uma clínica de reabilitação e arrependimento; vemos isso no próprio Wild Bill' Wharton (Sam Rockwell).
Outro ponto muito bem abordado aqui é diretamente sobre o racismo. Pois as gêmeas Detterick eram duas garotinhas brancas e o John Coffey era um negro. Ou seja, mais um motivo claro para incriminá-lo diretamente sem restar nenhuma dúvida, e nem cogitar a possibilidade de não ter sido ele o assassino. O que nos deixa ainda mais revoltados, pois assim como no livro, na parte final do filme é revelado que John Coffey é de fato inocente do assassinato das meninas, mas ainda assim é executado na cadeira elétrica, o que é devastador e desolador tanto para o Paul quanto para os outros guardas e, claro, para todos nós. Logo ficamos sabendo que o verdadeiro assassino das garotas é o repugnante Wharton, que trabalhava na casa da família Detterick.
Eu sou uma das pessoas que acredita fielmente que toda a trajetória de John Coffey é uma espécie de alegoria à Jesus Cristo. Já que John Coffey usava os seus poderes para fazer o bem, para curar as pessoas e trazê-las de volta à vida. Mesmo que algumas pessoas não acreditassem, ou duvidassem, porém ele foi injustamente condenado à morte e deu a sua vida e prol da salvação. Também podemos considerar o fato de John Coffey ser um negro que possui um dom divino, que também funciona como uma alusão à Jesus Cristo, só que sendo negro, o que fatalmente o impossibilitaria a sua trajetória por puro preconceito e desigualdade humana. Esta é de fato uma bela reflexão filosófica usando o sobrenatural em contrapartida com a fé.
No fim somos impactados por uma cena com um diálogo belíssimo, comovente e marcante; que é exatamente a parte em que Paul pergunta para John o que ele responderia para Deus no dia do julgamento final por ter permitido que seu milagre divino fosse executado. Paul ainda insiste ao perguntar para John o que ele queria que ele fizesse referente aquela situação. Já o John responde estar cansado da sua trajetória, cansado das pessoas serem más, serem cruéis, que isso o fere profundamente (como naquela cena em que ele entra no local da execução e diz sentir que ali tem muitas pessoas que o odeia, e que ele sente aquele ódio ferindo o seu corpo como picadas de abelhas). Por fim, John Coffey diz aceitar a sua condenação como algo necessário para sua vida e sua trajetória na terra, ou seja, ele aceita o seu destino cruel.
John Coffey é mais um personagem iluminado dentro do Kingverso, pois com seus dons ele é capaz de injetar vida nos seres que toca, retirando o mal que ali existe. Também pode transferir sua imensa vitalidade (a força da vida eterna) às pessoas de que gosta, exatamente como aconteceu no final com o Paul e o ratinho Mr. Jingles. Dessa forma eu tenho que destacar aquela belíssima cena final em que mostra o Mr. Jingles bem velho (com cerca de 64 anos) saindo da caixa de charutos. Paul conta para Elaine (Eve Brent) que John Coffey lhe deu uma parte do seu poder e outra parte para o Mr. Jingles, ou seja, a vida eterna. Paul já tem 108 anos e seu castigo é justamente ter que observar todos que ele ama ao seu redor morrerem e ele continuar vivo, por ter permitido que John Coffey fosse eletrocutado, por ter matado um milagre de Deus. Paul foi condenado a maldição da vida eterna.
Sobre o elenco:
O saudoso Michael Clarke Duncan (falecido em 2012) é a grande estrela do filme. Michael foi a escolha certa, a personificação perfeita do John Coffey do livro. Esbanjando muito carisma, muita simpatia, muito talento, muita entrega, com uma atuação grandiosa, magistral, que nos passava exatamente aquele ar de inocência, de timidez, de bondade, de misericórdia, fazendo um contraponto com a escuridão, o medo, a brutalidade e a crueldade das pessoas. Impecável, irretocável, fantástica, perfeita, uma atuação que nos assustava de tamanha entrega e nos comovia verdadeiramente pelo seu desfecho. Michael Clarke Duncan merecia demais aquele Oscar de Ator Coadjuvante. O mestre Michael Caine vai me desculpar, sua atuação em "Regras da Vida" é realmente fantástica, mas o que o Michael Clarke Duncan fez em "À Espera de um Milagre" ninguém fez naquele ano.
Tom Hanks vivia o seu maior auge da carreira nos anos 90, já que ele vinha de obras como "Filadélfia" (1993), "Forrest Gump" (1994) e "O Resgate do Soldado Ryan" (1998). Aqui Tom faz um personagem com um nível de competência muito fiel, com uma atuação sempre muito requintada e com uma ótima entrega de carga dramática, que era justamente o que o seu personagem no livro pedia. Tudo muito bom mas muito normal, sem um grande impacto, apenas compondo o seu papel com muito vigor.
O trio de guardas e amigos de Paul era formado por Brutus Howell (David Morse), Harry Terwilliger (Jeffrey DeMunn) e Dean Stanton (Barry Pepper). Impressionante como cada um consegue conquistar a nossa atenção e consequentemente a nossa empatia. Os três personagens trata-se de uma homenagem ao ator Harry Dean Stanton, que participa do filme interpretando o condenado que é sempre chamado para testar a cadeira elétrica, o hilário Toot-Toot.
Doug Hutchison completa o grupo dos guardas da penitenciária com seu personagem Percy Wetmore. Doug esteve incrível, ele conseguiu demonstrar todo o comportamento tempestuoso de um guarda corrupto, cruel, desequilibrado, que sempre tomava atitudes infundadas.
Michael Jeter (falecido em 2003) trouxe um Dell, que assim como já destaquei anteriormente, conseguiu conquistar a nossa empatia e nos mostrou um arrependimento verdadeiro e a força de uma amizade verdadeira - com sua amizade com seu ratinho Mr. Jingles.
Sam Rockwell traz um personagem que possivelmente foi o grande responsável em alavancar a sua carreira cinematográfica. O que ele entregou na pele do bizarro 'Wild Bill' Wharton é brincadeira. Uma atuação estupenda de uma pessoa doente, desequilibrada, com uma entrega e uma leitura monumental de um psicopata.
Completando o elenco:
Ainda tivemos a ótima participação da Bonnie Hunt, Jan Edgecomb, a esposa de Paul. James Cromwell como Warden Hal Moores, o chefe da penitenciária. Graham Greene como Arlen Bitterbuck. Gary Sinise como Burt Hammersmith. E Patricia Clarkson como Melinda Moores, a esposa de Hal, que foi curada por John Coffey.
Algumas curiosidades e comparações entre livro e filme:
Inicialmente a obra do mestre King foi publicada nos Estados Unidos em seis volumes. O nome da série de livros vem do fato da cor do chão do corredor da morte ser verde e se estender por uma milha (Green Mile), que de fato é o nome original do filme.
O filme começa exatamente como no livro, com Paul já idoso em um asilo contando partes da sua trajetória ao regressar em suas memórias e narrar suas experiências como chefe dos guardas no corredor da morte da penitenciária de Cold Mountain durante a Grande Depressão. As partes que antecedem a hora em que acham o John Coffey sentado e gritando com as duas meninas no braço é mais longa e mais detalhada no livro, no filme deram uma resumida.
A cena em que o John Coffey assisti um filme como seu desejo antes de sua execução é uma cena exclusiva do filme, não existe no livro. Porém foi um encaixe excelente, uma ideia fantástica, que serviu para nos arrancar mais lágrimas.
O rato no livro se chama Sr. Guizos, no filme é Mr. Jingles. Sendo que trinta ratos de verdade se revezaram em cena para interpretar o ratinho Mr. Jingles.
A forma como o filme é narrado me remete ao épico "Titanic", pois são muito parecidos. Ambos são narrados com o começo da história sendo contada a partir do protagonista idoso, e ao término da história a cena volta para o mesmo protagonista idoso, exatamente da mesma forma como aconteceu com a Rose idosa ao narrar a sua linda história de amor.
Sobre as qualidades técnicas:
No quesito direção a obra é impecável, realmente o Frank Darabont deu uma aula de cinema na direção desta magnífica obra. A trilha sonora do mestre Thomas Newman (que no mesmo ano trabalhou na composição da trilha de "À Espera de um Milagre" e "Beleza Americana") é estupidamente perfeita, arrojada, potente, conseguindo se destacar nos momentos cruciais da história, e principalmente sendo a grande responsável nos momentos de maior comoção. A fotografia de David Tattersall (que no mesmo ano também trabalhou em dois filmes, este e "Star Wars: A Ameaça Fantasma") é rica, é esplendorosa, é triunfal, casa perfeitamente em cena e destaca o grandioso trabalho da cinematografia no filme. A direção de arte de Richard Francis-Bruce (também foi o responsável no clássico "Um Sonho de Liberdade") é completamente fiel com o livro, por compor cenários com uma perfeição invejável. O longa-metragem é muito bem montado, muito bem editado, muito bem mixado, muito bem adaptado, muito bem escrito, sendo perfeito tanto tecnicamente como artisticamente.
"À Espera de um Milagre" ganhou a reputação de ser um dos filmes mais emocionantes de todos os tempos (que eu concordo plenamente). O longa foi extremamente cultuado e respeitado. Foi um sucesso comercial, arrecadando US$ 286 milhões de seu orçamento de US$ 60 milhões, e foi indicado a quatro Oscars: Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante para Michael Clarke Duncan, Melhor Som e Melhor Roteiro Adaptado. Além da indicação de Ator Coadjuvante no Globo de Ouro.
Frank Darabont conseguiu brilhar mais uma vez ao adaptar mais uma obra do mestre King, e muito por conseguir construir uma experiência pesada, profunda, tocante, imponente, cativante, verdadeira, importante, necessária, relevante e emocionalmente poderosa ao extremo. Sem dúvidas ele conseguiu elaborar uma excelente adaptação que funciona como uma fábula, como um conto, que nos traz reflexões acerca da força da abordagem sobre a amizade, o destino, o amor, mesclando temas complexos e necessários como o racismo e a redenção, e funcionando diretamente como um drama com uma fantasia misteriosa com elementos sobrenaturais.
Como livro, "À Espera de um Milagre" está no top 5 das melhores obras literárias de toda a bibliografia do mestre Stephen King.
Como filme, "À Espera de um Milagre" está no top 10 das pérolas cinematográficas, das obras de artes e das obras-primas da década de 1990. E sem nenhuma dúvida o longa está presente na lista dos melhores filmes de dramas da história do cinema.
Isso aqui é cinema em seu mais alto e puro estado de perfeição!
Sem mais!
[22/09/2023]
Não Fale o Mal
3.6 687TEM SPOILERS!
Não Fale o Mal (Speak No Evil) 2022
"Speak No Evil" (dinamarquês: Gæsterne, lit. 'Os Convidados') é dirigido por Christian Tafdrup a partir de um roteiro que ele co-escreveu com seu irmão Mads Tafdrup. É produzido por Jacob Jarek e distribuído pela Nordisk Film. As filmagens ocorreram na Dinamarca, Holanda e Itália, e a maior parte do filme é rodada em inglês, com algumas cenas em dinamarquês e holandês. O filme é centrado em Bjørn (Morten Burian) e Louise (Sidsel Siem Koch), um casal dinamarquês que é convidado por Patrick (Fedja van Huêt) e Karin (Karina Smulders), um casal holandês, para passar um fim de semana em sua casa de campo; os anfitriões logo começam a testar os limites de seus convidados à medida que a situação piora.
Devo confessar que eu conheço pouco do cinema europeu, especificamente do terror psicológico europeu, que é justamente o tema em questão aqui nessa produção dinamarquesa. "Speak No Evil" é o terceiro longa-metragem de Christian Tafdrup, que atua principalmente como ator, e seu primeiro filme de gênero, no qual ele tenta combinar o gênero dramático com comentários sociais e elementos de terror psicológico. O filme combina perfeitamente o drama presente com o suspense de terror psicológico, sendo que o roteiro é desenvolvido na base do mistério, do suspense, do intrigante, do suspeito, da inquietação, nos levando ao incômodo, ao sufocante, ao desconforto, misturando uma agonia, uma tensão e uma afobação. Ou seja, temos aqui um terror psicológico que se torna chocante na medida que levanta polêmicas que dialoga com a crua e violenta natureza humana.
Podemos considerar que o longa também aborda uma sátira gelada dos costumes da classe média europeia, que está diretamente ligada com a questão da cultura europeia em diversos países, onde encontramos a passividade, o conformismo e a omissão. Ou seja, especificamente falando, são aquelas pessoas que tem o costume de querer agradar sempre, de se negar a dispensar um convite (como vimos na cena em que a família dinamarquesa diz que seria errado negar o convite da família holandesa), que tem dificuldades em dizer um simples e objetivo "não".
O ponto principal do roteiro é desenvolver a normalidade inicial de cada acontecimento na trama, seja pelo lado da família dinamarquesa ou principalmente pelo lado da família holandesa. Toda essa normalidade é justamente o ponto-chave, o ponto de partida de toda a história, e que nos leva a considerar o nosso próprio cotidiano quando nos encontramos em situações onde temos que ser gentis, passivos, pensando primeiramente em agradar a outra pessoa e não se passar por uma pessoa antissocial (como normalmente acontece no dia a dia).
O longa-metragem é pautado exatamente em cima dessa questão do conformismo, da omissão, da imparcialidade, da passividade, como presenciamos logo de cara com a pressão psicológica que a família dinamarquesa sofre pelo simples motivo em dizer um não. A partir daí vamos observando que a família dinamarquesa age unicamente e exclusivamente na proposta de agradar a família holandesa. Aquela velha questão de você não pensar primeiramente em si, mas se desagradar para agradar outra pessoa pelo simples motivo de querer ser legal, ser sociável e criar um clima agradável (quem nunca). Como presenciamos na cena em que a Louise é coagida a aceitar comer um pedaço de carne mesmo já tendo evidenciado que era vegetariana (ou seja, só para agradar e deixar o ambiente agradável).
É realmente incrível como a família dinamarquesa se colocava em situações desagradáveis e muitas das vezes até desnecessárias só com o intuito de querer sempre agradar e se manter sociável. Por outro lado toda essa passividade, complacência e excesso de gentileza foi o que os levaram a cometerem erros irreversíveis. Esse é exatamente o ponto em que o filme nos causa mais desconforto, se torna cada vez mais intragável e difícil de digerir. Pois além de sermos confrontados com toda omissão, passividade e complacência, ainda somos confrontados com um excesso de flexibilidade absurda; que é exatamente a cena em que o Bjørn decide ceder a pressão psicológica do choro da filha para retornar à casa na busca pelo seu coelho de pelúcia. E aqui podemos observar que esta é uma das cenas (se não for a principal) que nos causa mais raiva pela burrice do casal. Mas não é uma cena aleatória apenas para nos causar repulsa, tem todo um contexto por trás, que é o fato do Bjørn se sentir responsável pela bem-estar da filha (ou querer se provar capaz), pois no começo somos enfatizados por uma cena parecida quando ele sai na procura pelo bichinho perdido. Nessa mesma cena o Patrick o parabeniza como um herói da filha, o que o deixa pensativo sobre aquela declaração de um desconhecido. Outro ponto: também podemos interpretar que o Bjørn usou o motivo de retornar na casa para pegar o bichinho de pelúcia da filha como uma forma de se desculpar por ter saído assim no meio da noite sem se despedir. De fato esta cena abre margens para várias interpretações.
Como já destaquei, o maior acerto do longa é a criar e condessar aquele clima do suspense, da aflição, do mistério, do medo, de que a qualquer momento alguma coisa vai acontecer. E realmente ficamos esperando o tempo todo alguma coisa acontecer mas nada acontece, ou talvez não aconteça visivelmente, mas dentro da nossa mente já estamos desde o começo do filme sofrendo uma pressão com um suspense psicológico, um terror psicológico acerca de que possivelmente irá acontecer. Tanto que passamos cerca de 1 hora de filme sem uma gota de sangue, ou seja, o diretor vai nos conduzindo pelo nosso próprio medo, pela nossa própria aflição, vamos sendo levados apenas com o peso do terror psicológico. Nesse quesito o filme funciona perfeitamente.
Porém, eu não posso simplesmente ignorar vários pontos que me incomodou excessivamente durante o filme: o ponto principal aqui é a burrice dos personagens, que eleva um nível absurdo de irritabilidade. Outro ponto é a forma como o longa constrói uma inquietação que se confundi com irritação, que de fato são as atitudes irreais e infundadas tomadas pelos personagens da família dinamarquesa. É fato que o que mais nos surpreende no filme nem é a violência explícita mas sim a incompetência, a burrice e o excesso de passividade dos personagens em questão. O casal dinamarquês são pessoas totalmente condescendentes, passivas, que aceitam todas as imposições sem nenhum questionamento, sem nenhuma objeção, e ainda agem de forma estúpida quando são ameaçados.
Aquela cena onde cortam a língua da pequena Agnes (Liva Forsberg) é patética com a submissão dos pais, e olha que a Karin estava ameaçando a Louise apenas com uma pequena tesoura. Mesmo que eu entenda que o filme queria realmente frisar a passividade e a submissão do casal dinamarquês nessa cena, mas é impossível não se irritar com personagens tão estúpidos.
O plot (se é que temos um) é muito previsível e chega a ser até banal, principalmente se levarmos em conta que logo no começo o pequeno Abel (Marius Damslev) mostra a sua língua cortada para o Bjørn como uma forma de alertá-lo, mas ele pouco se importa. A partir dessa cena já temos certeza do que aconteceu com o garotinho, ainda mais após aquela revelação da família holandesa que ele possuía uma doença que o limitava de falar. Nesse ponto já construímos todas as possibilidades que irá acontecer no final do filme, e realmente acontece. Por mais que ficamos presos no clima de suspense e tensão em boa parte do filme, mas esse plot não deixa de ser escandalosamente previsível, o que tira o impacto da revelação final.
Realmente eu acho que o longa erra descaradamente ao desafiar a nossa inteligência com situações e atitudes dos personagens que beiram o ridículo.
Em questões de elenco não tenho o que destacar. Acredito que cada ator entregou o que o seu personagem pedia. Agora é fato que nenhum se destaca, nenhum se sobressai, nenhum eleva o nível do personagem em relação com a história que estava sendo contada. É basicamente um feijão com arroz misturado com muitas caras e bocas.
Tecnicamente o filme também não se destaca!
Temos uma trilha sonora modesta, ok, que até tenta gerar um impacto, uma tensão em momentos oportunos, mas soa artificial e torna as cenas previsíveis. A cinematografia é básica, a direção de arte é básica, a montagem é básica, tecnicamente o filme é todo básico.
"Speak No Evil" arrecadou cerca de US$ 631 milhões contra um orçamento de produção de cerca de US$ 3,1 milhões.
Sobre a crítica especializada:
No Rotten Tomatoes, 84% das 90 críticas dos críticos são positivas, com uma classificação média de 7,5/10. O consenso do site diz: "Uma sátira social com dentes afiados, "Speak No Evil" oferece um prazer sombrio e delicioso para os fãs de thrillers misantrópicos." Já o Metacritic, que usa uma média ponderada, atribuiu ao filme uma pontuação de 78 de 100, com base em 17 críticos, indicando "críticas geralmente favoráveis". O Festival de Cinema de Sundance elogiou o filme como uma "obra satírica de terror brilhantemente provocativa e fervilhante que incrimina ambos os lados".
Em abril de 2023, foi anunciado que a Blumhouse Productions estava desenvolvendo um remake de mesmo nome, com James McAvoy contratado como estrela e James Watkins escrevendo e dirigindo. O filme está programado para ser lançado nos cinemas em 9 de agosto de 2024 pela Universal Pictures.
Por fim, "Speak No Evil" tem uma premissa interessante, consegue nos prender pelo suspense, pela tensão, pelo mistério e consegue nos causar uma agonia e uma aflição. O suspense psicológico é bem administrado e pontual nas cenas para nos causar um certo desconforto. Por outro lado o filme falha miseravelmente ao construir personagens estúpidos, burros e dementes, que agem com a inteligência de uma porta. De fato é um filme mediano, que erra tentando acertar.
Já a lição que o longa deixa é exatamente sobre como devemos impor limites em tudo, como devemos nos agradar primeiramente antes de agradarmos os outros, como devemos agir nos momentos certos e aproveitarmos as oportunidades que a vida nos dá, porque às vezes pode ser a última vez. Além, é claro, da crítica ácida que o filme faz sobre pessoas passivas, omissas, submissas e complacentes, que não conseguem dizer um não para não desagradar os outros.
Nesse sentido "Speak No Evil" funciona e até se destaca ao nos fazer refletir sobre nossas atitudes perante a nossa permissividade e a nossa tolerância, que é exatamente a lição que o longa nos deixa ao nos evidenciarmos com aquele diálogo final:
- Por que vocês estão fazendo isso?
- Porque vocês deixaram.
[08/09/2023]
Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
4.3 4,7K Assista AgoraBrilho Eterno de uma Mente sem Lembranças - 2004
(Eternal Sunshine of the Spotless Mind)
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é dirigido por Michel Gondry e escrito por Charlie Kaufman, baseado em uma história de Gondry, Kaufman e Pierre Bismuth. É estrelado por Jim Carrey e Kate Winslet, com Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood e Tom Wilkinson em papéis coadjuvantes. O filme segue duas pessoas que passam por um procedimento para apagar um ao outro de suas memórias após a dissolução de seu relacionamento.
Michel Gondry e Charlie Kaufman foram os nomes principais que fizeram "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" de fato acontecer.
Michel Gondry é conhecido por dirigir vários videoclipes famosos de várias personalidades famosas dentro da indústria musical pela MTV americana ao longo da sua carreira. No cinema, Gondry iniciou como diretor em 2001, com o longa-metragem "A Natureza Quase Humana". Depois ele dirigiu "Sonhando Mesmo Acordado" (2005), "Rebobine, Por Favor" (2008) e "O Besouro Verde" (2011). Já o roteirista Charlie Kaufman ficou conhecido após o roteiro badalado de "Quero Ser John Malkovich" (1999), onde ele conseguiu sua primeira indicação ao Oscar. Em 2001 Kaufman trabalharia com o Gondry pela primeira vez justamente em "A Natureza Quase Humana", e em 2004 eles se reencontrariam em "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", onde ambos ganhariam o Oscar de Melhor Roteiro Original.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é simplesmente uma pérola, uma obra de arte em forma de cinema, uma obra-prima da sétima arte, um dos melhores filmes da década de 2000. Um filme extremamente tocante, profundo, singelo, poético, verdadeiro, emocionante, lindo, belo, encantador, inovador, surpreendente, exuberante e reflexivo, ao mesmo tempo que nos confronta com o medo, a perda, o trauma, a decepção, a desilusão, a depressão e a aflição. O roteiro é de uma genialidade absurda sendo muito competente, muito inteligente, muito bem escrito, muito bem desenvolvido, muito bem transplantado para a tela, onde nos passa uma linha de pensamento acerca do passado, do presente e do futuro, que obviamente vai nos retratar sobre a humanização, a descaracterização, a desconstrução e a superação do ser humano em seu alto grau emocional e espiritual.
O fio condutor do roteiro é exatamente a forma como exploramos o passado, como encaramos os nossos sentimentos e as nossas lembranças, a forma como analisamos os nossos próprios atos, a forma como fazemos uma autoavaliação, a forma como confrontamos a nossa própria memória. É interessante notar que o texto aqui conversa diretamente com o espectador com base em um drama, em um romance e até misturando elementos de ficção científica para construir uma narrativa não linear com base na exploração da mente humana. O texto de "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é tão inteligente, tão estratosférico, tão absurdo, que ainda podemos ir além ao analisarmos uma abordagem com elementos de um drama psicológico, um estudo da mente humana, do comportamento humano após uma perda e após uma grande decepção, um estudo de psicanálise, que é o ponto aqui ao discutimos os comportamentos disfuncionais, os traumas e até os pensamentos equivocados dos personagens em questão.
E o mais interessante no texto do longa-metragem é nos passar a percepção de simplicidade, pois de fato estamos falando de um fim de relacionamento, a famosa "dor de cotovelo", que é justamente a narrativa em questão ao nos confrontarmos com os esforços que somos capazes de fazer para esquecer um antigo/grande amor. É inegável que todos nós já passamos por um fim de relacionamento que às vezes é trágico, às vezes traumático, às vezes destruidor, às vezes conturbado, mas fato é: após um fim de relacionamento todos nós queríamos esquecer a pessoa amada. E se você pudesse de fato apagar toda a sua memória do relacionamento passado? E se nós pudéssemos simplesmente apagar da memória aqueles que mais amamos? Você se submeteria ao um processo científico para apagar aquela pessoa para sempre das suas lembranças? Até que ponto você iria para atingir esse objetivo?
Este é o principal motivo para que "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" tenha um dos melhores roteiros daquela década. Exatamente um texto que conversa diretamente com todos nós, que é de fácil identificação, que nos faz refletir, que nos faz pensar com uma trama que soa familiar, pois quem aqui nunca sofreu por amor? Quem aqui nunca sofreu com o término de um romance? E quem aqui não sentiu o desejo de apagar todas as memórias daquelas pessoas que outrora nos fizeram tão felizes? Mas fato é: nem sempre o que queremos conseguimos, às vezes essas próprias memórias nos fere e nos magoa profundamente quando são remexidas.
Eu sou um exemplo vivo de já ter sofrido com o término de um grande amor, de um grande relacionamento. Eu me coloquei no lugar do Joel (Jim Carrey), eu também sofri uma decepção e queria apagar a pessoa da minha memória para sempre. Eu só não busquei um método científico como ele buscou, mas fiz de tudo para esquecer, para apagar, mas também não consegui. Na verdade você nunca consegue deletar esta pessoa da sua memória, você pode até esquecer por algum tempo, mas apagar jamais.
Sobre os personagens:
É muito interessante acompanhar toda a construção e desconstrução do casal Joel e Clementine (Kate Winslet). Joel sofre com aquela desilusão amorosa e principalmente ao descobrir que Clementine queria esquecê-lo para sempre quando tomou a decisão de entrar no processo de deletar suas memórias. Até por um certo orgulho, uma certa mágoa e um certo rancor Joel decidi fazer o mesmo, que é passar pelo mesmo processo. O ponto-chave é exatamente o arrependimento de Joel durante o processo, onde logo ele tenta de todas as formas uma maneira de parar o procedimento. Dessa forma Joel tenta de todas as maneiras uma forma de aprisionar as memórias de Clementine que já estão desaparecendo de sua mente. Ou seja, o mundo no qual a Clementine pertence está ruindo, e é a partir daí que Joel percebe que está cometendo um grande erro, que ele não é capaz de apagá-la de sua memória, que ele não é capaz de conceber a felicidade sem aquela pessoa que ele tanto ama.
Se analisarmos friamente esta é a cereja do bolo desse roteiro que é tão genial. Exatamente a abordagem de um grande amor que falhou, que deu errado, e tudo isso acontecendo dentro da mente do Joel, que logo está em guerra com sua própria mente sobre o que de fato pode ter dado tão errado. De fato o roteiro desse filme é estupidamente genial, um dos melhores que eu já vi em toda a minha vida cinéfila.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" tem um roteiro teoricamente simples mas não é assim tão fácil de entender e de acompanhar em todos os seus acontecimentos. Pois o longa não conta os seus eventos em uma ordem cronológica, temos que ir construindo as nossas percepções e resolvendo os quebra-cabeça em cena após cena. O quê muita das vezes vai nos confundir acerca do presente e do passado, que logo será auxiliado por flashbacks e monólogos para nos elucidar tal acontecimento. Eu acredito que esta decisão mais embaraçosa em nos contar os fatos seja até como uma metáfora para a nossa própria memória, pois é exatamente dessa forma que acontece quando estamos buscando por nossas lembranças, que na maioria das vezes elas vão surgir de forma desordenada e totalmente aleatória. Eu achei uma grande sacada do roteiro!
O elenco é outro show à parte:
A maioria das pessoas conhecem o Jim Carrey por seus personagens irreverentes e cômicos, mas aqui ele sai dessa sua zona de conforto e nos impacta com a talvez melhor atuação de toda a sua carreira. É sempre um grande prazer poder acompanhar o Jim Carrey em um personagem mais sério, mais dramático, mais contundente, até mais que os personagens Truman Burbank ("O Show de Truman", de 1998) e Andy Kaufman ("O Mundo de Andy", de1999). Jim Carrey incorpora um personagem introspectivo, frio, obscuro, extremamente reservado, que não se abre fácil, que não demonstra seus sentimentos, que prefere expor seus sentimentos através do seu diário. Jim Carrey está perfeito, está fabuloso, está colossal, uma atuação rica em emoções e sentimentos, carregada dramaticamente, que nos desperta a comoção, a empatia e o sentimento de amor carregado com a tristeza. Eu nunca vou entender o total desprezo e preconceito que a academia sempre teve pela pessoa Jim Carrey, ao ponto de sempre esnobar todas as suas atuações, de não reconhecer o seu talento no drama. Claramente ele merecia pelo menos uma indicação ao Oscar de Melhor Ator em 2005. Mas não veio, como já não vinha nos trabalhos anteriores a este. Jim Carrey ficou com as indicações no BAFTA e no Globo de Ouro.
Kate Winslet definitivamente sempre foi a rainha da p@#$ toda! Kate sempre será lembrada como a eterna e inesquecível "Rose DeWitt Bukater", isso é inegável. Porém, ao longo da carreira ela já nos entregou outras personagens que também se tornaram inesquecíveis; como é o caso da magnífica Hanna Schmitz de "O Leitor" (2008). Clementine Kruczynski é outra personagem eternizada e humanizada da Kate Winslet, que ficou para sempre em nossas memórias e jamais queremos apagá-la. Kate deu vida para a complicada Clementine, que por si só já se mostra com uma personalidade forte, potente, impulsiva, espontânea, rebelde, desbocada, comunicativa, ciumenta e problemática. Clementine usava seu cabelo de diversas cores, e isso traz uma alusão ao momento atual de sua vida: como o azul de esperança quando ela conhece o Joel, logo após o vermelho da paixão avassaladora e depois o verde desbotado que simboliza o desgaste emocional e sentimental.
Kate criou mais uma personagem inesquecível, que entrou para a história da cultura pop dos anos 2000. Uma atuação impecável e irretocável, que lhe rendeu a sua quarta indicação ao Oscar de Melhor Atriz.
Kirsten Dunst com apenas 21 aninhos vinha da sua personagem mais lembrada na carreira até os dias de hoje - a incrível Mary Jane Watson de "Homem Aranha". Aqui Kirsten trouxe a personagem Mary, que é a recepcionista da clínica Lacuna, que fornece o serviço de apagar as lembranças. Mary é encantada pelo trabalho que a clínica pratica e possui uma admiração (e um interesse) pelo seu chefe. Temos todo um contexto por trás da personagem que descobre que foi uma cobaia da clínica ao ter as suas lembranças também apagadas, o que a leva a revelar a verdade para todos os pacientes da clínica. Gostei muito da atuação da lindíssima Kirsten Dunst.
O mestre Tom Wilkinson sempre esteve no auge da carreira e já nos entregou cada personagem memorável que fica até difícil comentar. Posso citar o fabuloso Padre Moore do clássico cult "O Exorcismo de Emily Rose" (2005). Tom é Howard, o dono da clínica Lacuna, sendo o principal responsável pelas intervenções na mente dos pacientes. Howard já se utilizou dos interesses amorosos da Mary anteriormente, já fez o procedimento de apagar as memórias nela, e sempre defende que sua causa é estar fazendo o bem para as pessoas, lhe dando a chance de começar uma vida do zero. Mais um trabalho memorável do grande Tom Wilkinson.
Elijah Wood, o eterno e icônico Frodo Bolseiro da franquia "O Senhor dos Anéis". Elijah é o empenhado (e talarico - kkk) Patrick, um dos dos técnicos que a empresa Lacuna envia para a casa dos pacientes, para apagar suas lembranças enquanto dormem. Interessante que o Patrick começa a se interessar pela Clementine enquanto ela está dormindo durante o processo. O que logo o leva a roubar os objetos do Joel na intenção se passar pelas memórias dele para conquistar ela. Elijah Wood conseguiu gerar cenas bem interessantes para todo o contexto da história.
Mark Ruffalo, o eterno Bruce Banner de "Os Vingadores". Mark era o Stan, outro dos técnicos que auxiliava o processo da clínica na casa dos clientes. Stan tinha um relacionamento com a Mary, enquanto ele não sabia de grande parte dos acontecimentos dela. Mark Ruffalo está bem convincente no personagem.
Tecnicamente e artisticamente o longa-metragem é ainda mais perfeito:
A trilha sonora do filme foi composto pelo músico de Los Angeles Jon Brion, que por sinal é impecável, magnânima, elegante, penetrante e emocionante. Aquela versão de "Everybody's Got to Learn Sometime" é pra chorar no banho de tão emocionante em cena. A fotografia de Ellen Kuras é potente, é avassaladora, é bastante perceptível e se destaca com bastante harmonia. A direção de arte de David Stein (o homem por trás da direção de arte de "12 Anos de Escravidão" e "Cisne Negro") é outra peculiaridade, sempre agregando os detalhes mais minuciosos, sempre atento com os padrões de cenários mais contemporâneos. "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" se sobressai principalmente por ser bem montado, bem editado, bem mixado, bem arquitetado, com detalhes técnicos que saltam aos nossos olhos pela excelência de uma qualidade em altíssimo nível.
Não posso deixar de destacar a direção elegantérrima e acertadíssima do diretor Michel Gondry, que teve a ideia de fazer um filme como "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças" após seu amigo artista plástico Pierre Bismuth sugerir a história de um personagem que encontra um cartão no caixa de correio com a mensagem: "alguém que você conhece apagou você da memória".
Já a origem do título do filme foi retirado do poema "Eloisa to Abelard", de autoria de Alexander Pope. O mesmo poema já havia sido usado pelo roteirista Charlie Kaufman em "Quero ser John Malkovich".
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" foi um sucesso de bilheteria, arrecadando $ 74 milhões em um orçamento de $ 20 milhões, e foi nomeado pelo American Film Institute um dos 10 melhores filmes de 2004.
Prêmios:
OSCAR 2005
Ganhou: Melhor Roteiro Original
Indicação: Melhor Atriz - Kate Winslet
GLOBO DE OURO 2005
Indicações:
Melhor Filme - Comédia/Musical
Melhor Ator - Comédia/Musical - Jim Carrey
Melhor Atriz - Comédia/Musical - Kate Winslet
Melhor Roteiro
BAFTA 2005
Ganhou: Melhor Roteiro Original e Melhor Edição
Indicações:
Melhor Filme
Melhor Diretor - Michel Gondry
Melhor Ator - Jim Carrey
Melhor Atriz - Kate Winslet
Em outubro de 2016, o Anonymous Content anunciou que trabalharia com a Universal Cable Productions para produzir uma série de televisão baseada no filme. Charlie Kaufman não está envolvido na escrita do show. O projeto ainda está em fase de planejamento. Em 2023, ainda não havia sido lançado, apesar de seis anos de trabalho no roteiro.
No Rotten Tomatoes, o longa tem um índice de aprovação de 92% com base em 250 resenhas, com nota média de 8,50/10. No Metacritic, o filme tem uma pontuação de 89 de 100, com base em 41 críticas, indicando "aclamação universal". No CinemaScore, o filme tem uma nota média de "B-" na escala A + a F.
O desempenho de Kate Winslet ficou em 81.º lugar da lista das "100 maiores atuações de todos os tempos" da revista Premiere. Em 2013, o filme ficou em 24.º lugar da lista dos "101 maiores roteiros" da Writers Guild of America. O filme ficou em 78.º lugar na lista dos "301 Melhores Filmes De Todos os Tempos" da revista Empire em 2014.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é aquele clássico cult amado, respeitado e idolatrado por todos os seres que respiram. Uma obra extremamente importante, influente, contundente, peculiar, singela e contemporânea, que nos leva a bordo de uma história de perdas e recomeços, de decepções e ilusões, de traumas e conquistas, expondo um olhar mais ríspido e sincero sobre relacionamentos e mágoas. Uma obra que transmite sentimentos, que nos toca verdadeiramente, que nos emociona instantaneamente, que nos transmite uma aura de realismo e nos impacta com lições sobre como um verdadeiro amor pode ser lembrado, renovado e muitas das vezes reconquistado.
O longa nos ensina que nem sempre iremos aprender com nossos erros, mas precisamos persistir, ir além, não se dar por vencido. Também aprendemos que as lembranças existem e sempre vão estar ali, no fundo da nossa memória, impossíveis de serem apagadas, pois as lembranças podem ser ruins por nos fazer sofrer com sentimentos perdidos no passado, mas também podem ser benéficas nos ensinando lições importantes para nosso futuro.
"Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" é um clássico de amor dos tempos modernos. Uma verdadeira lição de vida. A representação mais pura do amor em seu estado mais bruto e poético. Um dos romances mais aclamados da década de 2000. Um dos responsável em definir o cinema da década de 2000. Um dos roteiros mais geniais da década de 2000. Presente em qualquer lista dos melhores filmes da década de 2000.
Um clássico eterno!
Uma obra-prima da sétima arte!
Meu filme de cabeceira!
Meu filme da vida!
⭐⭐⭐⭐⭐
[03/08/2023]
A Estrada
3.6 1,3K Assista AgoraA Estrada (The Road) 2009
"A Estrada" é dirigido por John Hillcoat (diretor do bom "Os Infratores", de 2012) e escrito por Joe Penhall (um roteirista que também é pouco conhecido, cujo seu último trabalho foi em "Rei dos Ladrões", de 2018), baseado no romance de 2006 de mesmo nome de Cormac McCarthy. O filme é estrelado por Viggo Mortensen e Kodi Smit-McPhee como pai e filho em mundo pós-apocalíptico que foi destruído há mais de 10 anos, mas ninguém sabe o que exatamente aconteceu. Como resultado, não há energia, vegetação ou comida. Milhões de pessoas morreram, devido aos incêndios, inundações ou queimadas que se seguiram ao cataclisma.
Sobre o livro:
Temos aqui uma obra que inicialmente parece ser muito interessante, pois a sinopse do livro vai te deixar muito curioso, principalmente se você gostar de temas como um mundo pós-apocalíptico. E realmente este é aquele típico livro que tem tudo para dar certo, pois a história parece ser muito boa, é uma temática que sempre me agrada, porém a forma como toda a história foi contada é simplesmente horrível.
Ao terminar o livro eu cheguei na conclusão que a história é desinteressante, é vaga, é rasa, não engrena, não te prende, parece que os personagens não avançam, parece que eles estão sempre andando em círculos. O tema fim do mundo poderia ter sido melhor explorado. O livro não possui capítulos, o que deixa a leitura ainda mais cansada. A falta de capítulos faz uma grande diferença na história que está sendo contada. Sem falar que a história acontece no meio do nada, pois não temos nenhuma localização, nenhuma noção de região, absolutamente nada mesmo.
A leitura não é boa, pelo contrário, é muito cansativa, monótona, enfadonha, desgastante e desinteressante. Os diálogos são vagos, sem sentido, pois chega a irritar o tanto de "Está Bem" que tem nas conversas entre o homem e o menino. A empatia com os personagens é zero, a química é zero, a nossa preocupação é zero. Em nenhum momento eu consegui me conectar com os personagens para assim poder sentir o peso daquele sofrimento, para que aquela história de fim do mundo realmente me abalasse. Definitivamente os personagens são todos desinteressantes.
O único momento em que eu fiquei abalado e incomodado durante toda a leitura...
Foi na parte onde o menino é o primeiro a encontrar um corpo de um bebê humano carbonizado e sem a cabeça sendo assado em uma fogueira. Ali me deu um nó na garganta e uma profunda tristeza. Mas também só ali, nem nos acontecimentos finais eu me senti impactado ou triste, que eu acredito ter sido o principal intuito.
"A estrada" foi um livro que me decepcionou muito, pois eu realmente achava que iria gostar da história, dos personagens, que ao final eu iria ficar impactado. Mas definitivamente nada disso aconteceu, pelo contrário, eu quase abandonei a leitura e fiquei aliviado quando o livro terminou.
Sobre o filme:
Temos aqui uma obra melancólica, fria, devastada, cinzenta, densa, triste, onde nos mostra todo sofrimento e desolação de uma sobrevivência em um mundo pós-apocalíptico. Este é um dos principais pontos na história, a construção da última fagulha de esperança, de fé, de luta, de poder sobreviver em meio a todo caos e acreditar em uma possível civilização. É nesse fio de esperança que o pai se apega ao proteger e defender seu filho de todos os perigos, de todas as ameaças, de todas as catástrofes naturais. Sem falar que eles ainda precisam evitar os confrontos com as gangues de humanos selvagens, que também estão vagando e querem transformá-los em escravos ou uma coisa muito pior.
"A Estrada" é uma adaptação quase 100% fiel ao livro, pois muitas coisas e muitas passagens que você encontra no filme está no livro. Os diálogos são muito fiéis, os cenários são muito fiéis, a execução das cenas também são muito fiéis. Acredito que a principal diferença é o fato do filme em si ser mais melodramático em relação ao livro. Pois no filme temos um olhar mais dramático, uma construção acerca de cada acontecimento mais dramática. Já o livro é mais cruel, mais pesado, mais sofrido, principalmente naquela cena em spoilers que eu citei acima e que não tem no filme (ainda bem). Os personagens do livro também me parece ser mais sofridos e menos dramáticos, principalmente a figura do garoto. Também achei muito interessante aquele contraponto no filme mostrando os acontecimentos do passado, envolvendo a esposa grávida, com os fatos do presente. Tudo sendo revivido em uma espécie de sonho (ou pesadelo).
O principal acerto do longa-metragem é nos evidenciar sobre a fé, sobre a esperança, sobre a sobrevivência. É nos relatar sobre um elo de confiança entre pai e filho, um laço de amizade verdadeira, uma construção de um verdadeiro amor. "A Estrada" é um filme que está inserido na devastação, na desolação, em todos os tipos de sofrimentos de um mundo pós-apocalíptico, mas por outro lado é também um filme que nos ensina e nos comove com uma história sobre amadurecimento, esperança, fé e sobre as profundas relações entre um pai e seu filho.
Sobre o elenco principal:
Viggo Mortensen ("Crimes do Futuro", de 2022) está muito bem ao representar a figura de um pai desolado, sofrido, desacreditado, mas que sempre mantém o amor e a esperança ao proteger seu filho de tudo e de todos.
Kodi Smit-McPhee ("Ataque dos Cães", de 2021) estava com apenas 12 anos na época das filmagens. Devo dizer que ele até representa bem o garotinho do livro, talvez um pouco mais chatinho, mas como um todo está até aceitável.
Charlize Theron ("Velozes & Furiosos 10", de 2023) traz a figura da esposa, que por sinal é uma figura bem enigmática e misteriosa. O diretor John Hillcoat quis expandir a sua personagem na história, tanto que ela tem um papel maior no filme do que no livro.
Sobre o elenco secundário:
Michael K. Williams (falecido em setembro de 2021) faz o ladrão que rouba o carrinho de suprimentos na praia. Por sinal outra cena completamente fiel ao livro.
Robert Duvall ("O Pálido Olho Azul", de 2022) faz Ely, um velho homem que aparece no caminho e que é ajudado pelo pai por insistência do filho. Robert Duvall está completamente irreconhecível.
Irreconhecível está também o Guy Pearce ("Mare of Easttown", de 2021), que faz um veterano pai de família ao final da história.
Molly Parker ("Pieces of a Woman", de 2021) é a esposa do veterano.
Tecnicamente o filme se destaca:
O principal destaque é a fotografia, que remonta todo aquele cenário depressivo, desolado, destruído, onde o sofrimento e a sobrevivência andavam de mãos dadas. A trilha sonora também se sobressai, com um instrumental estridente, penetrante e inquietante. A direção de arte é outro grande acerto, por construir os devastados cenários pós-apocalípticos.
"A Estrada" alcançou 76% no ranking Fresh do Rotten Tomatoes, baseado em 167 revisões, e também alcançou um escore de 64/100 no Metacritic, baseado em 32 revisões. Inicialmente a ideia da produtora era fazer uma campanha visando possíveis indicações ao Oscar. Apesar disso, o filme não foi indicado à nenhum prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Ainda assim o longa obteve uma indicação ao BAFTA 2010 na categoria de Melhor Fotografia, que por sinal achei muito justo, já que este é um dos principais destaques do filme.
Infelizmente o livro "A Estrada" é muito ruim, facilmente um dos piores livros que já li este ano (e o livro ganhou o Prêmio Pulitzer em 2006). Em pensar que Cormac McCarthy (falecido no mês passado, em 13 de junho) é o autor da obra literária que foi baseado o magnífico "Onde os Fracos Não Têm Vez" (2007).
Por incrível que pareça e como um caso raríssimo, eu gostei mais do filme do que do livro, até pelo fato das atuações, cenários, trilha sonora e fotografia. Acredito que no audiovisual a obra funcionou melhor do que no livro. [29/07/2023]
Barbie
3.9 1,6K Assista AgoraBarbie Girl
Banda: Aqua
Álbum: Aquarium
Ano: 1997
Hiya, Barbie
Hi, Ken
You want to go for a ride?
Sure, Ken
Jump in
I'm a Barbie girl, in the Barbie world
Life in plastic, it's fantastic
You can brush my hair, undress me everywhere
Imagination, life is your creation
Come on, Barbie, let's go party
I'm a Barbie girl, in the Barbie world
Life in plastic, it's fantastic
You can brush my hair, undress me everywhere
Imagination, life is your creation
I'm a blonde bimbo girl in a fantasy world
Dress me up, make it tight, I'm your dolly
You're my doll, rock'n'roll, feel the glamour in pink
Kiss me here, touch me there, hanky panky
You can touch
You can play
If you say, "I'm always yours" (ooh, oh)
I'm a Barbie girl, in the Barbie world
Life in plastic, it's fantastic
You can brush my hair, undress me everywhere
Imagination, life is your creation
Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah)
Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh)
Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah)
Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh)
Make me walk, make me talk, do whatever you please
I can act like a star, I can beg on my knees
Come jump in, bimbo friend, let us do it again
Hit the town, fool around, let's go party
You can touch
You can play
If you say, "I'm always yours"
You can touch
You can play
If you say, "I'm always yours"
Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah)
Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh)
Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah)
Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh)
I'm a Barbie girl, in the Barbie world
Life in plastic, it's fantastic
You can brush my hair, undress me everywhere
Imagination, life is your creation
I'm a Barbie girl, in the Barbie world
Life in plastic, it's fantastic
You can brush my hair, undress me everywhere
Imagination, life is your creation
Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah)
Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh)
Come on, Barbie, let's go party (ah ah ah yeah)
Come on, Barbie, let's go party (ooh oh, ooh oh)
Oh, I'm having so much fun
Well, Barbie, we're just getting started
Oh, I love you, Ken
Essa música deveria ser a música-tema da versão original. 😂🤣😅
Sou a Barbie Girl
Cantora: Kelly Key
Álbum: Kelly Key
Ano: 2005
Gabily, Kelly Key
Sou a Barbie girl
Se você quer ser meu namorado
Fica ligado
Presta atenção na minha condição
É diferente, sou muito exigente
Sou assim, uma flor delicada demais
Minha cor preferida é o rosa
Uma loira legal e que sabe o que quer
Decidida, fatal, mas dengosa
Você pode me ganhar
É só fazer o que eu mandar
Você pode me ganhar
É só fazer o que eu mandar
Sou a Barbie girl
Se você quer ser meu namorado
Fica ligado
Presta atenção na minha condição
É diferente, sou muito exigente
Deixa eu me arrumar, Ken
Já vou, já vou
Deixa eu me arrumar, Ken
Já vou, já vou
Se eu pedir uma estrela, você vai buscar
O meu jeito é assim, não reclama
Se eu quiser, bato o pé, e vai ter que aceitar
Só assim vou saber que me ama
Você pode me ganhar
É só fazer o que eu mandar
Deixa eu me arrumar, Ken
Já vou, já vou
Deixa eu me arrumar, Ken
Já vou, já vou
Sou a Barbie girl
Se você quer ser meu namorado
Fica ligado
Presta atenção na minha condição
É diferente, sou muito exigente
Sou a Barbie girl
Se você quer ser meu namorado
Fica ligado
Presta atenção na minha condição
É diferente, sou muito exigente
Deixa eu me arrumar, Ken
Já vou, já vou
Deixa eu me arrumar, Ken
Já vou, já vou
Já essa aqui deveria ser a música-tema da versão brasileira.😂🤣😅
[17/07/2023]