Apesar dos recursos visuais muito comuns no cinema alternativo (a "câmera na mão" é bem evidente ao longo do filme), "No" poderia ser mais um filme hollywoodiano. O périplo moral pelo qual o personagem principal passa (há uma transformação: ele passa a respeitar mais os mais velhos e as opiniões alheias); a frustrada história de amor com sua ex-namorada; a dificuldade de cuidar de seu filho com aquele turbilhão de coisas acontecendo; a linearidade da narrativa; e, principalmente o maniqueísmo entre as campanhas "Sí" e "No".
Mas eu disse "poderia". O personagem René (interpretado pelo Gaél) quebra esse maniqueísmo, pois representa essas últimas gerações que não têm uma ideologia muito bem definida. Ele não é extremista como os antiquados membros iniciais das campanhas. Fazendo um paralelo com os movimentos de 2013, ele seria aquele cara que não tem uma pauta muito bem definida, mas é contra a corrupção, contra a miséria, etc.
René é o típico pistoleiro solitário dos westerns da década de 60. Com olhos sempre tristes e cansados, ele é chamado para ajudar na campanha, e, depois de relutar um pouco, aceita. É extremamente perceptível sua dificuldade de trabalhar em equipe, e logo no final do filme, quando estão todos comemorando, René sai sem ao menos esboçar um sorriso (da mesma forma que os heróis deixavam a cidade enquanto os cidadãos comemoravam a morte do bandido).
Um detalhe que pode ter passado despercebido por muitos (e que também passou por mim), é o das duas cenas que René anda de skate - uma no começo e outra no final do filme. Um professor, durante um debate sobre o filme, observou que, mesmo que pareça que as cenas mostrem que nada mudou após o plebiscito, elas mostram o contrário. Na do começo, René anda em uma rua vazia, sem cor, com árvores mortas: uma cena sem vida. Em contrapartida, no final, há várias pessoas andando, há flores, cores, amores. É a esperança e um novo começo para um novo Chile. Outro detalhe da cena do skate no começo, é o de quando ele anda no meio da rua, representando o fato de estar em cima do muro (não sabe se participa ou não da campanha "No"). No final da cena, ele vai com o skate para contramão: tomou sua decisão e colocará tudo em risco para conseguir tirar Pinochet do poder.
Por fim, "No" é um filme político, apesar de muitos dizerem que não é. Mesmo passando pelos olhos de um publicitário de classe média, é possível captar o clima da época e perceber que política também é (infelizmente) publicidade pura. Acho um ótimo filme para quem trabalha nessa área, e muitíssimo importante para nós, cidadãos, pensarmos bem antes de votarmos naquele candidato que tem a típica propaganda-margarina (bem produzida, cheia de gente feliz). Reflitamos, e filtremos o que é essencial: nem sempre a forma transluz o conteúdo.
Ratos e Homens
4.0 70Por que tão esquecido/subestimado/abandonado? :(
Não
4.2 472 Assista AgoraApesar dos recursos visuais muito comuns no cinema alternativo (a "câmera na mão" é bem evidente ao longo do filme), "No" poderia ser mais um filme hollywoodiano. O périplo moral pelo qual o personagem principal passa (há uma transformação: ele passa a respeitar mais os mais velhos e as opiniões alheias); a frustrada história de amor com sua ex-namorada; a dificuldade de cuidar de seu filho com aquele turbilhão de coisas acontecendo; a linearidade da narrativa; e, principalmente o maniqueísmo entre as campanhas "Sí" e "No".
Mas eu disse "poderia". O personagem René (interpretado pelo Gaél) quebra esse maniqueísmo, pois representa essas últimas gerações que não têm uma ideologia muito bem definida. Ele não é extremista como os antiquados membros iniciais das campanhas. Fazendo um paralelo com os movimentos de 2013, ele seria aquele cara que não tem uma pauta muito bem definida, mas é contra a corrupção, contra a miséria, etc.
René é o típico pistoleiro solitário dos westerns da década de 60. Com olhos sempre tristes e cansados, ele é chamado para ajudar na campanha, e, depois de relutar um pouco, aceita. É extremamente perceptível sua dificuldade de trabalhar em equipe, e logo no final do filme, quando estão todos comemorando, René sai sem ao menos esboçar um sorriso (da mesma forma que os heróis deixavam a cidade enquanto os cidadãos comemoravam a morte do bandido).
Um detalhe que pode ter passado despercebido por muitos (e que também passou por mim), é o das duas cenas que René anda de skate - uma no começo e outra no final do filme. Um professor, durante um debate sobre o filme, observou que, mesmo que pareça que as cenas mostrem que nada mudou após o plebiscito, elas mostram o contrário. Na do começo, René anda em uma rua vazia, sem cor, com árvores mortas: uma cena sem vida. Em contrapartida, no final, há várias pessoas andando, há flores, cores, amores. É a esperança e um novo começo para um novo Chile. Outro detalhe da cena do skate no começo, é o de quando ele anda no meio da rua, representando o fato de estar em cima do muro (não sabe se participa ou não da campanha "No"). No final da cena, ele vai com o skate para contramão: tomou sua decisão e colocará tudo em risco para conseguir tirar Pinochet do poder.
Por fim, "No" é um filme político, apesar de muitos dizerem que não é. Mesmo passando pelos olhos de um publicitário de classe média, é possível captar o clima da época e perceber que política também é (infelizmente) publicidade pura. Acho um ótimo filme para quem trabalha nessa área, e muitíssimo importante para nós, cidadãos, pensarmos bem antes de votarmos naquele candidato que tem a típica propaganda-margarina (bem produzida, cheia de gente feliz). Reflitamos, e filtremos o que é essencial: nem sempre a forma transluz o conteúdo.