Últimas opiniões enviadas
-
Para Sama
110
-
O protagonista de “A Última Gargalhada” trabalha como porteiro de um luxuoso hotel. Orgulhoso de suas funções, a altivez que demonstra tem como símbolo maior o impecável uniforme que porta. É através do uniforme que o povo de sua vizinhança humilde confere-lhe distinção e respeito. Sua dignidade está atrelada àquele trabalho. O homem não espera, contudo, que sua tão celebrada posição seja tão frágil: ele passa a ser visto por seu empregador como apenas um velho que deve ser substituído. Relegado a uma função de limpeza de banheiros, sofre não somente pelo senso de inutilidade como também pelo duro golpe em sua vaidade. Em uma atitude bastante significativa, rouba o uniforme e resolve seguir representando para os seus.
O filme é mudo e as inserções textuais são poucas, de maneira que depende ainda mais da atuação e das expressões faciais dos atores para situar o espectador, tarefa que é cumprida com maestria pelo protagonista. Consegue-se sentir a angústia do homem rebaixado em suas funções, que passa a andar curvado. A humilhação também é ressaltada pelas técnicas de filmagem escolhidas pelo diretor. O final me causou bastante estranheza, mas diminui pouco do que já havia sido alcançado.
-
Luz de Inverno
173
-
Um pastor conduz mecanicamente um culto para sua diminuta congregação. Logo após, instado a aconselhar um membro suicida, mostra sua falta de convicção. Descobre-se, então, que Tomas vive uma crise espiritual, que o acompanha com maior intensidade desde o falecimento da esposa. A morte, que já debilitara sua fé quando presenciou os horrores da guerra, agora parece ter retirado dele toda a esperança que restava, transformando-o em alguém apático diante da vida, incapaz de resolver não só as inquietações da alma (sua e dos fiéis da igreja), mas também questões mais terrenas, como o abnegado amor oferecido por Marta. Encerrado em seus próprios conflitos, é incapaz de olhar para os outros e sofre na reprise de suas mágoas.
Ao final, prestes a iniciar outra celebração, o pastor que demonstrava “uma indiferença extraordinária pelo seu Cristo” adquire (ou é lembrado) de uma perspectiva diferente sobre o objeto da sua (claudicante) fé: Jesus talvez tenha sofrido mais a frustração e a solidão do que com o castigo físico. A aproximação das dores fará com que recupere a fé ou mesmo com que olhe para o lado? Não há resposta.
As escolhas estéticas de Luz de Inverno transmitem perfeitamente o clima de angústia e desolação experimentado pelo religioso. Até a lentidão contribui pra isso. Achei essa construção até mais interessante do que as próprias ideias trazidas sobre (des)crença.
Últimos recados
-
Carlos Eduardo
Essa foto do perfíl, é no Teatro Guarany em Pelotas/RS?
-
Régis Moura
Oi, qual sua nota pro Rei leão?
-
Evelyn Machado
Vc sabe q hj q vi né. Esse filmow me trolla
O que faz um documentário bom? Importância histórica? Material/conclusões inéditas? A relevância do assunto? Ainda não sei, mas acredito que aproximar o espectador de realidades, problemas e pessoas, principalmente as que não costumam ser ouvidas, seja o que há de mais bonito no gênero. “Para Sama” é o esforço de uma jornalista síria, no epicentro do conflito que destruiu Alepo, de contar e gravar a barbárie que marcou e marca indelevelmente sua vida e a dos seus sem abandonar outros aspectos da sua história pessoal, como o casamento, a maternidade e a amizade, que deixam o registro muito mais potente.
A guerra, a violência e a morte aparecem pra gente de maneira constante e temos acesso a cada vez mais informação. Paradoxalmente, talvez pelo excesso de tragédias, nos tornamos dessensibilizados. Há mesmo quem prefira simplificar as questões, reduzindo-as para que caibam em sua ideologia ou na teoria conspiratória em voga.
Relatos tão íntimos quanto o de Waad e de sua família servem para que enxerguemos além dos números despersonalizados e das imagens distantes que chegam a nós. É o registro de uma pessoa comum, de uma mulher e mãe pra quem a ameaça de morte dos mísseis e as pilhas de corpos se tornaram rotina. E ainda assim há a luta e há a esperança. Se a guerra busca desumanizar e tornar vidas desimportantes, a resistência é acreditar na capacidade humana de afeto.