Faço logo uma pergunta aqui: antes de vocês terem ouvido o anúncio de que Warner e a Lionsgate estariam planejando o crossover entre Godzilla e King Kong no mesmo filme, que já está planejado para lançar em 2020 como forma de continuidade em seu novo Monsterverse, alguém já tinha noção de que os mesmos icônico monstros já tinham se encontrado frente à frente no mesmo filme?! De fato, não é difícil de imaginar, ainda mais tendo em conta o enorme sucesso que alavancou ambos os personagens por anos em diversas adaptações e versões, etc, cada um com sua marca própria.
Mas talvez, uma idéia não tão óbvia como é de fato o filme em que vimos aqui com ambos Godzilla e King Kong juntos pela primeira vez no cinema. E que por mais bizarro e enfadonho possa soar em sua trama um tanto despirocada, o filme se garante no final como uma divertidíssima experiência.
A trama inicia seus eventos quando Tako (Ichirô Arishima), o presidente de uma empresa farmacêutica, descobre que as cerejas vermelhas denominadas de romas que crescem na ilha Farou possuem uma espécie de cura milagrosa, dando início a uma expedição à ilha liderada por Sakurai (Tadao Takashima) e Furue (Yû Fujiki) para coletar as cerejas. Mas ao chegar eles descobrem que os nativos locais louvam um deus chamado King Kong, que supostamente cresceu até o tamanho gigante por comer as cerejas. Tako logo pensa que qual a melhor maneira de promover o produto se não trazer a criatura de volta ao Japão como o marketing perfeito?!
Mas em simultâneo à isso, um submarino americano é mandado investigar uma estranha atividade sísmica no Ártico, quando descobrem o pedaço da geleira em que Godzilla fora selado anos atrás, e agora despertou em fúria. Agora com os dois destrutivos monstros se aproximando de Tóquio, tem-se início à uma luta que carrega o futuro da humanidade.
Aceitemos os fatos, juntar dois dos maiores monstros do cinema em um só filme não é só uma tarefa um tanto complicada, como quase atinge o nível do ridículo que permite um salvo conduto de lógica, onde os roteiristas podem despirocar em qualquer idéia absurda possível que sirva como desculpa apenas para garantir ao público o espetáculo que elas esperam e que o título sugere.
Mas pra chegar até isso, terão que passar por um filme inteiro que inventa seus malabarismos narrativos hilariantes que quase alcançam o nível de satírico, mas que por uma perspectiva mais dura e crítica só revela um tom aparentemente confuso e misturado.
Tendo que passar por diferentes núcleos narrativos com os personagens humanos, só para pavimentar terreno para o vindouro aguardado confronto. E isso pode tanto recair para personagens e arcos minimamente interessantes ou simplesmente enfadonhos e desinteressantes, mesmo que não sejam mesmo a parte mais importante ou de principal foco do filme. Mas ainda assim pode se notar alguns traços interessantes aqui.
Como dito antes, há uma linha bem tênue de humor satírico presente aqui e que é horas até muito bem implantado. Como quando vemos Tako olhando para a destruição de Godzilla na TV e surta dizendo: "estou farto de Godzilla" - adressando sutilmente a saturação do gênero de monstros gigantes destrutivos até então, e que porventura o certamente renova por colocar o Kong no pacote, uma intensão partida deliberadamente do hilário personagem.
Ou até na forma com que o filme estrutura os eventos de destruição do filme com as constantes reportagens do noticiário americano que apontam um certo fator de frieza midiática, mas talvez não tão proposital como se possa imaginar já que haviam feito o mesmo em Godzilla Rei dos Monstros, o “remake” americano do Godzilla original, que basicamente consistia no mesmo filme só que contendo cenas adicionais com o personagem de Raymond Burr reportando todos os eventos.
E sendo cenas, em ambos os casos, de um tom mais tedioso em comparação às divertidas sequências em que vemos a expedição na ilha seguindo os personagens Sakurai e Furue à procura das cerejas vermelhas e do “novo monstro" para o programa farmacêutico do seu chefe Tako, onde embora tenham um tom extremamente caricato, consegue divertir muito graças aos seus elementos de comédia escrachada assumida bem presentes.
Levando em conta também de que as mesmas cenas do “núcleo” americano foram adições na versão americana cujo o filme recebera em seu lançamento internacional, que havia sido produzida por John Beck (Meu Amigo Harvey), cuja idéia original do filme viera dele e Willis H. O'Brien antes do projeto ser vendido para a Toho, mas onde a ideia original seria de um filme de King Kong vs Frankenstein (o que mais tarde se tornou no filme Frankenstein Contra o Mundo, também do diretor Ishirô Honda).
O que faz compreender-se assim a sensação destas cenas estarem completamente fora de lugar. Sem falar da dublagem em inglês do núcleo japonês serem bem sofrível, mas perdoável quanto a execução de todo o resto da obra. Embora infelizmente não sejam tão poucos os momentos narrativos que soam completamente desnecessários dentro da proposta puramente escapista do filme.
Como todo o arco tedioso envolvendo o casal românico entre a irmã de Sakurai, Fumiko (Mie Hama) e seu noivo Kazuo (Kenji Sahara) que soa basicamente desnecessário na história, mas que vem à mostrar seu real propósito no terceiro ato quando vemos Kong tendo sua usual paixão não correspondida por uma moça histérica.
Porém, isso só comprova o quanto o filme, mesmo que aparentemente escrachado e satírico em tom, mostra querer honrar os melhores elementos clássicos de cada um de seus monstros. Não só amarrando a história de Godzilla como uma continuação direta dos eventos de Godzilla Ataca Novamente, assim como estabelece elementos já familiares e característicos de Kong como suas origens na ilha onde é cultuado como um Deus e tem seu coração mole para jovens moças.
Mesmo que supomos que não seja o mesmo Kong que vimos no clássico de 1933, e que, por alguma razão, é dito e posto no filme que o Kong tem a capacidade de absorver força à partir de energia elétrica. Bom, se o Godzilla pode soltar um raio atômico então com certeza o Kong tem direito a ter poderes elétricos. Tanto que na primeira cena que dá indício de sua presença é durante uma tempestade e também o vemos comer literalmente um cabo elétrico para recuperar ENERGIA (piada não intencional).
Além do que, é o protagonista bem mais beneficiado com tempo de tela no filme. Tanto seja pelo fato de tudo que vemos Godzilla fazendo em cena já é familiar e mais do mesmo, enquanto seu diretor Ishirô Honda quer aproveitar todas as chances que tem com o Macacão que garante alguns dos melhores momentos do filme. Seja sua breve luta na ilha com um polvo gigante (excelentemente criado com incríveis efeitos práticos misturado stop-motion com as miniaturas), e a icônica luta final entre os dois Titãs.
E por ironia, seria o terceiro filme no cinema de cada um dos personagens. Godzilla vindo do clássico original de Honda e sua continuação Ataca Novamente. Enquanto Kong, mesmo que não partisse de uma continuação direta, também vinha do seu grande clássico de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, seguido pelo sofrível Filho de Kong de Ernest B. Schoedsack. Então era um encontro já marcado nos céus cada um dos monstros terem um encontro épico em seus terceiros filmes, e não poderia ser qualquer um que poderia comandar esse encontro.
Ishirô Honda foi sem dúvidas a perfeita e completamente merecida escolha de realizar esse filme. Pode não ser um legado tão bem reconhecido quanto à de um mestre autoral supremo do cinema, mas quanto à dirigir e criar os filmes de monstros gigantes, poucos foram tão bons quanto ou melhor que ele. As cenas com os personagens humanos podem carregar quilos de caricatura e fatores genéricos, mas o diretor não deixa de enquadrar tudo em câmera tão bem, levando toda a execução de cenas à sério mesmo que seu roteiro não.
Montando as sequências em que vemos os monstros destruindo as miniaturas com as sequências em câmera com os atores com perfeccionismo e atenção aos detalhes mesmo dentro de seus limites. Além de ter sido a primeira vez em que ambos os personagens apareceram em cores em filme e filmados no belo formato widescreen, e Honda tira total proveito disso em querer enquadrar os gigantes em planos grandiosos e que só revelam a imensa escala que o filme almeja visualmente dentro de seus limites, e o consegue.
Compartilhando também dos vários avanços vistos em Godzilla Ataca Novamente, Honda consegue capturar a magnitude dos monstros dentro dos cenários móveis, seja com o uso de tanques, carros e trens remotos, e as miniaturas de prédios que passam o sentimento de palpabilidade convincente, e que se torna bem mais prazeroso do que antigamente em ver toda a destruição causada no Reino humano enquanto vemos os dois Titãs se digladiando.
E quando tudo se resume na luta final, vemos o quanto a criação de expectativa foi eficiente e o filme não desaponta em entregar um confronto épico, ao mesmo tempo em que é hilariantemente divertido. Com Kong atirando pedras como se fossem bolas de futebol, Godzilla revida com seu sopro atômico que deixa os pelinhos de Kong tostadinhos. Depois Kong tenta enfiar uma árvore na goela de Godzilla fervendo em raiva só pro lagartão revidar com uma épica e literal voadora, e muito mais. Impossível não abrir um enorme sorriso durante toda a sequência!
E o que pode ser dito da cena em que Kong é transportado em balões até a localização da grande luta final. Idéias assim, absurdamente malucas, que demonstram o porque desses clássicos filmes de monstros japoneses serem tão atrativos até hoje. Afinal você realmente vai ligar para lógica quando temos dois dos maiores monstros gigantes de todos os tempos se enfrentando mano à mano? Qualquer desculpa para os colocar juntos é completamente válida!
Um confronto que consegue no final ter um significado maior do que se pode esperar do resto do filme que segue a veia humorada acima de tudo, e isso é graças à direção de Honda. Consertando um dos vários problemas vistos no filme predecessor do Godzilla onde víamos simples destruição por destruição, e podemos ver Honda voltando sutilmente ao espírito alegórico do filme original ao mostrar na trama como a imprudência e influência humana no meio natural ocasionaram novamente nas consequências que agora atingem as criaturas.
Tanto seja no despertar de Godzilla, com as fortes imagens de um submarino vazando remetendo à óbvia poluição marítima e claro ao derretimento glacial quando Godzilla desperta. Ou quando vemos Kong sendo arrastado à força de seu habitat. Ambos trazendo sua ira causada pela humanidade contra ela. Só para vermos depois os mesmos humanos fazendo todos os esforços para tornar ambas forças da natureza encarnadas contra si, até a morte.
É um retrato trágico, ao mesmo tempo que é hilário em execução. Uma estranha mas prazerosa mistura no final das contas que faz do filme ser tão especial mesmo com suas bizarrices e momentos enfadonhos. O que pode mesmo não ser um ótimo ou totalmente bem executado filme, mas mostra ter total respeito e admiração pelos seus icônicos protagonistas e deixa seu confronto ser um verdadeiro espetáculo de entretenimento à moda antiga.
E que nos faz pensar o quanto arroz e feijão de criatividade o diretor Adam Wingard vai ter que se esforçar em comer para conseguir fazer de seu vindouro Godzilla vs. Kong um filme com personalidade tão especial quanto esse filme de Ishirô Honda, algo que talvez nem mesmo as mais avançadas tecnologias conseguem criar ou alcançar. Apenas com destreza e coração no qual esses filmes eram feitos!
Poucos são os filmes que podem se vangloriar desse título tão chamativo e ambicioso que o clássico de Ishirô Honda mostrava aqui conquistar e merecer. E que viria à inspirar gerações de filmes em uma incessante busca de conquistar o seu mesmo brilhantismo. E no que diz respeito à um filme sobre o icônico Godzilla, ainda continua insuperável até hoje!
Mas se em um mundo onde quase todas das inúmeras continuações, spin-offs, e remakes que o filme teve, ou até alguns dos filmes que fortemente inspiraram o clássico de Ishirô Honda, desde o próprio King Kong de 1933 ou seus contemporâneos O Monstro do Mar de Eugène Lourié ou O Mundo em Perigo de Gordon Douglas, são hoje (alguns questionavelmente) vistos como datados, o que faz essa pioneira versão de Godzilla ser um clássico tão único e admirável até hoje?!
Depois de um inesperado evento que explode e afunda vários navios civis na costa do Japão, o país entra em estado de pânico. No início, as autoridades pensam que é uma das minas submarinas ou uma atividade vulcânica submarina. Mas na Ilha Odo, perto de onde vários dos navios foram afundados, algo vem em terra e destrói várias casas e mata várias pessoas. Uma expedição é enviada à ilha liderada pelo paleontólogo Professor Kyôhei Yamane (Takashi Shimura), sua filha Emiko (Momoko Kôchi) e o mergulhador Hideto Ogata (Akira Takarada) logo descobrem algo mais devastador do que se imaginava, na forma de um monstro de 50 metros de altura que os nativos chamam de Gojira. Agora, o monstro começa uma fúria que ameaça destruir não apenas o Japão, mas o resto do mundo.
Não é talvez segredo nenhum que o hoje clássico teve seu início partindo de várias inspirações para fazer o mercado cinematográfico japonês adentrar no rentável cinema de monstros que começava a gerar uma moda clássica de filmes B de diversos tipos e espécies nos anos 50. O que se tornaria o Godzilla produzido por Tomoyuki Tanaka, que provinha tanto de uma óbvia inspiração do clássico King Kong de 1933, e que faria os Japoneses criarem um dos mais clássicos monstros da cultura popular.
Inspirações claro que vão além do puro fator monstro gigante destruindo miniaturas de cidades, vide que o seu próprio nome é uma mistura de Gorila e Baleia em japonês. Não à toa o Godzilla é confundido no início do filme como uma criatura marítima antes de dar as caras, mas comparações acabam aí. Pois também provém do fator de ser uma criatura gerada pelas energias nucleares nascidas dos intensos testes gerados na época, assim como fora o caso do lagarto gigante de O Monstro do Mar e os insetos gigantes de O Mundo em Perigo.
Contudo, ao contrário desses filmes que levavam sua trama para o território escapista e onde os militares eram os grandes heróis da pátria contra o perigo nuclear, o Godzilla de Ishirô Honda ia um passo além em tratar dessa trama e temas com uma pegada muito mais dramática e que se leva mesmo à sério. A prioridade em ação de monstros vs monstros e destruições maciças presentes até hoje, não eram o foco aqui.
Ao conceberem a história do filme, Honda e seu co-roteirista Takeo Murata eram tão cientes do medo e paranóia da bomba nuclear presentes no meio social Japonês que fizeram do seu monstro uma encarnação viva desse medo e das temíveis consequências ocasionadas pelo mesmo. Pois se o Godzilla que hoje é visto como o grande “protetor" do Japão e humanidade, era aqui retratado como uma temível força da natureza se vingando contra a humanidade que o despertara através da destruição e guerra entre humanos e que agora ele pagará na mesma moeda.
Até toda a destruição que se ocasiona no filme, vemos a palpabilidade desse horror presente na forma com que é criada. Quando temos o que viria ser o icônico tipo de cena com o monstro dizimando prédios como se fossem brinquedos e os desesperados civis são pequenas formiguinhas no cenário sendo esmagadas, não são cenas que passam o sentimento de entretenimento sádico, e sim são cenas geradas como o que são de verdade, verdadeiros desastres e que está gerando incontáveis vítimas.
Com Honda fazendo um trabalho fenomenal na montagem das cenas dos ataques, ao coincidir todas as cenas de destruição com os ótimos efeitos práticos em miniaturas sendo postos em todas as inimagináveis formas de caos, junto de cenas como a destruição de uma pequena vila logo no primeiro ato sendo tratada com uma ótica muito íntima e com efeitos de emoções muito mais trágicas ao vermos o filho caçula ver a casa com toda sua família dentro sendo esmagada e arrastada em segundos. Ou quando foca em uma mãe abraçada com os filhos em meio às ruínas de Tóquio, só aguardando pela inevitável morte.
Cenas e momentos que chocam muito mais do que simplesmente vermos civis sendo evaporados ou sendo lançados de carros em chamas, elementos que também estão presente, mas não são o grande ponto de atenção. Elementos que serviriam sim de forte inspiração para o que seria o Godzilla de Gareth Edwards, mas talvez sem o mesmo peso ou cuidado dramático cujo aqui recebe com um enredo muito bem escrito e construído junto de seu retrato alegórico das consequências da guerra.
Não é difícil perceber hoje o quanto o Godzilla de Honda faz parte da categoria de filmes que usam de seu palco de gênero, seja na fantasia (O Labirinto do Fauno - Guillermo Del Toro), no terror (O Despertar dos Mortos - George Romero) ou na ficção científica (Blade Runner - Ridley Scott) para retratar um pedaço da história, ou o aqui e agora da humanidade através da trama de ficção escapista em que se apresenta. E poucos são hoje os filmes que realmente conseguem fazer isso de forma com que realmente atinja o público sem que um texto crítico enaltecedor venha ter que explicar as “mensagens subliminares” dentro de um filme ou nesse caso que seria hoje um blockbuster de monstros gigantes. Mas também que não seja um que entrega isso de forma tão óbvia e mastigada.
Vide por exemplo um filme como O Hospedeiro de Joon-ho Bong, que talvez seja o melhor herdeiro do Godzilla de Honda no que diz respeito à sua forma de abordagem da temática do desastre sendo visto por uma escala íntima e trágica dos personagens humanos frente ao evento letal em que estão presenciando e sofrendo por ele. Mesmo que a cena final do filme martele um pouco isso como uma lição de moral, todo o filme até ali já demonstrava essa forte alegoria em seu visual e estrutura muito bem dirigidas.
A belíssima fotografia de Masao Tamai auxilia muito na construção do tom de melodrama que a história carrega ao realçar muito das consequências, tanto físicas como psicológicas que o caos e destruição que estão sendo causados pela criatura. Com algumas longas passagens devotadas em mostrar toda a destruição vítimas de forma trágica e pesarosa, quase fazendo parecer cenas tiradas de um documentário pós guerra e das brutas consequências de Hiroshima e Nagasaki.
Além do que é um admirável trabalho técnico por parte da direção ao conseguir fazer tanto as cenas enclausuradas do arco dos humanos visualmente interessantes como o belo enquadramento no escritório do Professor Kyôhei (de um ótimo Takashi Shimura, o eterno confrade de Akira Kurosawa) com a escuridão e o clima vazio indicando a pressão moral com que está lidando, ao ser a única pessoa do filme que pensa no fruto científico que pesquisar a espécie do Godzilla poderia trazer enquanto outros só pensam em sua imediata destruição.
E que falham miseravelmente nisso quando o monstro dizima por completo qualquer ataque militar à ele como uma força da natureza imparável. Com o belo visual de Tamai convencendo na escala e palpabilidade do cenário em miniatura como se fossem reais. E a ação do Godzilla capturada pela tecnologia do “suitmation” (um figurante fantasiado do monstro destruindo as miniaturas) são trabalhos impecáveis mesmo dentro das limitações de sua época e conseguem passar o terror da criatura.
Mas que não é uma demonização completa da criatura se enxergar pela perspectiva de que quando o Professor Kyôhei realça as origens pré-históricas da criatura no filme e diz que os "testes" nucleares tanto acordaram Godzilla como também podem ter o modificado, daí sua deformidade e poderes de raios nucleares. O que torna o embate final do filme tanto um sacrifício dos personagens humanos como um trágico fim para a espécie da criatura onde apenas o professor que parece nutrir simpatia e ao mesmo tempo enxergar suas consequências.
Você pediu por complexidade moral em um filme de monstros gigantes? Aí está! Até a excelente e clássica trilha de Akira Ifukube tanto pode ser vista como uma exaltação do perigo do monstro na forma de construção de espetáculo grandioso, como também um som de inevitável tragédia que acompanha à todos no filme.
Tragédia essa que acompanha e também deu fruto ao ótimo e extremamente alegórico personagem atormentado do Dr. Serizawa (Akihiko Hirata) e a criação de sua letal invenção que mata todo o oxigênio de seres marítimos, no qual ele teme ser usado como arma são óbvias representações de Robert Oppenheimer, o criador da bomba nuclear e o tormento moral e psicológico que sofreu pela sua letal criação.
O filme tem esses tipos de exemplos de sobra que servem como prova de como é sim possível construir personagens envolventes mesmo que dentro de um filme sobre monstros gigantes, já que os personagens são o próprio reflexo dos ataques e destruições da criatura. Até o triângulo amoroso presente entre os personagens de Hideo, Emiko e Serizawa não dilata ou soa forçado dentro da narrativa graças aos sentimentos e drama genuínos com que esses arcos são trabalhados e bem atuados pelos atores.
Provas de uma competentíssima direção de Ishirô Honda tratou sua obra com seriedade e dedicação o suficiente para tornar Godzilla o clássico que é e seu monstro tão icônico, pois ele tinha uma razão e significado dramático para isso. E mesmo que ele tenha se tornado mais tarde a figura chamativa de sequências atrás de sequências de filmes onde a prioridade seria o puro entretenimento de assistir monstros vs monstros, vários cujo Honda seria o diretor e possuem suas qualidades distintas. Mas nunca alcançarão o que fora tão bem realizado aqui e que até hoje inspira à tantos outros que tentam recriar seu brilho.
Dentre os vários clássicos do gênero buddy-cop que despertam tantos níveis diferentes de nostalgia e as duplas icônicas de atores com rostos e personalidades marcadas para sempre na memória dos fãs de machos experts em tiro, porrada e testosterona sem fim; me surpreende que um filme como Tango e Cash: Os Vingadores, não seja um dos mais celebrados, ou até lembrados.
O que é um tanto injusto, pois o filme cumpre todos os pré-requisitos de um perfeito filme do gênero: uma dupla com personalidades distintas e de extrema boa índole no cumprimento de seu trabalho pela justiça; uma investigação policial envolvendo cruéis poderes corruptos e frias injustiças contra seus heróis; ação com altas doses de adrenalina para satisfazer todos os gostos; e simplesmente temos Sylvester Stallone e Kurt Russel como a dupla protagonista, também conhecidos como Rambo e Snake Plissken, que carregam o filme nas costas em tamanha e garantida diversão testosterônica!
A trama segue duas personalidades completamente opostas, Ray Tango (Sylvester Stallone), um agente suave e sofisticado, e Gabe Cash (Kurt Russel), seu parceiro de cabeludo como um surfista e desbocado como um Martin Riggs tirando as tentativas de suicídio. Que trabalham incansavelmente para derrubar o tráfico na cidade de Los Angeles, gerido pelo implacável Yves Perret (Jack Palance).
No entanto, quando Perret consegue bolar um plano de incriminar a equipe com provas falsificadas, Tango e Cash logo vão acabar em uma prisão de segurança máxima, onde um repertório quase interminável de detentos anteriormente encarcerados por eles, está esperando por seus captores com impaciência. Agora, mais do que nunca, Tango e Cash precisam deixar suas diferenças de lado e se unir, não apenas para escapar dos muros da prisão, mas também para acertar o placar com o chefão maligno que os colocou atrás das grades de uma vez por todas.
Mas também, não é difícil de imaginar o porquê do filme não ser pouco citado hoje se conhecer um pouco dos inúmeros problemas de bastidores que o filme teve durante sua produção. E não, calma, não envolveu nada relacionado à Stallone e Kurt Russel se esbofetearem de verdade durante as gravações e decidiram filmar e colocar no filme como parte do roteiro. E sim fora o caso do filme ser outra pobre vítima de briga de produtores e diretor etc; (essa porradaria sim daria um ótimo filme!).
Pois se por um lado o diretor Andrey Konchalovskiy (Expresso para o Inferno; Gente Diferente) queria realizar um filme policial de tom dramático e se levando mesmo a sério em seus temas de justiça e corrupção, o produtor Jon Peters queria basicamente o filme que temos aqui, que não se leva nada à sério e prioritiza seu nível de diversão oitentista acima de qualquer lógica que se pode levar à sério. Ver o Cash de Kurt Russel se vestindo de stripper para fugir da polícia é uma bizarra e hilária realidade nesse filme.
Sem claro citar os usuais problemas envolvendo Stallone sempre estando fortemente envolvido no processo de seus filmes, roteiro produção etc, um deles envolvendo ele demitir o diretor de fotografia inicial Barry Sonnenfeld, e sempre tendo parte do controle criativo. Mas nem ele parece saber o que o filme deveria ser.
Essa diferença de tons é bem visível ao longo do filme, espelhado numa fotografia bem Noir e soturna de Donald E. Thorin, para um filme de personalidade tão espalhafatoso e brega. E que vai por percursos horas bem sombrios e violentos quando vemos Tango e Cash basicamente sendo torturados em uma cena e em outras vemos eles fazendo piada com os parceiros de cela com conotações gays e tirando sarro um do outro no chuveiro.
Não quer dizer claro que filmes do gênero não podem balancear o drama e a comédia ao mesmo tempo, apenas vide todos os filmes Máquina Mortífera como prova disso. O caso é que aqui dá pra se notar as mudanças quase drásticas de direção. Tanto que o pobre Andrei Konchalovsky fora demitido e substituído por Albert Magnoli (Justiceiro da Noite) que filmou todas as cenas de tiroteio e explosões no clímax.
A ação em si é explosiva e decente dentro do esperado, e é inegavelmente divertido ver a dupla dirigindo um blindado que parece ter sido tirado de um filme de ficção científica futurista, metralhando para todos os lados. Mesmo que seja em um clímax meio jogado de última hora só pra ter mais ação, mas tem todos os tiros e explosões para satisfazer os gostos escapistas, embora não sejam o grande highlight do filme.
Duas sequências em particular são ótimas e bem construídas na estrutura do filme (que por ironia não tem nenhuma troca de tiros). A hilária emboscada de “boas vindas” na lavanderia da prisão, com nossos dois protagonistas suadões entrando em verdadeira desespero e trocando socos com tudo que veem pela frente, com Konchalovskiy filmando tudo como se fosse um verdadeiro tiroteio de faroeste de socos e músculos.
E a outra é a própria fuga da prisão que quase lembra um Sonho de Liberdade para machos, com seu setting chuvoso intenso e uma boa construção de suspense quando o plano de um deles dá completamente errado e eles tem que rapidamente improvisar. O que basicamente termina com eles fazendo um verdadeiro zapline em um cabo elétrico durante uma chuva. Pois é, impossível não abrir um enorme sorriso!
Se bem que, ouso em dizer, que toda a parte de ação do filme não seja onde o filme tenha suas melhores qualidades, e ao mesmo tempo alguns de seus problemas. Parece até meio desnecessário falar de estrutura de roteiro em um filme de ação, mas têm prós e contras interessantes para o filme nesse quesito. Pois se por um lado arranjam um uso de suspense muito fácil e repentino envolvendo a mocinha Katherine (Teri Hatcher) que aparece DO NADA no clímax do filme, temos ao mesmo algumas ótimas sacadas de trama.
A idéia envolvendo a incriminação de dois policiais tão distintos mas inspiradores é uma sacada inteligente, que tanto eleva a crueldade do vilão Yves o tornando em uma criatura completamente odiável, como também poderia levar à um arco bem dramático para a dupla, embora o filme opte mais pela comédia, o que não deixa de funcionar graças à até bem escritos diálogos (assinatura de Stallone) e inspiradas sacadas entre a dupla principal. Exatamente o ponto principal desse filme nos fazer esquecer todos seus possíveis problemas técnicos que faz parecer pura implicância em apontar, enquanto temos uma excelente dupla aqui.
Stallone e Russel parecem uma dupla programada nos céus. Não só ambos estavam no ápice de suas carreiras como trazem todo o seu carisma à disposição com uma química instantânea. Os personagens passam grande parte do filme discutindo seus planos de ação, mas que uma hora um acaba aceitando a idéia do outro em sinal de respeito e admiração, coisa que ambos atores com certeza mostram ter entre si só através de suas performances. O que garante com que cada pequeno momento do filme com ambos contracenando seja um puro deleite à parte de toda a ação em volta.
Uma dupla impagável e que merecíamos ter visto muitas vezes mais juntas. Pena até que ambos nunca tenham voltado a contracenar juntos em outros filmes até hoje. Ou que o filme pusera ter emplacado um relativo sucesso para garantir alguma continuação. Embora hoje o filme tenha sim seus fãs que o colocam como um “clássico cult” dos filmes buddy-cop e marmanjos de ação, merecidamente.
Pois se mesmo carregue seu pequeno histórico de problemas de produção, Tango & Cash é um filme que sobreviveu à isso tanto graças a diversas boas idéias presentes aqui e ali, assim como também sua infalível dupla de atores ícones que nos faz amar completamente o filme e esquecer quaisquer tipo de probleminhas que possa ter.
De todos os diretores trabalhando ainda hoje, e que são fissurados pelo gênero do Western ao ponto de poder enxergar marcas do mesmo em vários de seus filmes, exemplos como Tarantino que acabou realizando dois ótimos do gênero com Django Livre e Os Oito Odiados; James Mangold com seus Westerns travestidos de filmes policiais como Cop Land ou de super-heróis como Logan, ou diretamente um Western como Os Indomáveis; até menos prestigiados como Scott Copper e seus mornos Tudo por Justiça e Hostis. E claro, os Irmãos Coen, voltando aqui novamente a tocar sua direção diretamente em um filme do gênero pela terceira vez e marcando sua estreia na Netflix que garantiu a criação do ambicioso projeto.
Inicialmente anunciado como uma mini-série de seis episódios seguindo um formato de antologia, os Coen surpreenderam ao mostrar que ainda não migraram para o formato televisivo atual e permanecem com seus pés firmes no cinema, mesmo que adotando a rede streaming, embora isso não faça tanta diferença (mais sobre isso depois). Consistindo aqui em um velho roteiro que vinham escrevendo à quase vinte e cinco anos e um trabalho extremamente pessoal para a dupla, ao criar e contar esse compilado de seis histórias inspiradas no folclore e mitologia Western.
E como todo filme antologia, inevitavelmente terão algumas histórias que se sobressaem à outras mais fracas. Embora todas compartilhem de uma lógica comum em sua proposta de contos antigos do velho oeste, histórias que poderíamos ver mesmo sendo descritas dentro de um livro de histórias para dormir, só que mais sombrias e violentas é claro.
Em A Balada de Buster Scruggs, encarando por essa perspectiva, todas as histórias contadas conseguem manter um nível bem decente, e realizam um bom trabalho em criar a sensação de estarmos assistindo a diferentes gêneros de filmes subsequentes dentro de um só. Duas em particular são excelentes (as mais longas do filme), uma fraca (que por ironia é a mais curta) e as outras três boas. Mas o que todas possuem em comum? A marca dos Irmãos Coen espalhada por todos os cantos.
A história introdutiva é exatamente sobre o personagem título, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson) um andarilho do velho-oeste, atirador nato e um exímio cantor das histórias que presencia ao mesmo que fala diretamente com a câmera. É em sua essência uma comédia puramente Coeniana, carregada com seu típico humor negro e afiado, dentro de uma realidade que não segue o que você pode chamar de lógica. Ao mesmo tempo que flerta abertamente com fortes elementos de uma espécie de musical clássico e pomposo. Além de servir como uma ponta perfeita e simbólica sobre o que são as histórias à seguir, cantigas e lendas da mitologia do Velho-oeste.
A história seguinte, também tipicamente Coeniana em seu humor negro e carregado de uma aura tragicômica, apresenta uma primeira metade com muito potencial ao seguir esse misterioso cowboy de James Franco até um banco no meio do deserto no intuito de realizar um assalto, que não acaba na forma que nem ele ou o público podiam esperar. Mas que talvez termine mais cedo do que deveria em um desenvolvimento que parece jogado, deixando um gosto de: “e daí?” em seu final anticlimático. O que é estranho pois a mensagem do conto ação e consequência, lembrando até O Grande Lebowski em seu humor ocasional, parecia tão simples e direto em atingir.
Logo depois temos um pequeno conto de aura bem triste e carregada que põe os pés no Western revisionista em seu tom dramático e trágico ao seguirmos o empresário solo de Liam Neeson e seu pequeno espetáculo teatral com o pobre artista sem braços ou pernas de Harry Melling. O que pode parecer a história “triste por ser triste” em querer se distanciar do humor das outras histórias, mas é especial exatamente por esse intuito de ter uma identidade tão psicológica e contemplativa na forma com que constrói a relação de ambos os personagens e a relação quase filosófica com o ambiente opressor e carregado em que vivem.
Em seguida têm-se talvez a melhor história do filme, onde vemos um garimpeiro solitário interpretado por um Tom Waits velhaco e rabugento, desvendando esse lugar paradisíaco e natural sem sinal de civilização, em busca dessa misteriosa bolsa de um suposto “senhor bolsão”. Um belo conto de descoberta e quase sobrevivência em seu ambiente belíssimo e que aspira uma contemplação visual pelo simples e puro deleite visual, mas com um pé bem forte e inesperado na fantasia.
Depois temos a história da pobre inocente Alice Longabaugh (Zoe Kazan) uma jovem que está acompanhando o irmão empresário numa caravana rumo à Oregon para fechar um novo negócio através do casamento de Alice com o novo sócio do irmão. Mas depois de uma inesperada reviravolta, Alice começa à ficar próxima de Billy Knapp (Bill Heck), um dos guias da caravana. O que nasce logo uma bela história romancista com fortes influências de John Ford na sua construção de escala épica e a caracterização mundana de seus personagens tão realistas e dóceis. Pode começar bem lento e quase monótono mas entrega um final bem espetacular e emocionante.
Enquanto a última história segue uma espécie de No Tempo das Diligências de tom gótico e misterioso em seu rumo. Ao mesmo tempo que é o conto onde os Coen exercitam seus pitorescos longos diálogos cobrindo temas de cunho raciais, sociais e emocionais carregados do seu típico humor afiado como sempre e, mais uma vez, uma realidade além da nossa.
É o resultado sempre esperado de uma narrativa vinda dos Coen, ou você vai amar ou odiar a forma com que eles estruturam e desenlaçam as histórias que criam aqui. Seja pela mensagem nunca exata que conecta as histórias ou a mesma sendo um alvo fácil das críticas fáceis de tonalmente confuso ou perdido (uma crítica que beira ao ridículo se referindo à maioria dos filmes dos irmãos).
Mas o que todas essas histórias conseguem almejar em sua conjuntura, e que é de uma admirável sacada cinéfila por parte dos Coen, que é demonstrar como o gênero do Western em si é amplamente aberto para diversos outros tipos de gêneros de filmes serem contados dentro de si, e cada história contém essa personalidade única e individual em sua criação. Vamos aqui da simples mitologia folclórica ao vazio existencial; do épico em escala ao íntimo emocional; do puro romantismo classicista à dura realidade; da comédia satírica à tragédia violenta.
Porém, entre o vaivém do ame ou odeie, algo sempre recorrente em todo filme dos Coen, e talvez de opinião unânime, tanto é o fato de ter-se aqui de todo o elenco ótimas performances dentro do esperado, assim como um trabalho técnico de esmero invejável, e A Balada de Buster Scruggs não é nem um pouco diferente nesse quesito.
Com uma direção inspirada como sempre e livre de amarras orçamentárias, a Netflix garante aos Coen sua liberdade criativa sempre requerida e apostam no melhor que podem entregar. Seja numa fotografia exuberante de Bruno Delbonnel que aposta em ângulos abertos e que capturam tanto o escaldante árido, o frio gélido e a natureza cintilante de cada uma das diferentes histórias, fazendo cada passagem parecer um épico em pequena escala. Realizando uma verdadeira experiência visual cinematográfica, que clama pelo maior telão possível, dentro da rede streaming. Tanto em pequenas cenas de trocas diálogos cômicos quanto em empolgantes e sangrentas trocas de tiros.
Seja também em uma ótima trilha de Carter Burwell, o colaborador recorrente da dupla, e que só incrementa à aura mais clássica do velho-oeste pelo qual os Coen já se mostraram tremendos fãs no passado com seu excelente Bravura Indômita e não deixam de querer voltar à provar isso em sua outra apaixonada investida no gênero. Uma talvez rara em execução em muito tempo de sua história.
O que talvez leve à uma óbvia conclusão sobre aonde A Balada de Buster Scruggs se configure na filmografia dos Coen à essa altura de sua carreira. Talvez não entre seus grandes melhores de fato, mas com certeza, é um dos de personalidade mais única. Que mesmo não acertando em todas as notas que almeja, é um filme nunca cansativo e constantemente intrigante e divertido em suas desventuras de diferentes tons e gêneros dentro de um só, o Western que eles mais uma vez provam que amam e idolatram. Que com certeza vai irritar alguns e criar vínculos especiais com outros, assim como cada emocionante e hilárias histórias contadas aqui.
No meio das usuais conversas sobre diretores "à frente do seu tempo", com certeza já devem ter ouvido o nome de Orson Welles sempre sendo citado, e exaltando sobre seu grande feito histórico com Cidadão Kane e sua revolução universal da técnica cinematográfica que inspirou e definiu gerações à fio. Poderíamos passar horas aqui discutindo como o mesmo se refletiu em todos os seus filmes subsequentes, e até hoje extremamente subestimados, mas tome o filme em questão aqui como um dos maiores exemplos da atemporalidade de Orson Welles.
Afinal como alguém, Welles incluso, poderiam prever que O Outro Lado do Vento sequer seria um dia lançado, ou que se tornaria um dos melhores filmes de 2018, décadas depois, e que seria uma das maiores pérolas da rede streaming da Netflix?! Imprevisível e inegavelmente brilhante. Pelo menos para aqueles que realmente abraçaram ou sequer compreenderam a investida tanto narrativa quanto técnica que Welles realizara aqui na década de 70, que tanto seria uma retratação fidedigna do cinema e o universo hollywoodiano de seu tempo, e quem sabe, talvez, o de agora também.
Escuso também dissecar aqui toda a longa, polêmica e triste história envolvendo as filmagens e produção de O Outro Lado do Vento, que quase tomou a década de 70 inteira em extensas gravações; refilmagens repentinas; cortes orçamentários e problemas graves de direitos autorais da produção. Enfim, Serei Amado quando Morrer, um excelente documentário sobre tudo isso, lançado em simultâneo com o filme na Netflix e serve quase como um Making Of perfeito para todo o drama dessa história. A história em questão aqui é sobre o breve retorno à vida de Orson Welles no cinema (ou Netflix).
Sendo posto de volta à vida graças a compra da Netflix que garantiu o produtor Frank Marshall (Os Caçadores da arca Perdida, Sinais) e o trabalho de montagem adicional de Bob Murawski (Trilogia Homem-Aranha, Guerra ao Terror), um pequeno empréstimo do amigo Sam Raimi, também especulado estar envolvido no novo financiamento da restauração do filme junto com nomes como Wes Anderson e Noah Baumbach, e claro Peter Bogdanovich (A Última Sessão de Cinema, Lua de Papel) e Beatrice Welles, filha do gênio em questão, e trouxeram a vida O Outro Lado do Vento, o último trabalho como diretor que Welles faria em vida.
A trama pode soar bizarra mas simples de se entender em base. Na mais simples definição, é um filme dividido entre duas secções. Um dos filmes é um documentário gravado à comando do cinegrafista Brooks Otterlake (Peter Bogdnanovich) documentando o aniversário do diretor Jake Hannaford (John Huston) e uma festa organizada por cineastas e repórteres para assistirem uma prévia de seu novo filme, também intitulado, O Outro Lado do Vento, cuja produção fora pausada por falta de verba e a morte do ator protagonista, John Dale (Robert Random). O que seria no mesmo dia da misteriosa morte do próprio Hannaford.
Enquanto a outra seção da narrativa, é a exibição do filme em simultâneo, que consiste no personagem motoqueiro de John Dale seguindo uma misteriosa mulher indígena (Oja Kodar) por um caminho bem obscuro e misterioso. Com as duas histórias acontecendo simultaneamente, uma dentro da outra. Mas o fator tão diferencial e marca registrada de Welles em cima do filme é se tratar de um “mocumentário”, um filme representando eventos de ficção, mas apresentados como se fosse um documentário. Mas que não deixa de soar como se fossem fatos quase verídicos da vida íntima de Welles e daqueles à sua volta.
A narração inicial em off de Brooks Otterlake, já denota isso quanto este diz estar documentando a misteriosa morte do amigo diretor Jake Hannaford, ao mesmo tempo que quase soa como um testemunho metalinguístico do próprio Peter Bogdnanovich ao falar de sua relação real com Welles ou na forma com que ele o retratou no personagem em que interpreta, errada, exagerada ou caricata? Que não compreendeu os sentimentos verdadeiros dele para com Welles, mas que para ele não se importa mais, apenas dar vida ao filme do velho amigo
E que, na melhor forma Welles de ser, relata a formação do filme e da narrativa assim como O Outro Lado do Vento se formou de fato, através do resgate de cenas e registros de cineastas e documentários que testemunharam a última festa de Jake Hannaford antes de sua morte, ou do resgate de todo o material filmado por Welles antes de sua decaída como artista em Hollywood.
E que, nas próprias palavras de Bogdnanovich, ou Otterlake, serve como um testemunho cinematográfico do artista e do homem que Hannaford, ou Welles, foram em seus últimos dias como diretor, vindo de um passado de glórias e buscando se adequar no cenário atual do cinema. Ficção e realidade andando de mãos dadas quase como sendo a mesma dentro e fora do filme.
Algo que o mundo com certeza perdeu a chance de ver se concretizar na época, que foi a chegada de Welles na era avant-garde do cinema americano, vindo de uma carreira iniciada no drama clássico nos anos 40 com Cidadão Kane e Soberba, passando pelo cinema Noir com Marca da Maldade e Dama de Shangai nos anos 50 e indo para o drama Shakespeariano com sua não oficial trilogia Otelo, Macbeth e Falstaff – O Toque da Meia-noite; chegaria a hora do mestre se aventurar na era dos cineastas jovens quebrando as normativas de estúdio e do cinema da velha Hollywood, apostando em filmes de autor e com um forte pé na realidade e no drama trágico de personagens. E Orson Welles, sendo o rebelde que sempre foi, estava pra se encaixar como uma luva nessa nova era.
Mesmo que O Outro Lado do Vento demonstre o quanto ele ainda se mantivesse o mesmo em seu estilo próprio e único, Welles estava em busca de inovar o que poderia se esperar da técnica e forma do cinema em sua época, e usa da história do diretor decadente de Hannaford como forma perfeita para isso.
O roteiro descreve diálogos carregados de nuances em temas tanto expelidos e explorados ao longo do filme, como novamente o fator criativo do diretor em fazer seu cinema numa época que não à dele; a adoção de técnicas e estilos modernos que possam atrair o grande público do "hoje"; a presença de jovens cineastas na festa de Jake discutindo o verdadeiro valor do cinema no cenário atual ou o que ele realmente apresenta no que outrora era a Nova Hollywood.
A diferença entre fazer um filme bom e um filme excelente. Poderia isso se refletir entre o filme feito por Hannaford, um suposto filme art-house com pretensões enigmáticas, e o falso documentário satírico de Welles?! Talvez. Um pouco pretensioso e ególatra por parte do diretor? Com certeza, mas quem disse que isso é algo ruim?! É exatamente por isso que Welles está se aventurando aqui fora de seu status como suposto mestre pilar que muitos lhe colocavam, e viria aqui adotar uma linguagem mais “amadora” ao mesmo tempo que carregue um certo toque classicista. Talvez demonstrado que não há uma distância tão grande entre ambos.
Há uma tonalidade bem próxima do brega na conjuntura dos diálogos, com longas pausas para efeito dramático e trocas de olhares penetrantes, com os personagens andando para um lado e para o outro enquanto o seu público de câmeras os cercam, o que mostra uma clara estrutura teatral adotada, com lugar para até monólogos repentinos e de efeito complexo e dramático quando vemos Hannaford do nada divagando sobre como "filmes e amizades são mistérios".
Que dividem espaço com os jovens cineastas e repórteres cinéfilos discutindo tanto sobre o cinema de Jake Hannaford como sobre suas intenções cinematográficas no cenário atual, e sobre o que raio se trata o seu filme (uma sutil tênue linha de mistério do filme, como todo filme de Welles possui), e a montagem intercala seus diálogos com os manequins de John Dale sendo carregados, onde você não pode evitar se não rir da forma com que Welles está tirando sarro dessa geração tão jovem com seus discursos pífios, idéias fúteis e pretensões inequívocas.
Contendo rápidas cameos de diretores como Claude Chabrol (Mulheres Diabólicas), Curtis Harrington (A Noite do Terror), Paul Mazursky (Bob, Carol, Ted E Alice), Henry Jaglom (Someone to Love) e Dennis Hooper (Sem Destino) e críticos como Pauline Kael basicamente interpretando ela mesma. O que torna todas as discussões desses personagens, embora carregadas de nuances sobre a forma social de idéias que indústria a indústria se forma, também mostram como Welles está pouco se lixando para tudo que dizem, pensam ou podem representar para o que é o cinema em si. O que indica um dos motivos pela escolha da linguagem documental que Welles adota aqui, que vai além do que sendo puro experimentalismo.
A linguagem puramente documental não é um estilo de filmagem que poderiam imediatamente se relacionar à Welles, mesmo que essa não tenha sido sua primeira e única excursão no mesmo, o que tanto prova sua imensa versatilidade nunca bem reconhecida como um exímio diretor visual como também inventividade ao adotar essa linguagem em uma narrativa ficcional e dramática que segue sim os moldes de três atos de estrutura, mesmo dentro de um desenvolvimento consistindo em cortes rápidos e abruptos e que exigem sim a máxima atenção do público para o que ele tem a dizer em seu desenvolvimento.
E o filme dentro do filme seria Hannaford, como uma óbvia personificação de Welles, no cenário atual tentando realizar um filme de cunho "artístico" tentando atingir o gosto da nova massa, ou melhor, realizando um filme que ele nunca realizaria, mas que está completamente satirizando o tom e estrutura de dramas Europeus, principalmente os filmes de Michelangelo Antonioni como: A Aventura, O Eclipse, Blow Up, Zabriskie Point
Sendo esse suposto filme de stalkerismo e suspense erótico nos moldes europeus de linguagem nula e contemplativa, passando inicialmente pelos cenários da Nova Hollywood cheio de motoqueiros, drogas, sexo e rock'n roll, e depois no final passando por cenários que lembram a velha Hollywood como uma viela que lembra uma clássica cidade Noir isolada ou um cenário de um filme Western abandonado. Uma cutucada violenta de Welles em querer demonstrar a total decadência da velha Hollywood agora dominada pelo silêncio inóspito da Nova Hollywood, onde só o violento vendo destruindo suas estruturas que se é ouvido.
Com seu forte teor erótico representando na misteriosa personagem feminina podendo facilmente ser interpretado como quase que uma personificação dos desejos "não puritanos" de Orson Welles. Não à toa, a atriz Oja era sua amante na vida real e subtende-se que é também de Hannaford dentro do filme, constantemente se dirigindo à ela como Pocahontas e ela denotando uma raiva latente e misteriosa em seu olhar, em “ambos os filmes”.
Todo um mistério de relações presente em ambas seções, em uma um ar de dominação sexual de uma força feminina misteriosa e perigosa sobre um jovem ingênuo, e na outra relações mais pútridas entre o diretor e o jovem ator protagonista que claramente mostra sinais de pressão e assédio psicológico quanto com sua misteriosa atriz co-protagonista. Tudo escondido ou apresentado como ecos entre a montagem corriqueira e misteriosa.
Um trabalho de montagem esse de Bob Murawski (e também previamente de Orson Welles) fantástica em sua proposta, mas que infelizmente fora acusada por alguns de fraudaria e “amadora”, talvez exatamente de forma proposital e seguindo o exato intuito original de Welles, sem falar que várias partes do filme já tinham sido montadas pelo mesmo. E é impressionante ver como tudo consegue ter uma continuidade lógica mesmo após ter passado por quase cem horas de filmagem e sofrido duras refilmagens, principalmente envolvendo todas as cenas com o ator Rich Little que originalmente estava interpretando o personagem de Otterlake, onde aliás dá pra se notar alguns poucos e rápidos takes de footage e silhuetas dele ainda presente para deixar a continuidade narrativa prosseguindo muito bem.
Tanto que as cenas voltadas para a comédia onde Bogdnanovich interpretava um repórter com os mesmos três jeitos de Jerry Lewis tiveram que ser cortadas. Não querendo dizer que o humor esteja ausente, muito pelo contrário, mesmo em um filme carregado de toques sarcásticos e amargos, é uma narrativa carregada de tiradas rápidas, improvisos exaltados dos atores e inúmeras piadas sutis envolvendo a indústria. Até na forma em que o filme é organizado provoca-se risos nervosos pela estrutura quase caótica em que se constrói.
A forma com que cada frame picotado de diferentes câmeras e ângulos, em cores e P&B se colidem sucessivamente, tudo se torna quase um festival surrealista com cores cristalinas e granuladas e diálogos ininterruptos entre velhos e jovens cineastas com a constante mudança de enquadramentos. Com o filme documentado sempre sendo capturado pelo quadradão 4:3, com a constante alternância entre cores das várias câmeras, e o filme dentro do filme sendo filmado em um widescreen belíssimo e mantendo uma coloração viva quase naturalista e as vezes algo perto do neon em uma cena particular que é enervante e inesquecível, e visualmente belíssima onde a misteriosa personagem de Okdar mostra seus “instintos” em prática.
Mesmo que busque se ater à essa linguagem crua da Nova Hollywood presente em sua linguagem experimental, muito naturalmente por parte de Welles que havia fazendo coisas completamente diferentes em seu estilo na época, há aqui uma forte mistureba quase confusa de gêneros se colidindo por todos os lados: uma comédia crítica e satírica do mundo de hollywood; um drama de forte cunho psicológico de um lado e um experimento metalinguístico de outro, tudo dentro de um cenário que aspira a decadência e o caos. A festa de Hannaford que Welles encena carrega uma energia de quase vida própria que lembra filmes como A Vida é Bela ou 8 ½ de Federico Felini.
Mas Welles não se atém em só a homenagear ou experimentar em estilos de diferentes artistas e movimentos de sua época, como ainda mantém muito da sua própria linguagem presente. A forma tão “classuda” com que ele filma Zarah Valeska, a personagem de Lilli Palmer, revela um sentimento tanto de contemplação pelo "old school" quanto de saudade da era clássica que foi seu nascimento no cinema afinal. Ou na forma como que Hannaford a chama de mãe sinaliza a vertente de pessoalidade e familiaridade muito íntima com a história.
A própria relação de Hannaford com Otterlake é claramente o mesmo tipo de relação de amizade que Welles e Bogdnanovich nutriam entre si, e são todas representadas de forma incrivelmente reais e contadas através de seu visual. Se por um lado nunca vemos Hannaford ou Zarah juntos no mesmo frame, indicando uma distância frustrante e triste para uma mulher que tanto admira.
E no outro vemos a relação mestre e discípulo, sempre grudados um no outro, revelando todo um aglomerado de sentimentos de admiração e inspiração, mas também inveja e frustração que certas decisões de um afetaram o outro e vice versa. O que ocasiona outra típica marca das histórias mais Shakespearianas de Welles como Falstaff, Otelo ou o próprio Marca da Maldade, uma traição irremediável.
Outra vez o eco autobiográfico que inevitavelmente se desperta na obra? Ou uma expedição mais à fundo e íntima do que faz de Hannaford ou Welles, um artista.
Não é difícil não notar, tanto assistindo ao filme quanto lendo sobre ele aqui, o quanto há óbvios ecos de Cidadão Kane presentes em O Outro Lado do Vento, muito na análise figurativa tanto do diretor quanto da pessoa que é Jake Hannaford, tudo à partir da visão particular das pessoas à sua volta e com quem convive mas nunca a partir dele (pelo menos até o final).
Para alguns isso vai soar como uma mera retomada do diretor de seus louros antigos, o que é o extremo contrário onde a obra se mostra ser uma óbvia visão tão autobiográfica de Welles para sua carreira, até mais eu diria do que seu prévio (e igualmente grandioso) Verdades e Mentiras. Mas enquanto aquele se figurava como um falso documentário sobre um artista fraudulento onde o narrador autoconsciente de Welles tomava quase total protagonismo da narrativa, O Outro Lado do Vento pode seguir um pouco da mesma linha de narrativa experimental, mas tem em si uma boa história linear à se contar, ou melhor, documentar.
E se enquanto Charles Foster Kane também servia como uma ousada sátira à figura do magnata William Randolph Hearst, um político conhecido pela sua personalidade exacerbado e controlador podre de rico. Jake Hannaford também se apresenta como sendo uma sátira de um personagem obsessivamente masculino como Ernst Hemingway (cuja relação com Orson Welles nunca foi das melhores), com um ar de machismo exacerbado que esconde uma homossexualidade enrustida por debaixo e especulada à sua volta que só o enerva.
Isso tanto deve-se à força narrativa que Welles conseguiu construir e sobreviveu ao seu tempo, como também desperta essas estranhas e fortes nuances que se refletiram na vida real dos artistas envolvidos graças à algumas ótimas performances que encontramos aqui. Todo o elenco está bem na verdade e ao longo do filme se tornam figuras únicas e memoráveis na vida de Hannaford.
Alguns principais destaques ficam à cargo de Norman Foster que interpreta Billy Boyle, o pobre assistente de Jake Hannaford, que faz de tudo pelo seu chefe inclusive tentar vender o filme para um produtor brucutu em uma cena altamente tragicômica, e conquista com sua personalidade engraçado e fofo ao mesmo tempo que carrega uma amargura latente de um artista frustrado e nunca reconhecido em seus olhos (o que Norman infelizmente fora na vida real). Enquanto Peter Bogdnanovich facilmente vai ser criticado como um completo canastrão, o que ele está sendo propositalmente (e era conhecido por ser exatamente assim em sua época de sucesso e reconhecimento).
Mas claro quem rouba os holofotes é John Huston na pele e alma de Hannaford. Elogios nunca serão o suficiente para esse homem, mas um casting mais perfeito para esse papel só poderia vir de seu grande amigo Orson. Pois, assim como Welles, Huston sempre fora um diretor vítima do controle de estúdios, quase sempre o obrigando a mudar os finais cínicos e sombrios de seus filmes, em que era completamente apaixonado, para os finais mais hollywoodianos. Um igualmente rebelde por natureza, mas que nunca perdeu o sucesso e reconhecimento por décadas, mas como ator agora ele também tem O Outro Lado do Vento para se gabar de seu imensurável talento.
Seu Hannaford carrega aquele ar de machismo quase caricato em suas vestimentas de caçador e forma de andar como um cavalheiro, se enchendo de bebida e nunca deixando de ser seguido pela extensa fumaça de seu charuto (tal e qual Welles). Ele consegue abrir uma repentina expressão de raiva e mudar num piscar de olhos para um olhar cínico; olhar com total desprezo para as câmeras que o seguem e logo abrir um enorme sorriso amarelo cheio de charme e com um carisma inigualável. Mesmo que por breves momentos você consiga ouvir ele imitando o tom de voz de Welles, mas nada tão distrativo, e nada que impeça esse de ser um formidável trabalho de atuação de um mestre em seu ápice.
No final, O Outro Lado do Vento é mesmo um posfácio de Cidadão Kane e o que ele representou para a carreira de Orson Welles, um fim decadente para alguém que outrora houvera sucesso e respeito e hoje se tornou uma piada trágica para seus ditos admiradores. E que talvez aqui possa recuperar um pouco que seja do respeito e admiração que outrora tivera. Mas o que exatamente ele quis contar em uma história de decadência intitulado de “O Outro Lado do Vento”?
A figura de Oja, tanto a atriz de verdade quanto à personagem que marcara presença nos últimos filmes de Welles, diz algo em Serei Amado Quando Morrer que talvez sirva como uma perfeita explicação para o que o filme realmente se trata. Ela apaixonadamente falava de Welles, e como seu aparente ar de ameaçador, de como aquela longa capa e chapéu pretos o fazia parecer a personificação do próprio vento, mas ela conhecia o outro lado desse vento, o vento que acariciava, fazia levitar e dançar, o verdadeiro artista de coração puro, alma selvagem e personalidade extrovertida.
E para uma sumarização óbvia é isso, entre muitas outras coisas a se interpretar, que é O Outro Lado do Vento, o outro lado inexplicável e misterioso de seu grande artista. Que se não teve com esse o grande retorno que tanto almejava, pelo menos teve sua grande despedida que faz jus ao seu gênio.
O público do cinema de ação atual creio que pode ser facilmente dividido em alguns grupos, dois dos principais se focam de um lado nos blockbusters de orçamentos gigantescos variados, e do outro, e o mais interessante, nos filmes de porradaria e tiroteio à moda antiga que pouco se levam a sério e trazem todos os clichês velhos e inimagináveis à tona.
Nem são inúmeros os exemplos a ressaltar desse lado, mas os destaques são pequenas pérolas do entretenimento moderno que muito já receberam suas pequenas legiões de fãs e admiradores, e que esperam um próximo filme dos seus diretores, atores produtores envolvidos etc; vide os recentes filmes do John Wick e os tão aclamado The Raid de Gareth Evans, como exemplos melhor conhecidos deste "subgênero" atual da ação.
Mas enquanto John Wick 3 não sai e Gareth Evans anda ocupado com seu retorno ao gênero do terror com seu recente Apóstolo na Netflix, há uma recente ótima surpresa que a Netflix presenteou esse ano e que pode saciar essa vontade por um filme de ação casca grossa, e esse é o indonésio A Noite nos Persegue de Timo Tjahjanto.
Na trama você tem exatamente a receita que você já viu antes e segue os caminhos e batidas previsíveis do mesmo, mas não pré-julgue tão facilmente antes de ver o que o filme realmente entrega. A história segue Ito (Joe Taslim), um executor de poderosas gangues nas Filipinas, é pego em meio a uma insurreição traiçoeira e violenta dentro de sua família criminosa intitulada de "A Tríade" ao voltar de um violento ataque no exterior e salvar a vida de uma criança inocente que agora precisa manter à salvo. Ao mesmo tempo que seu passado volta para assombra-lo na forma de seu velho amigo Arian (Iko Uwais), um assassino letal da Tríade.
Não é tão difícil discutir sobre o que se trata A Noite nos Persegue, nem necessário se alongar demais. Ser curto e grosso é exatamente o que o filme do infelizmente pouco conhecido Timo Tjahjanto é e exatamente o que essa crítica será.
O filme se inspira razoavelmente nas tramas de crime e ação dos filmes de Hong Kong, especificamente de Johnnie To como os excelentes Drug War e Eleição 1 e 2, ao mesmo tempo que segue os moldes já familiares de ação ultra violenta e cenografias de luta decoradas como um musical derivado dos filmes Indonésios do The Raid e do prévio filme de Tijo, o bem legal Headshot (também estrelando Iko Uwais).
Mas parece que foi com A Noite nos Persegue, que Timo parece querer criar algo mais próprio e autoral em seu estilo de encenar ação violenta e escapista. É como se ele tivesse olhado para os filmes do John Wick e pensado: “bah, isso é muito deprê”, ou chegado para o Gareth Evans e falado: “seus filmes são legais mas falta mais sangue e tripas neles”. Calcule isso tudo isso junto e você tem as 2 horas de filme à se assistir aqui.
Perdoe o linguajar no parágrafo à seguir, mas o que presenciamos aqui é uma torrente quase ininterrupta de lutas magnificamente coreografadas, balas voando para todos os lados, facadas em todos os lugares inimagináveis, ossos fraturados em ângulos dos mais criativos e mais sangue e gore do que talvez um matadouro produz em um ano. Gente eviscerada segurando as próprias tripas, garrafa quebrada enfiada na boca, uma garotinha esfaqueando o olho de um dos capangas, partes intimas estraçalhadas, cabeças metralhadas à queima roupa, estiletes atravessando a bochecha por dentro e tantos outros tipos de violência que, mesmo quando você deixa em pause, personagens parece que continuam a morrer.
A câmera é ininterrupta e segue cada chute soco facada e tiro com planos alongados e até viram de cabeça pra baixo se preciso. Com a fotografia de Gunnar Nimpuno sendo um pequeno deleite à parte, com uma mescla de cores esverdeadas e esbranquiçadas nas cenas matinais e interiores para ressaltar o máximo de sangue possível. E variando com uma belíssima coloração Noir nas cenas noturnas, o que só torna toda a ação estilizada sim mas inegavelmente bonitas de se ver.
E se vocês pensavam que os clássicos embates Peter vs A Galinha em Família da Pesada eram as porradarias mais sangrentas ou qualquer cena de ação com Jackie Chan eram as com maior uso de adereços nos cenários possíveis, aguardem só pela clássica luta final daqui. É um dos espetáculos solos mais excelentes e catárticos do filme. Que talvez só perca para a MELHOR cat-fight feita em anos que precede a esta no filme, que fazem algumas das coreografias corpo a corpo e luta com facas (com uma não tão estranha tensão sexual presente) das mais impressionantes. É pedir muito um filme derivado só da personagem de Julie Estelle, apenas chamada de “The Operator (A Operadora)”? Ela não só rouba a cena como quase mata o próprio protagonista. Além do que já têm um título prontinho pra se usar.
Tudo isso com um roteiro simplista e que expõe o mínimo necessário de possível relevância narrativa em sua trama, que mais uma vez não é nada demais e só serve como desculpa para vermos os personagens se esbofeteando e desmembrando do início ao fim. E que no final do dia só tem como importante e relevante mensagem de que amizade é tudo que importa em um mundo de violência e crime, com até decentes momentos de “tensão dramática” entre a boa dupla de protagonistas Joe Taslim e Iko Uwais, os dois que andam sempre juntos desde The Raid e que tão pra se tornar os Lee Van Cleef e Clint Eastwood dos filmes de ação Indonésios (ou algo parecido).
O que nisso revela uma boa influência dos filmes de John Woo como Alvo Duplo ou Fervura Máxima, no sentido que o filme se reconhece como um inevitável brega exagerado e estilizado e abraça isso no maior espetáculo de entretenimento possível, ao mesmo tempo que não esquece do coração de seus personagens carismáticos e interessantes, que até dedica cenas inteiras na pausa de toda a ação pra mostrar o passado de seus personagens e a conexão íntima e amigável deles antes de suas vidas se tornarem um verdadeiro inferno no tempo atual. O que claro nos fazem simpatizar emocionalmente e torcer pelos mocinhos e esperar ansiosos pela morte satisfatória dos vilões.
Onde o passado é uma boa e confortável brisa antes da tempestade furiosa e violenta que é o tempo atual. Mas é como o próprio filme sutilmente nos diz: quem raio liga para a história clichê de vida do crime e traições entre antigos amigos enquanto é muito mais divertido vendo eles liberando toda sua fúria em cenas de ação espetaculares, catárticas e brutais. Se for exatamente isso que você espera o filme vai te entregar em grande, te fazer virar a cara em certas cenas e abrir um sorriso enorme em outras.
Creio que é escuso dizer que Venom não teve lá uma das melhores primeiras reações ou críticas "especializadas" logo em sua estreia. Com comentários comparativos e classificadores do tipo "nível Mulher Gato de ruindade" ou "o novo Batman e Robin". Nem adentrando aqui ainda em aspectos qualitativos sobre o filme, mas também não é tão escuso dizer que foram reações de níveis um tanto exageradas e muito aquém do verdadeiro nível de qualidade que o filme de Ruben Fleischer tem para apresentar. Se leram até aqui, já sabem o rumo que essa crítica vai tomar, pois se até mesmo Batman v Superman teve o seu direito à defensa, Venom também terá!
Mas encaremos, Venom estava longe de ser um dos filmes mais esperados ou um dos maiores criadores de expectativas entre os fãs e público do gênero como todo filme da Marvel cria anualmente, com algumas exceções aqui e ali como os filmes do Deadpool ou algum milagre da DC que não tenha sofrido interferência dos estúdios. O casting de Tom Hardy e a direção de Ruben Fleischer, melhor conhecido pelo ótimo Zumbilândia, pareciam interessantes, mas a má fama controladora da Sony e a presença de produtores como Avi Arad (o acusado de ter "estragado" Homem Aranha 3) só deixavam o resultado final imprevisível. Ou para os detratores de plantão, facilmente criticável como ruim ou fracasso mesmo antes de lançar, seja por acharem os trailers desinteressantes (o que foram) ou por simplesmente o filme não ter o selo da Marvel Studios.
Mas havia sim algo que mantinha o ar de esperança, que era tanto o fator promessa de ser um filme mais sombrio voltado ao terror, ao mesmo tempo que manteria uma carga de humor negro bem presente. E conhecendo o background de humor auto referencial de Ruben Fleischer, e ver como isso poderia se ater ao espírito bem trash das HQs do personagem título, era algo bom de se esperar que fosse mesmo entregar, e assim o entregou (exceto pelo terror).
Porém claro, os críticos e o público prontos para apontar qualquer sinal de defeitos, tem sim algumas boas razões para se criticar ou desgostar por completo, aspectos tanto estruturais como ritmo desconjuntado e narrativos (como sempre) que desenvolve um tom talvez mal compreendido em sua proposta final (mais sobre isso depois). Mas onde o filme realmente escorrega nesses aspectos e irrita os irritáveis logo de cara é em sua primeira meia hora de introdução.
Tome a cena inicial como primeiro exemplo. Que começa com uma construção de antecipação e clima misterioso até muito bem e sem pressa nenhuma na duração de seus planos de cunho "contemplativo" com a nave carregando os Simbiontes caindo na terra. Sugerindo a chegada da grande presença alienígena monstruosa chegando à terra como em O Enigma de Outro Mundo (com algumas óbvias inspirações mais tarde como o Simbionte tomando posse do cão). Mas de repente a cena parece querer se apressar quando logo mostra uma das vítimas da nave ensanguentada (querendo esconder quaisquer vestígios do R-Rated?!) e pulam diretamente para uma mulher infectada com um dos seres Simbontes saindo da zona, dando lugar para o título do filme abrir. Não é mesmo uma das formas mais inspiradas de se começar mesmo o seu filme.
Logo após isso temos praticamente os dez primeiros minutos de filme focados em estabelecer e desenvolver o personagem de Eddie Brock e o seu futuro encontro com o Simbionte Venom nesse novo universo da Sony, sem aparentes conexões com a Marvel Studios ou sequer a presença do Homem Aranha. A idéia em si para isso parece certa e boa intencionada no papel, ao colocar Brock como o jornalista arrogante e de instinto playboy famoso que é nos quadrinhos, que logo tem sua carreira indo ladeira abaixo por causa de sua investigação contra a empresa de Carlton Drake (Riz Ahmed), que lhe custa o emprego e o casamento com Anne (Michelle Williams).
O problema é que tudo ou é apresentado de forma apressada ou passa tempo demais em cenas desnecessárias (sinal da doença intitulada: sala de edição, ainda aparentemente intratável). E o fato de Riz Ahmed estar interpretando o "vilão visionário" 2.0 que já se cansou de ver incontáveis vezes no gênero também não ajuda muito quanto aos elogios possíveis ao filme. Embora eles comecem à aparecer exatamente quando vemos ambos protagonistas Venom e Eddie Brock se reunindo em um só ser, e o filme daí não deixa de entreter até o fim.
Isso é o resultado de ter um dos melhores e mais talentosos atores trabalhando hoje sendo um protagonista tão dedicado de seu filme. Hardy está magnético como sempre e mostra sua clara paixão em interpretar o anti-herói título e seu alter-ego igualmente interessante, fazendo com que tudo à sua volta no filme funcione bem em prol da narrativa.
Pode ser até desgastante ressaltar isso como um discurso beneficiário do filme contra o gosto geral positivo que os filmes da Marvel Studios atraem para si, e um certo preconceito (as vezes justificável) por filmes de personagens da mesma editora sendo feitos na Fox ou na Sony. Mas Venom se prova positivamente nisso em seus melhores momentos. Já que, no que vemos em prática, essa não é tanto uma narrativa centralizada em buscar construir um universo próprio e garantir um palco para inúmeras continuações (pelo menos até agora), e sim, ouso dizer, e por mais que possua suas inúmeras falhas, é um trabalho que muito se assemelha ao que Sam Raimi fizera com seu Peter Parker e o Homem Aranha na sua clássica trilogia.
Talvez não com a mesma relação flamejante de amor e admiração entre autor e personagem como fora o caso em sua trilogia, mas essa paixão parte da imensa dedicação que Tom Hardy entrega ao seu personagem. Fazendo de seu Eddie Brock um sujeito falho mas extremamente simpático e com carisma de sobra.
Proporcionando muito a construção do seu arco principal construído no roteiro e denotando temas que tanto podem ser interpretados como séria depressão em sua reclusão destrutiva e a pressão do desemprego que se desencadearam após seu triste término. E a óbvia crise de identidade refletida em seu guia moral frágil para com as pessoas à sua volta, tanto no seu “egoísmo” acovardado em não ajudar uma mulher durante um assalto, como também em seu relacionamento com Anne e sua incapacidade de impor de verdade seus sentimentos para com ela e suas frustrações.
O que faz da chegada de Venom em sua vida uma espécie de autorreflexão e guia figurativo para com que ele consiga confrontar seus erros passados e levá-lo em uma jornada de reconhecimento e auto-aceitação. Temas estranhamente sérios e interessantes para um filme de heróis genérico não é mesmo?! E grande parte disso deve-se a grande devoção de Hardy que demonstra o quanto ele se adequa e se entrega de alma e coração à todas as facetas que o personagem pode despertar: o humor, o drama, o tragicômico e o autoconsciente de sua personalidade brega e inevitavelmente engraçada.
O que pode com certeza pode ser confundido e (novamente) facilmente julgado como um tom atrapalhado e um filme que não sabe o que quer ser, onde temos algo muito pelo contrário. E a direção de Fleischer acompanha e consegue construir essa mistura de gêneros de forma decente e tão bem casadas.
Se nos filmes do Aranha de Raimi íamos de um discurso emocionante sobre poderes e responsabilidades para depois ver Peter vestido de Wrestler se intitulando de "Aranha Humana", ou largando para trás seus poderes e responsabilidades de herói que só lhe trouxera tristezas para depois o vermos caminhado feliz na clássica cena "Raindrops keep falling on my head". Em Venom vemos Eddie tanto vendo um assalto ocorrendo sem poder fazer nada para impedir ou tendo seu coração quebrado ao ver sua amada Annie com outro, para depois o vermos mergulhando num aquário de lagostas só para as comer ou chamando um bandido de "cocô ao vento".
Até o papel do vilão pode se dizer que se integra à isso. Enquanto no primeiro Homem Aranha víamos Norman Osborn tendo um duelo de moral quase Shakespeariano com a sua outra persona, o Duende Verde, frente à uma fogueira para depois vermos ele cantando: "Uma aranhazinha subiu pela parede". Enquanto em Venom temos Carlton Drake em uma cena se auto comparando com Abraão e seu experimento sendo como o sacrifício sagrado de Isaque para Deus, para depois mais tarde o vermos sendo literalmente violado por uma garotinha possuída pelo Simbionte de Riot.
Mas como dito, isso são apenas parte da fina base de seriedade que o filme possuí para si, e acertadamente o afasta de outros atuais do gênero, mas tampouco são forçados dentro do filme como um todo. Até a relação amorosa é apresentada de forma decentemente realista e tematicamente relevante como outrora dito, embora Michelle Williams não esteja dando nem 50% de seu potencial ou tenha um pingo de química com Hardy. Embora ambos tenham uma cena em particular que é, no mínimo, interessante envolvendo a SHE-Venom e um beijaço apaixonado entre Eddie e o Simbionte em posse do corpo de Anne. Com certeza é a cena “Martha” do filme, ou você vai amar ou odiar.
Mas de volta onde o filme realmente mostra sua verdadeira face de entretenimento puro e divertido que é na relação moderna Dr Jekyll e Dr Hide entre Eddie Brock e Venom, duas mentes dividindo o mesmo ser e que ocasionam alguns dos momentos de ouro e totalmente “Trash” que pouco se vê atualmente. Porém não o fator trash de filmes como Batman e Robin ou Spawn de tão ruins que se tornam divertidos de assistir, e sim em ser um filme assumidamente Trash.
Os diálogos entre ambos é recheado de palavreados e tiradas rápidas quase desenfreadas, e Hardy tanto o timing perfeito para as duas personas como também consegue convencer na personalidade de ser uma pessoa possuída e sem controle próprio, quase lembrando a relação de amor e caos entre Armie e seu carro possuído em Christine de John Carpenter. E a voz e personalidade física toda asquerosa mas com um tom tão imaturo e extrovertido na forma com que se fala do Simbionte Venom é diretamente tirada das suas HQs solo como Planeta Simbionte.
E o CGI, por contrário do que muitos pensam, particularmente convencem na maior parte do tempo, embora se use do velho truque encenação à noite para fazer os planos mais abertos com os Simbiontes e “disfarçar” possíveis falhas. Mas aí quando você compara a fidelidade espiritual e física do personagem aqui em comparação à Homem Aranha 3 você nota o grande avanço que é.
O fato é que toda essa personalidade de humor negro de seu forte lado Trash poderia ter sido muito melhor beneficiado pela faixa etária para maiores. Tome por exemplo a fissuração do Venom por comer as cabeças dos “caras maus" que já é bem engraçada em sua forma caricata, mas que poderia ter sido muito mais se os estúdios não tivessem se borrado novamente pensando em números de bilheteria, e ter deixado o filme ser livre para ser o que com certeza era a intenção original de Ruben Fleischer e seu trio de roteiristas Jeff Pinkner, Scott Rosenberg e Kelly Marcel: fazer uma comédia negra e violenta com toques de terror. Mas em vez disso, o que tivemos foi uma espécie de filme de ação sombrio e cômico quase Trash vestido de filme de quadrinhos (o que também não é nada mal).
Falando em ação, esta que também não é nada ruim também. Tirando algumas breves cenas com um desnecessário uso de câmera lenta, o resto das lutas práticas e a boa cena de perseguição de carro em São Francisco são competentemente bem dirigidas. Até mesmo a escolha do frame acelerado nas lutas dos Simbiontes funciona até certa medida para mostrar a extensão dos poderes das criaturas. E para os que se queixaram da "poluição visual" das mesmas (indo até comparar com Transformers), tudo o que tenho a dizer sobre é que elas são até "pior" nos quadrinhos.
Mas verdade seja dita, “fidelidade aos quadrinhos" em técnica ou narrativa está longe de ser um argumento positivo para um filme (ambos os filmes O Espetacular Homem-Aranha tão aí como prova disso), mas quando feito corretamente, pode resultar em filmes tão encantadores, com voz e estilo próprios dentro do gênero de super-heróis, como a já mencionada trilogia Homem Aranha de Sam Raimi, Batman V Superman, X-Men: Primeira Classe, Deadpool 1 e 2.
Venom pode mesmo não alcançar todos os níveis desses filmes, mas mostra que se esforça para ser isso em todos os seus melhores momentos de boas qualidades. Os diálogo sombriamente cômicos e os conflitos mentais entre o anti-herói e seu novo corpo funcionam muito bem graças ao seu grande ator principal e o filme é, mais uma vez, longe de ser o desastre como críticos decidiram colocá-lo como tal. E asseguro, que se o filme tivesse o logotipo da Marvel Studios da Disney e a especulada cameo do Peter Parker Tom Holland, estaria agora marcando 86% no bendito Rotten Tomatoes que todos ainda dão tanto crédito.
Bem, se baseando no relativo sucesso desse filme e que venha mesmo dar início de um novo universo cinematográfico com vilões do Aranha em seus filmes solos, só peço por mais um pouco do Carnificina de Woody Harrelson e por mais filmes de estilo tão únicos e diferentes assim.
Certamente já devem ter escutado o quanto o cinema atual vem se esfateando na nova moda decorrente de produzir continuações diretas de antigos clássicos, no intuito de resgatar o sentimento de nostalgia e criar uma base para uma nova franquia moderna e fazer bilhões com o público atual, Star Wars que o diga. Bom, se por enquanto esse suposto "trade" passar longe da nostalgia barata e qualidade sofrível e altamente genérica de filmes como "Independence Day: O Ressurgimento" ou Terminator Genesys e continuar trazendo filmes com a mesma qualidade da nova trilogia Star Trek; "Mad Max: A Estrada da Fúria"; "Creed"; o próprio "Star Wars: O Despertar da Força" e "Os Último Jedi", e agora "Blade Runner: 2049", então por favor, continuem trazendo filmes assim!
Ainda me impressiona o fato de um filme desse porte ter sido financiado nos dias de hoje. Não que isso descarte o fato de que estúdios procuravam criar mesmo o início de uma nova potencial franquia ao ressuscitar o nome de Blade Runner para o cinema atual. Uma idéia de se fazer uma continuação para um dos marcos mais originais e únicos do gênero da ficção científica até hoje, soa por alto, completamente desnecessária, como é o caso óbvio de muitas franquias que tiveram o nome ressuscitado recentemente. Mas aí quando você tem o financiamento vindo de um cara ambicioso em sua visão como Ridley Scott e que concede a total liberdade para um prodígio diretor em constante crescimento como Denis Villeneuve, que é um fã assumido do filme original, e possui um olhar único para se contar ambiciosas histórias, o resultado é algo que não poderia ser abaixo da média, e não é.
E ele era mesmo o diretor atual perfeito para assumir um título como Blade Runner, com todos os seus filmes recentes dessa década, que conquistaram grande atenção e apelo crítico, se mostrando quase que como um preparo do diretor para o que ele viria a realizar de grande aqui. O thriller de forte teor dramático com o serne de sua trama sendo focado na troca de laços familiares tirado de Incêndios; o suspense policial com uma carga soturna e brutal de Os Suspeitos; o mistério experimentalista e visual, de aura surrealista de O Homem Duplicado; sua criação de suspense e tensão crescente através da diegética do som, visual e exímia montagem acompanhado da reação perspectiva de seus atores, como fez em Sicario; e o filme sci-fi com temas de escala universal sendo contados a partir de uma escala dramática ricamente íntima e complexa como fez em A Chegada.
Tudo isso que lhe permitiu aqui por os pés na criação de Blade Runner 2049, o seu digno grande épico feito após anos de preparo em seu rico cinema independente e por em prática em uma escala que talvez ele nunca imaginasse ser capaz de realizar.
Um digno filme de caráter artístico, e um dos melhores exemplares de uma narrativa contemplativa sendo feita no cinema atual, se disfarçando descaradamente de um blockbuster milionário. Que inevitavelmente, já permitiu vários pensamentos ignorantes serem criados sobre ou como o filme é chato ou sonolento, sem sentido e sem ação, ignorando, desconhecendo ou até desprezando o trabalho cinematográfico em seu estado mais bruto e natural que Villeneuve cria aqui.
Que aproveita de seu gordo orçamento para por em prática todo o seu potencial de crianção (e expansão) de um universo grande e próprio, realizando uma verdadeira continuação do clássico de 82, sem nunca recorrer (de forma exagerada) à nostalgia ou copiar elementos passados e anda com as próprias pernas dentro do mesmo universo. Fazendo talvez o mesmo que James Cameron fizera em "Aliens" ou Coppola em Poderoso Chefão Parte 2, e expande o universo do filme original em novas escalas e novos conceitos ainda tão fiéis à literatura original de Phillip K. Dick, se mostrando como outro exemplar tão marcante do gênero sendo feito nos dias de hoje e construindo um futuro distópico assustadoramente realista, mas sem perder a personalidade Noir futurista do seu clássico original.
Sendo beneficiado pelo trabalho brilhante de um artista feito Roger Deakins na criação de uma fotografia deslumbrante, frame por frame, e outra composição inventiva e diegética de uma memorável trilha de Hans Zimmer, que em nada deve ao trabalho original Vangelis; ajudando a dar vida ao mundo de Blade Runner 30 anos mais velho e possuindo uma ótica quase surrealista em sua escala utópica grandiosa e hipnotizante. Sem se esquecer dos elementos do cinema Noir impregnados no seu filme original, se mantendo ainda firmes e fortes aqui em uma trama carregada de mistérios intrigantes, laçados por uma aura dramática intimista e elevados por um sentimento de inevitável tragédia através de complexos personagens que o exemplar roteiro de Hampton Fancher e Michael Green aqui constroem.
Não se esquecendo, ou desfazendo, da marca mais importante da história e narrativa de Blade Runner, que vão além das simples explorações temáticas sobre o que é ou o que faz o "ser" humano". Que é a complexidade de suas variadas questões onde o brilho é a ambiguidade de suas respostas, talvez inexistentes ou sem importância. Seja presentes no mundo futurista acinzentado em que seus personagens habitam e suas relações pessoais com este, ou entre si.
Refletido perfeitamente em um elenco estelar que formam esse digno próximo capítulo da história. Com óbvio destaque indo para Ryan Gosling e sua criação tão sutil em feições mas carregada de emoções do seu personagem K, com uma solidão e vazio cotidiano ansiando por algo à mais na sua vida, um propósito em uma ação que prove sua humanidade ou sentimentos genuínos de amor e prazer que a figura de sua amante da Joi, de uma surpreendentemente complexa (e ambígua) Ana de Armas talvez não seja capaz de dar, pelo menos não da forma com que ele anseie, como qualquer humano.
O mesmo pode ser dito aos personagens de Wallace de Jared Leto e a Luv de Sylvia Hoeks que passam longe de serem caricaturas de seus papéis do vilão de mente brilhante e a capanga porradeira. Trazendo cada um consigo um nível complexo à mais em suas características, Wallace com seu ego inflado (um tanto justificável) de criador de vida, coberto em arrogância e frieza disfarçados com um ar de messiânico e questionáveis "boas intenções". E Luv, a subserviente extremamente leal e letal em seu ar intimidador, mas que carrega um bizarro sentimento de valorização pela vida que a faz derramar lágrimas a cada nova vítima. Por vezes até levando o sentido literal de seu nome em boa prática, tanto em seu intenso amor pela subserviência ao seu mestre criador
ou no combate mais metafórico da década quando o AMOR feminino tira literalmente a vida de K que tanto o buscava. Ironicamente genial não?!
E claro contamos ainda com Harrison Ford, também passando longe de ser uma caricatura antiquada e envelhecida do seu personagem Deckard, mostrando sua veia dramática mais afiada do que nunca ao expressar tanto do personagem com um olhar cheio de pesares e dores não resolvidas do passado. E se você pensava que já era difícil perceber a verdadeira espécie ou raça do personagem, humano ou replicante, no filme original, só vai encontrar esse questionamento aqui duplamente ambíguo. Com seu personagem também sendo colocado num surpreendente pedestal de relevância e importância dramática dentro do arco do personagem de K, e uma bela conexão criada entre os dois na narrativa.
Onde ambos, esses dois replicantes ou humanos, vividos à uma vida de sofrimento, perdas e frustrações, encontram em si a chance de alçar tudo que lutaram para conseguir. Seja Deckard uma vida sem mais fugas e poder aproveitar pela primeira vez o amor que criou, e K a chance de provar sua humanidade e talvez, no final, encontrar sua alma, como lágrimas na neve.
Mas classificar Blade Runner 2049 como sendo apenas uma EXCELENTE continuação talvez simplificar uma obra que se mostra muito mais do que se apresenta. É um exemplo soberbo de um blockbuster milionário moderno ousando em suas ambições e mostrando um viéis artístico que invoca o melhor que um filme pode a oferecer. Uma história intrigante que clama pela paciência e atenção do público para contemplar e refletir nas ricas temáticas sobre o mundo e a humanidade, sendo transpostas por um exímio roteiro e um visual rico em cada detalhe de sua concepção utópica e ultra realista, junto de uma trilha diegética e invocativa que te emerge em seu universo, e um elenco pontual em cada detalhe individual de seus personagens.
Tudo comandado por um diretor no ápice de sua carreira, mostrando o melhor de sua direção com exemplar esforço posto em cada detalhe técnico e dramático que constroem e fazem de Blade Runner 2049, não só um sucessor digno e merecedor do seu filme original, se igualando lado a lado (se não superando), como se mostra sendo uma das melhores continuações que o cinema já produziu até hoje. E claro, um dos filmes mais bravos e ambiciosos que a década viu até hoje e cujo o tempo só fará justiça.
Não sei se repararam, mas fazia um bom tempo que eu não via um título de uma continuação, ainda mais de um blockbuster, que vai direto ao ponto se colocando como o "2" ou segundo capítulo de sua história já iniciada. Sem nenhuma abreviação como "Parte 2" ou "Volume 2" ou algum subtítulo disfarçando seu caráter de continuação direta ala Star Wars ou Senhor dos Anéis. Mas não com Deadpool que tivemos o bom e velho "2" no final de seu título. Mas ainda assim, isso não garante que o filme irá escapar da sombra ou maldição que acompanha os filmes continuações de grandes sucesso por anos até hoje. E com isso, creio que "Deadpool 2" será outra daquelas continuações em que as expectativas dos fãs ditam a "qualidade" final do produto, mas não o que ele realmente é ou se propõe à ser.
Talvez termine por sendo uma questão de gosto pessoal ou minhas datadas memórias positivas do primeiro filme, que ainda acho ótimo, mas que esse seu segundo capítulo consegue superar de diversas maneiras diferentes. Primeiramente por fugir de (quase todas) expectativas que os fãs fanáticos depuseram em querer ver no segundo filme, algo "maior e melhor", e sim priorizar sua atenção em expandir e evoluir tudo de qualitativo em seu primeiro filme e se arriscar em explorar percursos diferentes do que se pode ser esperado do personagem e seu universo à essa altura.
E é exatamente o que temos aqui, um filme do Deadpool com o humor negro ainda mais forçado e as piadas toscas mais alongadas que você verá desde as últimas temporadas de "Família da Pesada"; o dobro do banho de sangue que você viu no primeiro filme e nem tanto quanto em Logan; e um estudo dramático de um personagem em busca da sua perdida felicidade e a descoberta do valor da família...Pera...isso é um filme do Deadpool? (PODE APOSTAR SEU CU QUE SIM MEU CARO AMIGO! - Você de novo aqui? - RELAXA SUAS TETAS E BORA COM ESSE TEXTO LOGO, E É MELHOR IR ELOGIANDO! - Farei o meu melhor).
O fato é que criticar filmes tão autoconcientes de si mesmo, como ambos os filmes de Deadpool, é uma tarefa um tanto complexada (VOCÊ ADORA USAR PALAVRA DIFÍCIL EIN, PUTA QUE PARIU). Sempre realçando os problemas que (propositalmente? - AM...SIM CLARO) comete nas suas estruturas de filme de super heróis e fazendo constantemente piada de si mesmo, para depois se improvar e reformular em alguns percursos narrativos inesperados para onde leva seu personagem tão vivo e autoconsciente e surpreende positivamente muito mais do que pode vir a desagradar. Isso é Deadpool 2!
Um filme resultado do sucesso consagrado do seu primeiro hilário e divertido filme, livre para ser violentíssimo e desbocado como seu personagem tanto requeria. Mesma liberdade que viria a ser concedida para Logan e sua história tão sombria, íntima e dramática, o que só destacou ainda mais os filmes da Marvel Fox do resto dos outros universos de super heróis e da própria Marvel Studios. E Deadpool 2 é essa contínua amostra de ambos desvencilhamento e autoria criativa dentro de sua própria franquia e personagem.
Se por um lado é um frenético e ultra-violento filme de ação bem nos melhores moldes oitentistas, é por outro também uma comédia metalinguística desbocada e hilária (ambos esses últimos EM DOBRO de dose na versão Super Duper Cut - PELO MENOS NÃO FOI UMA VERSÃO ESTENDIDA PRA SALVAR O FILME QUE NEM O SEU AMADO...- não começa! - DESCULPE MARTHA). E surpreende sendo também um pequeno drama íntimo e envolvente sobre amor e família, como o próprio Deadpool diz. Onde as escalas do conflito nunca se agravam para conflitos mundiais como outros do gênero, e sim internos entre seus personagens de destaque, realçando aqui fortes temáticas sobre perda e redenção.
Seja na perda amorosa do anti-herói, na perda da família de Cable (de um sempre ÓTIMO Josh Brolin - VOCÊ SEMPRE FALA ESSAS PORRA ASSIM), onde ambos encontram a solução de sua dor no jovem Russel/Firefist, com diferentes métodos é claro, e com o resultado de suas ações para com o menino sendo a resolução de seus conflitos pessoais em fazer um bem maior do que eles. Algo muito mais intrigante e envolvente do que termos uma figura de vilão genérico e lida dramaticamente o emocional complexo de dois personagens. Isso dentro de um filme do Deadpool? Da onde isso veio???!!! (BEM, SE A GENTE AUMENTASSE A DOSE DE HUMOR OU SERÍAMOS CHAMADOS DE COPIADORES DA MARVEL OU LEVARÍAMOS UM PROCESSO POR INJÚRIA RACISTA E HOMOFÓBICA - bem colocado).
Até os outros personagens secundários compartilham do mesmo tema e tem seus arcos individuais à se desenvolver. Seja na perda de confiança na amizade do Colossus para com o Wade; na busca de Dopinder para ser alguém importante, um super herói, posto que lhe é constantemente negado; ou com Domino em sua busca pela sua razão cósmica de estar na X-Force ajudando ao Deadpool (com uma muito boa e carismática Zazie Beetz em cena - E COM A SUVACA PELUDA, REPAROU? SEXY - e que merecia muito mais de tempo em cena!). Um filme de super heróis com personagens coadjuvantes bem delineados e que recebem seu momento para brilhar? Quem disse que só Vingadores na Marvel sabia fazer isso? - TODOS OS CRÍTICOS QUE CHUPAM O MCU ATÉ NÃO DAR MAIS).
Tudo poderia funcionar perfeitamente seguindo esta base pequena e íntima do filme, o que segue em sua maior parte e é ótimo. Mas Deadpool 2 também obedece as leis de mercado de super heróis e para agradar seu público traz sim algo maior e com tudo que o público gostou do primeiro filme, talvez até demais. Não necessariamente algo maior em escala orçamentária, que sim está presente e até de forma bem conservada e focada, mas no intuito de trazer tantas piadas hilárias para o personagem e linhas dramáticas à se explorar para os personagens, o filme acaba ficando sobrecarregado.
Basta apenas comparar ambas as versões do filme e nota-se as diferenças de materiais usados ou substituídos e nunca formam uma mistura completamente perfeita. Ao ponto de deixar o sentimento de algo estar faltando na forma com que o filme se estrutura. Um primeiro ato lento, uma intercessão apressada para o segundo ato, e depois tudo flui bem até o final. Desejaria uma Ultimate Cut onde pudéssemos ter o melhor de cada versão e assim termos um definitivo Deadpool 2 (VOCÊ JÁ TÁ EXIGINDO DEMAIS E LEVANDO ESSA PORRA DE TEXTO MUITO PESSOAL - tenho meu direito como fã à reclamar por service bem feito - QUOTANDO O ÉRICO BORGO AQUI? PUTZ).
Outro quesito que o filme deixa "à desejar" é a direção de David Leitch. Vindo da ótima dupla que dirigiu o primeiro John Wick (ao lado de Chad Stahelski - NINGUÉM SE IMPORTA) que lançou sua carreira como diretor, Leitch até agora se mostrou ser um pouco sem gosto ou sal de essência para sua direção, isso tendo em conta apenas seu único trabalho solo de direção que foi o mediano Atômica, mas que lá pelo menos conseguia fazer a ação brilhar e elevar o filme. Aqui ele se beneficia do bom roteiro do trio Rhett Reese, Paul Wernick e...Ryan Reynolds (?! - OU YEAH, CHAME ISSO DE PRETENSIOSO, HEHE), e comanda muito bem a essência do material e é bastante inventivo nas cenas de ação (a montagem intro é EXCELENTE e ainda melhor na versão Super Duper Cut, embora desacelerada em ritmo). Embora use alguns cortes um tanto frenéticos em certos momentos que deixa as cenas um pouco embaralhadas e até frenéticas demais em momentos pontuais.
Mas em mesmos pontos pontuais, temos algumas ÓTIMAS sequências. Os clássicos embates anti-herói vs anti-herói entre Deadpool e Cable são perfeitinhos; as cenas mostrando os poderes da Domino possuem uma inventividade cênica e de montagem claramente inspirada em Buster Keaton com alguns steroids e CGI; tudo envolvendo a aparição do Fanático é um fan-service delicioso; e o screen-time devotado à equipe X-Force e eles entrando em ação é puro ouro!
Porém encarando os fatos, e sua sobrecarga de conteúdo que talvez não seja a mistura mais perfeita, Deadpool 2 é sim a rara continuação que dá um passo adiante no quesito de evoluir e explorar seu personagem tão bem conhecido por caminhos talvez surpreendentes para os fãs. E mesmo em meio de tantos outros filmes desgastados do gênero e até outros do mesmo que já quebraram a quarta parede e se arriscaram no R-Rated muito antes de Deadpool, ambos os filmes até agora se provaram como sendo algo muito especial e com voz única para se manter vivo e fresco por muito tempo ainda.
Seja pelo casamento perfeito e insubstituível entre ator e personagem que Ryan Reynolds tem com Wade/Deadpool; seja pelo bravo trabalho de sua equipe criativa em balancear o humor politicamente incorreto de seu personagem título junto de seu drama íntimo, e de cada um dos personagens, fazendo o púbico tanto rir alto quanto simpatizar de verdade com Deadpool e sua peculiar família.
Isso que me leva a encarar o quanto ambos os filmes do Deadpool resgatam muito do espírito dos filmes originais dos X-Men de Bryan Singer (e até dos mais recentes, apenas uma opinião pessoal - NINGUÉM LIGA PRO LIXO QUE VOCÊ GOSTA), pois enquanto eles sendo blockbusters de orçamento considerável, nunca se elevaram tanto para um percurso de altas pretensões megalomaníacas e sim sempre mantiveram sua atenção narrativa para os conflitos pessoais de seus personagens, sem deixar de explorar seus poderes de mutantes super-heróis de forma divertida e escapista. E isso tudo Deadpool 2 realiza com proeza de sobra (ORA ORA, MUITO OBRIGADO. - O prazer foi meu, nos vemos em X-Force agora? - SE O MCU NÃO FUDER COM A GENTE DEPOIS DESSA COMPRA DE ESTÚDIOS AÍ...).
Agora sim, é assim que você faz um verdadeiro filme de espionagem ÉPICO. E o "épico" da palavra tanto vem de sua escala orçamentária quanto os níveis ambiciosos de ação e narrativa que o filme tenta (e nesse caso aqui, consegue) nos levar. E sim, essa é minha forma de dar um sutil pitaco comparativo com outro filme de espionagem de uma franquia bem famosinha, cujo último filme entregou algo muito abaixo do esperado, e por ironia veio no mesmo ano em que Missão Impossível tinha seu quinto ÓTIMO filme sendo lançado, e que lidera agora com seu ainda melhor sexto filme enquanto a franquia do 007 continua num hiatus temporário. Ainda estamos no seu aguardo senhor Daniel Craig!
Claro que isso não quer dizer que não tive minha boa dose de diversão com "Spectre" e sua escala gigantesca e constantes excelentes cenas de ação que seu diretor Sam Mendes se provou saber comandar e conceber tão bem. A intro no dia dos Mortos e a perseguição do avião tão aí pra provar como o filme se mantivera acima da média.Mas aí quando você via as tentativas dramáticas e temáticas que a narrativa tenta forçadamente empurrar goela abaixo dentro do filme, você depara com uma trama boba, atrapalhada e quase idiota que foi concebida ali.
Um belo resultado das falhas tentativas da franquia 007 em tentar adicionar elementos demais de "O Cavaleiro das Trevas" de Nolan para seus últimos dois filmes, no intuito de buscar ser mais "tenso", "sério", "REALISTA", "dramático" e "eletrizante" ao mesmo tempo que tentava ser o velho Bond blockbuster de ação divertido e descolado do passado. Em "Skyfall" isso até funcionou em grande parte enquanto em "Spectre"...nem um pouco.
Busco não exagerar em dizer e atestar em como no novo capítulo da franquia Missão Impossível, “Efeito Fallout" despretensiosamente mostra que É POSSÍVEL sim você fazer um excelente filme de ação e espionagem com os requisitos de blockbuster de diversão e humor junto dos orçamentos milionários e durações (as vezes) bem alongadas que os fazem parecer verdadeiros épicos, e na mesma medida ter personagens e história intrigantes bem escritas e que conseguem se levar à sério sem soarem enfadonhos e ser dramaticamente envolvente do início ao fim.
E isso é mais uma prova de como um dos grandes trunfos característicos da franquia Missão Impossível ainda é o seu grande aliado desde o primeiro filme até hoje, e que marca seu grande diferencial entre tantas outras franquias de sucesso hoje em dia: seus diretores.
Tirando alguns dos exageros estilizados de John Woo no segundo filme (que particularmente não acho nem de longe completamente desastroso como tantos dizem), cada diretor da franquia mostrou ter uma voz própria para cada filme da franquia, o que trazia esse grande charme diferencial em tom e estilo entre cada filme, mas sempre mantendo os mesmos personagens (em boa parte) até hoje. Christopher McQuarrie mostrou junto de Tom Cruise tão bem isso, que mesmo este sendo o único diretor até hoje à voltar para outro filme da franquia, ele mostra querer trazer algo diferente e novo para o sexto capítulo da franquia do agente Ethan Hunt.
Similarmente à "Spectre" do Bond, "Fallout" também é o capítulo que tenta costurar todos os filmes até agora em uma linha única de continuidade narrativa e história, ao mesmo tempo que resgata vários dos trunfos passados de cada filme e busca junta-los em um só filme.
Possuí a mesma trama intricada em mistério e reviravoltas como o primeiro filme de Brian De Palma, que pede ao público prestar atenção em cada linha de diálogo sendo dita e que mostra como cada peça é importante para a trama que está sendo construída; é assim como no terceiro filme de J.J. Abrams, uma história movida tanto às constantes reviravoltas inesperadas mas principalmente pelo drama íntimo do personagem e como as consequências de seus atos e escolhas tanto servem para construir os perigosos desafios que seus antagonistas o põe para enfrentar, assim como moldam as características do ótimo protagonista que é Ethan Hunt e que mais uma vez volta aos holofotes dramáticos da franquia. Diferente de seus dois antecessores que, embora ótimos, priorizaram a diversão escapista bem realizada antes de tratarem sua trama e personagens com mais foco e carinho (embora "Nação Secreta" tenha conseguido fazer isso bem melhor na minha opinião).
Não negando o fato de que ambos "Protocolo Fantasma" e "Nação Secreta" ainda marcam influência aqui no que diz respeito à criação de verdadeiro espetáculo visual catártico e escapista, extremamente bem concebidos e COMPLETAMENTE divertidos. Se franquias como "Velozes e Furiosos" (boa em sua própria e diferente maneira) fazem o seu público indagar como vão superar as cenas de ação que à cada novo filme desafiam um novo tipo e nível de "ridículo", temos em contrapartida com Missão Impossível que, embora busque fazer o mesmo, sempre manteve seus pés no chão da realidade o máximo que pode, mas sem se auto impedir de entregar alguns dos mais insanos e incríveis trabalhos de coreografia de ação da indústria até hoje. Com cada filme conseguindo mesmo superar o último nesses quesitos, e Fallout é sem dúvidas o filme da franquia com as melhores cenas de ação da franquia (pelo menos até o momento).
E isso tanto graças à persona Jackie Chan americano que Tom Cruise vêm assumindo por anos com seus trabalhos de coreografia de ação (quase) sem dublês, que ajudam à criar a palpabilidade física e a tensão enervante que as cenas de ação causam nos espectadores; quanto também ao olho criativo e inventivo de McQuarrie em saber dirigir TÃO bem seu filme. Se mostrando um perfeito herdeiro atual de caras como Martin Campbell (Casino Royale) ou John McTiernan, em conseguir manter a ação centralizada em câmera e sempre deixando os cortes e transições sempre fluindo sem fazer um caos visual confuso.
Seus movimentos de câmera sempre precisos e carregados de adrenalina, e o uso de belíssimos planos abertos tanto em lugares fechados como a inesquecível e brutal porradaria no banheiro, que parece uma coreografia de Buster Keaton em steroids, quanto em uma grandiosa perseguição de helicópteros nos alpes indianos. Criando não só uma tensão e adrenalina visual como também sonora auxiliado pela trilha de Lorne Balfe, que toma inspirações bem Hans Zimmerianas com as batidinhas repercutivas causando uma tensão sonoplastica como se estivesse controlando as batidas de nosso coração e o uso pontuais do bom e velho BOOOOM. Talvez a melhor e mais memorável trilha sonora da franquia ouso dizer.
Tudo isso junto resulta em fazerem algo impossível em filmes de ação hoje em dia, fazer com que cada cena de ação passe a sensação de que é um clímax eletrizante, o ponto mais alto de adrenalina e testosterona do filme, isso tudo só que divido em pelo menos umas sete vezes ao longo do filme. Para quem disse que esse era o melhor filme de ação desde "Mad Max: A Estrada da Fúria", você está absolutamente certo!
Mas pra mim, onde McQuarrie faz de Fallout um filme tão novo e diferente dentro da franquia, e ouso até dizer no cinema de ação geral atual, não é só por ele voltar a resgatar manejos de trama e pedaços de tonalidade dos filmes anteriores de forma a agradar aos fãs de longa data e talvez assim conquistar novos, mas também por conseguir misturar todos estes elementos dentro de uma narrativa onde um não prejudica ou afeta o outro.
Nisso quero dizer que temos bastante doses de humor e tiradas descontraídas na narrativa graças à sempre ótima presença do Benji de Simon Pegg (que infelizmente aqui fica bem mais como coadjuvante cômico do que no filme anterior), mas também consegue manter um bom nível de seriedade e foco na sua trama de espionagem, e sem mostrar um pingo de pressa em querer desenvolver ambos trama e personagens com igual e devida atenção.
É um espetáculo blockbuster catártico de um lado, e do outro um filme de espião que volta a lidar dramaticamente com o lado emocional e psicológico de seu protagonista como peça chave para todo o drama que decorre à ele e aos personagens à sua volta. O que proporciona surpreendentes momentos emocionantes envolvendo os personagens de Luther de Ving Rhames e a ex esposa Julia de Michelle Monaghan, como também a performance mais dramática de Tom Cruise dentro da franquia desde o terceiro filme com o personagem novamente defrontando as consequências de suas escolhas e ações em prol de um bem maior. Permitindo também que a Ilsa Faust de Rebecca Ferguson, ainda mostrando sua forte presença em cena, tanto na ação quanto também no drama, mostre novas camadas de sua personagem e sua complexa conexão com Ethan Hunt.
Ao mesmo tempo em que McQuarrie volta a explorar, de forma bem interessante, o personagem de Ethan Hunt como sendo quase uma figura alegórica de um herói Grego, como Ulysses, ou acharam que ele mostrando A Odisséia de Homero no início junto de Ethan foi completamente à toa?!. Mostrando através de toda a insana ação o quanto o personagem é alguém disposto a lutar contra qualquer adversidade catastrófica ou monstruosa de sua viagem para poder voltar para a esposa amada. Ou no melhor estilo Tom Cruise, um verdadeiro Aquiles (ou também acharam que o tornozelo se quebrando nas filmagens foi à toa?).
Isso servindo como uma alegoria muito interessante que McQuarrie levanta sobre a real natureza de Ethan Hunt, suas habilidades de enfrentar os obstáculos mais insanos que Tom Cruise se submete à cometer para criar o efeito entretenimento em seus filmes e se solidificar como uma estrela do cinema de ação de todos os tempos, que torna o personagem não em um simples super herói espião e sim um homem que age e se move como uma força da natureza imparável para conseguir alcançar seus objetivos, mas com uma linha tênue moral que mostra que ele faz o que faz para salvar e proteger os inocentes e aqueles que ama. Ou como o Walker do Henry Cavill resume bem o que todos nós do público pensamos: "PORQUÊ VOCÊ NÃO MORRE?!" - em contextos diferentes claro.
Falando no bigodon polêmico, devo admitir que finalmente à franquia trouxe vilões memoráveis de volta para seus filmes, e isso não acontece desde o terceiro filme, que ainda continua insuperável nesse quesito em particular graças à inesquecível performance de Phillip Seymour Hoffman como o temível Owen Davian. E o Solomon Lane do Sean Harris, embora ainda não me convença ou conquiste completamente, ele mostra sim ter uma presença até mais bem aproveitada e melhor desenvolvida aqui do que sua esquecível vilania no quinto filme, com o personagem também servindo como uma decente alegoria do mal que vai perseguir e atormentar Ethan Hunt para sempre.
Mas pelo menos McQuarrie junta à mistura de antagonistas do filme uma breve mas boa Vanessa Kirby com sua Femme Fatale britânica, e que promete muito mais presença no futuro. E Henry Cavill claramente se divertindo no papel de mocinho brutamontes inicial determinado à tirar Hunt do seu caminho caso seja necessário para cumprir sua missão, para depois revelar suas verdadeiras garras, embora quisesse ter visto bem mais dele no filme.
Mesmo que isso não afete em nada o resultado final que "Missão Impossível - Efeito Fallout" alcança como sendo um dos filmes mais bem redondinhos e coesos da franquia, embora seu final abrupto me desagradou um tanto, embora ele conceda um sorriso no canto da boca graças à compensação que as ações até ali chegaram e entregaram para Ethan.
E onde tudo até ali mostrou esse como sendo um filme concebido com total cuidado, dedicação e carinho, tanto do seu ótimo diretor e grande estrela, pelo personagem de Ethan Hunt e o pequeno legado que sua franquia vem criado desde o seu primeiro filme em 1996 e continua a comprovando Missão Impossível até hoje como uma das melhores franquias de ação de todos os tempos. E que mostrou aqui, mais uma vez, ter energia de sobra para poder continuar surpreendendo com um futuro imprevisível, mas que com certeza poderemos contar desde já com as loucuras e dedicação invejável de Tom Cruise no papel em que ele pode ser o que ele é de verdade: uma complexa força da natureza que não vai parar até entregar tudo aquilo que o seu público quer: um divertidíssimo espetáculo de adrenalina e insanidade, mas sem esquecer do seu coração pulsante.
Não é de hoje que sempre ouvi os mesmos tipos comentários envolvendo este filme em específico do extremamente subestimado Michael Cimino, como sendo talvez o melhor filme que o Oscar já premiou em sua principal categoria, entre outros grandes valores artísticos da obra, claro. Mas tal questão sempre circuncidou minha mente ao encarar ao filme antes de vê-lo pela primeira vez. O que havia de tão grande e especial para tornar esse filme como tal obra-prima clássica do cinema se eu mal sequer ouvira sua citação no meio público e poucas vezes entre meus vários conhecidos do meio cinéfilo. O que resultou em uma primeira sessão na hora errada (eu estava cansado e com sono no dia, não me julguem) e não muito benéfica para minha visão do filme. Que me fez caluniar por um bom tempo o chamando de um clássico superestimado, ritmicamente datado, altamente pretensioso e que se perdia em banalidades e cenas esticadas mais do que o necessário. Após uma hora de filme ainda estamos no casamento do personagem de Steve de John Savage antes de sequer vermos algo relativo ao Vietnã ou ao próprio significado do título.
Mas alguns anos de experiência depois, assistindo mais e mais filmes e os inserindo em minha bagagem de cinema como faço até então, e também me familiarizando com os filmes e estilo do diretor (e acabando por me apaixonar por completo pelo seu ultra esnobado "Portal do Paraíso"), revendo o filme FINALMENTE hoje, pude enxergar o que há de tão grande nessa obra-prima de Cimmino: absolutamente tudo sobre ele! Poucos não serão os elogios que devo em dar aqui então arrisque-se em ler por conta própria ou vá encarar o filme por conta própria.
Cimino se mostra ao longo de todo o filme ser um herdeiro digno e possuir características de alguns dos mais ricos moldes clássicos do cinema de alguns mestres em particular. Possuí em seu serne um afeto cultural e social dignos do cinema de John Ford ao mostrar saber capturar a essência cultural da pequena comunidade cristã ortodoxa onde seu grupo de personagens protagonistas inicialmente convivem em tamanha e palpável harmonia; sabe retratar o sentimento tanto cômico quanto trágico de seu ambiente e do convívio dos personagens de forma tão realista e palpável que quase lembra os clássicos de Vittorio De Sica, e sem um pingo de pressa em sua construção rítmica possuindo uma ótica quase contemplativa digna do cinema de Luchino Visconti (com uma de suas cenas introdutórias na refinaria parecido retirada de "Deuses Malditos" do mesmo diretor); e consegue tornar toda a triste trajetória de sua história tão íntima em uma escala verdadeiramente épica, grande e imersível como só Sergio Leone saberia fazer tão bem.
Aliás, esse com certeza será o mais próximo que veremos de Sergio Leone versão guerra do Vietnã, ou vocês achavam que a tortuosa e tensa cena de roleta russa na confinada prisão Vietcong serviu apenas como uma fiel e brutal retratação histórica? Bom, sim também, mas só a criação de tensão pela constante troca de olhares suados e com emoções explodindo só pela força dos olhares cabulosos de medo e raiva, e a bela carnificina habilmente montada que se sucede, remetem lindamente aos gloriosos dias de Era uma vez no Oeste com um realismo em sua violência bem palpável, e brutal.
Mas as comparações com suas ricas inspirações Leoninas ou Viscontianas não param por aí. Tanto na forma com que Cimino propositalmente e naturalmente estica a história de Mike e seus grupos de amigos no pré, durante e pós Vietnã, se usando dessa estrutura de três longos atos para construir uma retratação do progredir da vida desses indivíduos quase como um documentário dramático, e fazer o espectador sentir cada impacto dos acontecimentos e desenrolares na vida de cada um. Enquanto por detrás, vemos a América como um palco vivo e que progride e evoluí assim como seus personagens, ressoando sutis semelhanças com o outro Era uma vez de Leone...na América. Uma América aqui que se de início parte de um meio de pluralidade étnica e cultural cheia de alegria e esperança, no final vemos se desenvolver em um local cada vez mais frio e vazio de fé ou esperança.
Querem algo mais a cara de Luchino Visconti do que o palco histórico de seus personagens afetaram brutalmente todas as suas vidas?! E Cimmino realiza isso com uma maestria e domínio narrativo raros de até mesmo outros diretores de sua época. Onde dentro de toda essa sua grandeza visual e em escala histórica, no qual Cimmino não poupa em querer denotar e elevar em seu filme. Usando e abusando da cinematografia operística de Vilmos Zsigmond em talvez no trabalho mais deslumbrante de sua carreira. Partindo do caloroso ambiente de conforto natural do início, indo para o calor fértido e sarnento das brutalidades do conflito, e o retorno frio e distante de um lar agora não mais familiar no final. E por vezes o visual documentado do caos social que a câmera captura com inúmeros figurantes tormentado um caos vivo em cena como um verdadeiro épico moderno.
Mas com destaque pessoal de seu brilhantismo ficando pra mim nas duas breves, porém marcantes, sequências de caça à veados (remetendo ao seu título original) revelando uma escala paisagística tão imensa e de caráter operístico quando a bela trilha sonora de Stanley Myers ecoa com seus corais altos e evocativos ao fundo. Mas é também em seus momentos de acordes leves que revelam a leveza e a intimicidade com qual Cimmino consegue trabalhar tão bem o drama de cada um dos personagens em seus breves e pequenos momentos, sem nunca soarem banais ou apelativos, e sim extremamente reais e puros em suas demonstrações de sentimentos de forma tão singelas e verdadeiras. Onde o puro silêncio e pequenas trocas de olhares contam e falam mais do que qualquer linha de diálogo sobre a relação íntima entre cada um, e deixando cada nome do elenco brilhar em algum momento, alguns mais que outros claro.
Ter um grande elenco em mãos também facilita esse trabalho, com grandes nomes que vão desde uma jovem Meryl Streep em um de seus primeiros grandes papéis no cinema, o grande John Cazale na última grande performance de sua curta carreira, e claro De Niro na década de seu ápice no cinema e que poupa elogios como de usual, e deixa todos os holofotes dramáticos e emocionantes do filme ressoarem tanto na Linda de Streep quanto em Nick de um FANTÁSTICO Christopher Walken, com o seu personagem sendo o reflexo mais trágico e maior vítima de toda a história que afeta cada personagem de uma forma diferente. As consequências fatídicas de um conflito que se de início partiam com um intuito heróico, saíram para sempre marcados no final.
Sinceramente, devo compreender também o fato de que esse não seja mesmo um filme para todos os gostos e agrados. É por vezes silencioso e minucioso na dialética de sua história e no que procura transmitir sobre o impacto da guerra na vida desses indivíduos tão facilmente identificáveis, pois eles são exatamente qualquer um de nós dentro dessa história. Mas sem perder uma descaracterização individual ou perca de personalidade, tanto humana como cinematográfica, de cada personagem ou do filme como geral graças à todos os talentos envolvidos. Alguns dos melhores atores de todos os tempos sob o comando de um dos melhores diretores de todos os tempos, onde todos reunidos formaram este que é pra mim sem sombra de dúvidas não só um dos melhores filmes sobre a guerra do Vietnã, não só um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos, mas também um digno épico cinematográfico. Tanto em sua escala e ambição, e também íntimo, trágico e singelo em seu serne. Uma devida obra-prima por completo e que sem sombra de dúvidas merece ser melhor relembrada e celebrada como tanto merece.
Há quem chegue em uma certa altura da vida onde qualquer comentário maledicente ou endeusador de uma figura tão exaltada e aclamada na indústria hoje se torna absolutamente supérfluo e nada condiz com sua opinião pessoal sobre o indivíduo e sua obra. Tal fase já chegou pra mim tanto quanto para senhores como Tarantino, James Gray, Nolan ou o que raio Jean Claude Brisseau ou Takashi Mike ainda fazem de maravilhas hoje em dia, entre outros nomes da velha guarda como Scorsese, Allen, Spielberg ou Eastwood, apenas para citar alguns dentre vários nomes. Mas não exagero em dizer que dentre todos esses nomes, Paul Thomas Anderson ainda é um dos que mais me encanta e merece todos os elogios que tanto recebe, entre outros.
Eu soube desde a época do Oscar que o bom número de indicações que o filme recebera, tanto foi pela exaltante recepção crítica quanto o suposto último papel de Daniel Day Lewis como ator antes de sua "aposentadoria" (pelo menos até ele sentir falta das câmeras de novo e querer voltar com outra grandiosa atuação em qualquer filme em que ele decidir se manter). E que o filme não teria chance alguma de ganhar algo de relevante ou ser realmente conferido e assistido por muitos além dos sempre leais fãs que o diretor tem. Se encarando por cima, realmente, não é mesmo sequer um dos melhores filmes do diretor.
Mas isso vindo de um cineasta com o currículo de apenas 8 EXCELENTES filmes, isso não quer dizer nada, apenas novamente atestar como Paul Thomas Anderson ainda está em sua contínua crescida como cineasta e sempre surpreendendo a cada novo projeto anunciado. E "Trama Fantasma", assim como seus antecessores, esconde muito do que verdadeiramente é em seu título e novamente surpreende numa execução que vai além do imprevisível. Não é "Magnólia" com uma óbvia homenagem à intercalação de vidas, ações/reações e escolhas de seus vários protagonistas em uma narrativa de alma viva e operante como um filme de Robert Altman; não é "Sangue Negro" ou "O Mestre" com um sombrio estudo psicológico de uma persona complexada e com uma frieza em sua execução e emoções complexas ímpares dignos de um filme de Stanley Kubrick; não é "Vício Inerente" e sua trama Noir de linguagem dopada e sem nexo parecido tirada de um filme dos Coens, e ao mesmo tempo retratando com fidedignidade uma cultura social de sua época ala Luchino Viscontti no século XX.
Se de primeira o filme ameaça entrar em território de terror psicólogo e romance gótico ala "Rebbeca" de Hitchcock com a bela introdução da personagem de Alma (de uma soberba Vicky Krieps) na vida complexada do ainda mais complexado Reynolds Woodcock (DDL que vocês já sabem o que é), e manter sua linha de narrativa sempre por percursos imprevisíveis e antecipando algo pior e macabro por debaixo de sua bela faixada de um melodrama digno de Max Ophuls ou Douglas Sirk, a simples resposta para tudo que o filme é já estava presente desde o início bem em nossa frente e poucos são os olhos, e especialmente corações, que realmente captaram o fim de sua meada: isso é a mais verdadeira retratação de um amor verdadeiro entre dois seres humanos com suas boas doses de peculiaridades psicológicas.
E qual seria o mais verdadeiro amor se não o doentio?! O obssessivo?! O capaz de absorver alguém por completo para dentro de sua vida e aprisiona-la ali por vontade própria para sempre?! O capaz de se entregar de total corpo e alma mesmo nos momentos de conflitos e repúdias de ego e maneirismos impregnados em nossas personalidades mesmo perturbadas e traumatizadas?! Encontrar a verdadeira razão e essência do amor dentro de um relacionamento em um universo onde este possa parecer impossível e a fragilidade do corpo e alma de nossas meras existências são os únicos empecilhos para se criar uma separação entre dois destinos que acabam se cruzando dentro de uma situação tão mundana do nosso cotidiano, e talvez o mesmo ser o forte motivo para ser uma união tão forte e duradoura no final.
Divagações à parte, é isso que para mim "Trama Fantasma" mostra querer contar. Uma busca pela duração infindável de um amor verdadeiro onde nem mesmo a morte poderá separar suas almas, memórias e personalidades para o todo sempre. Doentio? Possessivo? Tragicamente hilário? Quem somos nós para julgar uma das mais belas e verdadeiras histórias de amor puro e verdadeiro que tive o prazer de assistir. De absorver seus sentimentos dentro de suas peculiaridades e conflitos complexos de emoções. O tipo de cinema que eu ainda busco e me encanto assistindo e espero que Paul Thomas Anderson nunca pare de realizar.
Algo engraçado e interessante de se notar, é que quando se vem lidar com continuações de grandes filmes clássicos muitas vezes nostálgicos na memória de muitos, sempre vem em mente a famigerada idéia de que se tratam todos de filmes absolutamente lixosos e descartáveis. Bem, tendo em conta exemplos como "Exorcista 2" ou "Ghostbusters 2" não há mesmo o que de se discutir aí, mas não é nenhuma maldição que aflija a todos esses filmes. Que resultou em alguns nomes bem subestimadissimos como "Fuga de Los Angeles" ou "Gremlims 2". E temos aqui um caso bem peculiar com "Predador 2" de Stephen Hopkins, um filme que está LONGE de ser um lixo completo como tantos o fazem parecer, mas quando o assistimos e o comparamos com o EXCELENTE filme original encaramos um filme que...é, novamente, bem peculiar.
Afinal ele segue um trade bem recorrente e bem familiar de continuações, onde vemos de transição de locações e palco para a nova história ser contada. Exemplo de enquanto o primeiro filme se passa nos EUA, o segundo vai para a Inglaterra ou em outros países longínquos, ou no caso de "Duro de Matar" onde o primeiro se passou dentro de um prédio e a continuação em um aeroporto, você entendeu. E no caso aqui de Predador partimos da selva tropical sul-americana do primeiro filme, e vamos para a perigosa selva urbana de Los Angeles. Um Predador na cidade? Porque não né?!
Não há nada mais perigoso no mundo a se enfrentar que os violentos e perigosos criminosos mafiosos e traficantes do submundo do crime, perfeitas vítimas para a sede de sangue e morte da criatura caçadora do Predador. E isso já revela em uma definição perfeita o que temos aqui com "Predador 2", um perfeito thriller policial oitentista com o Predador no meio praticamente como um serial killer fodão full power (como desgostar disso?).
Mas com certeza se perguntaram e se perguntam até hoje: Mas o que raio tem isso haver com Predador??!!! E sim, se não fosse pela presença da icônica criatura aqui, o filme poderia ter se passado facilmente como um mero thriller policial de ação, do melhor e mais divertido tipo, com a presença de um sempre ótimo Danny Glover como protagonista. Só faltou termos Mel Gibson junto e teríamos o melhor crossover de todos os tempos com Máquina Mortífera e Predador. Até acho que pareça o caso deles nem sequer terem uma idéia para uma continuação de "Predador" e acharam esse roteiro de um mero filme policial jogado no canto, fizeram uma misturinha e pum: "Predador 2". E a trama não é mesmo uma das melhores ou talvez nem sequer boa, segue os certos caminhos de investigação policial previsíveis com segredos conspiratórios sendo escondidos e com o suspeito em causa aqui trucidando esfolando e decepando criminosos e armados em volta de Los Angeles sem parar. O Predador como um anti-herói errante?! Isso é TÃO anos 80...E poderia ser um roteiro bacana para um filme do Punisher.
E talvez esteja exatamente aí que se encontra o charme do filme! Até pode ser discutível que o filme não se leva mesmo a sério (o que aparenta ser mesmo o caso aqui), mas é inegável o quanto ele extravasa sem pudor na sua violência e nas bizarras e exageradas características de seus caricatos personagens, mas que inegavelmente conseguem ser bem divertidos em suas composições, tanto nos personagens cuja personalidades parecem ser tiradas direto de filmes como "Robocop"e "Comando", e a gratificante sanguinolenta violência tudo no melhor estilo oitentista de ser e todas suas pomposas características Sendo que ironicamente o filme foi feito no início dos anos 90...mas é um bom resquício do que se podia ter de melhor na cafonice tão escapista e divertida.
Algo que se reflete na até boa direção de Hopkins que consegue criar uma escala intimidadora de Los Angeles, dando quase um ar de arena da morte para que a criatura do Predador tenha sua diversão garantida, enquanto nós se divertimos vendo algumas ótimas cenas de ação que se mostram ser de muitíssima boa qualidade em construir tensão e ritmo no meio de explosões e banhos de sangue, mesmo que passe longe de capturar a magia e o espírito do filme original. E a história até que é construída de forma redondinha e coesa, e mesmo Glover não tendo um personagem de nenhum peso ou profundidade, o carisma do ator nos faz se importar por ele o suficiente assim como alguns em volta dele como um sempre hilário e bem vindo Bill Paxton, mas de resto é um elenco bem subaproveitado. E o show mais uma vez pertence à sua criatura título. Que graças a exatamente essa sua característica de serial killer animalesco trucidador, se torna o centro de atenções do filme!
Um antagonista/protagonista de ouro, extremamente intimidador e que consegue construir pra si uma peculiar personalidade de caçador frio e obsessivo ainda mais do que no primeiro filme. E é tão refrescante ver que o roteiro realmente se importou de mostrar querer expandir os mitos da misteriosa e poderosa criatura com criatividade e de forma extremamente compensadora como uma espécie de caçadores intergaláticos, com uma sutil conexão com a franquia Alien que desencadeou aquela famigerada idéia dos filmes Alien vs Predador.
Em suma. "Predador 2" se trata de ser um filme com boas doses infindáveis de bizarrice, cafonice e breguice no que se refere aos seus personagens, mas não é nada que diminua esse filme ao nível de fraco ou lixoso filme e continuação de um amado clássico, e não se torna em nada um filme irritante e sim realmente divertido. Tanto graças ao carisma de Glover como os inegáveis charmosos elementos oitentistas em sua ação e humor, e realmente conseguir expandir a mitologia de sua icônica criatura de forma tão rica e capaz de deixar os fãs famintos por mais até hoje.
Vamos logo esclarecer algo inevitável aqui sobre esse pobre famigerado primeiro filme do hoje lendário David Fincher, e sua a versão de cinema lançada originalmente em 1992. Que é o infeliz e perfeito triste resultado de uma produção estressante com interferência extrema e gananciosa dos estúdios e uma guerra de embates de autoria criativa, que deixou aqui o pobre terceiro filme dessa tão amada franquia cair no limbo da má fama de filme medíocre, e que desencadeou a franquia Alien como morta no cinema e com sucessão de fracos filmes por anos. Sendo que sejamos francamente honestos e admitir que seria o seu vergonhoso sucessor "Alien, A Ressureição" que viria merecer tal má fama, Jean-Pierre Jeunet e seu estilo autoral de humor satírico mesclado com o roteiro de um Joss Whedon no modo sitcom que me perdoem!
Mas fora finalmente quando anos depois, os mesmos estúdios parece que quiseram se redimir da aloprada feita anos antes com a franquia e lançaram a já famosa "Assembly Cut". Que sim, para com os já familiarizados com a história sabem que infelizmente nunca será a versão que Fincher originalmente pode conceber para o filme que hoje lhe guarda tanto rancor e arrependimento. E que de forma nenhuma o torna em um filme excelente, embora seja uma notável GRANDE melhora deste. Mas pode ser mesmo considerada ser o grande "assemble" das grandes ótimas coisas que David Fincher conseguiu extrair do material, mesmo sofrendo de uma produção tão cabulosa.
Não que isso signifique imediatamente que estamos lidando aqui com um filme totalmente quebrado e sem foco principal. O que, por algum milagre, não temos! É impressionante ver que mesmo com as constantes mudanças e conflitos internos de sua produção, o roteiro final de David Giler, Walter Hill e Larry Fergunson se mostra ser aqui um tanto coeso na forma no qual constrói a narrativa entre os personagens, antigos e novos, e ao novo tom em que se propõe aqui. O filme não é o mesmo terror e suspense do filme original (embora até que tente ser) ou o thriller de ação de sua continuação, e se mostra, em sua totalidade, ser um verdadeiro drama focado no terror íntimo que seus personagens estão para enfrentar (a breve intro de tom bem macabro já deixa isso bem explícito). Isso já se remete ao quão pouco o foco aqui é na criatura do Xenomorfo, e sim no drama psicólogico e moral que se costura entre novos e interessantes personagens que se apresentam aqui na trágica jornada de Ripley, tanto para o bem quanto para o mal.
Os fãs e púbico com certeza depois de "Aliens" esperavam mais da mesma vibe de ação e suspense que Cameron havia misturado tão bem na intensa luta do pobre esquadrão de space marines contra uma infestação de Xenomorfos. Então o desapontamento de ver um filme sobre personagens sujos e pérfidos carecas desarmados contra um Alien que nasceu de um Boi (ou cão dependendo da versão que você viu) talvez seja um tanto compreensível... Mas nunca julgue um livro pela capa nem um filme por sua aparência. Talvez o intuito de Fincher era mesmo voltar para as origens de suspense e terror do filme original que ele tanto idólatra e se afastar do lado blockbuster de ação da coisa, mas com a guerra de interferência dos estúdios nunca saberemos por certo, mas é de se admirar que desse caos conseguiu sair essa fechado e diferente filme, que conseguiu se encaixar tão bem na franquia, apesar de seus problemas irritantes. E ironicamente deu mais uma vez esse charme à franquia de cada filme ser um completamente diferente do outro, e ainda assim serem tão bem costurados no mesmo universo e em sua continuidade.
Com o foco sendo mais uma vez acompanhar aqui a jornada de Ellen Ripley contra o mal encarnado do Xenomorfo que a persegue desde sempre. E Sigourney Weaver ouso dizer que entrega aqui sua melhor performance como sua personagem clássica. A dor que carrega só em seu olhar e forma roca e calma de falar, só demonstra o ser humano completamente destruído por dentro com esse confronto que a persegue por anos incessantemente. E aqui, neste palco desolador e morto da galáxia, onde a esperança aparentemente não existe, ela precisa lutar mais uma vez, só que agora em busca de uma possível redenção. Redenção por tempos e anos perdidos perseguido pelo mal sempre em seu encalço. Algo que talvez todos os personagens aqui procurem, cada um em sua maneira. E é aí exatamente que se encontra os MELHORES e ótimos momentos do filme, exatamente nas pequenas e sutis interações dramáticas entre os personagens.
O leque aqui é grande e nem são todos memoráveis, mas como disse antes, a Assembly Cut consegue em sua maioria demonstrar mesmo como o roteiro conseguiu mostrar um interesse e preocupação em construir as diferentes e interessantes variadas personalidades de cada um aqui, alguns com verdadeiras profundas camadas dramáticas e suas caracterizações bem realistas. Onde todos compartilham de uma personalidade bem específica em vários filmes do diretor, nenhum é inocente e com certeza cada um possuí um lado "pecador" de violência, covardia e indulgência, mas impressionantemente, conseguem criar verdadeira empatia com o público com tanta personalidade e carisma.
Tanto os personagens "menores" como os ótimos Brian Glover e Danny Web, os rouba cenas Ralph Brown e Charles S. Dutton, e um sempre SOBERBO Charles Dance que carrega tanto mistério e complexidade de sobra e uma empatia instantânea, se tornando um personagem de grande peso em contracena com Weaver, que infelizmente é rapidamente desperdiçado na narrativa. Weaver cujo ouso dizer novamente que entrega a melhor atuação em sua personagem, não só fortemente no drama já mencionado, mas conseguir fazer parte desse leque de personagens com diferentes camadas de mistério só refletidas em seus dolorosos olhares.
E até os diálogos conseguem surpreender em realmente ser bem intrincados e amarrados, mesmo tendo sofrido com diversas reescritas e mudanças temáticas, mas talvez contenha os melhores diálogos de toda a franquia eu diria. Não só alguns bem humorados cheios de sarcasmo (certo traço de Fincher na narrativa talvez) como também responsáveis por lidar tão bem com o forte drama do filme e os temas de fé e redenção que vem abordar na jornada de Ripley que, só monstra como o filme realmente se encaixa na antologia Alien tão bem e no rico desenvolvimento de sua icônica protagonista e cujo desenlace, embora polêmico para muitos, é pra mim um forte fechamento de arco de desenvolvimento para sua personagem e que consegue causar uma forte catarse dramática e trágica.
MAS...infelizmente nem tudo é perfeito aqui. E o filme quase miseravelmente falha na composição de seu personagem titulo e antagonista. Se por um lado seu lugar na trama e a co-relação construída com Ripley é PERFEITA. Com o Xenomorfo sendo caracterizado metaforicamente como esse mal encarnado vindo buscar a alma dos pecadores desse lugar que lembra as catacumbas do purgatório da existência, é um conceito, embora bizarro em comparação com os filmes anteriores, é interessantíssimo e serve muito à narrativa. Ainda mais quando vemos ele não atacar Ripley de forma alguma, como se o mal e a morte estivessem brincando com ela, ou tivesse a aceitado como "um deles". Tudo certo até aqui, mas quase tudo errado quando somos obrigados a ver a criatura sendo construída em um CGI completamente fraquíssimo e vergonhosamente datado.
E o filme se mostra seriamente bagunçado nesse sentido quando em algumas cenas vemos o bichão em gloriosos efeitos práticos, mas infelizmente de forma sempre breve em alguns close-ups, e na maioria das vezes criado em vida com os terríveis efeitos. E Fincher parece tão ciente disso e parece tentar esconder os efeitos limitados quando vemos a criatura a partir da perspectiva de primeira pessoa em irritantes tracking shots, embora que até bem feitos. Estaria ele tentando implementar uma técnica do cinema Giallo ou buscando inspiração em seu mestre Brian De Palma...ou apenas um truque pra esconder alguns dos fracos efeitos em volta da criatura. Talvez um pouco de ambos.
O que leva a outro problema do filme que infelizmente é não conseguir criar tensão ou suspense algum. Não só pelos efeitos não conseguirem criar o nível de intimidação que a criatura tanto carece, mas também ser uma bagunça em dirigir tais cenas de correria e mortes repentinas. Algumas que nem sequer aparecem em cena, e isso até que poderia até servir de boa adição no mistério e suspense da criatura que lembra muito o estilo de Ridley Scott no primeiro filme que Fincher até busca homenagear aqui, mas quando tudo não é bem costurado ou arquitetado com cuidado e atenção como bem precisava, descamba em suas pretensões honestas. E com certeza foram essas as cenas e momentos que mais causaram dor de cabeça ao pobre jovem Fincher.
E embora aqui a Assembly Cut denote várias das ÓTIMAS coisas que ele conseguiu filmar para o filme, infelizmente ainda encontramos um filme precário em seus quesitos de tentar ser um suspense de terror bem falho. Mas isso não degrada o filme ao ponto de receber o ódio que tanto recebeu por anos e ser colocado como um exemplo da "maldição dos terceiros filmes" de uma franquia. A verdadeira maldição aqui foi a sede de ganância violenta comercial dos estúdios que tanto afeta o processo artístico e criativo de um diretor para um filme, e persiste como uma doença dentro da indústria até hoje. E embora a visão de Fincher aqui não estar completa e ele ter movido em frente com sua GLORIOSA carreira e ter deixado esse filme para trás apenas como uma má memória para ele, espero que um dia ele possa olhar pra trás e ver que hoje, esse falho mas encantador filme conquista verdadeira empatia por muitos de seus fãs e os fãs da franquia. Não é excelente, mas ainda sim um capítulo final digníssimo para a jornada de Ripley e sua honrada história, nesse falho embora bom filme que não mancha ou desonra em nada a franquia e consegue ser sim um capítulo ousado e interessantíssimo a ser melhor apreciado!
Bem, isso realmente não foi diferente do que eu esperava que seria. E acredite em mim, dos inúmeros haters e detratores que Guy Ritchie possa ter hoje sobre seu "estilo sob substância" em seus filmes, acredito ser um dos poucos que ainda o defende e vai de peito aberto à assistir um de seus filmes. Ainda mais um como esse onde críticos já estavam com os dedos engatilhados prontos para desgostar e chamar o filme como uma das maiores bombas e flops do seu ano, o que acabou sendo mesmo. Mas e quanto sua qualidade no geral? Bem...talvez seja um caso de gosto garantido ou percepção de reais qualidades num meio todo bagunçado. Enquanto os fãs mais hard-core do diretor possam ficar no primeiro escalão, nesse caso me atenho à segunda. O filme está LONGE de ser o amontoado de bosta que tantos críticos venderam na época, mas também passa longe de ser algo de alto nível para as qualidades do seu diretor que se mostrou ainda ser tão autoral mesmo adentrando no universo dos estúdios e blockbusters de alto orçamento.
Vindo de alguém que tornou a figura e universo de Sherlock Holmes em uma marca financeira rentável e o revestiu com seu toque ágil e humorado cheio de testosterona dignos de um filme de super herói recente (e isso não é uma crítica, eu adoro ambos os Sherlock Holmes de Ritchie e ainda adoraria ver um terceiro). Foi algo que ele tentou novamente capturar ao ressuscitar o nome da morta e esquecida série Man from Uncle e tornar em uma nova franquia de filmes de espionagem ao lado dos filmes de Missão Impossível e a franquia 007 e até de Kingsman de seu velho amigo Matthew Vaugh, e falhou (não que o filme seja ruim, apenas nada demais pra mim, embora divertido aqui e ali). E agora com seu Rei Arthur, tentar ressuscitar o mundo de fantasia medieval e aventura que conquiste um novo público assim como a trilogia Senhor dos Anéis conquistara anos atrás e recentemente a trilogia Hobbit (para o bem e para o mal), e descambou em sua própria e bem intencionada ambição.
Tirando o fato de que essa é outra infame tentativa de trazer o nome da lenda e história de Arthur e da espada Excalibur e os cavaleiros da távola redonda para uma nova versão no cinema e nem ao menos tenta ser leal ou próximo do material fonte (que sejamos justos, é muito amplo e variado). O que permite à Ritchie em idealizar e realizar sua própria versão do mesmo seguindo seu estilo despirocado de montagem frenética, humor afiado em seus diálogos e algumas cenas de ação cheias de estilo e testosterona, junte à isso muita magia, demônios e criaturas gigantes parecidos tirados de um jogo de Castlevania, e ah elefantes gigantes (isso não é mesmo O Senhor dos Anéis pessoal).
Mas, infelizmente, isso não parece casar tão bem quanto poderia, pelo menos não no todo do filme. Se por um lado o filme entrega um início bem excitante e memorável, misturando escala massiva e rica sonoplastia de uma memorável trilha sonora de Daniel Pemberton, logo seguida de uma montagem inventiva de James Herbert mostrando o crescimento de Arthur bem no estilo Guy Ritchie ala Snatch e Jogos e Trapaças. Para depois descambar em um segundo e terceiro ato que caem nos previsíveis clichês shakespereanos e jornada do herói escolhido que você possa imaginar, tudo de forma apressada e quase que preguiçosamente lidada na narrativa (algum executivo da DC veio picotar seu filme Guy?).
Com algumas raras exceções como uma ótima cena de perseguição bem nos moldes clássicos do diretor e mais uma vez a EXCELENTE trilha de Daniel Pemberton brilhando, e alguns usos da poderosa Excalibur como uma perfeita arma de super heróis medieval. Mas que depois logo decepciona em um terceiro ato pouco inventivo e visualmente atrapalhado, embora finalize sua história com um pequeno apetite de quero mais. Que claro, infelizmente, nunca veremos. O que é uma pena e até desperdício já que parte dos personagens são interessantes e gostáveis, Jude Law foi o raro vilão asqueroso e malicioso que funciona como presença temível e odiável em cena. E claro Charlie Hunnam, cujo admito nunca ter sido um grande fã, mas após ter visto Z - A Cidade Perdida de James Gray e ter dado uma segunda chance para Círculo de Fogo, o ator é realmente extremamente dedicado e transborda charme e convicção quando debaixo de uma boa direção. Um ótimo Rei Arthur que merecia uma adaptação muito melhor.
Mas como disse, nada de tenebroso e certamente divertido em sua maioria. E admito que preferiria muito mais ver essas experimentações de histórias clássicas se tornando em blockbusters de grande orçamento vindo de Ritchie do que vê-lo ir fazer um remake live action de Aladin na Disney. Bom as contas de casa devem ser pagas, mas lembre-se de voltar para nós com mais um Sherlock Holmes por favor.
Um universo onde o "mito" dos vampiros se personificam na forma dos grandes artistas, pensadores, filósofos, compositores contemporâneos e universais, vivendo na atualidade graças ao seu místico dom da imortalidade?! Como não se apaixonar por uma idéia tão criativa e aberta à ricas explorações temáticas que tanto podem se configurar como filosóficas ou existencialistas. Mas isso vindo da mente de um autor tão imprevisível como Jim Jarmusch era de se esperar algo no mínimo de peculiar.
Não querendo dizer que este não é um filme que aproveita muito bem seu conceito base, mas o interesse do diretor está pouco em querer fazer uma representação gótica de vampiros modernos com um casal que transborda uma sensualidade gótica/hipster com Tom Hiddleston e Tilda Swinton. E sim, uma silenciosa e horas angustiante e dolorosa meditação sobre a fragilidade de nossa mortalidade frente aos vícios tanto materiais quanto químicos (ou nesse caso sanguíneos) no qual baseamos cegamente toda nossa existência e conforto.
Como qualquer filme de Jarmusch, o serne de sua mensagem e tema não é um que agradará ou se comunicará para com todos os gostos. A trama é simples e quase nula, suas reflexões são silenciosas e quase contemplativas. O tipo quase similar de trama no qual Abel Ferrara explorara em seu Os Viciosos. A existência de criaturas sobre-humanas de grande intelecto íntimo e ínfimos desejos carnais, vivendo nos confins do submundo da nossa realidade.
Lutando contra aquilo que os torna em monstros ao se saciar em seus vícios, ou sucumbir a sua tediosa e secante mortalidade que drena todas suas forças e inspirações. É por isso que Amantes Eternos facilmente é um dos melhores filmes sobre vampiros, por exatamente ser uma alegoria da crise existencial humana tão realista e palpável.
Existe uma beleza. Uma beleza presente à nossa volta. Uma beleza no tudo. No tudo que olhamos, ouvimos e sentimos. Seja no ontem, no hoje e no amanhã. Talvez uma beleza por muitas vezes ignorada ou despercebida, mas que pode ser encontrada onde menos esperar ou sequer valorizar. Numa simples caixa de fósforos, no dirigir de um ônibus, em uma simples caminhada para o trabalho, numa conversa cotidiana escutada de longe, em simples trocas de palavras com um amigo ou conhecido, em pequenas trocas de toques e conversas cotidianas com uma pessoa íntima ou amada. Ou até mesmo em breves palavras escritas, criações de frases vindas de um fundo inspiracional inexplicável por nós, que provém apenas do nosso coração e mente. Talvez não uma beleza presente nessas palavras aqui descritas, mas uma beleza que Jim Jarmusch aqui em um de seus mais belos (e melhores) filmes, busca e consegue retratar com uma pureza e sensibilidade tão raras de se encontrar no cinema hoje.
Por nos fazer seguir o cotidiano de Paterson (um desde sempre ótimo Adam Driver), Jarmusch busca através da palpável sensibilidade e humildade de seu protagonista "gente como a gente", demonstrar a beleza verdadeiramente poética presente no mundano e no cotidiano do dia a dia comum. Realizando o raro feito de nos fazer encantar por cada pequeno momento de desventuras banais e diárias dos seus personagens. E em meio de um ritmo tão calmo e suave que casa com o tom poético de seu texto, e que muito lembra o drama cotidiano do cinema de Ozu, faz desejar aos mais abertos por um cinema de sentimentos íntimos e contemplativos, por mais e mais cenas e momentos onde tal beleza é descoberta e exposta, e seus momentos de humor e de tristeza também.
Com certeza não é o típico filme que agradará à todos os gostos particulares de uma simples conferida despretensiosa ao cinema em busca de diversão, ou aqueles que buscam uma obra com alguma complexidade artística repleta de camadas interpretativas. Não é um filme onde a ação é o que opera as ordens dos acontecimentos ou determina grandes desafios ou consequências, o máximo que você verá aqui é um ônibus dando problema e a travessura de um cachorro causando grande raiva do público (isso foi duplamente cruel senhor Jarmusch). O alvo de Jarmusch aqui, assim como em todos os seus outros filmes, fora de intrínsecar suavemente o serne de nossas existências e o que realmente nos faz ser humanos no mundo em que vivemos.
Seja num road movie com o destino de seus personagens sendo traçados pelas estranhas coincidências do destino como em Estranhos no Paraíso; seja em um faroeste sobre morte e espiritualidade como em Homem Morto; em um filme sobre um assassino de aluguel guiado pelos seus costumes samurais como em Ghost Dog; seja em um mundo onde vampiros existem e refletem sobre sua frágil imortalidade e sanidade como em Amantes Eternos. E agora aqui, na nossa cotidiana realidase, recoberta pelas inspirações poéticas de seu autor cineasta e com um leque de doces e relacionáveis personagens com suas situações e diálogos que todos já ouvimos uma vez na vida.
Tudo isso torna Paterson talvez não a experiência mais reassistível, mas uma que emerge o coração do público em enxergar a beleza no tudo à volta, dentro e fora do filme, e talvez só por isso o torne em um dos filmes mais belos e cheio de pureza que já vi e alguém verá.
Bem, quem pode culpar Steven Soderbergh em ter que apelar pra refazer o quase mesmo exato tipo de heist film, que é praticamente sua marca mais conhecida graças aos filmes dos Onze Homens e um Segredo, como seu retorno para as grandes telas. Crédito seja dado, ele não recicla truque por truque da sua trilogia de sucesso e realmente faz algo mais interessante com sua versão caipira de Onze Homens e um Segredo.
Começar pelo elenco de caricaturas sulistas estereotipadas (aparentemente propositalmente) parecidos tirados de um filme dos irmãos Coen, com um texto que permite cada um seu momento de hilária lábia e improvisos carismáticos. Pena que todo o talentoso elenco feminino com nomes como Katie Holmes, Katherine Waterston e Hilary Swank, seja subutilizado. Enquanto por compensação temos Adam Driver, Daniel Craig e um surpreendente Seth McFarlane arrancando risadas quando aparecem em cena.
Mas todos parecem estar de férias e se divertindo em suas interações, e os irmãos Logan liderados por um ok Chaning Tatum até conseguem criar certa empatia em suas motivações criminais e nos fazer torcer pelo seu sucesso e ser surpreendidos com algumas inesperadas reviravoltas.
Por um lado seja um tanto bizarro certas técnicas que Soderbergh adota na construção de seu novo heist filme de pouco orçamento. Nem estou falando da fotografia bem polida e uma encenografia de ambientes até bem rica e acima da média para filme desse porte e gênero, como também do estranho ritmo lento quase com um Q de 'filme art-house' contemplativo. Não sei se foi uma artimanha de brincadeira de um diretor claramente se divertindo junto do elenco, ou um tremendo de um erro de tom fora de hora.
Pelo menos não é sempre que vemos ambas as facetas experimentalistas de tonalidades sérias e descontraídas do diretor se unindo em um só filme. Mas particularmente nada que estrague o resultado final de uma garantida diversão. Mas longe de ser um de seus mais memoráveis.
Há algo de apaixonante para os amantes do cinema old-school, ou melhor 'clássico' por assim dizer, para se admirar na forma com que o desde sempre subestimado James Gray realiza seus filmes. Há em cada um deles uma marca ou espírito que ele invoca de suas mais ricas inspirações, e através delas conta histórias tão humanas e carregadas de sentimentos e emoções complexas e algumas das mais belas dramaturgias que poucos diretores hoje conseguem capturar. Seja com o embate dramático de sentimentos em erupção dentro de uma vida de malfeitos e crimes reminescentes do cinema de Cassavetes como em Fuga para Odessa; seja no filme policial setentista carregado de uma aura de tragédia como em Donos da Noite; o romance Dostoiévskiano moderno em Amantes; ou no melodrama 'Douglas Sirkiano' onde a injustiça empoderada reina sob a tragédia de seus personagens como em The Immigrant. E agora no que é pra mim o mais belo de todos os gêneros, mas que não necessariamente o faz ser seu melhor filme, o cinema épico e as desenvolturas dramáticas de uma vida inteira sendo desenvolvidas perante o olhar do público, assistindo para onde essa verdadeira jornada levará.
Essa é a história de Z - A Cidade Perdida, a jornada Percy Fawcett, um personagem que puxa o melhor de atuação de Charlie Hunnam, com o ator carregando em si com a voz entonante e os olhos lacrimejosos um espírito inesgotável de força e busca pelo seu objetivo, em busca de sua El Dorado. Uma viagem que se de início invoca a aura de insanidade física e psicológica do cinema de Herzog ou do próprio Apocalipse Now de Coppola, uma aventura num ambiente hostil e inexplorável por Deus e o mundo, é no seu serne íntimo dramático crescente ao longo do filme que Gray revela sua paixão pelo cinema épico de David Lean. Uma viagem e exploração do homem pelo desconhecido que se torna seu meio de elevação humana e intelectual, de amor ao desconhecido, o construir de um legado de nobreza para sua amada família, e no final, seu sucumbimento ao mesmo desejo.
E Gray é um verdadeiro milagreiro dentro de seus limites. Mais e mais hoje em dia sua obra atrai olhares dos vários talentos que se podem encontrar hoje. Nem ressalto apenas as ótimas e memoráveis participações de Tom Holland e Robert Pattinson, como também o dedo de Brad Pitt na produção que ajuda não só à Gray como seu cinematografista Darius Khondji darem ao filme um polimento visual digno dos melhores filmes dos anos 70. Não é qualquer diretor que hoje ousa iniciar seu filme em um tom romancista de época quase ecoando o cinema de Visconti para depois adentrar numa jornada árida na selva de Aguirre ou Fitzcaraldo, e no meio disso inserir 5 minutos de uma das mais brutais e realistas sequências de batalha de trincheira com ecos de Glória Feita de Sangue, para depois terminar sua épica história com um dos planos mais alucinógenos e de nota trágica.
Erra o equívoco que pré-julga isso como sendo meros artifícios "art-house" para se polir seu filme de boas influências. Não. São verdadeiras catarses dramáticas para se construir sua história de forma não só boa e bela, como também mostrar elevá-la à um estado maior do que é. Qual diretor apaixonado pela sua obra não o já tentou fazer?
Pode não ser talvez pra mim o melhor que já realizou em sua carreira. Mas Z pode muito bem ser considerado como um ápice das aspirações tão ambiciosas e apaixonadas por qual Gray tem pelo melhor que o cinema tem há dar em todas as suas formas. É um filme de aventura de tensão moral e psicológica; é um rico estudo de personagem frente à busca de seu destino; é uma história de amor amizade e união de um homem para com seus seguidores e sua eterna família, é um drama de sentimentos tão íntimos mas com um coração de escala tão épica. É uma grande e emocionante história sendo tão bem cinematograficamente contada. Talvez não seja o supra sumo do melhor que pode se ter no cinema hoje, mas é uma carta apaixonada para o que de há melhor nele!
Eu realmente ponderei depois desse filme em em fazer uma lista de filmes que francamente desperdiçaram grande potencial em uma execução exaustivamente preguiçosa ou ruim por natureza. Admito, eu realmente acreditava que David Ayer era capaz de funcionar em um saldo positivo aqui e ali em alguns de seus projetos, o roteiro de Dia de Treinamento é um dos bons destaques daquele filme; End of Watch foi um ótimo experimento de filme buddy-cop disfarçado de documentário found-footage e com excelentes personagens; Coração de Ferro mesmo com seus pequenos tropeços melodramáticos foi um bom filme de guerra seguindo os moldes Dia de Treinamento num cenário de Segunda Guerra Mundial e um cast de personagens execráveis (propositalmente) mas com boas atuações de seu ótimo elenco; mas aí veio Esquadrão Suicida e vocês sabem aonde isso terminou (que ainda há algumas poucas coisas que eu até gosto ali). Mas vai que na Netflix, fora das amarras e pressão dos estúdios, ele poderia voltar às suas raízes.
Apenas leiam a sinopse de Bright. Um filme buddy-cop seguindo novamente os moldes de Dia de Treinamento, com Will Smith assumindo o papel do policial "racista" e seu parceiro Joel Edgerton como um Orc, sendo a "raça oprimida" da dupla, em um cenário moderno onde dragões fadas elfos existem e convivem com seres humanos? COMO um conceito TÃO interessante assim foi dar errado? Bom, culpe ao roteiro batido e rebatido de clichês intermináveis de ambos os gêneros policiail e fantasia (corrupção policial; conflito inter-racial; o escolhido para salvar o mundo e unir os povos contra a antiga força do mal; o mcguffin ultra poderoso que todos querem, etc etc...). Junte isso à alguns dos diálogos mais bregas e cafonas que até poderiam funcionar em um filme que assumisse a sua galhofa, mas enquanto aqui leva sua premissa no levante aventura blockbuster de cinema, levando tudo à sério e empurrando informações didáticas de maneira forçada e sem realmente conseguir criar um pingo de interesse para a motivação dos vilões caricatos (com a pobre talentosa Noomi Rapace mais subutilizada que já vi).
E muito menos com a liberdade do streaming de fazer algo R-rated conseguem fazer algo gore fest proveitoso, somente usando para algumas explosões de sangue e palavreados soltos aqui e ali, e um indício de morte de um infante. Mas consegue fazer o público se importar ou chocar? Nem um pouco. Sem contar as míseras (so-called) cenas de ação que são puro cortes abruptos atrás de shaky-cams e jump cuts integrados à alguns usos bregas de slow-mo. Se você quer alguma noção de espaço e mise-en-scene bem coreografada para uma cena de ação minimanente bem projetada pode ir esquecendo e vá assistir The Raid ou qualquer filme do John Woo. Não que isso tenham algo à haver com o assunto, mas em um filme com esses portes era de se esperar um mínimo de ação decente. Isso porque nem falei das terríveis cenas de perseguição de carro onde mal dá pra ver alguma coisa.
Mas para não parecer que eu realmente achei esse filme a pior coisa que a Netflix já produziu (LONGE disso), o que impede do filme entrar no nível do intragável e esquecível são obviamente seus protagonistas. Não importa quão ruim o roteiro diversas vezes possa ser, Will Smith é o Prince of Bel Air que sempre conquista nossa empatia e compreender suas motivações e emoções em cena. O mesmo acontece com Joel Edgerton que quase rouba o filme todo pra si, mesmo com quilos de maquiagem o ator expõe timidez, doçura, impulsividade e paixão pelo seu trabalho, é o amigo/parceiro Orc que todos gostaríamos de ter do nosso lado no final do dia. E ambos conseguem ser uma boa versão Bad Boys do mundo da fantasia com boa química e timing cômico e dramático certeiros. Pena que é uma dupla de personagens e atores com uma premissa tão interessante em volta que merecia um filme muito melhor.
Vale a assistida apenas pela distração. Mas se vamos realmente ter uma continuação disso, só mostra o quanto a Netflix está realmente pouco se importando com a qualidade de investimento de seus produtos. E faça sua festa David Ayer!
Não é querer se gabar de ter uma ampla popularidade no meio crítico brasileiro, ainda mais reservado ao meio das redes sociais, mas possuo certa fama entre os conhecidos de ser alguém que sempre procura admirar o melhor do que um filme tem a dar mesmo com suas falhas (qualquer crítico que se preze o deveria certo?), o que muitas vezes me leva a diferir de opiniões e percentagens negativas da crítica especializada - o diferentão que gosta de tudo em outras palavras. Porém, creio que não fui o único em concordar de que este último filme do inexplicavelmente-não astro Kenneth Branagh passa longe de ser um erro mal acabado de narrativa e apenas sustentado com apuro técnico como muitos o apontaram, e sim se mostrou ser uma ótima e bem concebida adaptação da obra de Agatha Christie e que marca o retorno de Branagh na direção de filmes de real boa qualidade (Thor, Cinderela e Operação Sombra - Jack Ryan que me perdoem).
Mas se há algo que Branagh ensinou muito bem ao longo de sua carreira é a de que ele simplesmente não se dá muito bem quando tenta se meter em blockbusters de grande orçamento e gêneros variados, ou sequer implementar uma liberdade criativa em adaptações que realiza ("Como você quiser" e "Amores Roubados" estão aí como prova do que ele fizera nas duas últimas adaptações de Shakeaspeare que realizou). Porém, o surpreendente de sua versão de Assassinato no Expresso do Oriente é que, ao mesmo tempo em que ele consegue ser piamente fiel à narrativa de Christie, bom crédito seja dado ao esguio roteiro de Michael Green, consegue também aprofundar de forma digna o icônico protagonista Hercule Poirot ao entregar uma intro toda dedicada ao personagem e uma descrição de personalidade de se fazer inveja à Sherlock Holmes.
O bigodon gigante e a altamente carismática performance de Branagh como o dito cujo só ajudam e beneficiam ainda mais isso, ouso dizer até que seja talvez a melhor interpretação que o personagem já teve no cinema (o soberbo Albert Finney do igualmente soberbo Assassinato no Expresso do Oriente de Sidney Lumet que me perdoem). Uma interpretação que passa à limpo o nível perfeito de figura e personalidade caricata e mantendo uma ótima linha tênue de humor e leveza. Se engana porém quem tenda a achar que os méritos do filme param por aí já que de sobra ainda temos um elenco contendo apenas nomes de peso, e o filme faz um decente trabalho de deixar cada um ter seu momento chave para o desenrolar da história, seja pequeno ou grande. Destaco particularmente a senhora Michelle Pfeiffer que após um longo hiatus dos holofotes, volta com todo seu charme e carisma para as telas aqui, beneficiado muito a aura de improbabilidade e mistério que repercute por toda a narrativa, ainda mais quando ambos filme, atriz (e claro, todo o elenco) e o próprio Poirot, mostram as verdadeiras raízes dramáticas que sustentam a história de Christie.
Não vejo como isso não é o território mais frutífero que Kenneth Branagh poderia trabalhar e voltar a mostrar o verdadeiro talento que é por detrás das câmeras. Onde para além de ter no bolso um orçamento gordinho que o permite extravasar e realizar um filme com apreço técnico invejável, desde a cintilante fotografia de Haris Zambarloukos brincando e abusando de planos sequências classudos e a sempre ótima trilha de Patrick Doyle, que juntos parecem formar aqui um digno thriller/suspense com uma aura de filme matinê parecido tirado dos anos 40 (a câmera com a vista "god's eye" na cena do assassinato não é tão Hitchcockiana à toa). E que além disso, consegue evoluir de seu humor e leveza inicial para se adentrar em um território de complexidade moral e um serne emocional melodramático, sem soar vazio ou forçado (e que em nada deve às adaptações Shakespeareanas do diretor), respeitando toda a essência de sua icônica autora de forma bem respeitosa.
Mas além de ficar só rasgando elogios por aqui, de fato não é um filme em seu todo perfeito ou funcional. O ritmo oras quebradiço em sua continuidade oras lenta e oras apressado; alguns personagens subaproveitados e algumas breves tentativas frouxas de querer se criar alguma cena de ação não beneficiam em nada ao filme. Mas graças à todo o seu restante, desde o seu espírito clássico, o ilustre elenco carismático e o imenso respeito à obra de Agatha Christie só fazem de Assassinato no Expresso do Oriente não só um ótimo retorno à sua boa forma de cineasta, como um bom e classudo suspense com um aprecio técnico digno de um blockbuster e uma carga dramática capaz de mexer de verdade com as emoções do expectador. Se eu gostaria de ver mais desse adorável Hercule Poirot de Branagh e mais adaptações de Agatha Christie com esse porte sendo feitas hoje? Sim, sim por favor, só capriche melhor na próxima vez!
Poucos diretores podem se gabar de ao longo de sua carreira ter criado e inspirado tantas marcas icônicas para gerações atrás de gerações como Steven Spielberg fez com seus imencionáveis clássicos já tão popularmente conhecidos. E agora, foi através da adaptação do divertidíssimo livro de Ernest Cline que ele conseguiu voltar a brincar com os sentimentos nostálgicos da cultura pop que ele próprio ajudou a criar anos atrás, e se mostra aqui tão rejuvenescido e ansioso por diversão quanto à anos.
É também devido isso, que há quem diga que os únicos filmes onde o "verdadeiro Spielberg" funciona são em seus blockbusters escapistas e não em suas investidas nos dramas sérios e complexados que sempre dividem opinião crítica e público. Baboseiras equivocadas à parte, mas ao mesmo tempo é inegável ver o quão Spielberg se mostra estar à vontade aqui em seu habitat natural da ficção científica e fantasia futurista seguindo a ótica de protagonismo jovem frente à um mundo de atribulações familiares (e sociais) e encontra a fuga dessa realidade através da diversão de seus "sonhos" - o território Spielbergiano perfeito e um onde ele não deixa de mostrar verdadeiro esmero em toda sua concepção, tanto narrativa quanto visual.
Saliento isso pois sempre há alguém que virá com o pitaco detrator, e ultrapassado, dizendo que o filme se trata apenas de apuro visual estético e nenhuma sustância narrativa para compor a experiência, ainda mais em um filme aqui que se mostra ser o completo oposto de tudo isso. Por se tratar de uma história que aborde um festim quase infinito de referências atrás de referências que cobre anos à fio da cultura pop, já se torna um perfeito alvo para tal. Por outro lado, Spielberg se usa desse universo do OASIS, dos jogos virtuais online e do uso vicioso de milhares de indivíduos do mesmo produto para entregar, ainda que de forma um tanto ingênua e em uma estrutura despretensiosa, e que quase se perde em certos momentos de exposição, mas não isento de inteligência; uma retratação moderna e atual das relações e conectividades humanas através do mundo virtual. Que para muitos se torna uma nova realidade, frutífera e prazerosa, cheia de infinitas possibilidades, onde podem ser aquilo que sempre quiseram ser; em contrapartida à frieza, monotonia e nebulosidade de nossa verdadeira (e atual) realidade.
Por simples definição, já aponta de que esse se trata de ser a versão "Matrix" de Steven Spielberg, com certeza. Mas ao invés de partir de um pressuposto mais "sério" ou sequer "maduro" de sua concepção metafórica inteligentemente empregada, Spielberg usa desse palco para se divertir como não fazia à um bom tempo. Não só pelas quase infinitas referências e easter eggs que cobrem a tela durante toda a projeção, incluindo a MELHOR homenagem que já vi envolvendo "O Iluminado" de Stanley Kubrick, como também ressuscita na tela aquele sentimento de nostalgia sessão da tarde (no melhor sentido da frase), construindo uma verdadeira aventura de escala grandiosa e ação eletrizante, com a aura altruísta de Os Goonies presente na união das crianças vs os vilões adultos do sistema (representado em ótima forma por um sempre bom Ben Mendelsohn), e com personagens adolescentes rebeldes e de boca suja parecidos tirados de um filme de John Hughes. Se desenfreando em uma jornada cheia de ação e com a boa e velha adrenalina Spielbergiana direto ao ponto mas sem perder a coesão de seu texto, empregada junto de uma enérgica trilha sonora de um inspirado Alan Silvestri e um decente elenco, com destaque para dois carismáticos e joviais Tye Sheridan e Olivia Cooke, mas principalmente para um sempre ilustre Mark Rylance que encarna no seu aparentemente simplório personagem mcguffin narrativo, uma espécie de persona do William Wonka do mundo virtual e de toda uma geração de amantes e sonhadores da pura nerdice.
Pode ser até exagero dizer que Jogador Número 1 se trata de um dos melhores acertos recentes na carreira de Steven Spielberg ou sequer um dos mais marcantes de sua extensa filmografia, e certamente não escapa de certos deslizes de alguns personagens subdesenvolvidos e alguns visuais caricatos. Mas não deixa de se mostrar como uma forma que o diretor encontrou no hoje em poder olhar para o passado com um olhar tão nostálgico, e com uma interessantíssima trama e divertidos personagens e ação que impedem de o fazer soar apelativo e sim puro e verdadeiro ao declarar seu descarado amor pela cultura pop e pela nerdice, que por anos permitiu trazer uma infinita possibilidade de sonhos e alegria para gerações e gerações até hoje. Um sorriso no rosto aqui no final é impossível de não se abrir para os que conseguirem enxergar a essência por detrás de um blockbuster que vai muito além de visuais legais e pura nostalgia, algo que Spielberg sempre fez bem e continua fazendo.
Lembro-me como se fosse ontem quando "Star Wars: O Despertar da Força" de J.J. Abrams, mesmo que em meio de louvação crítica, também recebeu constantes críticas dos raivosos fãs de Star Wars pelo filme ter copiado muitos elementos passados da saga, e o acusando de ser um remake disfarçado do filme original (ou Uma Nova Esperança se preferirem). Parece que nem foi necessário o clamor dos fãs por algo novo e diferente no filme seguinte, já que o novo encarregado aqui, o talentosíssimo Rian Johnson, tem como prioridade aqui: atualizar e inovar a saga Star Wars quase que por completo e de forma muito audaciosa e arriscada. Retomando, sim, elementos do passado já tão bem preestabelecidos no universo, pegando seus amados e inesquecíveis personagens, os levando por caminhos novos e completamente inesperados, e arriscados.
Ousando em quebrar todas e quaisquer expectativas, subvertendo arquétipos característicos e temáticos dos mitos da saga, e acima de tudo fugindo do padrão da franquia em fazer do segundo filme da trilogia mais sério e sombrio. Ao invés disso, faz talvez o filme mais bem-humorado de toda a saga até então, mas não o menos dramático ou isento de complexidade emocional na forma com que lida com as ações e decisões tomadas por todos os personagens em sua jornada aqui. Mostrando optar assim pela escala intimista e pessoal no meio de suas megalomanias blockbuster, algo que Johnson recuperou tão bem de Rogue One, mostrando uma narrativa bem mais intricada e desafiadora.
E se muitos pensaram que J.J. Abrams era o diretor mais nerd e fã de Star Wars que eles poderiam arranjar para comandar um filme da saga, Rian Johnson se apresentou aqui como forte concorrente para tal. Não só o diretor mostra conhecer tão bem esse universo de cabo à rabo, como também é fascinado por tudo que o compõe. Mostrando ter um estilo próprio e intuito narrativo dentro da história completamente diferente de muitos diretores que já comandaram a saga no passado.
Pois se enquanto Abrams trazia uma essência nostálgica, declarando seu amor por essa franquia com uma direção classuda e apostando em um ritmo direto ao ponto à la os filmes do seu mestre mentor Steven Spielberg. Já George Lucasfazia uma mistura de suas referências clássicas desde o cinema samurai ao Western, abordando temas políticos e sociais. E Gareth Edwards, por sua breve vez, apostou no filme de gênero ao realizar um verdadeiro filme de guerra nas galáxias (ou estrelas). Por fim, Johnson tem uma identidade própria e busca uma nova forma de contar Star Wars. Conseguindo de cara em fazer um filme completamente diferente, tanto esteticamente quanto tematicamente ao seu anterior Despertar da Força, e insere um estilo completamente novo e mostra seguir mesmo uma nova direção.
Tanto no uso de sua montagem se usando de ágeis cortes nas suas transições cênicas mostrando querer brincar com a noção de tempo e espaço de forma quase experimental e analítico nos diferentes núcleos narrativos que formam a trama principal. Esses divididos em três arcos diferentes dos personagens, um dos poucos resquícios estruturais de O Império Contra-Ataca aqui, onde cada um parece conter uma tonalidade distinta própria: o núcleo de Luke e Rey parecendo um filme samurai à la Akira Kurosawa, recheado de um humor cínico marca do mesmo, e algumas belas sequências paisagísticas, lado também dos embates mais dramáticos do filme; a fuga da frota rebelde lembrando e muito um filme de guerra/sobrevivência e conflito interno como o confinamento e tensão de O Barco: Inferno no Mar; e a missão sem sal e nem açúcar de Finn e Rose lembrando um filme de heist e aventura seguindo uma tonalidade mais leve e escapista que lembram O Retorno do Jedi, este último servindo de grande inspiração cênica e estrutural para o diretor de forma até surpreendente. Sabendo também comandar a ação de forma crível e potente cheia de uma imparável adrenalina, e entregando a escala de ameaça de forma soberba e garantindo a diversão sem parar. Mas sem esquecer de lidar com sua narrativa de forma madura, centrada e aberta para audaciosos questionamentos sobre sua história. Esse padawan claramente sabe o que está fazendo.
E por conhecer os trabalhos anteriores do diretor, prioritariamente Looper e Ponta de um Crime, era um pouco de se esperar que com a vinda de Rian Johnson para a cadeira da direção, veríamos um pouco de sua marca diretorial mais "peculiar". Podemos classificar, facilmente, que Os Últimos Jedi consegue o feito de ser o filme mais cinematograficamente diferente de toda a saga, com um estilo sensorial muito próximo do cinema independente, ou “artístico” por assim dizer. Não só graças à deslumbrante fotografia do seu já antigo parceiro Steve Yedlin, que consegue criar uma identidade visual rica e variada, revelando a mais pura beleza de cada um de seus belíssimos cenários e alguns dos mais belos enquadramentos que a saga já teve.
Desde o vasto deserto de sal do planeta vermelho, revelando uma vasta escala grandiosa e imersiva digna de um épico como Lawrence da Arábia; a pomposidade do cassino que Finn e Rose invade que parece um cenário tirado de Cassino Royale só que no espaço; o deslumbre contemplativo que algumas das cenas espaciais revelam (o sacrifício da almirante Holdo de Laura Dern por exemplo); a própria natureza em movimento sendo usada quase como uma reveladora dos sentimentos em causa presentes no embate entre Rey e Luke (a monotonia interrompida pelo vento quando estão afastados; o calor ensolarado quando dialogam sobre a Força e os Jedi; a chuva revelando tempestuosa revelando o conflito quando ambos se desentendem); tudo com uma textura cênica digna dos mais maduros e complexos dramas. Não só na encenação, como também na forma em que conta sua história através de uma montagem enganosa, usando de cenas psicológicas visualmente ricas, diálogos certeiros nas suas pontadas temáticas audaciosas. Levando os poderes da Força e o drama de seus personagens para caminhos talvez nunca antes explorados e que por alguma razão irritou à tantos fanboys.
Pois há uma grande diferença entre alternar características já pré estabelecidas de seus personagens e universo para moldes bobos e caricatos, vindouros de alguém que não entende ou respeita o universo criado por George Lucas; e outra é querer mostrar elementos já familiares e querer construir a partir destes novos elementos que integram e evoluem esses mesmos personagens e universo por novos caminhos que em nada desrespeitam o passado e sim vislumbram um promissor futuro que se mantém à par e fiel com o que já foi construído nesse universo até então. Mas tais "mudanças" e adições que só geraram reclames odiosos e até infantis dos fãs que pra mim ainda são incompreensíveis. E grande parte disso coincidentemente parece advir de um personagem em questão, o Luke Skywalker de Mark Hamill.
Nunca entendi certos comentários feitos sobre as habilidades de atuação de Mark Hamill quando se lembram de sua participação na franquia. Fato que ele era apenas ainda um jovem aprendendo a atuar no primeiro filme, mas que mostrou notável melhoramento ao longo dos anos. Agora ele retorna aqui a saga e melhor do que nunca! Encarnando seu velho icônico personagem como se nunca o tivesse deixado depois de todos esses anos, revelando tantos sentimentos de dor, tristeza e arrependimento só com seus sutis olhares e angustiantes silêncios cheios de mistério. Mas também surpreendendo com um cinismo e humor ácido um tanto discrepantes do personagem, tão centrado e de fé, que vimos pela última vez há trinta anos atrás.
Com isso, nos faz notar como sua caracterização, que o público fã já tão bem conhece, seja desconstruída de forma quase brutal e cruel, revelando o difícil estudo de personagem, herói vs vilão, mito vs lenda, a luz contra escuridão que Rian Johnson tão bravamente propõe aqui. Nunca vimos o personagem dessa forma, moralmente quebrado, ideologicamente confuso e misterioso. Para no final, sua jornada íntima e pessoal revelar o verdadeiro grande e inesquecível personagem que é Luke Skywalker em alguns dos momentos mais épicos de toda a saga.
Muitos também já devem ter notado as grandiloquências visuais que George Lucas implementou na sua trilogia prelúdio, aproveitando todas as capacidades que a tecnologia moderna poderiam lhe permitir de criar amplos mundos e diversas criaturas, aumentando as lutas de sabres de luz, deixando assim para trás o básico e o prático do passado. Mas a nova fase da franquia vem mostrando ser a mistura do melhor dos dois tempos e Johnson prova seu fascínio pela criação do prático em suas criativas novas criaturas (os Porgs são um clássico instantâneo).
Não só nisso, como também amplia o universo em novas escalas jamais imaginadas. Não só em sua inchada duração, que ainda assim permite ampla atenção para a maioria de seus personagens, como garante momentos de verdadeiro arrepio na espinha. Ação excitante, batalhas enormes, embates de alto grau de emoção, fugas frenéticas, esse é o espetáculo do escapismo de Star Wars sendo feito com total esmero, no filme que ousa ser talvez o mais divertido e porque não um dos mais emocionantes filmes de toda a saga. George Lucas está orgulhoso assim como os fãs também deveriam ficar. A força é realmente forte com esta nova trilogia de Star Wars!
Creio que seja justo dizer que Aaron Sorkin é um daqueles raros roteiristas como Charlie Kaufman ou até Dalton Trumbo que conseguiram ter seu nome amplamente bem reconhecido em fama, tanto para com os dentro do ramo quanto no meio público graças ao seu incrível trabalho por detrás da escrita de alguns ótimos filmes. Então, era de se pensar que quando um autor como esse, por detrás de tão ricos roteiros de filmes bem reconhecidos (Rede Social, Jobs, Moneyball), viesse assumir pela primeira vez a direção de um de seus textos, sua verdadeira essência autoral poderia florescer na tela graças à sua ótica pessoal finalmente comandando tudo. Bem, sim e não.
Pois se por um lado temos (como sempre) um roteiro que cumpre com proeza sua proposta de explorar o submundo dos jogos de sorte com una elegância invejável em seus muito bem escritos diálogos. Tomando base na narrativa auto-explicativa dos filmes de crime de Scorsese (mas sem nunca soar cansativo) e conseguindo ir além ao explorar um até complexo estudo de personagem com sua incrível protagonista Molly Bloom, interpretada com carisma e alma por Jessica Chastain, dividindo cena ainda com dois ótimos Idris Elba e Kevin Costner, ambos em seu melhor.
Enquanto por outro lado temos uma direção sem muita inspiração e se baseando muito no básico e automático de seus planos, e se estendendo até demais em uma montagem sem freio, mas que não alcança o status de cansativo graças à riqueza do texto e às excelentes performances. E com Sorkin ainda conseguindo mostrar em suas entrelinhas, seu resquício de autor à dar muito mais camadas emocionais e dramáticas do que se poderia imaginar aos seus personagens de atos moralmente questionáveis, ainda que não sejam devidamente explorados.
Mas é notável e louvável ver aqui uma boa história de uma rica persona que desperta interesse e atenção instantâneos e faz-nos questionar o moralmente legal e certo em um mundo operado pela sorte do destino e pela proeza humana que sua personagem carrega. Só tente ousar mais em sua direção na próxima vez senhor Sorkin, pois enquanto no texto o senhor ainda nos presenteia ricamente.
King Kong vs. Godzilla
3.1 55Faço logo uma pergunta aqui: antes de vocês terem ouvido o anúncio de que Warner e a Lionsgate estariam planejando o crossover entre Godzilla e King Kong no mesmo filme, que já está planejado para lançar em 2020 como forma de continuidade em seu novo Monsterverse, alguém já tinha noção de que os mesmos icônico monstros já tinham se encontrado frente à frente no mesmo filme?! De fato, não é difícil de imaginar, ainda mais tendo em conta o enorme sucesso que alavancou ambos os personagens por anos em diversas adaptações e versões, etc, cada um com sua marca própria.
Mas talvez, uma idéia não tão óbvia como é de fato o filme em que vimos aqui com ambos Godzilla e King Kong juntos pela primeira vez no cinema. E que por mais bizarro e enfadonho possa soar em sua trama um tanto despirocada, o filme se garante no final como uma divertidíssima experiência.
A trama inicia seus eventos quando Tako (Ichirô Arishima), o presidente de uma empresa farmacêutica, descobre que as cerejas vermelhas denominadas de romas que crescem na ilha Farou possuem uma espécie de cura milagrosa, dando início a uma expedição à ilha liderada por Sakurai (Tadao Takashima) e Furue (Yû Fujiki) para coletar as cerejas. Mas ao chegar eles descobrem que os nativos locais louvam um deus chamado King Kong, que supostamente cresceu até o tamanho gigante por comer as cerejas. Tako logo pensa que qual a melhor maneira de promover o produto se não trazer a criatura de volta ao Japão como o marketing perfeito?!
Mas em simultâneo à isso, um submarino americano é mandado investigar uma estranha atividade sísmica no Ártico, quando descobrem o pedaço da geleira em que Godzilla fora selado anos atrás, e agora despertou em fúria. Agora com os dois destrutivos monstros se aproximando de Tóquio, tem-se início à uma luta que carrega o futuro da humanidade.
Aceitemos os fatos, juntar dois dos maiores monstros do cinema em um só filme não é só uma tarefa um tanto complicada, como quase atinge o nível do ridículo que permite um salvo conduto de lógica, onde os roteiristas podem despirocar em qualquer idéia absurda possível que sirva como desculpa apenas para garantir ao público o espetáculo que elas esperam e que o título sugere.
Mas pra chegar até isso, terão que passar por um filme inteiro que inventa seus malabarismos narrativos hilariantes que quase alcançam o nível de satírico, mas que por uma perspectiva mais dura e crítica só revela um tom aparentemente confuso e misturado.
Tendo que passar por diferentes núcleos narrativos com os personagens humanos, só para pavimentar terreno para o vindouro aguardado confronto. E isso pode tanto recair para personagens e arcos minimamente interessantes ou simplesmente enfadonhos e desinteressantes, mesmo que não sejam mesmo a parte mais importante ou de principal foco do filme. Mas ainda assim pode se notar alguns traços interessantes aqui.
Como dito antes, há uma linha bem tênue de humor satírico presente aqui e que é horas até muito bem implantado. Como quando vemos Tako olhando para a destruição de Godzilla na TV e surta dizendo: "estou farto de Godzilla" - adressando sutilmente a saturação do gênero de monstros gigantes destrutivos até então, e que porventura o certamente renova por colocar o Kong no pacote, uma intensão partida deliberadamente do hilário personagem.
Ou até na forma com que o filme estrutura os eventos de destruição do filme com as constantes reportagens do noticiário americano que apontam um certo fator de frieza midiática, mas talvez não tão proposital como se possa imaginar já que haviam feito o mesmo em Godzilla Rei dos Monstros, o “remake” americano do Godzilla original, que basicamente consistia no mesmo filme só que contendo cenas adicionais com o personagem de Raymond Burr reportando todos os eventos.
E sendo cenas, em ambos os casos, de um tom mais tedioso em comparação às divertidas sequências em que vemos a expedição na ilha seguindo os personagens Sakurai e Furue à procura das cerejas vermelhas e do “novo monstro" para o programa farmacêutico do seu chefe Tako, onde embora tenham um tom extremamente caricato, consegue divertir muito graças aos seus elementos de comédia escrachada assumida bem presentes.
Levando em conta também de que as mesmas cenas do “núcleo” americano foram adições na versão americana cujo o filme recebera em seu lançamento internacional, que havia sido produzida por John Beck (Meu Amigo Harvey), cuja idéia original do filme viera dele e Willis H. O'Brien antes do projeto ser vendido para a Toho, mas onde a ideia original seria de um filme de King Kong vs Frankenstein (o que mais tarde se tornou no filme Frankenstein Contra o Mundo, também do diretor Ishirô Honda).
O que faz compreender-se assim a sensação destas cenas estarem completamente fora de lugar. Sem falar da dublagem em inglês do núcleo japonês serem bem sofrível, mas perdoável quanto a execução de todo o resto da obra. Embora infelizmente não sejam tão poucos os momentos narrativos que soam completamente desnecessários dentro da proposta puramente escapista do filme.
Como todo o arco tedioso envolvendo o casal românico entre a irmã de Sakurai, Fumiko (Mie Hama) e seu noivo Kazuo (Kenji Sahara) que soa basicamente desnecessário na história, mas que vem à mostrar seu real propósito no terceiro ato quando vemos Kong tendo sua usual paixão não correspondida por uma moça histérica.
Porém, isso só comprova o quanto o filme, mesmo que aparentemente escrachado e satírico em tom, mostra querer honrar os melhores elementos clássicos de cada um de seus monstros. Não só amarrando a história de Godzilla como uma continuação direta dos eventos de Godzilla Ataca Novamente, assim como estabelece elementos já familiares e característicos de Kong como suas origens na ilha onde é cultuado como um Deus e tem seu coração mole para jovens moças.
Mesmo que supomos que não seja o mesmo Kong que vimos no clássico de 1933, e que, por alguma razão, é dito e posto no filme que o Kong tem a capacidade de absorver força à partir de energia elétrica. Bom, se o Godzilla pode soltar um raio atômico então com certeza o Kong tem direito a ter poderes elétricos. Tanto que na primeira cena que dá indício de sua presença é durante uma tempestade e também o vemos comer literalmente um cabo elétrico para recuperar ENERGIA (piada não intencional).
Além do que, é o protagonista bem mais beneficiado com tempo de tela no filme. Tanto seja pelo fato de tudo que vemos Godzilla fazendo em cena já é familiar e mais do mesmo, enquanto seu diretor Ishirô Honda quer aproveitar todas as chances que tem com o Macacão que garante alguns dos melhores momentos do filme. Seja sua breve luta na ilha com um polvo gigante (excelentemente criado com incríveis efeitos práticos misturado stop-motion com as miniaturas), e a icônica luta final entre os dois Titãs.
E por ironia, seria o terceiro filme no cinema de cada um dos personagens. Godzilla vindo do clássico original de Honda e sua continuação Ataca Novamente. Enquanto Kong, mesmo que não partisse de uma continuação direta, também vinha do seu grande clássico de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, seguido pelo sofrível Filho de Kong de Ernest B. Schoedsack. Então era um encontro já marcado nos céus cada um dos monstros terem um encontro épico em seus terceiros filmes, e não poderia ser qualquer um que poderia comandar esse encontro.
Ishirô Honda foi sem dúvidas a perfeita e completamente merecida escolha de realizar esse filme. Pode não ser um legado tão bem reconhecido quanto à de um mestre autoral supremo do cinema, mas quanto à dirigir e criar os filmes de monstros gigantes, poucos foram tão bons quanto ou melhor que ele. As cenas com os personagens humanos podem carregar quilos de caricatura e fatores genéricos, mas o diretor não deixa de enquadrar tudo em câmera tão bem, levando toda a execução de cenas à sério mesmo que seu roteiro não.
Montando as sequências em que vemos os monstros destruindo as miniaturas com as sequências em câmera com os atores com perfeccionismo e atenção aos detalhes mesmo dentro de seus limites. Além de ter sido a primeira vez em que ambos os personagens apareceram em cores em filme e filmados no belo formato widescreen, e Honda tira total proveito disso em querer enquadrar os gigantes em planos grandiosos e que só revelam a imensa escala que o filme almeja visualmente dentro de seus limites, e o consegue.
Compartilhando também dos vários avanços vistos em Godzilla Ataca Novamente, Honda consegue capturar a magnitude dos monstros dentro dos cenários móveis, seja com o uso de tanques, carros e trens remotos, e as miniaturas de prédios que passam o sentimento de palpabilidade convincente, e que se torna bem mais prazeroso do que antigamente em ver toda a destruição causada no Reino humano enquanto vemos os dois Titãs se digladiando.
E quando tudo se resume na luta final, vemos o quanto a criação de expectativa foi eficiente e o filme não desaponta em entregar um confronto épico, ao mesmo tempo em que é hilariantemente divertido. Com Kong atirando pedras como se fossem bolas de futebol, Godzilla revida com seu sopro atômico que deixa os pelinhos de Kong tostadinhos. Depois Kong tenta enfiar uma árvore na goela de Godzilla fervendo em raiva só pro lagartão revidar com uma épica e literal voadora, e muito mais. Impossível não abrir um enorme sorriso durante toda a sequência!
E o que pode ser dito da cena em que Kong é transportado em balões até a localização da grande luta final. Idéias assim, absurdamente malucas, que demonstram o porque desses clássicos filmes de monstros japoneses serem tão atrativos até hoje. Afinal você realmente vai ligar para lógica quando temos dois dos maiores monstros gigantes de todos os tempos se enfrentando mano à mano? Qualquer desculpa para os colocar juntos é completamente válida!
Um confronto que consegue no final ter um significado maior do que se pode esperar do resto do filme que segue a veia humorada acima de tudo, e isso é graças à direção de Honda. Consertando um dos vários problemas vistos no filme predecessor do Godzilla onde víamos simples destruição por destruição, e podemos ver Honda voltando sutilmente ao espírito alegórico do filme original ao mostrar na trama como a imprudência e influência humana no meio natural ocasionaram novamente nas consequências que agora atingem as criaturas.
Tanto seja no despertar de Godzilla, com as fortes imagens de um submarino vazando remetendo à óbvia poluição marítima e claro ao derretimento glacial quando Godzilla desperta. Ou quando vemos Kong sendo arrastado à força de seu habitat. Ambos trazendo sua ira causada pela humanidade contra ela. Só para vermos depois os mesmos humanos fazendo todos os esforços para tornar ambas forças da natureza encarnadas contra si, até a morte.
É um retrato trágico, ao mesmo tempo que é hilário em execução. Uma estranha mas prazerosa mistura no final das contas que faz do filme ser tão especial mesmo com suas bizarrices e momentos enfadonhos. O que pode mesmo não ser um ótimo ou totalmente bem executado filme, mas mostra ter total respeito e admiração pelos seus icônicos protagonistas e deixa seu confronto ser um verdadeiro espetáculo de entretenimento à moda antiga.
E que nos faz pensar o quanto arroz e feijão de criatividade o diretor Adam Wingard vai ter que se esforçar em comer para conseguir fazer de seu vindouro Godzilla vs. Kong um filme com personalidade tão especial quanto esse filme de Ishirô Honda, algo que talvez nem mesmo as mais avançadas tecnologias conseguem criar ou alcançar. Apenas com destreza e coração no qual esses filmes eram feitos!
Godzilla
3.8 125 Assista AgoraPoucos são os filmes que podem se vangloriar desse título tão chamativo e ambicioso que o clássico de Ishirô Honda mostrava aqui conquistar e merecer. E que viria à inspirar gerações de filmes em uma incessante busca de conquistar o seu mesmo brilhantismo. E no que diz respeito à um filme sobre o icônico Godzilla, ainda continua insuperável até hoje!
Mas se em um mundo onde quase todas das inúmeras continuações, spin-offs, e remakes que o filme teve, ou até alguns dos filmes que fortemente inspiraram o clássico de Ishirô Honda, desde o próprio King Kong de 1933 ou seus contemporâneos O Monstro do Mar de Eugène Lourié ou O Mundo em Perigo de Gordon Douglas, são hoje (alguns questionavelmente) vistos como datados, o que faz essa pioneira versão de Godzilla ser um clássico tão único e admirável até hoje?!
Depois de um inesperado evento que explode e afunda vários navios civis na costa do Japão, o país entra em estado de pânico. No início, as autoridades pensam que é uma das minas submarinas ou uma atividade vulcânica submarina. Mas na Ilha Odo, perto de onde vários dos navios foram afundados, algo vem em terra e destrói várias casas e mata várias pessoas. Uma expedição é enviada à ilha liderada pelo paleontólogo Professor Kyôhei Yamane (Takashi Shimura), sua filha Emiko (Momoko Kôchi) e o mergulhador Hideto Ogata (Akira Takarada) logo descobrem algo mais devastador do que se imaginava, na forma de um monstro de 50 metros de altura que os nativos chamam de Gojira. Agora, o monstro começa uma fúria que ameaça destruir não apenas o Japão, mas o resto do mundo.
Não é talvez segredo nenhum que o hoje clássico teve seu início partindo de várias inspirações para fazer o mercado cinematográfico japonês adentrar no rentável cinema de monstros que começava a gerar uma moda clássica de filmes B de diversos tipos e espécies nos anos 50. O que se tornaria o Godzilla produzido por Tomoyuki Tanaka, que provinha tanto de uma óbvia inspiração do clássico King Kong de 1933, e que faria os Japoneses criarem um dos mais clássicos monstros da cultura popular.
Inspirações claro que vão além do puro fator monstro gigante destruindo miniaturas de cidades, vide que o seu próprio nome é uma mistura de Gorila e Baleia em japonês. Não à toa o Godzilla é confundido no início do filme como uma criatura marítima antes de dar as caras, mas comparações acabam aí. Pois também provém do fator de ser uma criatura gerada pelas energias nucleares nascidas dos intensos testes gerados na época, assim como fora o caso do lagarto gigante de O Monstro do Mar e os insetos gigantes de O Mundo em Perigo.
Contudo, ao contrário desses filmes que levavam sua trama para o território escapista e onde os militares eram os grandes heróis da pátria contra o perigo nuclear, o Godzilla de Ishirô Honda ia um passo além em tratar dessa trama e temas com uma pegada muito mais dramática e que se leva mesmo à sério. A prioridade em ação de monstros vs monstros e destruições maciças presentes até hoje, não eram o foco aqui.
Ao conceberem a história do filme, Honda e seu co-roteirista Takeo Murata eram tão cientes do medo e paranóia da bomba nuclear presentes no meio social Japonês que fizeram do seu monstro uma encarnação viva desse medo e das temíveis consequências ocasionadas pelo mesmo. Pois se o Godzilla que hoje é visto como o grande “protetor" do Japão e humanidade, era aqui retratado como uma temível força da natureza se vingando contra a humanidade que o despertara através da destruição e guerra entre humanos e que agora ele pagará na mesma moeda.
Até toda a destruição que se ocasiona no filme, vemos a palpabilidade desse horror presente na forma com que é criada. Quando temos o que viria ser o icônico tipo de cena com o monstro dizimando prédios como se fossem brinquedos e os desesperados civis são pequenas formiguinhas no cenário sendo esmagadas, não são cenas que passam o sentimento de entretenimento sádico, e sim são cenas geradas como o que são de verdade, verdadeiros desastres e que está gerando incontáveis vítimas.
Com Honda fazendo um trabalho fenomenal na montagem das cenas dos ataques, ao coincidir todas as cenas de destruição com os ótimos efeitos práticos em miniaturas sendo postos em todas as inimagináveis formas de caos, junto de cenas como a destruição de uma pequena vila logo no primeiro ato sendo tratada com uma ótica muito íntima e com efeitos de emoções muito mais trágicas ao vermos o filho caçula ver a casa com toda sua família dentro sendo esmagada e arrastada em segundos. Ou quando foca em uma mãe abraçada com os filhos em meio às ruínas de Tóquio, só aguardando pela inevitável morte.
Cenas e momentos que chocam muito mais do que simplesmente vermos civis sendo evaporados ou sendo lançados de carros em chamas, elementos que também estão presente, mas não são o grande ponto de atenção. Elementos que serviriam sim de forte inspiração para o que seria o Godzilla de Gareth Edwards, mas talvez sem o mesmo peso ou cuidado dramático cujo aqui recebe com um enredo muito bem escrito e construído junto de seu retrato alegórico das consequências da guerra.
Não é difícil perceber hoje o quanto o Godzilla de Honda faz parte da categoria de filmes que usam de seu palco de gênero, seja na fantasia (O Labirinto do Fauno - Guillermo Del Toro), no terror (O Despertar dos Mortos - George Romero) ou na ficção científica (Blade Runner - Ridley Scott) para retratar um pedaço da história, ou o aqui e agora da humanidade através da trama de ficção escapista em que se apresenta. E poucos são hoje os filmes que realmente conseguem fazer isso de forma com que realmente atinja o público sem que um texto crítico enaltecedor venha ter que explicar as “mensagens subliminares” dentro de um filme ou nesse caso que seria hoje um blockbuster de monstros gigantes. Mas também que não seja um que entrega isso de forma tão óbvia e mastigada.
Vide por exemplo um filme como O Hospedeiro de Joon-ho Bong, que talvez seja o melhor herdeiro do Godzilla de Honda no que diz respeito à sua forma de abordagem da temática do desastre sendo visto por uma escala íntima e trágica dos personagens humanos frente ao evento letal em que estão presenciando e sofrendo por ele. Mesmo que a cena final do filme martele um pouco isso como uma lição de moral, todo o filme até ali já demonstrava essa forte alegoria em seu visual e estrutura muito bem dirigidas.
A belíssima fotografia de Masao Tamai auxilia muito na construção do tom de melodrama que a história carrega ao realçar muito das consequências, tanto físicas como psicológicas que o caos e destruição que estão sendo causados pela criatura. Com algumas longas passagens devotadas em mostrar toda a destruição vítimas de forma trágica e pesarosa, quase fazendo parecer cenas tiradas de um documentário pós guerra e das brutas consequências de Hiroshima e Nagasaki.
Além do que é um admirável trabalho técnico por parte da direção ao conseguir fazer tanto as cenas enclausuradas do arco dos humanos visualmente interessantes como o belo enquadramento no escritório do Professor Kyôhei (de um ótimo Takashi Shimura, o eterno confrade de Akira Kurosawa) com a escuridão e o clima vazio indicando a pressão moral com que está lidando, ao ser a única pessoa do filme que pensa no fruto científico que pesquisar a espécie do Godzilla poderia trazer enquanto outros só pensam em sua imediata destruição.
E que falham miseravelmente nisso quando o monstro dizima por completo qualquer ataque militar à ele como uma força da natureza imparável. Com o belo visual de Tamai convencendo na escala e palpabilidade do cenário em miniatura como se fossem reais. E a ação do Godzilla capturada pela tecnologia do “suitmation” (um figurante fantasiado do monstro destruindo as miniaturas) são trabalhos impecáveis mesmo dentro das limitações de sua época e conseguem passar o terror da criatura.
Mas que não é uma demonização completa da criatura se enxergar pela perspectiva de que quando o Professor Kyôhei realça as origens pré-históricas da criatura no filme e diz que os "testes" nucleares tanto acordaram Godzilla como também podem ter o modificado, daí sua deformidade e poderes de raios nucleares. O que torna o embate final do filme tanto um sacrifício dos personagens humanos como um trágico fim para a espécie da criatura onde apenas o professor que parece nutrir simpatia e ao mesmo tempo enxergar suas consequências.
Você pediu por complexidade moral em um filme de monstros gigantes? Aí está! Até a excelente e clássica trilha de Akira Ifukube tanto pode ser vista como uma exaltação do perigo do monstro na forma de construção de espetáculo grandioso, como também um som de inevitável tragédia que acompanha à todos no filme.
Tragédia essa que acompanha e também deu fruto ao ótimo e extremamente alegórico personagem atormentado do Dr. Serizawa (Akihiko Hirata) e a criação de sua letal invenção que mata todo o oxigênio de seres marítimos, no qual ele teme ser usado como arma são óbvias representações de Robert Oppenheimer, o criador da bomba nuclear e o tormento moral e psicológico que sofreu pela sua letal criação.
O filme tem esses tipos de exemplos de sobra que servem como prova de como é sim possível construir personagens envolventes mesmo que dentro de um filme sobre monstros gigantes, já que os personagens são o próprio reflexo dos ataques e destruições da criatura. Até o triângulo amoroso presente entre os personagens de Hideo, Emiko e Serizawa não dilata ou soa forçado dentro da narrativa graças aos sentimentos e drama genuínos com que esses arcos são trabalhados e bem atuados pelos atores.
Provas de uma competentíssima direção de Ishirô Honda tratou sua obra com seriedade e dedicação o suficiente para tornar Godzilla o clássico que é e seu monstro tão icônico, pois ele tinha uma razão e significado dramático para isso. E mesmo que ele tenha se tornado mais tarde a figura chamativa de sequências atrás de sequências de filmes onde a prioridade seria o puro entretenimento de assistir monstros vs monstros, vários cujo Honda seria o diretor e possuem suas qualidades distintas. Mas nunca alcançarão o que fora tão bem realizado aqui e que até hoje inspira à tantos outros que tentam recriar seu brilho.
Tango e Cash: Os Vingadores
3.2 238 Assista AgoraDentre os vários clássicos do gênero buddy-cop que despertam tantos níveis diferentes de nostalgia e as duplas icônicas de atores com rostos e personalidades marcadas para sempre na memória dos fãs de machos experts em tiro, porrada e testosterona sem fim; me surpreende que um filme como Tango e Cash: Os Vingadores, não seja um dos mais celebrados, ou até lembrados.
O que é um tanto injusto, pois o filme cumpre todos os pré-requisitos de um perfeito filme do gênero: uma dupla com personalidades distintas e de extrema boa índole no cumprimento de seu trabalho pela justiça; uma investigação policial envolvendo cruéis poderes corruptos e frias injustiças contra seus heróis; ação com altas doses de adrenalina para satisfazer todos os gostos; e simplesmente temos Sylvester Stallone e Kurt Russel como a dupla protagonista, também conhecidos como Rambo e Snake Plissken, que carregam o filme nas costas em tamanha e garantida diversão testosterônica!
A trama segue duas personalidades completamente opostas, Ray Tango (Sylvester Stallone), um agente suave e sofisticado, e Gabe Cash (Kurt Russel), seu parceiro de cabeludo como um surfista e desbocado como um Martin Riggs tirando as tentativas de suicídio. Que trabalham incansavelmente para derrubar o tráfico na cidade de Los Angeles, gerido pelo implacável Yves Perret (Jack Palance).
No entanto, quando Perret consegue bolar um plano de incriminar a equipe com provas falsificadas, Tango e Cash logo vão acabar em uma prisão de segurança máxima, onde um repertório quase interminável de detentos anteriormente encarcerados por eles, está esperando por seus captores com impaciência. Agora, mais do que nunca, Tango e Cash precisam deixar suas diferenças de lado e se unir, não apenas para escapar dos muros da prisão, mas também para acertar o placar com o chefão maligno que os colocou atrás das grades de uma vez por todas.
Mas também, não é difícil de imaginar o porquê do filme não ser pouco citado hoje se conhecer um pouco dos inúmeros problemas de bastidores que o filme teve durante sua produção. E não, calma, não envolveu nada relacionado à Stallone e Kurt Russel se esbofetearem de verdade durante as gravações e decidiram filmar e colocar no filme como parte do roteiro. E sim fora o caso do filme ser outra pobre vítima de briga de produtores e diretor etc; (essa porradaria sim daria um ótimo filme!).
Pois se por um lado o diretor Andrey Konchalovskiy (Expresso para o Inferno; Gente Diferente) queria realizar um filme policial de tom dramático e se levando mesmo a sério em seus temas de justiça e corrupção, o produtor Jon Peters queria basicamente o filme que temos aqui, que não se leva nada à sério e prioritiza seu nível de diversão oitentista acima de qualquer lógica que se pode levar à sério. Ver o Cash de Kurt Russel se vestindo de stripper para fugir da polícia é uma bizarra e hilária realidade nesse filme.
Sem claro citar os usuais problemas envolvendo Stallone sempre estando fortemente envolvido no processo de seus filmes, roteiro produção etc, um deles envolvendo ele demitir o diretor de fotografia inicial Barry Sonnenfeld, e sempre tendo parte do controle criativo. Mas nem ele parece saber o que o filme deveria ser.
Essa diferença de tons é bem visível ao longo do filme, espelhado numa fotografia bem Noir e soturna de Donald E. Thorin, para um filme de personalidade tão espalhafatoso e brega. E que vai por percursos horas bem sombrios e violentos quando vemos Tango e Cash basicamente sendo torturados em uma cena e em outras vemos eles fazendo piada com os parceiros de cela com conotações gays e tirando sarro um do outro no chuveiro.
Não quer dizer claro que filmes do gênero não podem balancear o drama e a comédia ao mesmo tempo, apenas vide todos os filmes Máquina Mortífera como prova disso. O caso é que aqui dá pra se notar as mudanças quase drásticas de direção. Tanto que o pobre Andrei Konchalovsky fora demitido e substituído por Albert Magnoli (Justiceiro da Noite) que filmou todas as cenas de tiroteio e explosões no clímax.
A ação em si é explosiva e decente dentro do esperado, e é inegavelmente divertido ver a dupla dirigindo um blindado que parece ter sido tirado de um filme de ficção científica futurista, metralhando para todos os lados. Mesmo que seja em um clímax meio jogado de última hora só pra ter mais ação, mas tem todos os tiros e explosões para satisfazer os gostos escapistas, embora não sejam o grande highlight do filme.
Duas sequências em particular são ótimas e bem construídas na estrutura do filme (que por ironia não tem nenhuma troca de tiros). A hilária emboscada de “boas vindas” na lavanderia da prisão, com nossos dois protagonistas suadões entrando em verdadeira desespero e trocando socos com tudo que veem pela frente, com Konchalovskiy filmando tudo como se fosse um verdadeiro tiroteio de faroeste de socos e músculos.
E a outra é a própria fuga da prisão que quase lembra um Sonho de Liberdade para machos, com seu setting chuvoso intenso e uma boa construção de suspense quando o plano de um deles dá completamente errado e eles tem que rapidamente improvisar. O que basicamente termina com eles fazendo um verdadeiro zapline em um cabo elétrico durante uma chuva. Pois é, impossível não abrir um enorme sorriso!
Se bem que, ouso em dizer, que toda a parte de ação do filme não seja onde o filme tenha suas melhores qualidades, e ao mesmo tempo alguns de seus problemas. Parece até meio desnecessário falar de estrutura de roteiro em um filme de ação, mas têm prós e contras interessantes para o filme nesse quesito. Pois se por um lado arranjam um uso de suspense muito fácil e repentino envolvendo a mocinha Katherine (Teri Hatcher) que aparece DO NADA no clímax do filme, temos ao mesmo algumas ótimas sacadas de trama.
A idéia envolvendo a incriminação de dois policiais tão distintos mas inspiradores é uma sacada inteligente, que tanto eleva a crueldade do vilão Yves o tornando em uma criatura completamente odiável, como também poderia levar à um arco bem dramático para a dupla, embora o filme opte mais pela comédia, o que não deixa de funcionar graças à até bem escritos diálogos (assinatura de Stallone) e inspiradas sacadas entre a dupla principal. Exatamente o ponto principal desse filme nos fazer esquecer todos seus possíveis problemas técnicos que faz parecer pura implicância em apontar, enquanto temos uma excelente dupla aqui.
Stallone e Russel parecem uma dupla programada nos céus. Não só ambos estavam no ápice de suas carreiras como trazem todo o seu carisma à disposição com uma química instantânea. Os personagens passam grande parte do filme discutindo seus planos de ação, mas que uma hora um acaba aceitando a idéia do outro em sinal de respeito e admiração, coisa que ambos atores com certeza mostram ter entre si só através de suas performances. O que garante com que cada pequeno momento do filme com ambos contracenando seja um puro deleite à parte de toda a ação em volta.
Uma dupla impagável e que merecíamos ter visto muitas vezes mais juntas. Pena até que ambos nunca tenham voltado a contracenar juntos em outros filmes até hoje. Ou que o filme pusera ter emplacado um relativo sucesso para garantir alguma continuação. Embora hoje o filme tenha sim seus fãs que o colocam como um “clássico cult” dos filmes buddy-cop e marmanjos de ação, merecidamente.
Pois se mesmo carregue seu pequeno histórico de problemas de produção, Tango & Cash é um filme que sobreviveu à isso tanto graças a diversas boas idéias presentes aqui e ali, assim como também sua infalível dupla de atores ícones que nos faz amar completamente o filme e esquecer quaisquer tipo de probleminhas que possa ter.
A Balada de Buster Scruggs
3.7 536 Assista AgoraDe todos os diretores trabalhando ainda hoje, e que são fissurados pelo gênero do Western ao ponto de poder enxergar marcas do mesmo em vários de seus filmes, exemplos como Tarantino que acabou realizando dois ótimos do gênero com Django Livre e Os Oito Odiados; James Mangold com seus Westerns travestidos de filmes policiais como Cop Land ou de super-heróis como Logan, ou diretamente um Western como Os Indomáveis; até menos prestigiados como Scott Copper e seus mornos Tudo por Justiça e Hostis. E claro, os Irmãos Coen, voltando aqui novamente a tocar sua direção diretamente em um filme do gênero pela terceira vez e marcando sua estreia na Netflix que garantiu a criação do ambicioso projeto.
Inicialmente anunciado como uma mini-série de seis episódios seguindo um formato de antologia, os Coen surpreenderam ao mostrar que ainda não migraram para o formato televisivo atual e permanecem com seus pés firmes no cinema, mesmo que adotando a rede streaming, embora isso não faça tanta diferença (mais sobre isso depois). Consistindo aqui em um velho roteiro que vinham escrevendo à quase vinte e cinco anos e um trabalho extremamente pessoal para a dupla, ao criar e contar esse compilado de seis histórias inspiradas no folclore e mitologia Western.
E como todo filme antologia, inevitavelmente terão algumas histórias que se sobressaem à outras mais fracas. Embora todas compartilhem de uma lógica comum em sua proposta de contos antigos do velho oeste, histórias que poderíamos ver mesmo sendo descritas dentro de um livro de histórias para dormir, só que mais sombrias e violentas é claro.
Em A Balada de Buster Scruggs, encarando por essa perspectiva, todas as histórias contadas conseguem manter um nível bem decente, e realizam um bom trabalho em criar a sensação de estarmos assistindo a diferentes gêneros de filmes subsequentes dentro de um só. Duas em particular são excelentes (as mais longas do filme), uma fraca (que por ironia é a mais curta) e as outras três boas. Mas o que todas possuem em comum? A marca dos Irmãos Coen espalhada por todos os cantos.
A história introdutiva é exatamente sobre o personagem título, Buster Scruggs (Tim Blake Nelson) um andarilho do velho-oeste, atirador nato e um exímio cantor das histórias que presencia ao mesmo que fala diretamente com a câmera. É em sua essência uma comédia puramente Coeniana, carregada com seu típico humor negro e afiado, dentro de uma realidade que não segue o que você pode chamar de lógica. Ao mesmo tempo que flerta abertamente com fortes elementos de uma espécie de musical clássico e pomposo. Além de servir como uma ponta perfeita e simbólica sobre o que são as histórias à seguir, cantigas e lendas da mitologia do Velho-oeste.
A história seguinte, também tipicamente Coeniana em seu humor negro e carregado de uma aura tragicômica, apresenta uma primeira metade com muito potencial ao seguir esse misterioso cowboy de James Franco até um banco no meio do deserto no intuito de realizar um assalto, que não acaba na forma que nem ele ou o público podiam esperar. Mas que talvez termine mais cedo do que deveria em um desenvolvimento que parece jogado, deixando um gosto de: “e daí?” em seu final anticlimático. O que é estranho pois a mensagem do conto ação e consequência, lembrando até O Grande Lebowski em seu humor ocasional, parecia tão simples e direto em atingir.
Logo depois temos um pequeno conto de aura bem triste e carregada que põe os pés no Western revisionista em seu tom dramático e trágico ao seguirmos o empresário solo de Liam Neeson e seu pequeno espetáculo teatral com o pobre artista sem braços ou pernas de Harry Melling. O que pode parecer a história “triste por ser triste” em querer se distanciar do humor das outras histórias, mas é especial exatamente por esse intuito de ter uma identidade tão psicológica e contemplativa na forma com que constrói a relação de ambos os personagens e a relação quase filosófica com o ambiente opressor e carregado em que vivem.
Em seguida têm-se talvez a melhor história do filme, onde vemos um garimpeiro solitário interpretado por um Tom Waits velhaco e rabugento, desvendando esse lugar paradisíaco e natural sem sinal de civilização, em busca dessa misteriosa bolsa de um suposto “senhor bolsão”. Um belo conto de descoberta e quase sobrevivência em seu ambiente belíssimo e que aspira uma contemplação visual pelo simples e puro deleite visual, mas com um pé bem forte e inesperado na fantasia.
Depois temos a história da pobre inocente Alice Longabaugh (Zoe Kazan) uma jovem que está acompanhando o irmão empresário numa caravana rumo à Oregon para fechar um novo negócio através do casamento de Alice com o novo sócio do irmão. Mas depois de uma inesperada reviravolta, Alice começa à ficar próxima de Billy Knapp (Bill Heck), um dos guias da caravana. O que nasce logo uma bela história romancista com fortes influências de John Ford na sua construção de escala épica e a caracterização mundana de seus personagens tão realistas e dóceis. Pode começar bem lento e quase monótono mas entrega um final bem espetacular e emocionante.
Enquanto a última história segue uma espécie de No Tempo das Diligências de tom gótico e misterioso em seu rumo. Ao mesmo tempo que é o conto onde os Coen exercitam seus pitorescos longos diálogos cobrindo temas de cunho raciais, sociais e emocionais carregados do seu típico humor afiado como sempre e, mais uma vez, uma realidade além da nossa.
É o resultado sempre esperado de uma narrativa vinda dos Coen, ou você vai amar ou odiar a forma com que eles estruturam e desenlaçam as histórias que criam aqui. Seja pela mensagem nunca exata que conecta as histórias ou a mesma sendo um alvo fácil das críticas fáceis de tonalmente confuso ou perdido (uma crítica que beira ao ridículo se referindo à maioria dos filmes dos irmãos).
Mas o que todas essas histórias conseguem almejar em sua conjuntura, e que é de uma admirável sacada cinéfila por parte dos Coen, que é demonstrar como o gênero do Western em si é amplamente aberto para diversos outros tipos de gêneros de filmes serem contados dentro de si, e cada história contém essa personalidade única e individual em sua criação. Vamos aqui da simples mitologia folclórica ao vazio existencial; do épico em escala ao íntimo emocional; do puro romantismo classicista à dura realidade; da comédia satírica à tragédia violenta.
Porém, entre o vaivém do ame ou odeie, algo sempre recorrente em todo filme dos Coen, e talvez de opinião unânime, tanto é o fato de ter-se aqui de todo o elenco ótimas performances dentro do esperado, assim como um trabalho técnico de esmero invejável, e A Balada de Buster Scruggs não é nem um pouco diferente nesse quesito.
Com uma direção inspirada como sempre e livre de amarras orçamentárias, a Netflix garante aos Coen sua liberdade criativa sempre requerida e apostam no melhor que podem entregar. Seja numa fotografia exuberante de Bruno Delbonnel que aposta em ângulos abertos e que capturam tanto o escaldante árido, o frio gélido e a natureza cintilante de cada uma das diferentes histórias, fazendo cada passagem parecer um épico em pequena escala. Realizando uma verdadeira experiência visual cinematográfica, que clama pelo maior telão possível, dentro da rede streaming. Tanto em pequenas cenas de trocas diálogos cômicos quanto em empolgantes e sangrentas trocas de tiros.
Seja também em uma ótima trilha de Carter Burwell, o colaborador recorrente da dupla, e que só incrementa à aura mais clássica do velho-oeste pelo qual os Coen já se mostraram tremendos fãs no passado com seu excelente Bravura Indômita e não deixam de querer voltar à provar isso em sua outra apaixonada investida no gênero. Uma talvez rara em execução em muito tempo de sua história.
O que talvez leve à uma óbvia conclusão sobre aonde A Balada de Buster Scruggs se configure na filmografia dos Coen à essa altura de sua carreira. Talvez não entre seus grandes melhores de fato, mas com certeza, é um dos de personalidade mais única. Que mesmo não acertando em todas as notas que almeja, é um filme nunca cansativo e constantemente intrigante e divertido em suas desventuras de diferentes tons e gêneros dentro de um só, o Western que eles mais uma vez provam que amam e idolatram. Que com certeza vai irritar alguns e criar vínculos especiais com outros, assim como cada emocionante e hilárias histórias contadas aqui.
O Outro Lado do Vento
3.6 36 Assista AgoraNo meio das usuais conversas sobre diretores "à frente do seu tempo", com certeza já devem ter ouvido o nome de Orson Welles sempre sendo citado, e exaltando sobre seu grande feito histórico com Cidadão Kane e sua revolução universal da técnica cinematográfica que inspirou e definiu gerações à fio. Poderíamos passar horas aqui discutindo como o mesmo se refletiu em todos os seus filmes subsequentes, e até hoje extremamente subestimados, mas tome o filme em questão aqui como um dos maiores exemplos da atemporalidade de Orson Welles.
Afinal como alguém, Welles incluso, poderiam prever que O Outro Lado do Vento sequer seria um dia lançado, ou que se tornaria um dos melhores filmes de 2018, décadas depois, e que seria uma das maiores pérolas da rede streaming da Netflix?! Imprevisível e inegavelmente brilhante. Pelo menos para aqueles que realmente abraçaram ou sequer compreenderam a investida tanto narrativa quanto técnica que Welles realizara aqui na década de 70, que tanto seria uma retratação fidedigna do cinema e o universo hollywoodiano de seu tempo, e quem sabe, talvez, o de agora também.
Escuso também dissecar aqui toda a longa, polêmica e triste história envolvendo as filmagens e produção de O Outro Lado do Vento, que quase tomou a década de 70 inteira em extensas gravações; refilmagens repentinas; cortes orçamentários e problemas graves de direitos autorais da produção. Enfim, Serei Amado quando Morrer, um excelente documentário sobre tudo isso, lançado em simultâneo com o filme na Netflix e serve quase como um Making Of perfeito para todo o drama dessa história. A história em questão aqui é sobre o breve retorno à vida de Orson Welles no cinema (ou Netflix).
Sendo posto de volta à vida graças a compra da Netflix que garantiu o produtor Frank Marshall (Os Caçadores da arca Perdida, Sinais) e o trabalho de montagem adicional de Bob Murawski (Trilogia Homem-Aranha, Guerra ao Terror), um pequeno empréstimo do amigo Sam Raimi, também especulado estar envolvido no novo financiamento da restauração do filme junto com nomes como Wes Anderson e Noah Baumbach, e claro Peter Bogdanovich (A Última Sessão de Cinema, Lua de Papel) e Beatrice Welles, filha do gênio em questão, e trouxeram a vida O Outro Lado do Vento, o último trabalho como diretor que Welles faria em vida.
A trama pode soar bizarra mas simples de se entender em base. Na mais simples definição, é um filme dividido entre duas secções. Um dos filmes é um documentário gravado à comando do cinegrafista Brooks Otterlake (Peter Bogdnanovich) documentando o aniversário do diretor Jake Hannaford (John Huston) e uma festa organizada por cineastas e repórteres para assistirem uma prévia de seu novo filme, também intitulado, O Outro Lado do Vento, cuja produção fora pausada por falta de verba e a morte do ator protagonista, John Dale (Robert Random). O que seria no mesmo dia da misteriosa morte do próprio Hannaford.
Enquanto a outra seção da narrativa, é a exibição do filme em simultâneo, que consiste no personagem motoqueiro de John Dale seguindo uma misteriosa mulher indígena (Oja Kodar) por um caminho bem obscuro e misterioso. Com as duas histórias acontecendo simultaneamente, uma dentro da outra. Mas o fator tão diferencial e marca registrada de Welles em cima do filme é se tratar de um “mocumentário”, um filme representando eventos de ficção, mas apresentados como se fosse um documentário. Mas que não deixa de soar como se fossem fatos quase verídicos da vida íntima de Welles e daqueles à sua volta.
A narração inicial em off de Brooks Otterlake, já denota isso quanto este diz estar documentando a misteriosa morte do amigo diretor Jake Hannaford, ao mesmo tempo que quase soa como um testemunho metalinguístico do próprio Peter Bogdnanovich ao falar de sua relação real com Welles ou na forma com que ele o retratou no personagem em que interpreta, errada, exagerada ou caricata? Que não compreendeu os sentimentos verdadeiros dele para com Welles, mas que para ele não se importa mais, apenas dar vida ao filme do velho amigo
E que, na melhor forma Welles de ser, relata a formação do filme e da narrativa assim como O Outro Lado do Vento se formou de fato, através do resgate de cenas e registros de cineastas e documentários que testemunharam a última festa de Jake Hannaford antes de sua morte, ou do resgate de todo o material filmado por Welles antes de sua decaída como artista em Hollywood.
E que, nas próprias palavras de Bogdnanovich, ou Otterlake, serve como um testemunho cinematográfico do artista e do homem que Hannaford, ou Welles, foram em seus últimos dias como diretor, vindo de um passado de glórias e buscando se adequar no cenário atual do cinema. Ficção e realidade andando de mãos dadas quase como sendo a mesma dentro e fora do filme.
Algo que o mundo com certeza perdeu a chance de ver se concretizar na época, que foi a chegada de Welles na era avant-garde do cinema americano, vindo de uma carreira iniciada no drama clássico nos anos 40 com Cidadão Kane e Soberba, passando pelo cinema Noir com Marca da Maldade e Dama de Shangai nos anos 50 e indo para o drama Shakespeariano com sua não oficial trilogia Otelo, Macbeth e Falstaff – O Toque da Meia-noite; chegaria a hora do mestre se aventurar na era dos cineastas jovens quebrando as normativas de estúdio e do cinema da velha Hollywood, apostando em filmes de autor e com um forte pé na realidade e no drama trágico de personagens. E Orson Welles, sendo o rebelde que sempre foi, estava pra se encaixar como uma luva nessa nova era.
Mesmo que O Outro Lado do Vento demonstre o quanto ele ainda se mantivesse o mesmo em seu estilo próprio e único, Welles estava em busca de inovar o que poderia se esperar da técnica e forma do cinema em sua época, e usa da história do diretor decadente de Hannaford como forma perfeita para isso.
O roteiro descreve diálogos carregados de nuances em temas tanto expelidos e explorados ao longo do filme, como novamente o fator criativo do diretor em fazer seu cinema numa época que não à dele; a adoção de técnicas e estilos modernos que possam atrair o grande público do "hoje"; a presença de jovens cineastas na festa de Jake discutindo o verdadeiro valor do cinema no cenário atual ou o que ele realmente apresenta no que outrora era a Nova Hollywood.
A diferença entre fazer um filme bom e um filme excelente. Poderia isso se refletir entre o filme feito por Hannaford, um suposto filme art-house com pretensões enigmáticas, e o falso documentário satírico de Welles?! Talvez. Um pouco pretensioso e ególatra por parte do diretor? Com certeza, mas quem disse que isso é algo ruim?! É exatamente por isso que Welles está se aventurando aqui fora de seu status como suposto mestre pilar que muitos lhe colocavam, e viria aqui adotar uma linguagem mais “amadora” ao mesmo tempo que carregue um certo toque classicista. Talvez demonstrado que não há uma distância tão grande entre ambos.
Há uma tonalidade bem próxima do brega na conjuntura dos diálogos, com longas pausas para efeito dramático e trocas de olhares penetrantes, com os personagens andando para um lado e para o outro enquanto o seu público de câmeras os cercam, o que mostra uma clara estrutura teatral adotada, com lugar para até monólogos repentinos e de efeito complexo e dramático quando vemos Hannaford do nada divagando sobre como "filmes e amizades são mistérios".
Que dividem espaço com os jovens cineastas e repórteres cinéfilos discutindo tanto sobre o cinema de Jake Hannaford como sobre suas intenções cinematográficas no cenário atual, e sobre o que raio se trata o seu filme (uma sutil tênue linha de mistério do filme, como todo filme de Welles possui), e a montagem intercala seus diálogos com os manequins de John Dale sendo carregados, onde você não pode evitar se não rir da forma com que Welles está tirando sarro dessa geração tão jovem com seus discursos pífios, idéias fúteis e pretensões inequívocas.
Contendo rápidas cameos de diretores como Claude Chabrol (Mulheres Diabólicas), Curtis Harrington (A Noite do Terror), Paul Mazursky (Bob, Carol, Ted E Alice), Henry Jaglom (Someone to Love) e Dennis Hooper (Sem Destino) e críticos como Pauline Kael basicamente interpretando ela mesma. O que torna todas as discussões desses personagens, embora carregadas de nuances sobre a forma social de idéias que indústria a indústria se forma, também mostram como Welles está pouco se lixando para tudo que dizem, pensam ou podem representar para o que é o cinema em si. O que indica um dos motivos pela escolha da linguagem documental que Welles adota aqui, que vai além do que sendo puro experimentalismo.
A linguagem puramente documental não é um estilo de filmagem que poderiam imediatamente se relacionar à Welles, mesmo que essa não tenha sido sua primeira e única excursão no mesmo, o que tanto prova sua imensa versatilidade nunca bem reconhecida como um exímio diretor visual como também inventividade ao adotar essa linguagem em uma narrativa ficcional e dramática que segue sim os moldes de três atos de estrutura, mesmo dentro de um desenvolvimento consistindo em cortes rápidos e abruptos e que exigem sim a máxima atenção do público para o que ele tem a dizer em seu desenvolvimento.
E o filme dentro do filme seria Hannaford, como uma óbvia personificação de Welles, no cenário atual tentando realizar um filme de cunho "artístico" tentando atingir o gosto da nova massa, ou melhor, realizando um filme que ele nunca realizaria, mas que está completamente satirizando o tom e estrutura de dramas Europeus, principalmente os filmes de Michelangelo Antonioni como: A Aventura, O Eclipse, Blow Up, Zabriskie Point
Sendo esse suposto filme de stalkerismo e suspense erótico nos moldes europeus de linguagem nula e contemplativa, passando inicialmente pelos cenários da Nova Hollywood cheio de motoqueiros, drogas, sexo e rock'n roll, e depois no final passando por cenários que lembram a velha Hollywood como uma viela que lembra uma clássica cidade Noir isolada ou um cenário de um filme Western abandonado. Uma cutucada violenta de Welles em querer demonstrar a total decadência da velha Hollywood agora dominada pelo silêncio inóspito da Nova Hollywood, onde só o violento vendo destruindo suas estruturas que se é ouvido.
Com seu forte teor erótico representando na misteriosa personagem feminina podendo facilmente ser interpretado como quase que uma personificação dos desejos "não puritanos" de Orson Welles. Não à toa, a atriz Oja era sua amante na vida real e subtende-se que é também de Hannaford dentro do filme, constantemente se dirigindo à ela como Pocahontas e ela denotando uma raiva latente e misteriosa em seu olhar, em “ambos os filmes”.
Todo um mistério de relações presente em ambas seções, em uma um ar de dominação sexual de uma força feminina misteriosa e perigosa sobre um jovem ingênuo, e na outra relações mais pútridas entre o diretor e o jovem ator protagonista que claramente mostra sinais de pressão e assédio psicológico quanto com sua misteriosa atriz co-protagonista. Tudo escondido ou apresentado como ecos entre a montagem corriqueira e misteriosa.
Um trabalho de montagem esse de Bob Murawski (e também previamente de Orson Welles) fantástica em sua proposta, mas que infelizmente fora acusada por alguns de fraudaria e “amadora”, talvez exatamente de forma proposital e seguindo o exato intuito original de Welles, sem falar que várias partes do filme já tinham sido montadas pelo mesmo. E é impressionante ver como tudo consegue ter uma continuidade lógica mesmo após ter passado por quase cem horas de filmagem e sofrido duras refilmagens, principalmente envolvendo todas as cenas com o ator Rich Little que originalmente estava interpretando o personagem de Otterlake, onde aliás dá pra se notar alguns poucos e rápidos takes de footage e silhuetas dele ainda presente para deixar a continuidade narrativa prosseguindo muito bem.
Tanto que as cenas voltadas para a comédia onde Bogdnanovich interpretava um repórter com os mesmos três jeitos de Jerry Lewis tiveram que ser cortadas. Não querendo dizer que o humor esteja ausente, muito pelo contrário, mesmo em um filme carregado de toques sarcásticos e amargos, é uma narrativa carregada de tiradas rápidas, improvisos exaltados dos atores e inúmeras piadas sutis envolvendo a indústria. Até na forma em que o filme é organizado provoca-se risos nervosos pela estrutura quase caótica em que se constrói.
A forma com que cada frame picotado de diferentes câmeras e ângulos, em cores e P&B se colidem sucessivamente, tudo se torna quase um festival surrealista com cores cristalinas e granuladas e diálogos ininterruptos entre velhos e jovens cineastas com a constante mudança de enquadramentos. Com o filme documentado sempre sendo capturado pelo quadradão 4:3, com a constante alternância entre cores das várias câmeras, e o filme dentro do filme sendo filmado em um widescreen belíssimo e mantendo uma coloração viva quase naturalista e as vezes algo perto do neon em uma cena particular que é enervante e inesquecível, e visualmente belíssima onde a misteriosa personagem de Okdar mostra seus “instintos” em prática.
Mesmo que busque se ater à essa linguagem crua da Nova Hollywood presente em sua linguagem experimental, muito naturalmente por parte de Welles que havia fazendo coisas completamente diferentes em seu estilo na época, há aqui uma forte mistureba quase confusa de gêneros se colidindo por todos os lados: uma comédia crítica e satírica do mundo de hollywood; um drama de forte cunho psicológico de um lado e um experimento metalinguístico de outro, tudo dentro de um cenário que aspira a decadência e o caos. A festa de Hannaford que Welles encena carrega uma energia de quase vida própria que lembra filmes como A Vida é Bela ou 8 ½ de Federico Felini.
Mas Welles não se atém em só a homenagear ou experimentar em estilos de diferentes artistas e movimentos de sua época, como ainda mantém muito da sua própria linguagem presente. A forma tão “classuda” com que ele filma Zarah Valeska, a personagem de Lilli Palmer, revela um sentimento tanto de contemplação pelo "old school" quanto de saudade da era clássica que foi seu nascimento no cinema afinal. Ou na forma como que Hannaford a chama de mãe sinaliza a vertente de pessoalidade e familiaridade muito íntima com a história.
A própria relação de Hannaford com Otterlake é claramente o mesmo tipo de relação de amizade que Welles e Bogdnanovich nutriam entre si, e são todas representadas de forma incrivelmente reais e contadas através de seu visual. Se por um lado nunca vemos Hannaford ou Zarah juntos no mesmo frame, indicando uma distância frustrante e triste para uma mulher que tanto admira.
E no outro vemos a relação mestre e discípulo, sempre grudados um no outro, revelando todo um aglomerado de sentimentos de admiração e inspiração, mas também inveja e frustração que certas decisões de um afetaram o outro e vice versa. O que ocasiona outra típica marca das histórias mais Shakespearianas de Welles como Falstaff, Otelo ou o próprio Marca da Maldade, uma traição irremediável.
Outra vez o eco autobiográfico que inevitavelmente se desperta na obra? Ou uma expedição mais à fundo e íntima do que faz de Hannaford ou Welles, um artista.
Não é difícil não notar, tanto assistindo ao filme quanto lendo sobre ele aqui, o quanto há óbvios ecos de Cidadão Kane presentes em O Outro Lado do Vento, muito na análise figurativa tanto do diretor quanto da pessoa que é Jake Hannaford, tudo à partir da visão particular das pessoas à sua volta e com quem convive mas nunca a partir dele (pelo menos até o final).
Para alguns isso vai soar como uma mera retomada do diretor de seus louros antigos, o que é o extremo contrário onde a obra se mostra ser uma óbvia visão tão autobiográfica de Welles para sua carreira, até mais eu diria do que seu prévio (e igualmente grandioso) Verdades e Mentiras. Mas enquanto aquele se figurava como um falso documentário sobre um artista fraudulento onde o narrador autoconsciente de Welles tomava quase total protagonismo da narrativa, O Outro Lado do Vento pode seguir um pouco da mesma linha de narrativa experimental, mas tem em si uma boa história linear à se contar, ou melhor, documentar.
E se enquanto Charles Foster Kane também servia como uma ousada sátira à figura do magnata William Randolph Hearst, um político conhecido pela sua personalidade exacerbado e controlador podre de rico. Jake Hannaford também se apresenta como sendo uma sátira de um personagem obsessivamente masculino como Ernst Hemingway (cuja relação com Orson Welles nunca foi das melhores), com um ar de machismo exacerbado que esconde uma homossexualidade enrustida por debaixo e especulada à sua volta que só o enerva.
Isso tanto deve-se à força narrativa que Welles conseguiu construir e sobreviveu ao seu tempo, como também desperta essas estranhas e fortes nuances que se refletiram na vida real dos artistas envolvidos graças à algumas ótimas performances que encontramos aqui. Todo o elenco está bem na verdade e ao longo do filme se tornam figuras únicas e memoráveis na vida de Hannaford.
Alguns principais destaques ficam à cargo de Norman Foster que interpreta Billy Boyle, o pobre assistente de Jake Hannaford, que faz de tudo pelo seu chefe inclusive tentar vender o filme para um produtor brucutu em uma cena altamente tragicômica, e conquista com sua personalidade engraçado e fofo ao mesmo tempo que carrega uma amargura latente de um artista frustrado e nunca reconhecido em seus olhos (o que Norman infelizmente fora na vida real). Enquanto Peter Bogdnanovich facilmente vai ser criticado como um completo canastrão, o que ele está sendo propositalmente (e era conhecido por ser exatamente assim em sua época de sucesso e reconhecimento).
Mas claro quem rouba os holofotes é John Huston na pele e alma de Hannaford. Elogios nunca serão o suficiente para esse homem, mas um casting mais perfeito para esse papel só poderia vir de seu grande amigo Orson. Pois, assim como Welles, Huston sempre fora um diretor vítima do controle de estúdios, quase sempre o obrigando a mudar os finais cínicos e sombrios de seus filmes, em que era completamente apaixonado, para os finais mais hollywoodianos. Um igualmente rebelde por natureza, mas que nunca perdeu o sucesso e reconhecimento por décadas, mas como ator agora ele também tem O Outro Lado do Vento para se gabar de seu imensurável talento.
Seu Hannaford carrega aquele ar de machismo quase caricato em suas vestimentas de caçador e forma de andar como um cavalheiro, se enchendo de bebida e nunca deixando de ser seguido pela extensa fumaça de seu charuto (tal e qual Welles). Ele consegue abrir uma repentina expressão de raiva e mudar num piscar de olhos para um olhar cínico; olhar com total desprezo para as câmeras que o seguem e logo abrir um enorme sorriso amarelo cheio de charme e com um carisma inigualável. Mesmo que por breves momentos você consiga ouvir ele imitando o tom de voz de Welles, mas nada tão distrativo, e nada que impeça esse de ser um formidável trabalho de atuação de um mestre em seu ápice.
No final, O Outro Lado do Vento é mesmo um posfácio de Cidadão Kane e o que ele representou para a carreira de Orson Welles, um fim decadente para alguém que outrora houvera sucesso e respeito e hoje se tornou uma piada trágica para seus ditos admiradores. E que talvez aqui possa recuperar um pouco que seja do respeito e admiração que outrora tivera. Mas o que exatamente ele quis contar em uma história de decadência intitulado de “O Outro Lado do Vento”?
A figura de Oja, tanto a atriz de verdade quanto à personagem que marcara presença nos últimos filmes de Welles, diz algo em Serei Amado Quando Morrer que talvez sirva como uma perfeita explicação para o que o filme realmente se trata. Ela apaixonadamente falava de Welles, e como seu aparente ar de ameaçador, de como aquela longa capa e chapéu pretos o fazia parecer a personificação do próprio vento, mas ela conhecia o outro lado desse vento, o vento que acariciava, fazia levitar e dançar, o verdadeiro artista de coração puro, alma selvagem e personalidade extrovertida.
E para uma sumarização óbvia é isso, entre muitas outras coisas a se interpretar, que é O Outro Lado do Vento, o outro lado inexplicável e misterioso de seu grande artista. Que se não teve com esse o grande retorno que tanto almejava, pelo menos teve sua grande despedida que faz jus ao seu gênio.
A Noite nos Persegue
3.6 175O público do cinema de ação atual creio que pode ser facilmente dividido em alguns grupos, dois dos principais se focam de um lado nos blockbusters de orçamentos gigantescos variados, e do outro, e o mais interessante, nos filmes de porradaria e tiroteio à moda antiga que pouco se levam a sério e trazem todos os clichês velhos e inimagináveis à tona.
Nem são inúmeros os exemplos a ressaltar desse lado, mas os destaques são pequenas pérolas do entretenimento moderno que muito já receberam suas pequenas legiões de fãs e admiradores, e que esperam um próximo filme dos seus diretores, atores produtores envolvidos etc; vide os recentes filmes do John Wick e os tão aclamado The Raid de Gareth Evans, como exemplos melhor conhecidos deste "subgênero" atual da ação.
Mas enquanto John Wick 3 não sai e Gareth Evans anda ocupado com seu retorno ao gênero do terror com seu recente Apóstolo na Netflix, há uma recente ótima surpresa que a Netflix presenteou esse ano e que pode saciar essa vontade por um filme de ação casca grossa, e esse é o indonésio A Noite nos Persegue de Timo Tjahjanto.
Na trama você tem exatamente a receita que você já viu antes e segue os caminhos e batidas previsíveis do mesmo, mas não pré-julgue tão facilmente antes de ver o que o filme realmente entrega. A história segue Ito (Joe Taslim), um executor de poderosas gangues nas Filipinas, é pego em meio a uma insurreição traiçoeira e violenta dentro de sua família criminosa intitulada de "A Tríade" ao voltar de um violento ataque no exterior e salvar a vida de uma criança inocente que agora precisa manter à salvo. Ao mesmo tempo que seu passado volta para assombra-lo na forma de seu velho amigo Arian (Iko Uwais), um assassino letal da Tríade.
Não é tão difícil discutir sobre o que se trata A Noite nos Persegue, nem necessário se alongar demais. Ser curto e grosso é exatamente o que o filme do infelizmente pouco conhecido Timo Tjahjanto é e exatamente o que essa crítica será.
O filme se inspira razoavelmente nas tramas de crime e ação dos filmes de Hong Kong, especificamente de Johnnie To como os excelentes Drug War e Eleição 1 e 2, ao mesmo tempo que segue os moldes já familiares de ação ultra violenta e cenografias de luta decoradas como um musical derivado dos filmes Indonésios do The Raid e do prévio filme de Tijo, o bem legal Headshot (também estrelando Iko Uwais).
Mas parece que foi com A Noite nos Persegue, que Timo parece querer criar algo mais próprio e autoral em seu estilo de encenar ação violenta e escapista. É como se ele tivesse olhado para os filmes do John Wick e pensado: “bah, isso é muito deprê”, ou chegado para o Gareth Evans e falado: “seus filmes são legais mas falta mais sangue e tripas neles”. Calcule isso tudo isso junto e você tem as 2 horas de filme à se assistir aqui.
Perdoe o linguajar no parágrafo à seguir, mas o que presenciamos aqui é uma torrente quase ininterrupta de lutas magnificamente coreografadas, balas voando para todos os lados, facadas em todos os lugares inimagináveis, ossos fraturados em ângulos dos mais criativos e mais sangue e gore do que talvez um matadouro produz em um ano. Gente eviscerada segurando as próprias tripas, garrafa quebrada enfiada na boca, uma garotinha esfaqueando o olho de um dos capangas, partes intimas estraçalhadas, cabeças metralhadas à queima roupa, estiletes atravessando a bochecha por dentro e tantos outros tipos de violência que, mesmo quando você deixa em pause, personagens parece que continuam a morrer.
A câmera é ininterrupta e segue cada chute soco facada e tiro com planos alongados e até viram de cabeça pra baixo se preciso. Com a fotografia de Gunnar Nimpuno sendo um pequeno deleite à parte, com uma mescla de cores esverdeadas e esbranquiçadas nas cenas matinais e interiores para ressaltar o máximo de sangue possível. E variando com uma belíssima coloração Noir nas cenas noturnas, o que só torna toda a ação estilizada sim mas inegavelmente bonitas de se ver.
E se vocês pensavam que os clássicos embates Peter vs A Galinha em Família da Pesada eram as porradarias mais sangrentas ou qualquer cena de ação com Jackie Chan eram as com maior uso de adereços nos cenários possíveis, aguardem só pela clássica luta final daqui. É um dos espetáculos solos mais excelentes e catárticos do filme. Que talvez só perca para a MELHOR cat-fight feita em anos que precede a esta no filme, que fazem algumas das coreografias corpo a corpo e luta com facas (com uma não tão estranha tensão sexual presente) das mais impressionantes. É pedir muito um filme derivado só da personagem de Julie Estelle, apenas chamada de “The Operator (A Operadora)”? Ela não só rouba a cena como quase mata o próprio protagonista. Além do que já têm um título prontinho pra se usar.
Tudo isso com um roteiro simplista e que expõe o mínimo necessário de possível relevância narrativa em sua trama, que mais uma vez não é nada demais e só serve como desculpa para vermos os personagens se esbofeteando e desmembrando do início ao fim. E que no final do dia só tem como importante e relevante mensagem de que amizade é tudo que importa em um mundo de violência e crime, com até decentes momentos de “tensão dramática” entre a boa dupla de protagonistas Joe Taslim e Iko Uwais, os dois que andam sempre juntos desde The Raid e que tão pra se tornar os Lee Van Cleef e Clint Eastwood dos filmes de ação Indonésios (ou algo parecido).
O que nisso revela uma boa influência dos filmes de John Woo como Alvo Duplo ou Fervura Máxima, no sentido que o filme se reconhece como um inevitável brega exagerado e estilizado e abraça isso no maior espetáculo de entretenimento possível, ao mesmo tempo que não esquece do coração de seus personagens carismáticos e interessantes, que até dedica cenas inteiras na pausa de toda a ação pra mostrar o passado de seus personagens e a conexão íntima e amigável deles antes de suas vidas se tornarem um verdadeiro inferno no tempo atual. O que claro nos fazem simpatizar emocionalmente e torcer pelos mocinhos e esperar ansiosos pela morte satisfatória dos vilões.
Onde o passado é uma boa e confortável brisa antes da tempestade furiosa e violenta que é o tempo atual. Mas é como o próprio filme sutilmente nos diz: quem raio liga para a história clichê de vida do crime e traições entre antigos amigos enquanto é muito mais divertido vendo eles liberando toda sua fúria em cenas de ação espetaculares, catárticas e brutais. Se for exatamente isso que você espera o filme vai te entregar em grande, te fazer virar a cara em certas cenas e abrir um sorriso enorme em outras.
Venom
3.1 1,4K Assista AgoraCreio que é escuso dizer que Venom não teve lá uma das melhores primeiras reações ou críticas "especializadas" logo em sua estreia. Com comentários comparativos e classificadores do tipo "nível Mulher Gato de ruindade" ou "o novo Batman e Robin". Nem adentrando aqui ainda em aspectos qualitativos sobre o filme, mas também não é tão escuso dizer que foram reações de níveis um tanto exageradas e muito aquém do verdadeiro nível de qualidade que o filme de Ruben Fleischer tem para apresentar. Se leram até aqui, já sabem o rumo que essa crítica vai tomar, pois se até mesmo Batman v Superman teve o seu direito à defensa, Venom também terá!
Mas encaremos, Venom estava longe de ser um dos filmes mais esperados ou um dos maiores criadores de expectativas entre os fãs e público do gênero como todo filme da Marvel cria anualmente, com algumas exceções aqui e ali como os filmes do Deadpool ou algum milagre da DC que não tenha sofrido interferência dos estúdios. O casting de Tom Hardy e a direção de Ruben Fleischer, melhor conhecido pelo ótimo Zumbilândia, pareciam interessantes, mas a má fama controladora da Sony e a presença de produtores como Avi Arad (o acusado de ter "estragado" Homem Aranha 3) só deixavam o resultado final imprevisível. Ou para os detratores de plantão, facilmente criticável como ruim ou fracasso mesmo antes de lançar, seja por acharem os trailers desinteressantes (o que foram) ou por simplesmente o filme não ter o selo da Marvel Studios.
Mas havia sim algo que mantinha o ar de esperança, que era tanto o fator promessa de ser um filme mais sombrio voltado ao terror, ao mesmo tempo que manteria uma carga de humor negro bem presente. E conhecendo o background de humor auto referencial de Ruben Fleischer, e ver como isso poderia se ater ao espírito bem trash das HQs do personagem título, era algo bom de se esperar que fosse mesmo entregar, e assim o entregou (exceto pelo terror).
Porém claro, os críticos e o público prontos para apontar qualquer sinal de defeitos, tem sim algumas boas razões para se criticar ou desgostar por completo, aspectos tanto estruturais como ritmo desconjuntado e narrativos (como sempre) que desenvolve um tom talvez mal compreendido em sua proposta final (mais sobre isso depois). Mas onde o filme realmente escorrega nesses aspectos e irrita os irritáveis logo de cara é em sua primeira meia hora de introdução.
Tome a cena inicial como primeiro exemplo. Que começa com uma construção de antecipação e clima misterioso até muito bem e sem pressa nenhuma na duração de seus planos de cunho "contemplativo" com a nave carregando os Simbiontes caindo na terra. Sugerindo a chegada da grande presença alienígena monstruosa chegando à terra como em O Enigma de Outro Mundo (com algumas óbvias inspirações mais tarde como o Simbionte tomando posse do cão). Mas de repente a cena parece querer se apressar quando logo mostra uma das vítimas da nave ensanguentada (querendo esconder quaisquer vestígios do R-Rated?!) e pulam diretamente para uma mulher infectada com um dos seres Simbontes saindo da zona, dando lugar para o título do filme abrir. Não é mesmo uma das formas mais inspiradas de se começar mesmo o seu filme.
Logo após isso temos praticamente os dez primeiros minutos de filme focados em estabelecer e desenvolver o personagem de Eddie Brock e o seu futuro encontro com o Simbionte Venom nesse novo universo da Sony, sem aparentes conexões com a Marvel Studios ou sequer a presença do Homem Aranha. A idéia em si para isso parece certa e boa intencionada no papel, ao colocar Brock como o jornalista arrogante e de instinto playboy famoso que é nos quadrinhos, que logo tem sua carreira indo ladeira abaixo por causa de sua investigação contra a empresa de Carlton Drake (Riz Ahmed), que lhe custa o emprego e o casamento com Anne (Michelle Williams).
O problema é que tudo ou é apresentado de forma apressada ou passa tempo demais em cenas desnecessárias (sinal da doença intitulada: sala de edição, ainda aparentemente intratável). E o fato de Riz Ahmed estar interpretando o "vilão visionário" 2.0 que já se cansou de ver incontáveis vezes no gênero também não ajuda muito quanto aos elogios possíveis ao filme. Embora eles comecem à aparecer exatamente quando vemos ambos protagonistas Venom e Eddie Brock se reunindo em um só ser, e o filme daí não deixa de entreter até o fim.
Isso é o resultado de ter um dos melhores e mais talentosos atores trabalhando hoje sendo um protagonista tão dedicado de seu filme. Hardy está magnético como sempre e mostra sua clara paixão em interpretar o anti-herói título e seu alter-ego igualmente interessante, fazendo com que tudo à sua volta no filme funcione bem em prol da narrativa.
Pode ser até desgastante ressaltar isso como um discurso beneficiário do filme contra o gosto geral positivo que os filmes da Marvel Studios atraem para si, e um certo preconceito (as vezes justificável) por filmes de personagens da mesma editora sendo feitos na Fox ou na Sony. Mas Venom se prova positivamente nisso em seus melhores momentos. Já que, no que vemos em prática, essa não é tanto uma narrativa centralizada em buscar construir um universo próprio e garantir um palco para inúmeras continuações (pelo menos até agora), e sim, ouso dizer, e por mais que possua suas inúmeras falhas, é um trabalho que muito se assemelha ao que Sam Raimi fizera com seu Peter Parker e o Homem Aranha na sua clássica trilogia.
Talvez não com a mesma relação flamejante de amor e admiração entre autor e personagem como fora o caso em sua trilogia, mas essa paixão parte da imensa dedicação que Tom Hardy entrega ao seu personagem. Fazendo de seu Eddie Brock um sujeito falho mas extremamente simpático e com carisma de sobra.
Proporcionando muito a construção do seu arco principal construído no roteiro e denotando temas que tanto podem ser interpretados como séria depressão em sua reclusão destrutiva e a pressão do desemprego que se desencadearam após seu triste término. E a óbvia crise de identidade refletida em seu guia moral frágil para com as pessoas à sua volta, tanto no seu “egoísmo” acovardado em não ajudar uma mulher durante um assalto, como também em seu relacionamento com Anne e sua incapacidade de impor de verdade seus sentimentos para com ela e suas frustrações.
O que faz da chegada de Venom em sua vida uma espécie de autorreflexão e guia figurativo para com que ele consiga confrontar seus erros passados e levá-lo em uma jornada de reconhecimento e auto-aceitação. Temas estranhamente sérios e interessantes para um filme de heróis genérico não é mesmo?! E grande parte disso deve-se a grande devoção de Hardy que demonstra o quanto ele se adequa e se entrega de alma e coração à todas as facetas que o personagem pode despertar: o humor, o drama, o tragicômico e o autoconsciente de sua personalidade brega e inevitavelmente engraçada.
O que pode com certeza pode ser confundido e (novamente) facilmente julgado como um tom atrapalhado e um filme que não sabe o que quer ser, onde temos algo muito pelo contrário. E a direção de Fleischer acompanha e consegue construir essa mistura de gêneros de forma decente e tão bem casadas.
Se nos filmes do Aranha de Raimi íamos de um discurso emocionante sobre poderes e responsabilidades para depois ver Peter vestido de Wrestler se intitulando de "Aranha Humana", ou largando para trás seus poderes e responsabilidades de herói que só lhe trouxera tristezas para depois o vermos caminhado feliz na clássica cena "Raindrops keep falling on my head". Em Venom vemos Eddie tanto vendo um assalto ocorrendo sem poder fazer nada para impedir ou tendo seu coração quebrado ao ver sua amada Annie com outro, para depois o vermos mergulhando num aquário de lagostas só para as comer ou chamando um bandido de "cocô ao vento".
Até o papel do vilão pode se dizer que se integra à isso. Enquanto no primeiro Homem Aranha víamos Norman Osborn tendo um duelo de moral quase Shakespeariano com a sua outra persona, o Duende Verde, frente à uma fogueira para depois vermos ele cantando: "Uma aranhazinha subiu pela parede". Enquanto em Venom temos Carlton Drake em uma cena se auto comparando com Abraão e seu experimento sendo como o sacrifício sagrado de Isaque para Deus, para depois mais tarde o vermos sendo literalmente violado por uma garotinha possuída pelo Simbionte de Riot.
Mas como dito, isso são apenas parte da fina base de seriedade que o filme possuí para si, e acertadamente o afasta de outros atuais do gênero, mas tampouco são forçados dentro do filme como um todo. Até a relação amorosa é apresentada de forma decentemente realista e tematicamente relevante como outrora dito, embora Michelle Williams não esteja dando nem 50% de seu potencial ou tenha um pingo de química com Hardy. Embora ambos tenham uma cena em particular que é, no mínimo, interessante envolvendo a SHE-Venom e um beijaço apaixonado entre Eddie e o Simbionte em posse do corpo de Anne. Com certeza é a cena “Martha” do filme, ou você vai amar ou odiar.
Mas de volta onde o filme realmente mostra sua verdadeira face de entretenimento puro e divertido que é na relação moderna Dr Jekyll e Dr Hide entre Eddie Brock e Venom, duas mentes dividindo o mesmo ser e que ocasionam alguns dos momentos de ouro e totalmente “Trash” que pouco se vê atualmente. Porém não o fator trash de filmes como Batman e Robin ou Spawn de tão ruins que se tornam divertidos de assistir, e sim em ser um filme assumidamente Trash.
Os diálogos entre ambos é recheado de palavreados e tiradas rápidas quase desenfreadas, e Hardy tanto o timing perfeito para as duas personas como também consegue convencer na personalidade de ser uma pessoa possuída e sem controle próprio, quase lembrando a relação de amor e caos entre Armie e seu carro possuído em Christine de John Carpenter. E a voz e personalidade física toda asquerosa mas com um tom tão imaturo e extrovertido na forma com que se fala do Simbionte Venom é diretamente tirada das suas HQs solo como Planeta Simbionte.
E o CGI, por contrário do que muitos pensam, particularmente convencem na maior parte do tempo, embora se use do velho truque encenação à noite para fazer os planos mais abertos com os Simbiontes e “disfarçar” possíveis falhas. Mas aí quando você compara a fidelidade espiritual e física do personagem aqui em comparação à Homem Aranha 3 você nota o grande avanço que é.
O fato é que toda essa personalidade de humor negro de seu forte lado Trash poderia ter sido muito melhor beneficiado pela faixa etária para maiores. Tome por exemplo a fissuração do Venom por comer as cabeças dos “caras maus" que já é bem engraçada em sua forma caricata, mas que poderia ter sido muito mais se os estúdios não tivessem se borrado novamente pensando em números de bilheteria, e ter deixado o filme ser livre para ser o que com certeza era a intenção original de Ruben Fleischer e seu trio de roteiristas Jeff Pinkner, Scott Rosenberg e Kelly Marcel: fazer uma comédia negra e violenta com toques de terror. Mas em vez disso, o que tivemos foi uma espécie de filme de ação sombrio e cômico quase Trash vestido de filme de quadrinhos (o que também não é nada mal).
Falando em ação, esta que também não é nada ruim também. Tirando algumas breves cenas com um desnecessário uso de câmera lenta, o resto das lutas práticas e a boa cena de perseguição de carro em São Francisco são competentemente bem dirigidas. Até mesmo a escolha do frame acelerado nas lutas dos Simbiontes funciona até certa medida para mostrar a extensão dos poderes das criaturas. E para os que se queixaram da "poluição visual" das mesmas (indo até comparar com Transformers), tudo o que tenho a dizer sobre é que elas são até "pior" nos quadrinhos.
Mas verdade seja dita, “fidelidade aos quadrinhos" em técnica ou narrativa está longe de ser um argumento positivo para um filme (ambos os filmes O Espetacular Homem-Aranha tão aí como prova disso), mas quando feito corretamente, pode resultar em filmes tão encantadores, com voz e estilo próprios dentro do gênero de super-heróis, como a já mencionada trilogia Homem Aranha de Sam Raimi, Batman V Superman, X-Men: Primeira Classe, Deadpool 1 e 2.
Venom pode mesmo não alcançar todos os níveis desses filmes, mas mostra que se esforça para ser isso em todos os seus melhores momentos de boas qualidades. Os diálogo sombriamente cômicos e os conflitos mentais entre o anti-herói e seu novo corpo funcionam muito bem graças ao seu grande ator principal e o filme é, mais uma vez, longe de ser o desastre como críticos decidiram colocá-lo como tal. E asseguro, que se o filme tivesse o logotipo da Marvel Studios da Disney e a especulada cameo do Peter Parker Tom Holland, estaria agora marcando 86% no bendito Rotten Tomatoes que todos ainda dão tanto crédito.
Bem, se baseando no relativo sucesso desse filme e que venha mesmo dar início de um novo universo cinematográfico com vilões do Aranha em seus filmes solos, só peço por mais um pouco do Carnificina de Woody Harrelson e por mais filmes de estilo tão únicos e diferentes assim.
Blade Runner 2049
4.0 1,7K Assista AgoraCertamente já devem ter escutado o quanto o cinema atual vem se esfateando na nova moda decorrente de produzir continuações diretas de antigos clássicos, no intuito de resgatar o sentimento de nostalgia e criar uma base para uma nova franquia moderna e fazer bilhões com o público atual, Star Wars que o diga. Bom, se por enquanto esse suposto "trade" passar longe da nostalgia barata e qualidade sofrível e altamente genérica de filmes como "Independence Day: O Ressurgimento" ou Terminator Genesys e continuar trazendo filmes com a mesma qualidade da nova trilogia Star Trek; "Mad Max: A Estrada da Fúria"; "Creed"; o próprio "Star Wars: O Despertar da Força" e "Os Último Jedi", e agora "Blade Runner: 2049", então por favor, continuem trazendo filmes assim!
Ainda me impressiona o fato de um filme desse porte ter sido financiado nos dias de hoje. Não que isso descarte o fato de que estúdios procuravam criar mesmo o início de uma nova potencial franquia ao ressuscitar o nome de Blade Runner para o cinema atual. Uma idéia de se fazer uma continuação para um dos marcos mais originais e únicos do gênero da ficção científica até hoje, soa por alto, completamente desnecessária, como é o caso óbvio de muitas franquias que tiveram o nome ressuscitado recentemente. Mas aí quando você tem o financiamento vindo de um cara ambicioso em sua visão como Ridley Scott e que concede a total liberdade para um prodígio diretor em constante crescimento como Denis Villeneuve, que é um fã assumido do filme original, e possui um olhar único para se contar ambiciosas histórias, o resultado é algo que não poderia ser abaixo da média, e não é.
E ele era mesmo o diretor atual perfeito para assumir um título como Blade Runner, com todos os seus filmes recentes dessa década, que conquistaram grande atenção e apelo crítico, se mostrando quase que como um preparo do diretor para o que ele viria a realizar de grande aqui. O thriller de forte teor dramático com o serne de sua trama sendo focado na troca de laços familiares tirado de Incêndios; o suspense policial com uma carga soturna e brutal de Os Suspeitos; o mistério experimentalista e visual, de aura surrealista de O Homem Duplicado; sua criação de suspense e tensão crescente através da diegética do som, visual e exímia montagem acompanhado da reação perspectiva de seus atores, como fez em Sicario; e o filme sci-fi com temas de escala universal sendo contados a partir de uma escala dramática ricamente íntima e complexa como fez em A Chegada.
Tudo isso que lhe permitiu aqui por os pés na criação de Blade Runner 2049, o seu digno grande épico feito após anos de preparo em seu rico cinema independente e por em prática em uma escala que talvez ele nunca imaginasse ser capaz de realizar.
Um digno filme de caráter artístico, e um dos melhores exemplares de uma narrativa contemplativa sendo feita no cinema atual, se disfarçando descaradamente de um blockbuster milionário. Que inevitavelmente, já permitiu vários pensamentos ignorantes serem criados sobre ou como o filme é chato ou sonolento, sem sentido e sem ação, ignorando, desconhecendo ou até desprezando o trabalho cinematográfico em seu estado mais bruto e natural que Villeneuve cria aqui.
Que aproveita de seu gordo orçamento para por em prática todo o seu potencial de crianção (e expansão) de um universo grande e próprio, realizando uma verdadeira continuação do clássico de 82, sem nunca recorrer (de forma exagerada) à nostalgia ou copiar elementos passados e anda com as próprias pernas dentro do mesmo universo. Fazendo talvez o mesmo que James Cameron fizera em "Aliens" ou Coppola em Poderoso Chefão Parte 2, e expande o universo do filme original em novas escalas e novos conceitos ainda tão fiéis à literatura original de Phillip K. Dick, se mostrando como outro exemplar tão marcante do gênero sendo feito nos dias de hoje e construindo um futuro distópico assustadoramente realista, mas sem perder a personalidade Noir futurista do seu clássico original.
Sendo beneficiado pelo trabalho brilhante de um artista feito Roger Deakins na criação de uma fotografia deslumbrante, frame por frame, e outra composição inventiva e diegética de uma memorável trilha de Hans Zimmer, que em nada deve ao trabalho original Vangelis; ajudando a dar vida ao mundo de Blade Runner 30 anos mais velho e possuindo uma ótica quase surrealista em sua escala utópica grandiosa e hipnotizante. Sem se esquecer dos elementos do cinema Noir impregnados no seu filme original, se mantendo ainda firmes e fortes aqui em uma trama carregada de mistérios intrigantes, laçados por uma aura dramática intimista e elevados por um sentimento de inevitável tragédia através de complexos personagens que o exemplar roteiro de Hampton Fancher e Michael Green aqui constroem.
Não se esquecendo, ou desfazendo, da marca mais importante da história e narrativa de Blade Runner, que vão além das simples explorações temáticas sobre o que é ou o que faz o "ser" humano". Que é a complexidade de suas variadas questões onde o brilho é a ambiguidade de suas respostas, talvez inexistentes ou sem importância. Seja presentes no mundo futurista acinzentado em que seus personagens habitam e suas relações pessoais com este, ou entre si.
Refletido perfeitamente em um elenco estelar que formam esse digno próximo capítulo da história. Com óbvio destaque indo para Ryan Gosling e sua criação tão sutil em feições mas carregada de emoções do seu personagem K, com uma solidão e vazio cotidiano ansiando por algo à mais na sua vida, um propósito em uma ação que prove sua humanidade ou sentimentos genuínos de amor e prazer que a figura de sua amante da Joi, de uma surpreendentemente complexa (e ambígua) Ana de Armas talvez não seja capaz de dar, pelo menos não da forma com que ele anseie, como qualquer humano.
O mesmo pode ser dito aos personagens de Wallace de Jared Leto e a Luv de Sylvia Hoeks que passam longe de serem caricaturas de seus papéis do vilão de mente brilhante e a capanga porradeira. Trazendo cada um consigo um nível complexo à mais em suas características, Wallace com seu ego inflado (um tanto justificável) de criador de vida, coberto em arrogância e frieza disfarçados com um ar de messiânico e questionáveis "boas intenções". E Luv, a subserviente extremamente leal e letal em seu ar intimidador, mas que carrega um bizarro sentimento de valorização pela vida que a faz derramar lágrimas a cada nova vítima. Por vezes até levando o sentido literal de seu nome em boa prática, tanto em seu intenso amor pela subserviência ao seu mestre criador
ou no combate mais metafórico da década quando o AMOR feminino tira literalmente a vida de K que tanto o buscava. Ironicamente genial não?!
E claro contamos ainda com Harrison Ford, também passando longe de ser uma caricatura antiquada e envelhecida do seu personagem Deckard, mostrando sua veia dramática mais afiada do que nunca ao expressar tanto do personagem com um olhar cheio de pesares e dores não resolvidas do passado. E se você pensava que já era difícil perceber a verdadeira espécie ou raça do personagem, humano ou replicante, no filme original, só vai encontrar esse questionamento aqui duplamente ambíguo. Com seu personagem também sendo colocado num surpreendente pedestal de relevância e importância dramática dentro do arco do personagem de K, e uma bela conexão criada entre os dois na narrativa.
Onde ambos, esses dois replicantes ou humanos, vividos à uma vida de sofrimento, perdas e frustrações, encontram em si a chance de alçar tudo que lutaram para conseguir. Seja Deckard uma vida sem mais fugas e poder aproveitar pela primeira vez o amor que criou, e K a chance de provar sua humanidade e talvez, no final, encontrar sua alma, como lágrimas na neve.
Mas classificar Blade Runner 2049 como sendo apenas uma EXCELENTE continuação talvez simplificar uma obra que se mostra muito mais do que se apresenta. É um exemplo soberbo de um blockbuster milionário moderno ousando em suas ambições e mostrando um viéis artístico que invoca o melhor que um filme pode a oferecer. Uma história intrigante que clama pela paciência e atenção do público para contemplar e refletir nas ricas temáticas sobre o mundo e a humanidade, sendo transpostas por um exímio roteiro e um visual rico em cada detalhe de sua concepção utópica e ultra realista, junto de uma trilha diegética e invocativa que te emerge em seu universo, e um elenco pontual em cada detalhe individual de seus personagens.
Tudo comandado por um diretor no ápice de sua carreira, mostrando o melhor de sua direção com exemplar esforço posto em cada detalhe técnico e dramático que constroem e fazem de Blade Runner 2049, não só um sucessor digno e merecedor do seu filme original, se igualando lado a lado (se não superando), como se mostra sendo uma das melhores continuações que o cinema já produziu até hoje. E claro, um dos filmes mais bravos e ambiciosos que a década viu até hoje e cujo o tempo só fará justiça.
Deadpool 2
3.8 1,3K Assista AgoraNão sei se repararam, mas fazia um bom tempo que eu não via um título de uma continuação, ainda mais de um blockbuster, que vai direto ao ponto se colocando como o "2" ou segundo capítulo de sua história já iniciada. Sem nenhuma abreviação como "Parte 2" ou "Volume 2" ou algum subtítulo disfarçando seu caráter de continuação direta ala Star Wars ou Senhor dos Anéis. Mas não com Deadpool que tivemos o bom e velho "2" no final de seu título. Mas ainda assim, isso não garante que o filme irá escapar da sombra ou maldição que acompanha os filmes continuações de grandes sucesso por anos até hoje. E com isso, creio que "Deadpool 2" será outra daquelas continuações em que as expectativas dos fãs ditam a "qualidade" final do produto, mas não o que ele realmente é ou se propõe à ser.
Talvez termine por sendo uma questão de gosto pessoal ou minhas datadas memórias positivas do primeiro filme, que ainda acho ótimo, mas que esse seu segundo capítulo consegue superar de diversas maneiras diferentes. Primeiramente por fugir de (quase todas) expectativas que os fãs fanáticos depuseram em querer ver no segundo filme, algo "maior e melhor", e sim priorizar sua atenção em expandir e evoluir tudo de qualitativo em seu primeiro filme e se arriscar em explorar percursos diferentes do que se pode ser esperado do personagem e seu universo à essa altura.
E é exatamente o que temos aqui, um filme do Deadpool com o humor negro ainda mais forçado e as piadas toscas mais alongadas que você verá desde as últimas temporadas de "Família da Pesada"; o dobro do banho de sangue que você viu no primeiro filme e nem tanto quanto em Logan; e um estudo dramático de um personagem em busca da sua perdida felicidade e a descoberta do valor da família...Pera...isso é um filme do Deadpool? (PODE APOSTAR SEU CU QUE SIM MEU CARO AMIGO! - Você de novo aqui? - RELAXA SUAS TETAS E BORA COM ESSE TEXTO LOGO, E É MELHOR IR ELOGIANDO! - Farei o meu melhor).
O fato é que criticar filmes tão autoconcientes de si mesmo, como ambos os filmes de Deadpool, é uma tarefa um tanto complexada (VOCÊ ADORA USAR PALAVRA DIFÍCIL EIN, PUTA QUE PARIU). Sempre realçando os problemas que (propositalmente? - AM...SIM CLARO) comete nas suas estruturas de filme de super heróis e fazendo constantemente piada de si mesmo, para depois se improvar e reformular em alguns percursos narrativos inesperados para onde leva seu personagem tão vivo e autoconsciente e surpreende positivamente muito mais do que pode vir a desagradar. Isso é Deadpool 2!
Um filme resultado do sucesso consagrado do seu primeiro hilário e divertido filme, livre para ser violentíssimo e desbocado como seu personagem tanto requeria. Mesma liberdade que viria a ser concedida para Logan e sua história tão sombria, íntima e dramática, o que só destacou ainda mais os filmes da Marvel Fox do resto dos outros universos de super heróis e da própria Marvel Studios. E Deadpool 2 é essa contínua amostra de ambos desvencilhamento e autoria criativa dentro de sua própria franquia e personagem.
Se por um lado é um frenético e ultra-violento filme de ação bem nos melhores moldes oitentistas, é por outro também uma comédia metalinguística desbocada e hilária (ambos esses últimos EM DOBRO de dose na versão Super Duper Cut - PELO MENOS NÃO FOI UMA VERSÃO ESTENDIDA PRA SALVAR O FILME QUE NEM O SEU AMADO...- não começa! - DESCULPE MARTHA). E surpreende sendo também um pequeno drama íntimo e envolvente sobre amor e família, como o próprio Deadpool diz. Onde as escalas do conflito nunca se agravam para conflitos mundiais como outros do gênero, e sim internos entre seus personagens de destaque, realçando aqui fortes temáticas sobre perda e redenção.
Seja na perda amorosa do anti-herói, na perda da família de Cable (de um sempre ÓTIMO Josh Brolin - VOCÊ SEMPRE FALA ESSAS PORRA ASSIM), onde ambos encontram a solução de sua dor no jovem Russel/Firefist, com diferentes métodos é claro, e com o resultado de suas ações para com o menino sendo a resolução de seus conflitos pessoais em fazer um bem maior do que eles. Algo muito mais intrigante e envolvente do que termos uma figura de vilão genérico e lida dramaticamente o emocional complexo de dois personagens. Isso dentro de um filme do Deadpool? Da onde isso veio???!!! (BEM, SE A GENTE AUMENTASSE A DOSE DE HUMOR OU SERÍAMOS CHAMADOS DE COPIADORES DA MARVEL OU LEVARÍAMOS UM PROCESSO POR INJÚRIA RACISTA E HOMOFÓBICA - bem colocado).
Até os outros personagens secundários compartilham do mesmo tema e tem seus arcos individuais à se desenvolver. Seja na perda de confiança na amizade do Colossus para com o Wade; na busca de Dopinder para ser alguém importante, um super herói, posto que lhe é constantemente negado; ou com Domino em sua busca pela sua razão cósmica de estar na X-Force ajudando ao Deadpool (com uma muito boa e carismática Zazie Beetz em cena - E COM A SUVACA PELUDA, REPAROU? SEXY - e que merecia muito mais de tempo em cena!). Um filme de super heróis com personagens coadjuvantes bem delineados e que recebem seu momento para brilhar? Quem disse que só Vingadores na Marvel sabia fazer isso? - TODOS OS CRÍTICOS QUE CHUPAM O MCU ATÉ NÃO DAR MAIS).
Tudo poderia funcionar perfeitamente seguindo esta base pequena e íntima do filme, o que segue em sua maior parte e é ótimo. Mas Deadpool 2 também obedece as leis de mercado de super heróis e para agradar seu público traz sim algo maior e com tudo que o público gostou do primeiro filme, talvez até demais. Não necessariamente algo maior em escala orçamentária, que sim está presente e até de forma bem conservada e focada, mas no intuito de trazer tantas piadas hilárias para o personagem e linhas dramáticas à se explorar para os personagens, o filme acaba ficando sobrecarregado.
Basta apenas comparar ambas as versões do filme e nota-se as diferenças de materiais usados ou substituídos e nunca formam uma mistura completamente perfeita. Ao ponto de deixar o sentimento de algo estar faltando na forma com que o filme se estrutura. Um primeiro ato lento, uma intercessão apressada para o segundo ato, e depois tudo flui bem até o final. Desejaria uma Ultimate Cut onde pudéssemos ter o melhor de cada versão e assim termos um definitivo Deadpool 2 (VOCÊ JÁ TÁ EXIGINDO DEMAIS E LEVANDO ESSA PORRA DE TEXTO MUITO PESSOAL - tenho meu direito como fã à reclamar por service bem feito - QUOTANDO O ÉRICO BORGO AQUI? PUTZ).
Outro quesito que o filme deixa "à desejar" é a direção de David Leitch. Vindo da ótima dupla que dirigiu o primeiro John Wick (ao lado de Chad Stahelski - NINGUÉM SE IMPORTA) que lançou sua carreira como diretor, Leitch até agora se mostrou ser um pouco sem gosto ou sal de essência para sua direção, isso tendo em conta apenas seu único trabalho solo de direção que foi o mediano Atômica, mas que lá pelo menos conseguia fazer a ação brilhar e elevar o filme. Aqui ele se beneficia do bom roteiro do trio Rhett Reese, Paul Wernick e...Ryan Reynolds (?! - OU YEAH, CHAME ISSO DE PRETENSIOSO, HEHE), e comanda muito bem a essência do material e é bastante inventivo nas cenas de ação (a montagem intro é EXCELENTE e ainda melhor na versão Super Duper Cut, embora desacelerada em ritmo). Embora use alguns cortes um tanto frenéticos em certos momentos que deixa as cenas um pouco embaralhadas e até frenéticas demais em momentos pontuais.
Mas em mesmos pontos pontuais, temos algumas ÓTIMAS sequências. Os clássicos embates anti-herói vs anti-herói entre Deadpool e Cable são perfeitinhos; as cenas mostrando os poderes da Domino possuem uma inventividade cênica e de montagem claramente inspirada em Buster Keaton com alguns steroids e CGI; tudo envolvendo a aparição do Fanático é um fan-service delicioso; e o screen-time devotado à equipe X-Force e eles entrando em ação é puro ouro!
Porém encarando os fatos, e sua sobrecarga de conteúdo que talvez não seja a mistura mais perfeita, Deadpool 2 é sim a rara continuação que dá um passo adiante no quesito de evoluir e explorar seu personagem tão bem conhecido por caminhos talvez surpreendentes para os fãs. E mesmo em meio de tantos outros filmes desgastados do gênero e até outros do mesmo que já quebraram a quarta parede e se arriscaram no R-Rated muito antes de Deadpool, ambos os filmes até agora se provaram como sendo algo muito especial e com voz única para se manter vivo e fresco por muito tempo ainda.
Seja pelo casamento perfeito e insubstituível entre ator e personagem que Ryan Reynolds tem com Wade/Deadpool; seja pelo bravo trabalho de sua equipe criativa em balancear o humor politicamente incorreto de seu personagem título junto de seu drama íntimo, e de cada um dos personagens, fazendo o púbico tanto rir alto quanto simpatizar de verdade com Deadpool e sua peculiar família.
Isso que me leva a encarar o quanto ambos os filmes do Deadpool resgatam muito do espírito dos filmes originais dos X-Men de Bryan Singer (e até dos mais recentes, apenas uma opinião pessoal - NINGUÉM LIGA PRO LIXO QUE VOCÊ GOSTA), pois enquanto eles sendo blockbusters de orçamento considerável, nunca se elevaram tanto para um percurso de altas pretensões megalomaníacas e sim sempre mantiveram sua atenção narrativa para os conflitos pessoais de seus personagens, sem deixar de explorar seus poderes de mutantes super-heróis de forma divertida e escapista. E isso tudo Deadpool 2 realiza com proeza de sobra (ORA ORA, MUITO OBRIGADO. - O prazer foi meu, nos vemos em X-Force agora? - SE O MCU NÃO FUDER COM A GENTE DEPOIS DESSA COMPRA DE ESTÚDIOS AÍ...).
Missão: Impossível - Efeito Fallout
3.9 788Agora sim, é assim que você faz um verdadeiro filme de espionagem ÉPICO. E o "épico" da palavra tanto vem de sua escala orçamentária quanto os níveis ambiciosos de ação e narrativa que o filme tenta (e nesse caso aqui, consegue) nos levar. E sim, essa é minha forma de dar um sutil pitaco comparativo com outro filme de espionagem de uma franquia bem famosinha, cujo último filme entregou algo muito abaixo do esperado, e por ironia veio no mesmo ano em que Missão Impossível tinha seu quinto ÓTIMO filme sendo lançado, e que lidera agora com seu ainda melhor sexto filme enquanto a franquia do 007 continua num hiatus temporário. Ainda estamos no seu aguardo senhor Daniel Craig!
Claro que isso não quer dizer que não tive minha boa dose de diversão com "Spectre" e sua escala gigantesca e constantes excelentes cenas de ação que seu diretor Sam Mendes se provou saber comandar e conceber tão bem. A intro no dia dos Mortos e a perseguição do avião tão aí pra provar como o filme se mantivera acima da média.Mas aí quando você via as tentativas dramáticas e temáticas que a narrativa tenta forçadamente empurrar goela abaixo dentro do filme, você depara com uma trama boba, atrapalhada e quase idiota que foi concebida ali.
Um belo resultado das falhas tentativas da franquia 007 em tentar adicionar elementos demais de "O Cavaleiro das Trevas" de Nolan para seus últimos dois filmes, no intuito de buscar ser mais "tenso", "sério", "REALISTA", "dramático" e "eletrizante" ao mesmo tempo que tentava ser o velho Bond blockbuster de ação divertido e descolado do passado. Em "Skyfall" isso até funcionou em grande parte enquanto em "Spectre"...nem um pouco.
Busco não exagerar em dizer e atestar em como no novo capítulo da franquia Missão Impossível, “Efeito Fallout" despretensiosamente mostra que É POSSÍVEL sim você fazer um excelente filme de ação e espionagem com os requisitos de blockbuster de diversão e humor junto dos orçamentos milionários e durações (as vezes) bem alongadas que os fazem parecer verdadeiros épicos, e na mesma medida ter personagens e história intrigantes bem escritas e que conseguem se levar à sério sem soarem enfadonhos e ser dramaticamente envolvente do início ao fim.
E isso é mais uma prova de como um dos grandes trunfos característicos da franquia Missão Impossível ainda é o seu grande aliado desde o primeiro filme até hoje, e que marca seu grande diferencial entre tantas outras franquias de sucesso hoje em dia: seus diretores.
Tirando alguns dos exageros estilizados de John Woo no segundo filme (que particularmente não acho nem de longe completamente desastroso como tantos dizem), cada diretor da franquia mostrou ter uma voz própria para cada filme da franquia, o que trazia esse grande charme diferencial em tom e estilo entre cada filme, mas sempre mantendo os mesmos personagens (em boa parte) até hoje. Christopher McQuarrie mostrou junto de Tom Cruise tão bem isso, que mesmo este sendo o único diretor até hoje à voltar para outro filme da franquia, ele mostra querer trazer algo diferente e novo para o sexto capítulo da franquia do agente Ethan Hunt.
Similarmente à "Spectre" do Bond, "Fallout" também é o capítulo que tenta costurar todos os filmes até agora em uma linha única de continuidade narrativa e história, ao mesmo tempo que resgata vários dos trunfos passados de cada filme e busca junta-los em um só filme.
Possuí a mesma trama intricada em mistério e reviravoltas como o primeiro filme de Brian De Palma, que pede ao público prestar atenção em cada linha de diálogo sendo dita e que mostra como cada peça é importante para a trama que está sendo construída; é assim como no terceiro filme de J.J. Abrams, uma história movida tanto às constantes reviravoltas inesperadas mas principalmente pelo drama íntimo do personagem e como as consequências de seus atos e escolhas tanto servem para construir os perigosos desafios que seus antagonistas o põe para enfrentar, assim como moldam as características do ótimo protagonista que é Ethan Hunt e que mais uma vez volta aos holofotes dramáticos da franquia. Diferente de seus dois antecessores que, embora ótimos, priorizaram a diversão escapista bem realizada antes de tratarem sua trama e personagens com mais foco e carinho (embora "Nação Secreta" tenha conseguido fazer isso bem melhor na minha opinião).
Não negando o fato de que ambos "Protocolo Fantasma" e "Nação Secreta" ainda marcam influência aqui no que diz respeito à criação de verdadeiro espetáculo visual catártico e escapista, extremamente bem concebidos e COMPLETAMENTE divertidos. Se franquias como "Velozes e Furiosos" (boa em sua própria e diferente maneira) fazem o seu público indagar como vão superar as cenas de ação que à cada novo filme desafiam um novo tipo e nível de "ridículo", temos em contrapartida com Missão Impossível que, embora busque fazer o mesmo, sempre manteve seus pés no chão da realidade o máximo que pode, mas sem se auto impedir de entregar alguns dos mais insanos e incríveis trabalhos de coreografia de ação da indústria até hoje. Com cada filme conseguindo mesmo superar o último nesses quesitos, e Fallout é sem dúvidas o filme da franquia com as melhores cenas de ação da franquia (pelo menos até o momento).
E isso tanto graças à persona Jackie Chan americano que Tom Cruise vêm assumindo por anos com seus trabalhos de coreografia de ação (quase) sem dublês, que ajudam à criar a palpabilidade física e a tensão enervante que as cenas de ação causam nos espectadores; quanto também ao olho criativo e inventivo de McQuarrie em saber dirigir TÃO bem seu filme. Se mostrando um perfeito herdeiro atual de caras como Martin Campbell (Casino Royale) ou John McTiernan, em conseguir manter a ação centralizada em câmera e sempre deixando os cortes e transições sempre fluindo sem fazer um caos visual confuso.
Seus movimentos de câmera sempre precisos e carregados de adrenalina, e o uso de belíssimos planos abertos tanto em lugares fechados como a inesquecível e brutal porradaria no banheiro, que parece uma coreografia de Buster Keaton em steroids, quanto em uma grandiosa perseguição de helicópteros nos alpes indianos. Criando não só uma tensão e adrenalina visual como também sonora auxiliado pela trilha de Lorne Balfe, que toma inspirações bem Hans Zimmerianas com as batidinhas repercutivas causando uma tensão sonoplastica como se estivesse controlando as batidas de nosso coração e o uso pontuais do bom e velho BOOOOM. Talvez a melhor e mais memorável trilha sonora da franquia ouso dizer.
Tudo isso junto resulta em fazerem algo impossível em filmes de ação hoje em dia, fazer com que cada cena de ação passe a sensação de que é um clímax eletrizante, o ponto mais alto de adrenalina e testosterona do filme, isso tudo só que divido em pelo menos umas sete vezes ao longo do filme. Para quem disse que esse era o melhor filme de ação desde "Mad Max: A Estrada da Fúria", você está absolutamente certo!
Mas pra mim, onde McQuarrie faz de Fallout um filme tão novo e diferente dentro da franquia, e ouso até dizer no cinema de ação geral atual, não é só por ele voltar a resgatar manejos de trama e pedaços de tonalidade dos filmes anteriores de forma a agradar aos fãs de longa data e talvez assim conquistar novos, mas também por conseguir misturar todos estes elementos dentro de uma narrativa onde um não prejudica ou afeta o outro.
Nisso quero dizer que temos bastante doses de humor e tiradas descontraídas na narrativa graças à sempre ótima presença do Benji de Simon Pegg (que infelizmente aqui fica bem mais como coadjuvante cômico do que no filme anterior), mas também consegue manter um bom nível de seriedade e foco na sua trama de espionagem, e sem mostrar um pingo de pressa em querer desenvolver ambos trama e personagens com igual e devida atenção.
É um espetáculo blockbuster catártico de um lado, e do outro um filme de espião que volta a lidar dramaticamente com o lado emocional e psicológico de seu protagonista como peça chave para todo o drama que decorre à ele e aos personagens à sua volta. O que proporciona surpreendentes momentos emocionantes envolvendo os personagens de Luther de Ving Rhames e a ex esposa Julia de Michelle Monaghan, como também a performance mais dramática de Tom Cruise dentro da franquia desde o terceiro filme com o personagem novamente defrontando as consequências de suas escolhas e ações em prol de um bem maior. Permitindo também que a Ilsa Faust de Rebecca Ferguson, ainda mostrando sua forte presença em cena, tanto na ação quanto também no drama, mostre novas camadas de sua personagem e sua complexa conexão com Ethan Hunt.
Ao mesmo tempo em que McQuarrie volta a explorar, de forma bem interessante, o personagem de Ethan Hunt como sendo quase uma figura alegórica de um herói Grego, como Ulysses, ou acharam que ele mostrando A Odisséia de Homero no início junto de Ethan foi completamente à toa?!. Mostrando através de toda a insana ação o quanto o personagem é alguém disposto a lutar contra qualquer adversidade catastrófica ou monstruosa de sua viagem para poder voltar para a esposa amada. Ou no melhor estilo Tom Cruise, um verdadeiro Aquiles (ou também acharam que o tornozelo se quebrando nas filmagens foi à toa?).
Isso servindo como uma alegoria muito interessante que McQuarrie levanta sobre a real natureza de Ethan Hunt, suas habilidades de enfrentar os obstáculos mais insanos que Tom Cruise se submete à cometer para criar o efeito entretenimento em seus filmes e se solidificar como uma estrela do cinema de ação de todos os tempos, que torna o personagem não em um simples super herói espião e sim um homem que age e se move como uma força da natureza imparável para conseguir alcançar seus objetivos, mas com uma linha tênue moral que mostra que ele faz o que faz para salvar e proteger os inocentes e aqueles que ama. Ou como o Walker do Henry Cavill resume bem o que todos nós do público pensamos: "PORQUÊ VOCÊ NÃO MORRE?!" - em contextos diferentes claro.
Falando no bigodon polêmico, devo admitir que finalmente à franquia trouxe vilões memoráveis de volta para seus filmes, e isso não acontece desde o terceiro filme, que ainda continua insuperável nesse quesito em particular graças à inesquecível performance de Phillip Seymour Hoffman como o temível Owen Davian. E o Solomon Lane do Sean Harris, embora ainda não me convença ou conquiste completamente, ele mostra sim ter uma presença até mais bem aproveitada e melhor desenvolvida aqui do que sua esquecível vilania no quinto filme, com o personagem também servindo como uma decente alegoria do mal que vai perseguir e atormentar Ethan Hunt para sempre.
Mas pelo menos McQuarrie junta à mistura de antagonistas do filme uma breve mas boa Vanessa Kirby com sua Femme Fatale britânica, e que promete muito mais presença no futuro. E Henry Cavill claramente se divertindo no papel de mocinho brutamontes inicial determinado à tirar Hunt do seu caminho caso seja necessário para cumprir sua missão, para depois revelar suas verdadeiras garras, embora quisesse ter visto bem mais dele no filme.
Mesmo que isso não afete em nada o resultado final que "Missão Impossível - Efeito Fallout" alcança como sendo um dos filmes mais bem redondinhos e coesos da franquia, embora seu final abrupto me desagradou um tanto, embora ele conceda um sorriso no canto da boca graças à compensação que as ações até ali chegaram e entregaram para Ethan.
E onde tudo até ali mostrou esse como sendo um filme concebido com total cuidado, dedicação e carinho, tanto do seu ótimo diretor e grande estrela, pelo personagem de Ethan Hunt e o pequeno legado que sua franquia vem criado desde o seu primeiro filme em 1996 e continua a comprovando Missão Impossível até hoje como uma das melhores franquias de ação de todos os tempos. E que mostrou aqui, mais uma vez, ter energia de sobra para poder continuar surpreendendo com um futuro imprevisível, mas que com certeza poderemos contar desde já com as loucuras e dedicação invejável de Tom Cruise no papel em que ele pode ser o que ele é de verdade: uma complexa força da natureza que não vai parar até entregar tudo aquilo que o seu público quer: um divertidíssimo espetáculo de adrenalina e insanidade, mas sem esquecer do seu coração pulsante.
O Franco Atirador
4.0 357 Assista AgoraNão é de hoje que sempre ouvi os mesmos tipos comentários envolvendo este filme em específico do extremamente subestimado Michael Cimino, como sendo talvez o melhor filme que o Oscar já premiou em sua principal categoria, entre outros grandes valores artísticos da obra, claro. Mas tal questão sempre circuncidou minha mente ao encarar ao filme antes de vê-lo pela primeira vez. O que havia de tão grande e especial para tornar esse filme como tal obra-prima clássica do cinema se eu mal sequer ouvira sua citação no meio público e poucas vezes entre meus vários conhecidos do meio cinéfilo. O que resultou em uma primeira sessão na hora errada (eu estava cansado e com sono no dia, não me julguem) e não muito benéfica para minha visão do filme. Que me fez caluniar por um bom tempo o chamando de um clássico superestimado, ritmicamente datado, altamente pretensioso e que se perdia em banalidades e cenas esticadas mais do que o necessário. Após uma hora de filme ainda estamos no casamento do personagem de Steve de John Savage antes de sequer vermos algo relativo ao Vietnã ou ao próprio significado do título.
Mas alguns anos de experiência depois, assistindo mais e mais filmes e os inserindo em minha bagagem de cinema como faço até então, e também me familiarizando com os filmes e estilo do diretor (e acabando por me apaixonar por completo pelo seu ultra esnobado "Portal do Paraíso"), revendo o filme FINALMENTE hoje, pude enxergar o que há de tão grande nessa obra-prima de Cimmino: absolutamente tudo sobre ele! Poucos não serão os elogios que devo em dar aqui então arrisque-se em ler por conta própria ou vá encarar o filme por conta própria.
Cimino se mostra ao longo de todo o filme ser um herdeiro digno e possuir características de alguns dos mais ricos moldes clássicos do cinema de alguns mestres em particular. Possuí em seu serne um afeto cultural e social dignos do cinema de John Ford ao mostrar saber capturar a essência cultural da pequena comunidade cristã ortodoxa onde seu grupo de personagens protagonistas inicialmente convivem em tamanha e palpável harmonia; sabe retratar o sentimento tanto cômico quanto trágico de seu ambiente e do convívio dos personagens de forma tão realista e palpável que quase lembra os clássicos de Vittorio De Sica, e sem um pingo de pressa em sua construção rítmica possuindo uma ótica quase contemplativa digna do cinema de Luchino Visconti (com uma de suas cenas introdutórias na refinaria parecido retirada de "Deuses Malditos" do mesmo diretor); e consegue tornar toda a triste trajetória de sua história tão íntima em uma escala verdadeiramente épica, grande e imersível como só Sergio Leone saberia fazer tão bem.
Aliás, esse com certeza será o mais próximo que veremos de Sergio Leone versão guerra do Vietnã, ou vocês achavam que a tortuosa e tensa cena de roleta russa na confinada prisão Vietcong serviu apenas como uma fiel e brutal retratação histórica? Bom, sim também, mas só a criação de tensão pela constante troca de olhares suados e com emoções explodindo só pela força dos olhares cabulosos de medo e raiva, e a bela carnificina habilmente montada que se sucede, remetem lindamente aos gloriosos dias de Era uma vez no Oeste com um realismo em sua violência bem palpável, e brutal.
Mas as comparações com suas ricas inspirações Leoninas ou Viscontianas não param por aí. Tanto na forma com que Cimino propositalmente e naturalmente estica a história de Mike e seus grupos de amigos no pré, durante e pós Vietnã, se usando dessa estrutura de três longos atos para construir uma retratação do progredir da vida desses indivíduos quase como um documentário dramático, e fazer o espectador sentir cada impacto dos acontecimentos e desenrolares na vida de cada um. Enquanto por detrás, vemos a América como um palco vivo e que progride e evoluí assim como seus personagens, ressoando sutis semelhanças com o outro Era uma vez de Leone...na América. Uma América aqui que se de início parte de um meio de pluralidade étnica e cultural cheia de alegria e esperança, no final vemos se desenvolver em um local cada vez mais frio e vazio de fé ou esperança.
Querem algo mais a cara de Luchino Visconti do que o palco histórico de seus personagens afetaram brutalmente todas as suas vidas?! E Cimmino realiza isso com uma maestria e domínio narrativo raros de até mesmo outros diretores de sua época. Onde dentro de toda essa sua grandeza visual e em escala histórica, no qual Cimmino não poupa em querer denotar e elevar em seu filme. Usando e abusando da cinematografia operística de Vilmos Zsigmond em talvez no trabalho mais deslumbrante de sua carreira. Partindo do caloroso ambiente de conforto natural do início, indo para o calor fértido e sarnento das brutalidades do conflito, e o retorno frio e distante de um lar agora não mais familiar no final. E por vezes o visual documentado do caos social que a câmera captura com inúmeros figurantes tormentado um caos vivo em cena como um verdadeiro épico moderno.
Mas com destaque pessoal de seu brilhantismo ficando pra mim nas duas breves, porém marcantes, sequências de caça à veados (remetendo ao seu título original) revelando uma escala paisagística tão imensa e de caráter operístico quando a bela trilha sonora de Stanley Myers ecoa com seus corais altos e evocativos ao fundo. Mas é também em seus momentos de acordes leves que revelam a leveza e a intimicidade com qual Cimmino consegue trabalhar tão bem o drama de cada um dos personagens em seus breves e pequenos momentos, sem nunca soarem banais ou apelativos, e sim extremamente reais e puros em suas demonstrações de sentimentos de forma tão singelas e verdadeiras. Onde o puro silêncio e pequenas trocas de olhares contam e falam mais do que qualquer linha de diálogo sobre a relação íntima entre cada um, e deixando cada nome do elenco brilhar em algum momento, alguns mais que outros claro.
Ter um grande elenco em mãos também facilita esse trabalho, com grandes nomes que vão desde uma jovem Meryl Streep em um de seus primeiros grandes papéis no cinema, o grande John Cazale na última grande performance de sua curta carreira, e claro De Niro na década de seu ápice no cinema e que poupa elogios como de usual, e deixa todos os holofotes dramáticos e emocionantes do filme ressoarem tanto na Linda de Streep quanto em Nick de um FANTÁSTICO Christopher Walken, com o seu personagem sendo o reflexo mais trágico e maior vítima de toda a história que afeta cada personagem de uma forma diferente. As consequências fatídicas de um conflito que se de início partiam com um intuito heróico, saíram para sempre marcados no final.
Sinceramente, devo compreender também o fato de que esse não seja mesmo um filme para todos os gostos e agrados. É por vezes silencioso e minucioso na dialética de sua história e no que procura transmitir sobre o impacto da guerra na vida desses indivíduos tão facilmente identificáveis, pois eles são exatamente qualquer um de nós dentro dessa história. Mas sem perder uma descaracterização individual ou perca de personalidade, tanto humana como cinematográfica, de cada personagem ou do filme como geral graças à todos os talentos envolvidos. Alguns dos melhores atores de todos os tempos sob o comando de um dos melhores diretores de todos os tempos, onde todos reunidos formaram este que é pra mim sem sombra de dúvidas não só um dos melhores filmes sobre a guerra do Vietnã, não só um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos, mas também um digno épico cinematográfico. Tanto em sua escala e ambição, e também íntimo, trágico e singelo em seu serne. Uma devida obra-prima por completo e que sem sombra de dúvidas merece ser melhor relembrada e celebrada como tanto merece.
Trama Fantasma
3.7 805 Assista AgoraHá quem chegue em uma certa altura da vida onde qualquer comentário maledicente ou endeusador de uma figura tão exaltada e aclamada na indústria hoje se torna absolutamente supérfluo e nada condiz com sua opinião pessoal sobre o indivíduo e sua obra. Tal fase já chegou pra mim tanto quanto para senhores como Tarantino, James Gray, Nolan ou o que raio Jean Claude Brisseau ou Takashi Mike ainda fazem de maravilhas hoje em dia, entre outros nomes da velha guarda como Scorsese, Allen, Spielberg ou Eastwood, apenas para citar alguns dentre vários nomes. Mas não exagero em dizer que dentre todos esses nomes, Paul Thomas Anderson ainda é um dos que mais me encanta e merece todos os elogios que tanto recebe, entre outros.
Eu soube desde a época do Oscar que o bom número de indicações que o filme recebera, tanto foi pela exaltante recepção crítica quanto o suposto último papel de Daniel Day Lewis como ator antes de sua "aposentadoria" (pelo menos até ele sentir falta das câmeras de novo e querer voltar com outra grandiosa atuação em qualquer filme em que ele decidir se manter). E que o filme não teria chance alguma de ganhar algo de relevante ou ser realmente conferido e assistido por muitos além dos sempre leais fãs que o diretor tem. Se encarando por cima, realmente, não é mesmo sequer um dos melhores filmes do diretor.
Mas isso vindo de um cineasta com o currículo de apenas 8 EXCELENTES filmes, isso não quer dizer nada, apenas novamente atestar como Paul Thomas Anderson ainda está em sua contínua crescida como cineasta e sempre surpreendendo a cada novo projeto anunciado. E "Trama Fantasma", assim como seus antecessores, esconde muito do que verdadeiramente é em seu título e novamente surpreende numa execução que vai além do imprevisível. Não é "Magnólia" com uma óbvia homenagem à intercalação de vidas, ações/reações e escolhas de seus vários protagonistas em uma narrativa de alma viva e operante como um filme de Robert Altman; não é "Sangue Negro" ou "O Mestre" com um sombrio estudo psicológico de uma persona complexada e com uma frieza em sua execução e emoções complexas ímpares dignos de um filme de Stanley Kubrick; não é "Vício Inerente" e sua trama Noir de linguagem dopada e sem nexo parecido tirada de um filme dos Coens, e ao mesmo tempo retratando com fidedignidade uma cultura social de sua época ala Luchino Viscontti no século XX.
Se de primeira o filme ameaça entrar em território de terror psicólogo e romance gótico ala "Rebbeca" de Hitchcock com a bela introdução da personagem de Alma (de uma soberba Vicky Krieps) na vida complexada do ainda mais complexado Reynolds Woodcock (DDL que vocês já sabem o que é), e manter sua linha de narrativa sempre por percursos imprevisíveis e antecipando algo pior e macabro por debaixo de sua bela faixada de um melodrama digno de Max Ophuls ou Douglas Sirk, a simples resposta para tudo que o filme é já estava presente desde o início bem em nossa frente e poucos são os olhos, e especialmente corações, que realmente captaram o fim de sua meada: isso é a mais verdadeira retratação de um amor verdadeiro entre dois seres humanos com suas boas doses de peculiaridades psicológicas.
E qual seria o mais verdadeiro amor se não o doentio?! O obssessivo?! O capaz de absorver alguém por completo para dentro de sua vida e aprisiona-la ali por vontade própria para sempre?! O capaz de se entregar de total corpo e alma mesmo nos momentos de conflitos e repúdias de ego e maneirismos impregnados em nossas personalidades mesmo perturbadas e traumatizadas?! Encontrar a verdadeira razão e essência do amor dentro de um relacionamento em um universo onde este possa parecer impossível e a fragilidade do corpo e alma de nossas meras existências são os únicos empecilhos para se criar uma separação entre dois destinos que acabam se cruzando dentro de uma situação tão mundana do nosso cotidiano, e talvez o mesmo ser o forte motivo para ser uma união tão forte e duradoura no final.
Divagações à parte, é isso que para mim "Trama Fantasma" mostra querer contar. Uma busca pela duração infindável de um amor verdadeiro onde nem mesmo a morte poderá separar suas almas, memórias e personalidades para o todo sempre. Doentio? Possessivo? Tragicamente hilário? Quem somos nós para julgar uma das mais belas e verdadeiras histórias de amor puro e verdadeiro que tive o prazer de assistir. De absorver seus sentimentos dentro de suas peculiaridades e conflitos complexos de emoções. O tipo de cinema que eu ainda busco e me encanto assistindo e espero que Paul Thomas Anderson nunca pare de realizar.
Predador 2: A Caçada Continua
3.2 293 Assista AgoraAlgo engraçado e interessante de se notar, é que quando se vem lidar com continuações de grandes filmes clássicos muitas vezes nostálgicos na memória de muitos, sempre vem em mente a famigerada idéia de que se tratam todos de filmes absolutamente lixosos e descartáveis. Bem, tendo em conta exemplos como "Exorcista 2" ou "Ghostbusters 2" não há mesmo o que de se discutir aí, mas não é nenhuma maldição que aflija a todos esses filmes. Que resultou em alguns nomes bem subestimadissimos como "Fuga de Los Angeles" ou "Gremlims 2". E temos aqui um caso bem peculiar com "Predador 2" de Stephen Hopkins, um filme que está LONGE de ser um lixo completo como tantos o fazem parecer, mas quando o assistimos e o comparamos com o EXCELENTE filme original encaramos um filme que...é, novamente, bem peculiar.
Afinal ele segue um trade bem recorrente e bem familiar de continuações, onde vemos de transição de locações e palco para a nova história ser contada. Exemplo de enquanto o primeiro filme se passa nos EUA, o segundo vai para a Inglaterra ou em outros países longínquos, ou no caso de "Duro de Matar" onde o primeiro se passou dentro de um prédio e a continuação em um aeroporto, você entendeu. E no caso aqui de Predador partimos da selva tropical sul-americana do primeiro filme, e vamos para a perigosa selva urbana de Los Angeles. Um Predador na cidade? Porque não né?!
Não há nada mais perigoso no mundo a se enfrentar que os violentos e perigosos criminosos mafiosos e traficantes do submundo do crime, perfeitas vítimas para a sede de sangue e morte da criatura caçadora do Predador. E isso já revela em uma definição perfeita o que temos aqui com "Predador 2", um perfeito thriller policial oitentista com o Predador no meio praticamente como um serial killer fodão full power (como desgostar disso?).
Mas com certeza se perguntaram e se perguntam até hoje: Mas o que raio tem isso haver com Predador??!!! E sim, se não fosse pela presença da icônica criatura aqui, o filme poderia ter se passado facilmente como um mero thriller policial de ação, do melhor e mais divertido tipo, com a presença de um sempre ótimo Danny Glover como protagonista. Só faltou termos Mel Gibson junto e teríamos o melhor crossover de todos os tempos com Máquina Mortífera e Predador. Até acho que pareça o caso deles nem sequer terem uma idéia para uma continuação de "Predador" e acharam esse roteiro de um mero filme policial jogado no canto, fizeram uma misturinha e pum: "Predador 2". E a trama não é mesmo uma das melhores ou talvez nem sequer boa, segue os certos caminhos de investigação policial previsíveis com segredos conspiratórios sendo escondidos e com o suspeito em causa aqui trucidando esfolando e decepando criminosos e armados em volta de Los Angeles sem parar. O Predador como um anti-herói errante?! Isso é TÃO anos 80...E poderia ser um roteiro bacana para um filme do Punisher.
E talvez esteja exatamente aí que se encontra o charme do filme! Até pode ser discutível que o filme não se leva mesmo a sério (o que aparenta ser mesmo o caso aqui), mas é inegável o quanto ele extravasa sem pudor na sua violência e nas bizarras e exageradas características de seus caricatos personagens, mas que inegavelmente conseguem ser bem divertidos em suas composições, tanto nos personagens cuja personalidades parecem ser tiradas direto de filmes como "Robocop"e "Comando", e a gratificante sanguinolenta violência tudo no melhor estilo oitentista de ser e todas suas pomposas características Sendo que ironicamente o filme foi feito no início dos anos 90...mas é um bom resquício do que se podia ter de melhor na cafonice tão escapista e divertida.
Algo que se reflete na até boa direção de Hopkins que consegue criar uma escala intimidadora de Los Angeles, dando quase um ar de arena da morte para que a criatura do Predador tenha sua diversão garantida, enquanto nós se divertimos vendo algumas ótimas cenas de ação que se mostram ser de muitíssima boa qualidade em construir tensão e ritmo no meio de explosões e banhos de sangue, mesmo que passe longe de capturar a magia e o espírito do filme original. E a história até que é construída de forma redondinha e coesa, e mesmo Glover não tendo um personagem de nenhum peso ou profundidade, o carisma do ator nos faz se importar por ele o suficiente assim como alguns em volta dele como um sempre hilário e bem vindo Bill Paxton, mas de resto é um elenco bem subaproveitado. E o show mais uma vez pertence à sua criatura título. Que graças a exatamente essa sua característica de serial killer animalesco trucidador, se torna o centro de atenções do filme!
Um antagonista/protagonista de ouro, extremamente intimidador e que consegue construir pra si uma peculiar personalidade de caçador frio e obsessivo ainda mais do que no primeiro filme. E é tão refrescante ver que o roteiro realmente se importou de mostrar querer expandir os mitos da misteriosa e poderosa criatura com criatividade e de forma extremamente compensadora como uma espécie de caçadores intergaláticos, com uma sutil conexão com a franquia Alien que desencadeou aquela famigerada idéia dos filmes Alien vs Predador.
Em suma. "Predador 2" se trata de ser um filme com boas doses infindáveis de bizarrice, cafonice e breguice no que se refere aos seus personagens, mas não é nada que diminua esse filme ao nível de fraco ou lixoso filme e continuação de um amado clássico, e não se torna em nada um filme irritante e sim realmente divertido. Tanto graças ao carisma de Glover como os inegáveis charmosos elementos oitentistas em sua ação e humor, e realmente conseguir expandir a mitologia de sua icônica criatura de forma tão rica e capaz de deixar os fãs famintos por mais até hoje.
Alien 3
3.2 541 Assista AgoraVamos logo esclarecer algo inevitável aqui sobre esse pobre famigerado primeiro filme do hoje lendário David Fincher, e sua a versão de cinema lançada originalmente em 1992. Que é o infeliz e perfeito triste resultado de uma produção estressante com interferência extrema e gananciosa dos estúdios e uma guerra de embates de autoria criativa, que deixou aqui o pobre terceiro filme dessa tão amada franquia cair no limbo da má fama de filme medíocre, e que desencadeou a franquia Alien como morta no cinema e com sucessão de fracos filmes por anos. Sendo que sejamos francamente honestos e admitir que seria o seu vergonhoso sucessor "Alien, A Ressureição" que viria merecer tal má fama, Jean-Pierre Jeunet e seu estilo autoral de humor satírico mesclado com o roteiro de um Joss Whedon no modo sitcom que me perdoem!
Mas fora finalmente quando anos depois, os mesmos estúdios parece que quiseram se redimir da aloprada feita anos antes com a franquia e lançaram a já famosa "Assembly Cut". Que sim, para com os já familiarizados com a história sabem que infelizmente nunca será a versão que Fincher originalmente pode conceber para o filme que hoje lhe guarda tanto rancor e arrependimento. E que de forma nenhuma o torna em um filme excelente, embora seja uma notável GRANDE melhora deste. Mas pode ser mesmo considerada ser o grande "assemble" das grandes ótimas coisas que David Fincher conseguiu extrair do material, mesmo sofrendo de uma produção tão cabulosa.
Não que isso signifique imediatamente que estamos lidando aqui com um filme totalmente quebrado e sem foco principal. O que, por algum milagre, não temos! É impressionante ver que mesmo com as constantes mudanças e conflitos internos de sua produção, o roteiro final de David Giler, Walter Hill e Larry Fergunson se mostra ser aqui um tanto coeso na forma no qual constrói a narrativa entre os personagens, antigos e novos, e ao novo tom em que se propõe aqui. O filme não é o mesmo terror e suspense do filme original (embora até que tente ser) ou o thriller de ação de sua continuação, e se mostra, em sua totalidade, ser um verdadeiro drama focado no terror íntimo que seus personagens estão para enfrentar (a breve intro de tom bem macabro já deixa isso bem explícito). Isso já se remete ao quão pouco o foco aqui é na criatura do Xenomorfo, e sim no drama psicólogico e moral que se costura entre novos e interessantes personagens que se apresentam aqui na trágica jornada de Ripley, tanto para o bem quanto para o mal.
Os fãs e púbico com certeza depois de "Aliens" esperavam mais da mesma vibe de ação e suspense que Cameron havia misturado tão bem na intensa luta do pobre esquadrão de space marines contra uma infestação de Xenomorfos. Então o desapontamento de ver um filme sobre personagens sujos e pérfidos carecas desarmados contra um Alien que nasceu de um Boi (ou cão dependendo da versão que você viu) talvez seja um tanto compreensível... Mas nunca julgue um livro pela capa nem um filme por sua aparência. Talvez o intuito de Fincher era mesmo voltar para as origens de suspense e terror do filme original que ele tanto idólatra e se afastar do lado blockbuster de ação da coisa, mas com a guerra de interferência dos estúdios nunca saberemos por certo, mas é de se admirar que desse caos conseguiu sair essa fechado e diferente filme, que conseguiu se encaixar tão bem na franquia, apesar de seus problemas irritantes. E ironicamente deu mais uma vez esse charme à franquia de cada filme ser um completamente diferente do outro, e ainda assim serem tão bem costurados no mesmo universo e em sua continuidade.
Com o foco sendo mais uma vez acompanhar aqui a jornada de Ellen Ripley contra o mal encarnado do Xenomorfo que a persegue desde sempre. E Sigourney Weaver ouso dizer que entrega aqui sua melhor performance como sua personagem clássica. A dor que carrega só em seu olhar e forma roca e calma de falar, só demonstra o ser humano completamente destruído por dentro com esse confronto que a persegue por anos incessantemente. E aqui, neste palco desolador e morto da galáxia, onde a esperança aparentemente não existe, ela precisa lutar mais uma vez, só que agora em busca de uma possível redenção. Redenção por tempos e anos perdidos perseguido pelo mal sempre em seu encalço. Algo que talvez todos os personagens aqui procurem, cada um em sua maneira. E é aí exatamente que se encontra os MELHORES e ótimos momentos do filme, exatamente nas pequenas e sutis interações dramáticas entre os personagens.
O leque aqui é grande e nem são todos memoráveis, mas como disse antes, a Assembly Cut consegue em sua maioria demonstrar mesmo como o roteiro conseguiu mostrar um interesse e preocupação em construir as diferentes e interessantes variadas personalidades de cada um aqui, alguns com verdadeiras profundas camadas dramáticas e suas caracterizações bem realistas. Onde todos compartilham de uma personalidade bem específica em vários filmes do diretor, nenhum é inocente e com certeza cada um possuí um lado "pecador" de violência, covardia e indulgência, mas impressionantemente, conseguem criar verdadeira empatia com o público com tanta personalidade e carisma.
Tanto os personagens "menores" como os ótimos Brian Glover e Danny Web, os rouba cenas Ralph Brown e Charles S. Dutton, e um sempre SOBERBO Charles Dance que carrega tanto mistério e complexidade de sobra e uma empatia instantânea, se tornando um personagem de grande peso em contracena com Weaver, que infelizmente é rapidamente desperdiçado na narrativa. Weaver cujo ouso dizer novamente que entrega a melhor atuação em sua personagem, não só fortemente no drama já mencionado, mas conseguir fazer parte desse leque de personagens com diferentes camadas de mistério só refletidas em seus dolorosos olhares.
E até os diálogos conseguem surpreender em realmente ser bem intrincados e amarrados, mesmo tendo sofrido com diversas reescritas e mudanças temáticas, mas talvez contenha os melhores diálogos de toda a franquia eu diria. Não só alguns bem humorados cheios de sarcasmo (certo traço de Fincher na narrativa talvez) como também responsáveis por lidar tão bem com o forte drama do filme e os temas de fé e redenção que vem abordar na jornada de Ripley que, só monstra como o filme realmente se encaixa na antologia Alien tão bem e no rico desenvolvimento de sua icônica protagonista e cujo desenlace, embora polêmico para muitos, é pra mim um forte fechamento de arco de desenvolvimento para sua personagem e que consegue causar uma forte catarse dramática e trágica.
MAS...infelizmente nem tudo é perfeito aqui. E o filme quase miseravelmente falha na composição de seu personagem titulo e antagonista. Se por um lado seu lugar na trama e a co-relação construída com Ripley é PERFEITA. Com o Xenomorfo sendo caracterizado metaforicamente como esse mal encarnado vindo buscar a alma dos pecadores desse lugar que lembra as catacumbas do purgatório da existência, é um conceito, embora bizarro em comparação com os filmes anteriores, é interessantíssimo e serve muito à narrativa. Ainda mais quando vemos ele não atacar Ripley de forma alguma, como se o mal e a morte estivessem brincando com ela, ou tivesse a aceitado como "um deles". Tudo certo até aqui, mas quase tudo errado quando somos obrigados a ver a criatura sendo construída em um CGI completamente fraquíssimo e vergonhosamente datado.
E o filme se mostra seriamente bagunçado nesse sentido quando em algumas cenas vemos o bichão em gloriosos efeitos práticos, mas infelizmente de forma sempre breve em alguns close-ups, e na maioria das vezes criado em vida com os terríveis efeitos. E Fincher parece tão ciente disso e parece tentar esconder os efeitos limitados quando vemos a criatura a partir da perspectiva de primeira pessoa em irritantes tracking shots, embora que até bem feitos. Estaria ele tentando implementar uma técnica do cinema Giallo ou buscando inspiração em seu mestre Brian De Palma...ou apenas um truque pra esconder alguns dos fracos efeitos em volta da criatura. Talvez um pouco de ambos.
O que leva a outro problema do filme que infelizmente é não conseguir criar tensão ou suspense algum. Não só pelos efeitos não conseguirem criar o nível de intimidação que a criatura tanto carece, mas também ser uma bagunça em dirigir tais cenas de correria e mortes repentinas. Algumas que nem sequer aparecem em cena, e isso até que poderia até servir de boa adição no mistério e suspense da criatura que lembra muito o estilo de Ridley Scott no primeiro filme que Fincher até busca homenagear aqui, mas quando tudo não é bem costurado ou arquitetado com cuidado e atenção como bem precisava, descamba em suas pretensões honestas. E com certeza foram essas as cenas e momentos que mais causaram dor de cabeça ao pobre jovem Fincher.
E embora aqui a Assembly Cut denote várias das ÓTIMAS coisas que ele conseguiu filmar para o filme, infelizmente ainda encontramos um filme precário em seus quesitos de tentar ser um suspense de terror bem falho. Mas isso não degrada o filme ao ponto de receber o ódio que tanto recebeu por anos e ser colocado como um exemplo da "maldição dos terceiros filmes" de uma franquia. A verdadeira maldição aqui foi a sede de ganância violenta comercial dos estúdios que tanto afeta o processo artístico e criativo de um diretor para um filme, e persiste como uma doença dentro da indústria até hoje. E embora a visão de Fincher aqui não estar completa e ele ter movido em frente com sua GLORIOSA carreira e ter deixado esse filme para trás apenas como uma má memória para ele, espero que um dia ele possa olhar pra trás e ver que hoje, esse falho mas encantador filme conquista verdadeira empatia por muitos de seus fãs e os fãs da franquia. Não é excelente, mas ainda sim um capítulo final digníssimo para a jornada de Ripley e sua honrada história, nesse falho embora bom filme que não mancha ou desonra em nada a franquia e consegue ser sim um capítulo ousado e interessantíssimo a ser melhor apreciado!
Rei Arthur: A Lenda da Espada
3.2 623Bem, isso realmente não foi diferente do que eu esperava que seria. E acredite em mim, dos inúmeros haters e detratores que Guy Ritchie possa ter hoje sobre seu "estilo sob substância" em seus filmes, acredito ser um dos poucos que ainda o defende e vai de peito aberto à assistir um de seus filmes. Ainda mais um como esse onde críticos já estavam com os dedos engatilhados prontos para desgostar e chamar o filme como uma das maiores bombas e flops do seu ano, o que acabou sendo mesmo. Mas e quanto sua qualidade no geral? Bem...talvez seja um caso de gosto garantido ou percepção de reais qualidades num meio todo bagunçado. Enquanto os fãs mais hard-core do diretor possam ficar no primeiro escalão, nesse caso me atenho à segunda. O filme está LONGE de ser o amontoado de bosta que tantos críticos venderam na época, mas também passa longe de ser algo de alto nível para as qualidades do seu diretor que se mostrou ainda ser tão autoral mesmo adentrando no universo dos estúdios e blockbusters de alto orçamento.
Vindo de alguém que tornou a figura e universo de Sherlock Holmes em uma marca financeira rentável e o revestiu com seu toque ágil e humorado cheio de testosterona dignos de um filme de super herói recente (e isso não é uma crítica, eu adoro ambos os Sherlock Holmes de Ritchie e ainda adoraria ver um terceiro). Foi algo que ele tentou novamente capturar ao ressuscitar o nome da morta e esquecida série Man from Uncle e tornar em uma nova franquia de filmes de espionagem ao lado dos filmes de Missão Impossível e a franquia 007 e até de Kingsman de seu velho amigo Matthew Vaugh, e falhou (não que o filme seja ruim, apenas nada demais pra mim, embora divertido aqui e ali). E agora com seu Rei Arthur, tentar ressuscitar o mundo de fantasia medieval e aventura que conquiste um novo público assim como a trilogia Senhor dos Anéis conquistara anos atrás e recentemente a trilogia Hobbit (para o bem e para o mal), e descambou em sua própria e bem intencionada ambição.
Tirando o fato de que essa é outra infame tentativa de trazer o nome da lenda e história de Arthur e da espada Excalibur e os cavaleiros da távola redonda para uma nova versão no cinema e nem ao menos tenta ser leal ou próximo do material fonte (que sejamos justos, é muito amplo e variado). O que permite à Ritchie em idealizar e realizar sua própria versão do mesmo seguindo seu estilo despirocado de montagem frenética, humor afiado em seus diálogos e algumas cenas de ação cheias de estilo e testosterona, junte à isso muita magia, demônios e criaturas gigantes parecidos tirados de um jogo de Castlevania, e ah elefantes gigantes (isso não é mesmo O Senhor dos Anéis pessoal).
Mas, infelizmente, isso não parece casar tão bem quanto poderia, pelo menos não no todo do filme. Se por um lado o filme entrega um início bem excitante e memorável, misturando escala massiva e rica sonoplastia de uma memorável trilha sonora de Daniel Pemberton, logo seguida de uma montagem inventiva de James Herbert mostrando o crescimento de Arthur bem no estilo Guy Ritchie ala Snatch e Jogos e Trapaças. Para depois descambar em um segundo e terceiro ato que caem nos previsíveis clichês shakespereanos e jornada do herói escolhido que você possa imaginar, tudo de forma apressada e quase que preguiçosamente lidada na narrativa (algum executivo da DC veio picotar seu filme Guy?).
Com algumas raras exceções como uma ótima cena de perseguição bem nos moldes clássicos do diretor e mais uma vez a EXCELENTE trilha de Daniel Pemberton brilhando, e alguns usos da poderosa Excalibur como uma perfeita arma de super heróis medieval. Mas que depois logo decepciona em um terceiro ato pouco inventivo e visualmente atrapalhado, embora finalize sua história com um pequeno apetite de quero mais. Que claro, infelizmente, nunca veremos. O que é uma pena e até desperdício já que parte dos personagens são interessantes e gostáveis, Jude Law foi o raro vilão asqueroso e malicioso que funciona como presença temível e odiável em cena. E claro Charlie Hunnam, cujo admito nunca ter sido um grande fã, mas após ter visto Z - A Cidade Perdida de James Gray e ter dado uma segunda chance para Círculo de Fogo, o ator é realmente extremamente dedicado e transborda charme e convicção quando debaixo de uma boa direção. Um ótimo Rei Arthur que merecia uma adaptação muito melhor.
Mas como disse, nada de tenebroso e certamente divertido em sua maioria. E admito que preferiria muito mais ver essas experimentações de histórias clássicas se tornando em blockbusters de grande orçamento vindo de Ritchie do que vê-lo ir fazer um remake live action de Aladin na Disney. Bom as contas de casa devem ser pagas, mas lembre-se de voltar para nós com mais um Sherlock Holmes por favor.
Amantes Eternos
3.8 782 Assista AgoraUm universo onde o "mito" dos vampiros se personificam na forma dos grandes artistas, pensadores, filósofos, compositores contemporâneos e universais, vivendo na atualidade graças ao seu místico dom da imortalidade?! Como não se apaixonar por uma idéia tão criativa e aberta à ricas explorações temáticas que tanto podem se configurar como filosóficas ou existencialistas. Mas isso vindo da mente de um autor tão imprevisível como Jim Jarmusch era de se esperar algo no mínimo de peculiar.
Não querendo dizer que este não é um filme que aproveita muito bem seu conceito base, mas o interesse do diretor está pouco em querer fazer uma representação gótica de vampiros modernos com um casal que transborda uma sensualidade gótica/hipster com Tom Hiddleston e Tilda Swinton. E sim, uma silenciosa e horas angustiante e dolorosa meditação sobre a fragilidade de nossa mortalidade frente aos vícios tanto materiais quanto químicos (ou nesse caso sanguíneos) no qual baseamos cegamente toda nossa existência e conforto.
Como qualquer filme de Jarmusch, o serne de sua mensagem e tema não é um que agradará ou se comunicará para com todos os gostos. A trama é simples e quase nula, suas reflexões são silenciosas e quase contemplativas. O tipo quase similar de trama no qual Abel Ferrara explorara em seu Os Viciosos. A existência de criaturas sobre-humanas de grande intelecto íntimo e ínfimos desejos carnais, vivendo nos confins do submundo da nossa realidade.
Lutando contra aquilo que os torna em monstros ao se saciar em seus vícios, ou sucumbir a sua tediosa e secante mortalidade que drena todas suas forças e inspirações. É por isso que Amantes Eternos facilmente é um dos melhores filmes sobre vampiros, por exatamente ser uma alegoria da crise existencial humana tão realista e palpável.
Paterson
3.9 353 Assista AgoraExiste uma beleza. Uma beleza presente à nossa volta. Uma beleza no tudo. No tudo que olhamos, ouvimos e sentimos. Seja no ontem, no hoje e no amanhã. Talvez uma beleza por muitas vezes ignorada ou despercebida, mas que pode ser encontrada onde menos esperar ou sequer valorizar. Numa simples caixa de fósforos, no dirigir de um ônibus, em uma simples caminhada para o trabalho, numa conversa cotidiana escutada de longe, em simples trocas de palavras com um amigo ou conhecido, em pequenas trocas de toques e conversas cotidianas com uma pessoa íntima ou amada. Ou até mesmo em breves palavras escritas, criações de frases vindas de um fundo inspiracional inexplicável por nós, que provém apenas do nosso coração e mente. Talvez não uma beleza presente nessas palavras aqui descritas, mas uma beleza que Jim Jarmusch aqui em um de seus mais belos (e melhores) filmes, busca e consegue retratar com uma pureza e sensibilidade tão raras de se encontrar no cinema hoje.
Por nos fazer seguir o cotidiano de Paterson (um desde sempre ótimo Adam Driver), Jarmusch busca através da palpável sensibilidade e humildade de seu protagonista "gente como a gente", demonstrar a beleza verdadeiramente poética presente no mundano e no cotidiano do dia a dia comum. Realizando o raro feito de nos fazer encantar por cada pequeno momento de desventuras banais e diárias dos seus personagens. E em meio de um ritmo tão calmo e suave que casa com o tom poético de seu texto, e que muito lembra o drama cotidiano do cinema de Ozu, faz desejar aos mais abertos por um cinema de sentimentos íntimos e contemplativos, por mais e mais cenas e momentos onde tal beleza é descoberta e exposta, e seus momentos de humor e de tristeza também.
Com certeza não é o típico filme que agradará à todos os gostos particulares de uma simples conferida despretensiosa ao cinema em busca de diversão, ou aqueles que buscam uma obra com alguma complexidade artística repleta de camadas interpretativas. Não é um filme onde a ação é o que opera as ordens dos acontecimentos ou determina grandes desafios ou consequências, o máximo que você verá aqui é um ônibus dando problema e a travessura de um cachorro causando grande raiva do público (isso foi duplamente cruel senhor Jarmusch). O alvo de Jarmusch aqui, assim como em todos os seus outros filmes, fora de intrínsecar suavemente o serne de nossas existências e o que realmente nos faz ser humanos no mundo em que vivemos.
Seja num road movie com o destino de seus personagens sendo traçados pelas estranhas coincidências do destino como em Estranhos no Paraíso; seja em um faroeste sobre morte e espiritualidade como em Homem Morto; em um filme sobre um assassino de aluguel guiado pelos seus costumes samurais como em Ghost Dog; seja em um mundo onde vampiros existem e refletem sobre sua frágil imortalidade e sanidade como em Amantes Eternos. E agora aqui, na nossa cotidiana realidase, recoberta pelas inspirações poéticas de seu autor cineasta e com um leque de doces e relacionáveis personagens com suas situações e diálogos que todos já ouvimos uma vez na vida.
Tudo isso torna Paterson talvez não a experiência mais reassistível, mas uma que emerge o coração do público em enxergar a beleza no tudo à volta, dentro e fora do filme, e talvez só por isso o torne em um dos filmes mais belos e cheio de pureza que já vi e alguém verá.
Logan Lucky: Roubo em Família
3.4 254 Assista AgoraBem, quem pode culpar Steven Soderbergh em ter que apelar pra refazer o quase mesmo exato tipo de heist film, que é praticamente sua marca mais conhecida graças aos filmes dos Onze Homens e um Segredo, como seu retorno para as grandes telas. Crédito seja dado, ele não recicla truque por truque da sua trilogia de sucesso e realmente faz algo mais interessante com sua versão caipira de Onze Homens e um Segredo.
Começar pelo elenco de caricaturas sulistas estereotipadas (aparentemente propositalmente) parecidos tirados de um filme dos irmãos Coen, com um texto que permite cada um seu momento de hilária lábia e improvisos carismáticos. Pena que todo o talentoso elenco feminino com nomes como Katie Holmes, Katherine Waterston e Hilary Swank, seja subutilizado. Enquanto por compensação temos Adam Driver, Daniel Craig e um surpreendente Seth McFarlane arrancando risadas quando aparecem em cena.
Mas todos parecem estar de férias e se divertindo em suas interações, e os irmãos Logan liderados por um ok Chaning Tatum até conseguem criar certa empatia em suas motivações criminais e nos fazer torcer pelo seu sucesso e ser surpreendidos com algumas inesperadas reviravoltas.
Por um lado seja um tanto bizarro certas técnicas que Soderbergh adota na construção de seu novo heist filme de pouco orçamento. Nem estou falando da fotografia bem polida e uma encenografia de ambientes até bem rica e acima da média para filme desse porte e gênero, como também do estranho ritmo lento quase com um Q de 'filme art-house' contemplativo. Não sei se foi uma artimanha de brincadeira de um diretor claramente se divertindo junto do elenco, ou um tremendo de um erro de tom fora de hora.
Pelo menos não é sempre que vemos ambas as facetas experimentalistas de tonalidades sérias e descontraídas do diretor se unindo em um só filme. Mas particularmente nada que estrague o resultado final de uma garantida diversão. Mas longe de ser um de seus mais memoráveis.
Z: A Cidade Perdida
3.4 320 Assista AgoraHá algo de apaixonante para os amantes do cinema old-school, ou melhor 'clássico' por assim dizer, para se admirar na forma com que o desde sempre subestimado James Gray realiza seus filmes. Há em cada um deles uma marca ou espírito que ele invoca de suas mais ricas inspirações, e através delas conta histórias tão humanas e carregadas de sentimentos e emoções complexas e algumas das mais belas dramaturgias que poucos diretores hoje conseguem capturar. Seja com o embate dramático de sentimentos em erupção dentro de uma vida de malfeitos e crimes reminescentes do cinema de Cassavetes como em Fuga para Odessa; seja no filme policial setentista carregado de uma aura de tragédia como em Donos da Noite; o romance Dostoiévskiano moderno em Amantes; ou no melodrama 'Douglas Sirkiano' onde a injustiça empoderada reina sob a tragédia de seus personagens como em The Immigrant. E agora no que é pra mim o mais belo de todos os gêneros, mas que não necessariamente o faz ser seu melhor filme, o cinema épico e as desenvolturas dramáticas de uma vida inteira sendo desenvolvidas perante o olhar do público, assistindo para onde essa verdadeira jornada levará.
Essa é a história de Z - A Cidade Perdida, a jornada Percy Fawcett, um personagem que puxa o melhor de atuação de Charlie Hunnam, com o ator carregando em si com a voz entonante e os olhos lacrimejosos um espírito inesgotável de força e busca pelo seu objetivo, em busca de sua El Dorado. Uma viagem que se de início invoca a aura de insanidade física e psicológica do cinema de Herzog ou do próprio Apocalipse Now de Coppola, uma aventura num ambiente hostil e inexplorável por Deus e o mundo, é no seu serne íntimo dramático crescente ao longo do filme que Gray revela sua paixão pelo cinema épico de David Lean. Uma viagem e exploração do homem pelo desconhecido que se torna seu meio de elevação humana e intelectual, de amor ao desconhecido, o construir de um legado de nobreza para sua amada família, e no final, seu sucumbimento ao mesmo desejo.
E Gray é um verdadeiro milagreiro dentro de seus limites. Mais e mais hoje em dia sua obra atrai olhares dos vários talentos que se podem encontrar hoje. Nem ressalto apenas as ótimas e memoráveis participações de Tom Holland e Robert Pattinson, como também o dedo de Brad Pitt na produção que ajuda não só à Gray como seu cinematografista Darius Khondji darem ao filme um polimento visual digno dos melhores filmes dos anos 70. Não é qualquer diretor que hoje ousa iniciar seu filme em um tom romancista de época quase ecoando o cinema de Visconti para depois adentrar numa jornada árida na selva de Aguirre ou Fitzcaraldo, e no meio disso inserir 5 minutos de uma das mais brutais e realistas sequências de batalha de trincheira com ecos de Glória Feita de Sangue, para depois terminar sua épica história com um dos planos mais alucinógenos e de nota trágica.
Erra o equívoco que pré-julga isso como sendo meros artifícios "art-house" para se polir seu filme de boas influências. Não. São verdadeiras catarses dramáticas para se construir sua história de forma não só boa e bela, como também mostrar elevá-la à um estado maior do que é. Qual diretor apaixonado pela sua obra não o já tentou fazer?
Pode não ser talvez pra mim o melhor que já realizou em sua carreira. Mas Z pode muito bem ser considerado como um ápice das aspirações tão ambiciosas e apaixonadas por qual Gray tem pelo melhor que o cinema tem há dar em todas as suas formas. É um filme de aventura de tensão moral e psicológica; é um rico estudo de personagem frente à busca de seu destino; é uma história de amor amizade e união de um homem para com seus seguidores e sua eterna família, é um drama de sentimentos tão íntimos mas com um coração de escala tão épica. É uma grande e emocionante história sendo tão bem cinematograficamente contada. Talvez não seja o supra sumo do melhor que pode se ter no cinema hoje, mas é uma carta apaixonada para o que de há melhor nele!
Bright
3.1 804 Assista AgoraEu realmente ponderei depois desse filme em em fazer uma lista de filmes que francamente desperdiçaram grande potencial em uma execução exaustivamente preguiçosa ou ruim por natureza. Admito, eu realmente acreditava que David Ayer era capaz de funcionar em um saldo positivo aqui e ali em alguns de seus projetos, o roteiro de Dia de Treinamento é um dos bons destaques daquele filme; End of Watch foi um ótimo experimento de filme buddy-cop disfarçado de documentário found-footage e com excelentes personagens; Coração de Ferro mesmo com seus pequenos tropeços melodramáticos foi um bom filme de guerra seguindo os moldes Dia de Treinamento num cenário de Segunda Guerra Mundial e um cast de personagens execráveis (propositalmente) mas com boas atuações de seu ótimo elenco; mas aí veio Esquadrão Suicida e vocês sabem aonde isso terminou (que ainda há algumas poucas coisas que eu até gosto ali). Mas vai que na Netflix, fora das amarras e pressão dos estúdios, ele poderia voltar às suas raízes.
Apenas leiam a sinopse de Bright. Um filme buddy-cop seguindo novamente os moldes de Dia de Treinamento, com Will Smith assumindo o papel do policial "racista" e seu parceiro Joel Edgerton como um Orc, sendo a "raça oprimida" da dupla, em um cenário moderno onde dragões fadas elfos existem e convivem com seres humanos? COMO um conceito TÃO interessante assim foi dar errado? Bom, culpe ao roteiro batido e rebatido de clichês intermináveis de ambos os gêneros policiail e fantasia (corrupção policial; conflito inter-racial; o escolhido para salvar o mundo e unir os povos contra a antiga força do mal; o mcguffin ultra poderoso que todos querem, etc etc...). Junte isso à alguns dos diálogos mais bregas e cafonas que até poderiam funcionar em um filme que assumisse a sua galhofa, mas enquanto aqui leva sua premissa no levante aventura blockbuster de cinema, levando tudo à sério e empurrando informações didáticas de maneira forçada e sem realmente conseguir criar um pingo de interesse para a motivação dos vilões caricatos (com a pobre talentosa Noomi Rapace mais subutilizada que já vi).
E muito menos com a liberdade do streaming de fazer algo R-rated conseguem fazer algo gore fest proveitoso, somente usando para algumas explosões de sangue e palavreados soltos aqui e ali, e um indício de morte de um infante. Mas consegue fazer o público se importar ou chocar? Nem um pouco. Sem contar as míseras (so-called) cenas de ação que são puro cortes abruptos atrás de shaky-cams e jump cuts integrados à alguns usos bregas de slow-mo. Se você quer alguma noção de espaço e mise-en-scene bem coreografada para uma cena de ação minimanente bem projetada pode ir esquecendo e vá assistir The Raid ou qualquer filme do John Woo. Não que isso tenham algo à haver com o assunto, mas em um filme com esses portes era de se esperar um mínimo de ação decente. Isso porque nem falei das terríveis cenas de perseguição de carro onde mal dá pra ver alguma coisa.
Mas para não parecer que eu realmente achei esse filme a pior coisa que a Netflix já produziu (LONGE disso), o que impede do filme entrar no nível do intragável e esquecível são obviamente seus protagonistas. Não importa quão ruim o roteiro diversas vezes possa ser, Will Smith é o Prince of Bel Air que sempre conquista nossa empatia e compreender suas motivações e emoções em cena. O mesmo acontece com Joel Edgerton que quase rouba o filme todo pra si, mesmo com quilos de maquiagem o ator expõe timidez, doçura, impulsividade e paixão pelo seu trabalho, é o amigo/parceiro Orc que todos gostaríamos de ter do nosso lado no final do dia. E ambos conseguem ser uma boa versão Bad Boys do mundo da fantasia com boa química e timing cômico e dramático certeiros. Pena que é uma dupla de personagens e atores com uma premissa tão interessante em volta que merecia um filme muito melhor.
Vale a assistida apenas pela distração. Mas se vamos realmente ter uma continuação disso, só mostra o quanto a Netflix está realmente pouco se importando com a qualidade de investimento de seus produtos. E faça sua festa David Ayer!
Assassinato no Expresso do Oriente
3.4 939 Assista AgoraNão é querer se gabar de ter uma ampla popularidade no meio crítico brasileiro, ainda mais reservado ao meio das redes sociais, mas possuo certa fama entre os conhecidos de ser alguém que sempre procura admirar o melhor do que um filme tem a dar mesmo com suas falhas (qualquer crítico que se preze o deveria certo?), o que muitas vezes me leva a diferir de opiniões e percentagens negativas da crítica especializada - o diferentão que gosta de tudo em outras palavras. Porém, creio que não fui o único em concordar de que este último filme do inexplicavelmente-não astro Kenneth Branagh passa longe de ser um erro mal acabado de narrativa e apenas sustentado com apuro técnico como muitos o apontaram, e sim se mostrou ser uma ótima e bem concebida adaptação da obra de Agatha Christie e que marca o retorno de Branagh na direção de filmes de real boa qualidade (Thor, Cinderela e Operação Sombra - Jack Ryan que me perdoem).
Mas se há algo que Branagh ensinou muito bem ao longo de sua carreira é a de que ele simplesmente não se dá muito bem quando tenta se meter em blockbusters de grande orçamento e gêneros variados, ou sequer implementar uma liberdade criativa em adaptações que realiza ("Como você quiser" e "Amores Roubados" estão aí como prova do que ele fizera nas duas últimas adaptações de Shakeaspeare que realizou). Porém, o surpreendente de sua versão de Assassinato no Expresso do Oriente é que, ao mesmo tempo em que ele consegue ser piamente fiel à narrativa de Christie, bom crédito seja dado ao esguio roteiro de Michael Green, consegue também aprofundar de forma digna o icônico protagonista Hercule Poirot ao entregar uma intro toda dedicada ao personagem e uma descrição de personalidade de se fazer inveja à Sherlock Holmes.
O bigodon gigante e a altamente carismática performance de Branagh como o dito cujo só ajudam e beneficiam ainda mais isso, ouso dizer até que seja talvez a melhor interpretação que o personagem já teve no cinema (o soberbo Albert Finney do igualmente soberbo Assassinato no Expresso do Oriente de Sidney Lumet que me perdoem). Uma interpretação que passa à limpo o nível perfeito de figura e personalidade caricata e mantendo uma ótima linha tênue de humor e leveza. Se engana porém quem tenda a achar que os méritos do filme param por aí já que de sobra ainda temos um elenco contendo apenas nomes de peso, e o filme faz um decente trabalho de deixar cada um ter seu momento chave para o desenrolar da história, seja pequeno ou grande. Destaco particularmente a senhora Michelle Pfeiffer que após um longo hiatus dos holofotes, volta com todo seu charme e carisma para as telas aqui, beneficiado muito a aura de improbabilidade e mistério que repercute por toda a narrativa, ainda mais quando ambos filme, atriz (e claro, todo o elenco) e o próprio Poirot, mostram as verdadeiras raízes dramáticas que sustentam a história de Christie.
Não vejo como isso não é o território mais frutífero que Kenneth Branagh poderia trabalhar e voltar a mostrar o verdadeiro talento que é por detrás das câmeras. Onde para além de ter no bolso um orçamento gordinho que o permite extravasar e realizar um filme com apreço técnico invejável, desde a cintilante fotografia de Haris Zambarloukos brincando e abusando de planos sequências classudos e a sempre ótima trilha de Patrick Doyle, que juntos parecem formar aqui um digno thriller/suspense com uma aura de filme matinê parecido tirado dos anos 40 (a câmera com a vista "god's eye" na cena do assassinato não é tão Hitchcockiana à toa). E que além disso, consegue evoluir de seu humor e leveza inicial para se adentrar em um território de complexidade moral e um serne emocional melodramático, sem soar vazio ou forçado (e que em nada deve às adaptações Shakespeareanas do diretor), respeitando toda a essência de sua icônica autora de forma bem respeitosa.
Mas além de ficar só rasgando elogios por aqui, de fato não é um filme em seu todo perfeito ou funcional. O ritmo oras quebradiço em sua continuidade oras lenta e oras apressado; alguns personagens subaproveitados e algumas breves tentativas frouxas de querer se criar alguma cena de ação não beneficiam em nada ao filme. Mas graças à todo o seu restante, desde o seu espírito clássico, o ilustre elenco carismático e o imenso respeito à obra de Agatha Christie só fazem de Assassinato no Expresso do Oriente não só um ótimo retorno à sua boa forma de cineasta, como um bom e classudo suspense com um aprecio técnico digno de um blockbuster e uma carga dramática capaz de mexer de verdade com as emoções do expectador. Se eu gostaria de ver mais desse adorável Hercule Poirot de Branagh e mais adaptações de Agatha Christie com esse porte sendo feitas hoje? Sim, sim por favor, só capriche melhor na próxima vez!
Jogador Nº 1
3.9 1,4K Assista AgoraPoucos diretores podem se gabar de ao longo de sua carreira ter criado e inspirado tantas marcas icônicas para gerações atrás de gerações como Steven Spielberg fez com seus imencionáveis clássicos já tão popularmente conhecidos. E agora, foi através da adaptação do divertidíssimo livro de Ernest Cline que ele conseguiu voltar a brincar com os sentimentos nostálgicos da cultura pop que ele próprio ajudou a criar anos atrás, e se mostra aqui tão rejuvenescido e ansioso por diversão quanto à anos.
É também devido isso, que há quem diga que os únicos filmes onde o "verdadeiro Spielberg" funciona são em seus blockbusters escapistas e não em suas investidas nos dramas sérios e complexados que sempre dividem opinião crítica e público. Baboseiras equivocadas à parte, mas ao mesmo tempo é inegável ver o quão Spielberg se mostra estar à vontade aqui em seu habitat natural da ficção científica e fantasia futurista seguindo a ótica de protagonismo jovem frente à um mundo de atribulações familiares (e sociais) e encontra a fuga dessa realidade através da diversão de seus "sonhos" - o território Spielbergiano perfeito e um onde ele não deixa de mostrar verdadeiro esmero em toda sua concepção, tanto narrativa quanto visual.
Saliento isso pois sempre há alguém que virá com o pitaco detrator, e ultrapassado, dizendo que o filme se trata apenas de apuro visual estético e nenhuma sustância narrativa para compor a experiência, ainda mais em um filme aqui que se mostra ser o completo oposto de tudo isso. Por se tratar de uma história que aborde um festim quase infinito de referências atrás de referências que cobre anos à fio da cultura pop, já se torna um perfeito alvo para tal. Por outro lado, Spielberg se usa desse universo do OASIS, dos jogos virtuais online e do uso vicioso de milhares de indivíduos do mesmo produto para entregar, ainda que de forma um tanto ingênua e em uma estrutura despretensiosa, e que quase se perde em certos momentos de exposição, mas não isento de inteligência; uma retratação moderna e atual das relações e conectividades humanas através do mundo virtual. Que para muitos se torna uma nova realidade, frutífera e prazerosa, cheia de infinitas possibilidades, onde podem ser aquilo que sempre quiseram ser; em contrapartida à frieza, monotonia e nebulosidade de nossa verdadeira (e atual) realidade.
Por simples definição, já aponta de que esse se trata de ser a versão "Matrix" de Steven Spielberg, com certeza. Mas ao invés de partir de um pressuposto mais "sério" ou sequer "maduro" de sua concepção metafórica inteligentemente empregada, Spielberg usa desse palco para se divertir como não fazia à um bom tempo. Não só pelas quase infinitas referências e easter eggs que cobrem a tela durante toda a projeção, incluindo a MELHOR homenagem que já vi envolvendo "O Iluminado" de Stanley Kubrick, como também ressuscita na tela aquele sentimento de nostalgia sessão da tarde (no melhor sentido da frase), construindo uma verdadeira aventura de escala grandiosa e ação eletrizante, com a aura altruísta de Os Goonies presente na união das crianças vs os vilões adultos do sistema (representado em ótima forma por um sempre bom Ben Mendelsohn), e com personagens adolescentes rebeldes e de boca suja parecidos tirados de um filme de John Hughes. Se desenfreando em uma jornada cheia de ação e com a boa e velha adrenalina Spielbergiana direto ao ponto mas sem perder a coesão de seu texto, empregada junto de uma enérgica trilha sonora de um inspirado Alan Silvestri e um decente elenco, com destaque para dois carismáticos e joviais Tye Sheridan e Olivia Cooke, mas principalmente para um sempre ilustre Mark Rylance que encarna no seu aparentemente simplório personagem mcguffin narrativo, uma espécie de persona do William Wonka do mundo virtual e de toda uma geração de amantes e sonhadores da pura nerdice.
Pode ser até exagero dizer que Jogador Número 1 se trata de um dos melhores acertos recentes na carreira de Steven Spielberg ou sequer um dos mais marcantes de sua extensa filmografia, e certamente não escapa de certos deslizes de alguns personagens subdesenvolvidos e alguns visuais caricatos. Mas não deixa de se mostrar como uma forma que o diretor encontrou no hoje em poder olhar para o passado com um olhar tão nostálgico, e com uma interessantíssima trama e divertidos personagens e ação que impedem de o fazer soar apelativo e sim puro e verdadeiro ao declarar seu descarado amor pela cultura pop e pela nerdice, que por anos permitiu trazer uma infinita possibilidade de sonhos e alegria para gerações e gerações até hoje. Um sorriso no rosto aqui no final é impossível de não se abrir para os que conseguirem enxergar a essência por detrás de um blockbuster que vai muito além de visuais legais e pura nostalgia, algo que Spielberg sempre fez bem e continua fazendo.
Star Wars, Episódio VIII: Os Últimos Jedi
4.1 1,6K Assista AgoraLembro-me como se fosse ontem quando "Star Wars: O Despertar da Força" de J.J. Abrams, mesmo que em meio de louvação crítica, também recebeu constantes críticas dos raivosos fãs de Star Wars pelo filme ter copiado muitos elementos passados da saga, e o acusando de ser um remake disfarçado do filme original (ou Uma Nova Esperança se preferirem). Parece que nem foi necessário o clamor dos fãs por algo novo e diferente no filme seguinte, já que o novo encarregado aqui, o talentosíssimo Rian Johnson, tem como prioridade aqui: atualizar e inovar a saga Star Wars quase que por completo e de forma muito audaciosa e arriscada. Retomando, sim, elementos do passado já tão bem preestabelecidos no universo, pegando seus amados e inesquecíveis personagens, os levando por caminhos novos e completamente inesperados, e arriscados.
Ousando em quebrar todas e quaisquer expectativas, subvertendo arquétipos característicos e temáticos dos mitos da saga, e acima de tudo fugindo do padrão da franquia em fazer do segundo filme da trilogia mais sério e sombrio. Ao invés disso, faz talvez o filme mais bem-humorado de toda a saga até então, mas não o menos dramático ou isento de complexidade emocional na forma com que lida com as ações e decisões tomadas por todos os personagens em sua jornada aqui. Mostrando optar assim pela escala intimista e pessoal no meio de suas megalomanias blockbuster, algo que Johnson recuperou tão bem de Rogue One, mostrando uma narrativa bem mais intricada e desafiadora.
E se muitos pensaram que J.J. Abrams era o diretor mais nerd e fã de Star Wars que eles poderiam arranjar para comandar um filme da saga, Rian Johnson se apresentou aqui como forte concorrente para tal. Não só o diretor mostra conhecer tão bem esse universo de cabo à rabo, como também é fascinado por tudo que o compõe. Mostrando ter um estilo próprio e intuito narrativo dentro da história completamente diferente de muitos diretores que já comandaram a saga no passado.
Pois se enquanto Abrams trazia uma essência nostálgica, declarando seu amor por essa franquia com uma direção classuda e apostando em um ritmo direto ao ponto à la os filmes do seu mestre mentor Steven Spielberg. Já George Lucasfazia uma mistura de suas referências clássicas desde o cinema samurai ao Western, abordando temas políticos e sociais. E Gareth Edwards, por sua breve vez, apostou no filme de gênero ao realizar um verdadeiro filme de guerra nas galáxias (ou estrelas). Por fim, Johnson tem uma identidade própria e busca uma nova forma de contar Star Wars. Conseguindo de cara em fazer um filme completamente diferente, tanto esteticamente quanto tematicamente ao seu anterior Despertar da Força, e insere um estilo completamente novo e mostra seguir mesmo uma nova direção.
Tanto no uso de sua montagem se usando de ágeis cortes nas suas transições cênicas mostrando querer brincar com a noção de tempo e espaço de forma quase experimental e analítico nos diferentes núcleos narrativos que formam a trama principal. Esses divididos em três arcos diferentes dos personagens, um dos poucos resquícios estruturais de O Império Contra-Ataca aqui, onde cada um parece conter uma tonalidade distinta própria: o núcleo de Luke e Rey parecendo um filme samurai à la Akira Kurosawa, recheado de um humor cínico marca do mesmo, e algumas belas sequências paisagísticas, lado também dos embates mais dramáticos do filme; a fuga da frota rebelde lembrando e muito um filme de guerra/sobrevivência e conflito interno como o confinamento e tensão de O Barco: Inferno no Mar; e a missão sem sal e nem açúcar de Finn e Rose lembrando um filme de heist e aventura seguindo uma tonalidade mais leve e escapista que lembram O Retorno do Jedi, este último servindo de grande inspiração cênica e estrutural para o diretor de forma até surpreendente. Sabendo também comandar a ação de forma crível e potente cheia de uma imparável adrenalina, e entregando a escala de ameaça de forma soberba e garantindo a diversão sem parar. Mas sem esquecer de lidar com sua narrativa de forma madura, centrada e aberta para audaciosos questionamentos sobre sua história. Esse padawan claramente sabe o que está fazendo.
E por conhecer os trabalhos anteriores do diretor, prioritariamente Looper e Ponta de um Crime, era um pouco de se esperar que com a vinda de Rian Johnson para a cadeira da direção, veríamos um pouco de sua marca diretorial mais "peculiar". Podemos classificar, facilmente, que Os Últimos Jedi consegue o feito de ser o filme mais cinematograficamente diferente de toda a saga, com um estilo sensorial muito próximo do cinema independente, ou “artístico” por assim dizer. Não só graças à deslumbrante fotografia do seu já antigo parceiro Steve Yedlin, que consegue criar uma identidade visual rica e variada, revelando a mais pura beleza de cada um de seus belíssimos cenários e alguns dos mais belos enquadramentos que a saga já teve.
Desde o vasto deserto de sal do planeta vermelho, revelando uma vasta escala grandiosa e imersiva digna de um épico como Lawrence da Arábia; a pomposidade do cassino que Finn e Rose invade que parece um cenário tirado de Cassino Royale só que no espaço; o deslumbre contemplativo que algumas das cenas espaciais revelam (o sacrifício da almirante Holdo de Laura Dern por exemplo); a própria natureza em movimento sendo usada quase como uma reveladora dos sentimentos em causa presentes no embate entre Rey e Luke (a monotonia interrompida pelo vento quando estão afastados; o calor ensolarado quando dialogam sobre a Força e os Jedi; a chuva revelando tempestuosa revelando o conflito quando ambos se desentendem); tudo com uma textura cênica digna dos mais maduros e complexos dramas. Não só na encenação, como também na forma em que conta sua história através de uma montagem enganosa, usando de cenas psicológicas visualmente ricas, diálogos certeiros nas suas pontadas temáticas audaciosas. Levando os poderes da Força e o drama de seus personagens para caminhos talvez nunca antes explorados e que por alguma razão irritou à tantos fanboys.
Pois há uma grande diferença entre alternar características já pré estabelecidas de seus personagens e universo para moldes bobos e caricatos, vindouros de alguém que não entende ou respeita o universo criado por George Lucas; e outra é querer mostrar elementos já familiares e querer construir a partir destes novos elementos que integram e evoluem esses mesmos personagens e universo por novos caminhos que em nada desrespeitam o passado e sim vislumbram um promissor futuro que se mantém à par e fiel com o que já foi construído nesse universo até então. Mas tais "mudanças" e adições que só geraram reclames odiosos e até infantis dos fãs que pra mim ainda são incompreensíveis. E grande parte disso coincidentemente parece advir de um personagem em questão, o Luke Skywalker de Mark Hamill.
Nunca entendi certos comentários feitos sobre as habilidades de atuação de Mark Hamill quando se lembram de sua participação na franquia. Fato que ele era apenas ainda um jovem aprendendo a atuar no primeiro filme, mas que mostrou notável melhoramento ao longo dos anos. Agora ele retorna aqui a saga e melhor do que nunca! Encarnando seu velho icônico personagem como se nunca o tivesse deixado depois de todos esses anos, revelando tantos sentimentos de dor, tristeza e arrependimento só com seus sutis olhares e angustiantes silêncios cheios de mistério. Mas também surpreendendo com um cinismo e humor ácido um tanto discrepantes do personagem, tão centrado e de fé, que vimos pela última vez há trinta anos atrás.
Com isso, nos faz notar como sua caracterização, que o público fã já tão bem conhece, seja desconstruída de forma quase brutal e cruel, revelando o difícil estudo de personagem, herói vs vilão, mito vs lenda, a luz contra escuridão que Rian Johnson tão bravamente propõe aqui. Nunca vimos o personagem dessa forma, moralmente quebrado, ideologicamente confuso e misterioso. Para no final, sua jornada íntima e pessoal revelar o verdadeiro grande e inesquecível personagem que é Luke Skywalker em alguns dos momentos mais épicos de toda a saga.
Muitos também já devem ter notado as grandiloquências visuais que George Lucas implementou na sua trilogia prelúdio, aproveitando todas as capacidades que a tecnologia moderna poderiam lhe permitir de criar amplos mundos e diversas criaturas, aumentando as lutas de sabres de luz, deixando assim para trás o básico e o prático do passado. Mas a nova fase da franquia vem mostrando ser a mistura do melhor dos dois tempos e Johnson prova seu fascínio pela criação do prático em suas criativas novas criaturas (os Porgs são um clássico instantâneo).
Não só nisso, como também amplia o universo em novas escalas jamais imaginadas. Não só em sua inchada duração, que ainda assim permite ampla atenção para a maioria de seus personagens, como garante momentos de verdadeiro arrepio na espinha. Ação excitante, batalhas enormes, embates de alto grau de emoção, fugas frenéticas, esse é o espetáculo do escapismo de Star Wars sendo feito com total esmero, no filme que ousa ser talvez o mais divertido e porque não um dos mais emocionantes filmes de toda a saga. George Lucas está orgulhoso assim como os fãs também deveriam ficar. A força é realmente forte com esta nova trilogia de Star Wars!
A Grande Jogada
3.7 342 Assista AgoraCreio que seja justo dizer que Aaron Sorkin é um daqueles raros roteiristas como Charlie Kaufman ou até Dalton Trumbo que conseguiram ter seu nome amplamente bem reconhecido em fama, tanto para com os dentro do ramo quanto no meio público graças ao seu incrível trabalho por detrás da escrita de alguns ótimos filmes. Então, era de se pensar que quando um autor como esse, por detrás de tão ricos roteiros de filmes bem reconhecidos (Rede Social, Jobs, Moneyball), viesse assumir pela primeira vez a direção de um de seus textos, sua verdadeira essência autoral poderia florescer na tela graças à sua ótica pessoal finalmente comandando tudo. Bem, sim e não.
Pois se por um lado temos (como sempre) um roteiro que cumpre com proeza sua proposta de explorar o submundo dos jogos de sorte com una elegância invejável em seus muito bem escritos diálogos. Tomando base na narrativa auto-explicativa dos filmes de crime de Scorsese (mas sem nunca soar cansativo) e conseguindo ir além ao explorar um até complexo estudo de personagem com sua incrível protagonista Molly Bloom, interpretada com carisma e alma por Jessica Chastain, dividindo cena ainda com dois ótimos Idris Elba e Kevin Costner, ambos em seu melhor.
Enquanto por outro lado temos uma direção sem muita inspiração e se baseando muito no básico e automático de seus planos, e se estendendo até demais em uma montagem sem freio, mas que não alcança o status de cansativo graças à riqueza do texto e às excelentes performances. E com Sorkin ainda conseguindo mostrar em suas entrelinhas, seu resquício de autor à dar muito mais camadas emocionais e dramáticas do que se poderia imaginar aos seus personagens de atos moralmente questionáveis, ainda que não sejam devidamente explorados.
Mas é notável e louvável ver aqui uma boa história de uma rica persona que desperta interesse e atenção instantâneos e faz-nos questionar o moralmente legal e certo em um mundo operado pela sorte do destino e pela proeza humana que sua personagem carrega. Só tente ousar mais em sua direção na próxima vez senhor Sorkin, pois enquanto no texto o senhor ainda nos presenteia ricamente.