O filme critica a visão de que através da meritocracia todos os indivíduos podem almejar a independência financeira. Tudo isso sob um olhar deveras Marxista, afinal, Luchino Visconti era assumido.
Os donos das peixarias detinham as redes e barcos e ofereciam esses em troca da mão de obra dos paupérrimos pescadores, que infelizmente, recebiam uma miséria de todo o lucro.
Logo, A Terra Treme é uma representação audiovisual do conceito de Mais-Valia, criado pelo filósofo alemão Karl Marx que mostra a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalhador.
A Obra é excelente como filme panfletário ideológico mas não se resume somente a isso, a fotografia e as atuações são sublimes, que quando somadas à narração, remetem a Nanook, O Esquimó, de Robert Flaherty, o primeiro documentário de todos os tempos.
Cada enquadramento é milimetricamente pensado, alguns, quando vários personagens distribuídos no mesmo plano, lembraram-me as pinturas de Candido Portinari que ilustravam a miséria dos retirantes nordestinos. A vila de pescadores é decadente mas ainda assim poética.
As imagens são elaboradas com um maravilhoso cuidado de luz e foco que contradiz vários outros filmes do neorrealismo italiano, que eram mais despreocupados em relação a estética.
A personagem silenciosa interpretada por Neluccia Giammona, é uma das criaturas mais belas e sublimes que já vi na história do cinema. Ela não possui maquiagem, suas roupas são esfarrapadas e seu corpo não tem o padrão de beleza pré-estabelecido. Entretanto, a consciência dela e a sua postura ereta e firme frente a pobreza dá a ela um aura quase divina, com seus pés descalços a andar por aquele vilarejo.
Em suma trata-se de uma história de uma família pobre, mas que poderia ser a história de milhares se famílias que estão desalentadas e humilhadas mundo afora.
Considero Kieslowski um grande gênio, sobretudo por conta de O Decálogo, a trilogia das cores e A Dulpa Vida de Veronique, mas confesso que não me encantei tanto por Sorte Cega.
Evidentemente que se trata de um filme bem dirigido e atuado, que mostra os inúmeros caminhos que as escolhas (ou a falta delas) suscitam em nossas vidas. Tudo isso nos põe a pensar, na condição de espectadores, se realmente fizemos as escolhas certas em nossa vida e como estaríamos agora se por ventura tivéssemos trilhado outro caminho.
Entretanto, mesmo com essas qualidades inegáveis, utilizando o autoritarismo da Polônia socialista e mostrando grupos rebeldes de resistência ao regime, o roteiro apresentou dificuldades de me manter interessado na trama. Poucas cenas me encheram os olhos, talvez a do desfecho seja a mais surpreendente. Enfim, nota 7,2, já consumi coisas melhores e mais inspiradas do mesmo diretor.
Estação Central do Cairo, de 1958, é considerado a primeira grande Obra-prima do cinema africano.
Trata-se de um grande filme que aborda um tema delicado no Egito, o assédio dos homens para com as mulheres e a violação de algumas liberdades femininas.
O protagonista é um esquizofrênico tarado que se apaixona por uma sexy mulher e passa a ficar obcecado por ela de uma maneira assustadora.
O filme toca em feridas culturais do Egito de forma corajosa e de certa forma serve como modelo para outros modelos de esquizofrênico que o Cinema viria a conhecer.
Talvez Hitchcock tenha se inspirado um pouco nesse filme para psicose, não sei.
Um ótimo Thriller egípcio com influencias neorrealistas no âmbito da fotografia e com um desfecho potente. Nota 8.0
Satyajit Ray demonstra que toda a sua coragem ao criticar com frieza sombria as idolatrias e o fanatismo religioso.
A Índia talvez seja o país do mundo que mais crê em curandeiros, místicos e encarnações de deuses. Tudo isso em meio a um cruel sistema de castas. Logo, Satyajit Ray ter tocado o dedo nessa ferida que nunca cicatriza na cultura indiana foi incrível, tudo soa como um soco na boca do estômago.
SPOILER abaixo
Várias vezes me questionei se ela de fato era ou não a encarnação da Mãe (Deusa) , o desfecho, onde ela está catatônica e incrédula, considerando-se a grande responsável pela morte de seu sobrinho, quando o seu marido se aproxima dela no quarto, o sol que entra da janela a ilumina como uma divindade. Genial.
O filme não é ruim, ele tem momentos bastante interessantes, como as cenas de rebelião no reformatório e mais algumas. Entretanto, não podemos deixar de notar que o filme ficou datado e existem cenas que não soam verossímeis, mesmo com a suspensão da descrença, tão bem-vinda para se admirar um filme.
A personagem de Louise Brooks acaba de perder um filho, ela chora, entristece-se mas horas depois ela já ri e dança em meio a boate que viria trabalhar por conta de umas doses de espumante. Chega a ser cômico essa mudança repentina de humor. O suicídio do perdido Oxford por conta da Brooks não ter pego o dinheiro da herança também é aleatório e irreal, chegando no desfecho datado com lição de moral. Vale pelas cenas interessantes que mencionei anteriormente, pela beleza da Brooks e pela coragem de abordar temas espinhosos que cutucavam a sociedade, na época deve ter chocado mais. Nota 7,3
nota 7,2... Às vezes parecia que estava num terror cafona de Dario Argento, outras vezes parecia que eu estava dentro de um filme pornô...
O filme se utiliza dessa bengala da nudez e da excitação visando ter a atenção dos espectadores. Mas convenhamos, é uma artimanha rasteira e pouco inteligente para conquistar a atenção do público. O roteiro é bem desenvolvido, muito embora over e desconectado da realidade, muitas vezes. É cheio de plot twist, que por serem tão, mas tão frequentes, não surpreendem, não alcançando o seu propósito.
Enfim, um filme de entretenimento, tem seu valor, sabe criar atmosfera, mas nada de outro planeta. A referência de psicose tbm é legalzinho, no Dr. com a dupla personalidade.
Eu conheço muito bem o leste europeu e varias regiões menis pomposas da europa, sobretudo os antigos países da extinta Iugoslávia, como por exemplo Bósnia-Herzegovina e Sérvia.
Posso dizer com conhecimento de causa que esse filme é estupendo ao retratar os subúrbios dessas regiões, principalmente a cidade de Sarajevo, com extrema competência. Há um realismo absurdo em representar o povo cigano, tão sofrido, estigmatizado e rotulado de forma preconceituosa por quase toda a Europa.
A cultura Cigana aqui é destrinchada com altíssima qualidade audiovisual, mostrando suas qualidades e seus defeitos, passeando pelo misticismo, feitiçaria, golpes, tradição, honra familiar e etc.
Emir Kusturica acerta mais uma vez e realiza um filme no qual nenhuma categoria é média, pelo contrário, tudo é excelente. Fotografia, direção de arte, figuração, direção, atuações, produção, roteiro, figurinos, efeitos especiais. Tudo é fantástico aqui e homenageia com enorme lindeza os Balcãs e sua riquíssima cultura.
Normalmente filmes que abordam temas como Apocalipse, distopia e zumbis correm um grande risco de flertarem com os gêneros de comédia pastelão e trash, mesmo que isso não seja intencional.
Logo, é bastante difícil dirigir esse tipo de filme sob o risco de ficar caricato ou até cômico. Mas através da competente direção de Danny Boyle, nada disso ocorre aqui.
Extermínio possui um ótimo roteiro e te envolve do começo ao fim. Nota 7,6
SPOILER abaixo
A parte onde os soldados na casa de resistência revelam ao protagonista que as duas mulheres vão precisar ficar ali para a perpetuação da espécie é dolorosa, pois mostra que em cenários apocalípticos e de guerra, quase que inevitavelmente, as mulheres acabam sendo estupradas. É muito doloroso isso, mas a história nos prova que é verdade.
O filme consegue mesclar brutalidade e horror com delicadeza e sensibilidade, uma verdadeira preciosidade.
Uma história de compaixão e de amor de uma família dilacerada pela Little Boy. Embora o desfecho, após as inúmeras mortes, seja positivo e emocionante, no fundo sabemos que a morte daqueles poucos que ainda vivem é questão de tempo. São tantas cenas belíssimas e pesadíssimas ao mesmo tempo. Nota 9,2.
Uma crítica pesada às burocracias. As cirurgias plásticas descontroladas também são criticadas sempre em um tom cômico e apocalíptico. O nome Brazil nunca foi tão apropriado para um filme, que tal como nosso país, retrata um estado que trabalha somente para si e não para o cidadão, mediante infinitos alvarás, tributos e burocracias.
Soma-se a isso as cirurgias plásticas, tão comuns no Brasil, pois tudo aqui vira estética, haja vista que a cultura não é o forte dessa pobre nação.
SPOILER ABAIXO
O final onde o protagonista finalmente, por conta das torturas, desliga-se daquele mundo através de uma espécie de lobotomia, e finalmente encontra-se e se torna feliz, pois a ignorância é uma benção, reflete o Brasil. Reflete o pão e circo que mantém nossa nação respirando, futebol, cerveja, drogas, praia e carnaval. Esquecemos por um segundo que no fundo estamos diante da miséria e da desgraça. A música Aquarela do Brasil ganha tons de samba e aumenta gradativamente enquanto vemos aquele homem engolido pelo status quo. Obra-prima!
PS: o personagem do Robert De Niro seria o equivalente ao cara que instala net pirata na nossa casa ou gatos de luz e streaming, seria o equivalente aos torrents e tudo aquilo que nos salva das garras tirânicas e sedentas por dinheiro do sistema.
Há uma cena onde o protagonista cai girando que remete a Um Corpo Que Cai, em outra ocasião, quando o exército do Estado desce uma escada lembra o massacre em Encorajado Potemkin. Percebam também que as vestes desses soldados "malvados" são idênticas as roupas utilizadas pelos alemães na 2⁰ Guerra mundial.
A cena onde o Robert De Niro morre afogado pela papelada mostra a burocracia vencendo o homem, enfim, são tantas cenas memoráveis que poderia ficar horas falando.
Histórias fantásticas acompanhadas de fotografia belíssima, onde as locações são um verdadeiro deleite para os olhos. Trilha sonora que se encaixa como uma luva no filme...
Os diálogos do epílogo são primorosos, quando o filho fala para a mãe morta que lhe aparece em visão "agora que você está morta e não pensa mais em mim, eu não estou mais vivo para você, e nunca mais estarei."
A mãe morta responde o filho "um coisa eu sinto poder ainda te dizer. Aprenda a olhar para as coisas com os olhos dos que não enxergam mais. Assim as coisas serão mais belas.
Após isso as imagens das crianças a brincarem nas dunas sobre a praia paradisíaca em tons de branco e azuis fazem a obra se encerrar de forma magistral.
Nada além de um filme regular pra bom. Roteiro poderia ser melhor trabalhado, as atuações são boas, mas a direção deixa a desejar. Esperava mais. Nota 6
Não considero dois filmes, mas sim uma obra só, com 4 horas de duração, pois um filme necessita do outro para transmitir a mensagem. Eles não funcionam sozinhos.
Obra magistral que reflete a maldade, a combiça, a culpa e a ganância. Um estudo da natureza humana.
Short Cuts é uma obra que esmiúça a vida real e a rotina de inúmeros personagens, cuja suas vidas vão se entrelaçando até haver uma unidade, uma conexão.
O roteiro desse filme é impressionante em todos os aspectos,
a cena onde as fotografias são trocadas por engano, onde o pescador vê a maquiagem cinematográfica que simula a morte e as mulheres veem o cadáver no Rio é fantástica. Ambos anotam a placa do carro para denunciarem a polícia, hilariante.
Conduzir um filme com tantos atores, com tantas situações distintas ocorrendo ao mesmo tempo e se conectando é extremamente difícil, por isso fica aqui meus mais sinceros parabéns à direção de Robert Altman e aos continuistas - profissão no meio cinematográfico dedicada a impedir que o filme possua erros de continuidade e lacunas quebradas para com a narrativa.
Absolutamente todas as atuações de Short Cuts estão fenomenais, de tal forma que os espectadores esquecem que existe uma câmera que realmente filmava aqueles personagens. Tudo soou magnificamente real, e com certeza a escolha do diretor de fotografia por planos gerais, onde os personagens ficavam mais afastados da câmera (tirando raras exceções de closes e zoom in) retira qualquer muleta melodramática para gerar emoção.
Não, aqui o filme não usa muletas para aumentar a emoção dos espectadores, não que muletas sejam erradas, mas é exímio quando diretores conseguem retirar lágrimas dos receptores de forma crua e natural. Nós, na condição de espectadores somos apenas voyeures, como se fossemos uma mosca a espiar tudo o que ocorria.
Esse filme é superior a outras obras excelentes que tentam amarrar estórias distintas em uma só, como por exemplo Magnólia. Short Cuts é infinitamente superior. Achava que era impossível Altman superar o Nashville, que até então considerava sua Obra-prima por definir tão bem a sociedade norte-americana, mas Short Cuts supera e considero a masterpiece do diretor.
Impossível ficar indiferente para com a morte da criança vítima de atropelamento, onde os pais sofrem quando os batimentos cardíacos se esvaem naquele hospital, a cena em questão é realizada com o menor número de cortes e planos possíveis, dando extremo realismo que nos levam as lágrimas. A cena do padeiro descobrindo que não retiraram o bolo para o aniversário por conta do falecimento do menino também é incrivelmente potente.
Eis aqui uma montanha-russa, com seus altos e baixos tal qual a vida é.
Excelente faroeste, trilha sonora memorável e cenas comoventes. O filme basicamente retrata o fim de uma era nos EUA para a lei que começava a se fazer fortemente presente dando fim aos pistoleiros e ladrões de gados. Emocionante.
SPOILER
A cena onde um senhor é baleado pelos tiros de Pat Gerret e observa o rio, contemplando a paisagem antes de morrer é exímia, sobretudo com a trilha de Bob Dylan, que aliás atua no filme.
Conforme a obra ia passando eu poderia ter certeza de que a direção do filme era feminina.
Após o término a primeira coisa que fiz foi conferir e, de fato, quem dirigiu essa poesia em forma de audiovisual foi Céline Sciamma.
Poucas vezes eu vi um filme tão competente em se tratando de desnudar a alma e o interior feminino como Retrato de uma Jovem em Chamas.
É uma homenagem a todas as mulheres do mundo, que dentro de si carregam segredos, traumas, anseios e mutilações emocionais ocasionadas por uma sociedade culturalmente machista.
A premissa de Retrato de uma Jovem em Chamas é simples, conta a história de uma pintora que é contratada por uma senhora para pintar a sua filha, que objetiva que essa case por meio de um casamento arranjado. O marido pretendido pela senhora (mãe de uma das protagonistas) mora em outro país e só aceita o casamento mediante uma pintura, para saber como é o rosto de sua futura companheira.
Entretanto, a personagem interpretara por Adele Haenel não aceitou posar para pintores, afinal sabia que a intenção de sua mãe era casá-la e ela não queria isso.
Mas eis que chega Marianne (Noémie Merlant) no casarão onde vive as duas mulheres (mãe e filha) e mais a criada.
A partir de sua chegada, pouco a pouco a pintora vai ganhando a confiança de Heloise (Adele Haenel) e assim passam a desenvolver uma paixão que é extremamente bem construída, desenvolvida aos poucos e sempre no mesmo ritmo pela diretora.
Abaixo conterá alguns spoilers.
A cena onde a criada realiza um aborto por uma aborteira anciã, mas a cama onde esse aborto é realizado está com 2 crianças, provavelmente netas da senhora é muito impactante.
Pois enquanto a criada está tendo o seu bebê retirado de seu ventre, uma criança bebê lhe toca o rosto, mostrando que toda a decisão de abortar ou não é difícil para a mulher e qualquer que seja a decisão trará cicatrizes. É um filme que aborda das mais diversas formas o universo das mulheres.
Outra cena impressionante é quando Heloise pede para Marianne se pintar, pois dentro de poucas horas ela teria de partir. Apaixonada ela via seu reflexo num espelho que estava apoiado na cama na frente do sexo de Heloise. Nossa, que cena poética, sensual, humana e antropológica.
Heloise pediu para Marianne pintá-la na página 28 de seu livro predileto. Ela pinta ali mesmo, na 28.
Anos mais tarde, numa première de arte, Marianne vê um retrato de Heloise, acompanhada de seu filho e segurando um livro que discretamente está entreaberto na página 28, indicando que mesmo casada com um homem, ela nunca esqueceu sua verdadeira paixão: Marianne.
Trata-se de uma obra prima que não pode e não deve ser comparado com nenhum outro filme, pois é único e de uma delicadeza que impressiona todos aqueles que amam arte.
Ah, e as analogias com a fábula de Orfeu são incríveis, em todos os aspectos e encaixaram como uma luva.
Um excelente suspense com atuações incríveis de todos os personagens do filme. Destaque para a brilhante interpretação de Kim Stanley e de Richard Attenborough.
No fundo aquela mulher era atormentada por conta do filho que nasceu morto e até hoje não aceitava a ausência da criança em sua vida.
Um drama forte e potente que não desprende a atenção dos espectadores em nenhum segundo sequer, fantástica atmosfera criada. Nota 8,6
Podemos dizer que A Missão é um épico, extremamente bem ambientado com suas locações acertadas e escolhidas a dedo.
Retrata o período histórico dos jesuítas na América Latina e todos os contratempos e choques de interesses que os mais diversos poderes tinham na região.
SPOILER
A cena final das crianças indígenas entrando na canoa e partindo rumo à lugar nenhum, após a chacina de todos os adultos da aldeia é muito impactante.
Esse filme é de uma sensibilidade ímpar, a forma como a narrativa flui, mostrando a simplicidade do quotidiano e dos caminhos que a vida nos apresenta me remeteu aos filmes de Ozu.
Os amigos de infância, agora com vidas diferentes, mas ainda fortemente conectados, não se beijam quando se reencontram 20 anos depois em Nova York. O mesmo ocorre (ou não ocorre) em Amor A Flor da Pele de Wong Kar-Wai.
As cenas onde a cidade de Nova York aparecem ao longe enquanto os dois coreanos admiram a vista são belíssimas, fora os ótimos diálogos, sobretudo quando marido e mulher conversam sobre o casamento e sobre a relação dela com o amigo.
"Você sonha em coreano, fala em corano quando sonha, é como se eu não conseguisse acessar uma parte de você." Fiquei com os olhos cheios d'água em diversas cenas e o filme mostra que aquilo que sonhamos nem sempre é o que temos, aliás, quase nunca é. Ótimo, nota 8.0
Ser um bom diretor é dominar todos os aspectos técnicos de um filme de forma que ele, em sua totalidade, torne-se redondo.
Nunca deixo de me impressionar com a habilidade Yasujiro Ozu em dominar completamente o espaço, seja na mise-en-scène brilhante ou nos enquadramentos tão, mas tão perfeccionistas que flertam com o TOC.
Ozu, em parceria com a direção de arte e com o fotógrafo, preocupa-se com cada objeto que aparecerá no plano, (quase sempre estático com uso de tripé) vaso de flores, lâmpadas, saquês... Nada está no quadro por acaso, tudo é pensado.
Como se esquecer da belíssimas cenas? A da pescaria, as de chuva, as das vielas naquela cidade de interior e do jovem casal a namorar observando um gigantesco navio. É simplesmente uma aula de perspectiva.
Mas não só esteticamente o filme é perfeito, o roteiro é igualmente brilhante e mostra a vida como ela é, com acertos erros, brigas e reconciliações, sem nunca utilizar o melodrama como bengala. A beleza da montanha-russa da vida acontece de forma natural e delicada. Nota 10.
A cena final da jovem companheira do protagonista indo embora da cidadezinha de pescadores em busca de novos ares e oportunidades é linda, na escuridão os faróis vermelhos do trem se destacam rumando para um novo desafio.
PS: Não há nenhum corte brusco no filme, até os cortes de movimento (quando os atores se levantam e se sentam são realizados de maneira perfeccionista, quase imperceptíveis, como um golfinho a deslizar no oceano. Toda a transição de plano A pra plano B é suave. Até os planos contra planos (onde um personagem conversa com outro) estão em níveis e distâncias idênticas. Pqp! Muito talento! Poesia pura!
Humphrey Bogart em uma das mais incríveis atuações de sua carreira. Roteiro envolvente que prende o mistério até o final. Gloria Grame extremamente talentosa e lindíssima e um final (SPOILER) que remete a Casablanca onde os protagonistas não ficam juntos. Um filme forte e preciso. Nota 9.0
A cena final onde por conta da aposentadoria, ele é obrigado a deixar a casa onde criou raízes e a contempla toda vazia, com os móveis já todos no carroça de frete e com sua esposa esperando lá fora, dói o coração. Até que ele tira o último pertence do seu lar, o espelho, que reflete sua feição velha, fazendo com que ele se de conta que sua vida se aproxima do fim.
A Terra Treme
4.3 25O filme critica a visão de que através da meritocracia todos os indivíduos podem almejar a independência financeira. Tudo isso sob um olhar deveras Marxista, afinal, Luchino Visconti era assumido.
Os donos das peixarias detinham as redes e barcos e ofereciam esses em troca da mão de obra dos paupérrimos pescadores, que infelizmente, recebiam uma miséria de todo o lucro.
Logo, A Terra Treme é uma representação audiovisual do conceito de Mais-Valia, criado pelo filósofo alemão Karl Marx que mostra a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalhador.
A Obra é excelente como filme panfletário ideológico mas não se resume somente a isso, a fotografia e as atuações são sublimes, que quando somadas à narração, remetem a Nanook, O Esquimó, de Robert Flaherty, o primeiro documentário de todos os tempos.
Cada enquadramento é milimetricamente pensado, alguns, quando vários personagens distribuídos no mesmo plano, lembraram-me as pinturas de Candido Portinari que ilustravam a miséria dos retirantes nordestinos. A vila de pescadores é decadente mas ainda assim poética.
As imagens são elaboradas com um maravilhoso cuidado de luz e foco que contradiz vários outros filmes do neorrealismo italiano, que eram mais despreocupados em relação a estética.
A personagem silenciosa interpretada por Neluccia Giammona, é uma das criaturas mais belas e sublimes que já vi na história do cinema. Ela não possui maquiagem, suas roupas são esfarrapadas e seu corpo não tem o padrão de beleza pré-estabelecido. Entretanto, a consciência dela e a sua postura ereta e firme frente a pobreza dá a ela um aura quase divina, com seus pés descalços a andar por aquele vilarejo.
Em suma trata-se de uma história de uma família pobre, mas que poderia ser a história de milhares se famílias que estão desalentadas e humilhadas mundo afora.
Filmaço. Nota 9,4
Os Cavalos de Fogo
4.1 36 Assista AgoraPoesia em forma de audiovisual, um delírio para os olhos e um navegar profundo pela antiga Ucrânia e seus folclores. Nota 8.4
Sorte Cega
4.1 62 Assista AgoraConsidero Kieslowski um grande gênio, sobretudo por conta de O Decálogo, a trilogia das cores e A Dulpa Vida de Veronique, mas confesso que não me encantei tanto por Sorte Cega.
Evidentemente que se trata de um filme bem dirigido e atuado, que mostra os inúmeros caminhos que as escolhas (ou a falta delas) suscitam em nossas vidas. Tudo isso nos põe a pensar, na condição de espectadores, se realmente fizemos as escolhas certas em nossa vida e como estaríamos agora se por ventura tivéssemos trilhado outro caminho.
Entretanto, mesmo com essas qualidades inegáveis, utilizando o autoritarismo da Polônia socialista e mostrando grupos rebeldes de resistência ao regime, o roteiro apresentou dificuldades de me manter interessado na trama. Poucas cenas me encheram os olhos, talvez a do desfecho seja a mais surpreendente. Enfim, nota 7,2, já consumi coisas melhores e mais inspiradas do mesmo diretor.
Estação Central do Cairo
3.6 15Estação Central do Cairo, de 1958, é considerado a primeira grande Obra-prima do cinema africano.
Trata-se de um grande filme que aborda um tema delicado no Egito, o assédio dos homens para com as mulheres e a violação de algumas liberdades femininas.
O protagonista é um esquizofrênico tarado que se apaixona por uma sexy mulher e passa a ficar obcecado por ela de uma maneira assustadora.
O filme toca em feridas culturais do Egito de forma corajosa e de certa forma serve como modelo para outros modelos de esquizofrênico que o Cinema viria a conhecer.
Talvez Hitchcock tenha se inspirado um pouco nesse filme para psicose, não sei.
Um ótimo Thriller egípcio com influencias neorrealistas no âmbito da fotografia e com um desfecho potente. Nota 8.0
A Deusa
4.0 6Satyajit Ray demonstra que toda a sua coragem ao criticar com frieza sombria as idolatrias e o fanatismo religioso.
A Índia talvez seja o país do mundo que mais crê em curandeiros, místicos e encarnações de deuses. Tudo isso em meio a um cruel sistema de castas. Logo, Satyajit Ray ter tocado o dedo nessa ferida que nunca cicatriza na cultura indiana foi incrível, tudo soa como um soco na boca do estômago.
SPOILER abaixo
Várias vezes me questionei se ela de fato era ou não a encarnação da Mãe (Deusa) , o desfecho, onde ela está catatônica e incrédula, considerando-se a grande responsável pela morte de seu sobrinho, quando o seu marido se aproxima dela no quarto, o sol que entra da janela a ilumina como uma divindade. Genial.
Diário de uma Garota Perdida
4.3 24TEM SPOILER
O filme não é ruim, ele tem momentos bastante interessantes, como as cenas de rebelião no reformatório e mais algumas. Entretanto, não podemos deixar de notar que o filme ficou datado e existem cenas que não soam verossímeis, mesmo com a suspensão da descrença, tão bem-vinda para se admirar um filme.
A personagem de Louise Brooks acaba de perder um filho, ela chora, entristece-se mas horas depois ela já ri e dança em meio a boate que viria trabalhar por conta de umas doses de espumante. Chega a ser cômico essa mudança repentina de humor. O suicídio do perdido Oxford por conta da Brooks não ter pego o dinheiro da herança também é aleatório e irreal, chegando no desfecho datado com lição de moral. Vale pelas cenas interessantes que mencionei anteriormente, pela beleza da Brooks e pela coragem de abordar temas espinhosos que cutucavam a sociedade, na época deve ter chocado mais. Nota 7,3
Vestida Para Matar
3.8 252 Assista Agoranota 7,2... Às vezes parecia que estava num terror cafona de Dario Argento, outras vezes parecia que eu estava dentro de um filme pornô...
O filme se utiliza dessa bengala da nudez e da excitação visando ter a atenção dos espectadores. Mas convenhamos, é uma artimanha rasteira e pouco inteligente para conquistar a atenção do público. O roteiro é bem desenvolvido, muito embora over e desconectado da realidade, muitas vezes. É cheio de plot twist, que por serem tão, mas tão frequentes, não surpreendem, não alcançando o seu propósito.
Enfim, um filme de entretenimento, tem seu valor, sabe criar atmosfera, mas nada de outro planeta. A referência de psicose tbm é legalzinho, no Dr. com a dupla personalidade.
Vida Cigana
4.3 36Eu conheço muito bem o leste europeu e varias regiões menis pomposas da europa, sobretudo os antigos países da extinta Iugoslávia, como por exemplo Bósnia-Herzegovina e Sérvia.
Posso dizer com conhecimento de causa que esse filme é estupendo ao retratar os subúrbios dessas regiões, principalmente a cidade de Sarajevo, com extrema competência. Há um realismo absurdo em representar o povo cigano, tão sofrido, estigmatizado e rotulado de forma preconceituosa por quase toda a Europa.
A cultura Cigana aqui é destrinchada com altíssima qualidade audiovisual, mostrando suas qualidades e seus defeitos, passeando pelo misticismo, feitiçaria, golpes, tradição, honra familiar e etc.
Emir Kusturica acerta mais uma vez e realiza um filme no qual nenhuma categoria é média, pelo contrário, tudo é excelente. Fotografia, direção de arte, figuração, direção, atuações, produção, roteiro, figurinos, efeitos especiais. Tudo é fantástico aqui e homenageia com enorme lindeza os Balcãs e sua riquíssima cultura.
Nota 9,6
Extermínio
3.7 947Normalmente filmes que abordam temas como Apocalipse, distopia e zumbis correm um grande risco de flertarem com os gêneros de comédia pastelão e trash, mesmo que isso não seja intencional.
Logo, é bastante difícil dirigir esse tipo de filme sob o risco de ficar caricato ou até cômico. Mas através da competente direção de Danny Boyle, nada disso ocorre aqui.
Extermínio possui um ótimo roteiro e te envolve do começo ao fim. Nota 7,6
SPOILER abaixo
A parte onde os soldados na casa de resistência revelam ao protagonista que as duas mulheres vão precisar ficar ali para a perpetuação da espécie é dolorosa, pois mostra que em cenários apocalípticos e de guerra, quase que inevitavelmente, as mulheres acabam sendo estupradas. É muito doloroso isso, mas a história nos prova que é verdade.
Gen Pés Descalços
4.4 143O filme consegue mesclar brutalidade e horror com delicadeza e sensibilidade, uma verdadeira preciosidade.
Uma história de compaixão e de amor de uma família dilacerada pela Little Boy. Embora o desfecho, após as inúmeras mortes, seja positivo e emocionante, no fundo sabemos que a morte daqueles poucos que ainda vivem é questão de tempo. São tantas cenas belíssimas e pesadíssimas ao mesmo tempo. Nota 9,2.
Brazil, o Filme
3.8 404 Assista AgoraAH, Brazil, eu te amo e te odeio ao mesmo tempo!
Uma crítica pesada às burocracias. As cirurgias plásticas descontroladas também são criticadas sempre em um tom cômico e apocalíptico. O nome Brazil nunca foi tão apropriado para um filme, que tal como nosso país, retrata um estado que trabalha somente para si e não para o cidadão, mediante infinitos alvarás, tributos e burocracias.
Soma-se a isso as cirurgias plásticas, tão comuns no Brasil, pois tudo aqui vira estética, haja vista que a cultura não é o forte dessa pobre nação.
SPOILER ABAIXO
O final onde o protagonista finalmente, por conta das torturas, desliga-se daquele mundo através de uma espécie de lobotomia, e finalmente encontra-se e se torna feliz, pois a ignorância é uma benção, reflete o Brasil. Reflete o pão e circo que mantém nossa nação respirando, futebol, cerveja, drogas, praia e carnaval. Esquecemos por um segundo que no fundo estamos diante da miséria e da desgraça. A música Aquarela do Brasil ganha tons de samba e aumenta gradativamente enquanto vemos aquele homem engolido pelo status quo. Obra-prima!
PS: o personagem do Robert De Niro seria o equivalente ao cara que instala net pirata na nossa casa ou gatos de luz e streaming, seria o equivalente aos torrents e tudo aquilo que nos salva das garras tirânicas e sedentas por dinheiro do sistema.
Há uma cena onde o protagonista cai girando que remete a Um Corpo Que Cai, em outra ocasião, quando o exército do Estado desce uma escada lembra o massacre em Encorajado Potemkin. Percebam também que as vestes desses soldados "malvados" são idênticas as roupas utilizadas pelos alemães na 2⁰ Guerra mundial.
A cena onde o Robert De Niro morre afogado pela papelada mostra a burocracia vencendo o homem, enfim, são tantas cenas memoráveis que poderia ficar horas falando.
Kaos
4.2 10TEM SPOILER
Histórias fantásticas acompanhadas de fotografia belíssima, onde as locações são um verdadeiro deleite para os olhos. Trilha sonora que se encaixa como uma luva no filme...
Os diálogos do epílogo são primorosos, quando o filho fala para a mãe morta que lhe aparece em visão "agora que você está morta e não pensa mais em mim, eu não estou mais vivo para você, e nunca mais estarei."
A mãe morta responde o filho "um coisa eu sinto poder ainda te dizer. Aprenda a olhar para as coisas com os olhos dos que não enxergam mais. Assim as coisas serão mais belas.
Após isso as imagens das crianças a brincarem nas dunas sobre a praia paradisíaca em tons de branco e azuis fazem a obra se encerrar de forma magistral.
Meia-Noite
4.3 14Roteiro muito bem escrito, o filme flui leve e a atenção do espectador não desvia por nenhum momento. Bem bom.
A Solidão dos Números Primos
3.9 145Nada além de um filme regular pra bom. Roteiro poderia ser melhor trabalhado, as atuações são boas, mas a direção deixa a desejar. Esperava mais. Nota 6
A Vingança de Manon
4.4 37Não considero dois filmes, mas sim uma obra só, com 4 horas de duração, pois um filme necessita do outro para transmitir a mensagem. Eles não funcionam sozinhos.
Obra magistral que reflete a maldade, a combiça, a culpa e a ganância. Um estudo da natureza humana.
Short Cuts: Cenas da Vida
4.0 97Short Cuts é uma obra que esmiúça a vida real e a rotina de inúmeros personagens, cuja suas vidas vão se entrelaçando até haver uma unidade, uma conexão.
O roteiro desse filme é impressionante em todos os aspectos,
a cena onde as fotografias são trocadas por engano, onde o pescador vê a maquiagem cinematográfica que simula a morte e as mulheres veem o cadáver no Rio é fantástica. Ambos anotam a placa do carro para denunciarem a polícia, hilariante.
Conduzir um filme com tantos atores, com tantas situações distintas ocorrendo ao mesmo tempo e se conectando é extremamente difícil, por isso fica aqui meus mais sinceros parabéns à direção de Robert Altman e aos continuistas - profissão no meio cinematográfico dedicada a impedir que o filme possua erros de continuidade e lacunas quebradas para com a narrativa.
Absolutamente todas as atuações de Short Cuts estão fenomenais, de tal forma que os espectadores esquecem que existe uma câmera que realmente filmava aqueles personagens. Tudo soou magnificamente real, e com certeza a escolha do diretor de fotografia por planos gerais, onde os personagens ficavam mais afastados da câmera (tirando raras exceções de closes e zoom in) retira qualquer muleta melodramática para gerar emoção.
Não, aqui o filme não usa muletas para aumentar a emoção dos espectadores, não que muletas sejam erradas, mas é exímio quando diretores conseguem retirar lágrimas dos receptores de forma crua e natural. Nós, na condição de espectadores somos apenas voyeures, como se fossemos uma mosca a espiar tudo o que ocorria.
Esse filme é superior a outras obras excelentes que tentam amarrar estórias distintas em uma só, como por exemplo Magnólia. Short Cuts é infinitamente superior. Achava que era impossível Altman superar o Nashville, que até então considerava sua Obra-prima por definir tão bem a sociedade norte-americana, mas Short Cuts supera e considero a masterpiece do diretor.
Impossível ficar indiferente para com a morte da criança vítima de atropelamento, onde os pais sofrem quando os batimentos cardíacos se esvaem naquele hospital, a cena em questão é realizada com o menor número de cortes e planos possíveis, dando extremo realismo que nos levam as lágrimas. A cena do padeiro descobrindo que não retiraram o bolo para o aniversário por conta do falecimento do menino também é incrivelmente potente.
Eis aqui uma montanha-russa, com seus altos e baixos tal qual a vida é.
Nota 10/10
Pat Garrett e Billy the Kid
3.9 68 Assista AgoraExcelente faroeste, trilha sonora memorável e cenas comoventes. O filme basicamente retrata o fim de uma era nos EUA para a lei que começava a se fazer fortemente presente dando fim aos pistoleiros e ladrões de gados. Emocionante.
SPOILER
A cena onde um senhor é baleado pelos tiros de Pat Gerret e observa o rio, contemplando a paisagem antes de morrer é exímia, sobretudo com a trilha de Bob Dylan, que aliás atua no filme.
Retrato de uma Jovem em Chamas
4.4 901 Assista AgoraTem spoiler
Conforme a obra ia passando eu poderia ter certeza de que a direção do filme era feminina.
Após o término a primeira coisa que fiz foi conferir e, de fato, quem dirigiu essa poesia em forma de audiovisual foi Céline Sciamma.
Poucas vezes eu vi um filme tão competente em se tratando de desnudar a alma e o interior feminino como Retrato de uma Jovem em Chamas.
É uma homenagem a todas as mulheres do mundo, que dentro de si carregam segredos, traumas, anseios e mutilações emocionais ocasionadas por uma sociedade culturalmente machista.
A premissa de Retrato de uma Jovem em Chamas é simples, conta a história de uma pintora que é contratada por uma senhora para pintar a sua filha, que objetiva que essa case por meio de um casamento arranjado. O marido pretendido pela senhora (mãe de uma das protagonistas) mora em outro país e só aceita o casamento mediante uma pintura, para saber como é o rosto de sua futura companheira.
Entretanto, a personagem interpretara por Adele Haenel não aceitou posar para pintores, afinal sabia que a intenção de sua mãe era casá-la e ela não queria isso.
Mas eis que chega Marianne (Noémie Merlant) no casarão onde vive as duas mulheres (mãe e filha) e mais a criada.
A partir de sua chegada, pouco a pouco a pintora vai ganhando a confiança de Heloise (Adele Haenel) e assim passam a desenvolver uma paixão que é extremamente bem construída, desenvolvida aos poucos e sempre no mesmo ritmo pela diretora.
Abaixo conterá alguns spoilers.
A cena onde a criada realiza um aborto por uma aborteira anciã, mas a cama onde esse aborto é realizado está com 2 crianças, provavelmente netas da senhora é muito impactante.
Pois enquanto a criada está tendo o seu bebê retirado de seu ventre, uma criança bebê lhe toca o rosto, mostrando que toda a decisão de abortar ou não é difícil para a mulher e qualquer que seja a decisão trará cicatrizes. É um filme que aborda das mais diversas formas o universo das mulheres.
Outra cena impressionante é quando Heloise pede para Marianne se pintar, pois dentro de poucas horas ela teria de partir. Apaixonada ela via seu reflexo num espelho que estava apoiado na cama na frente do sexo de Heloise. Nossa, que cena poética, sensual, humana e antropológica.
Heloise pediu para Marianne pintá-la na página 28 de seu livro predileto. Ela pinta ali mesmo, na 28.
Anos mais tarde, numa première de arte, Marianne vê um retrato de Heloise, acompanhada de seu filho e segurando um livro que discretamente está entreaberto na página 28, indicando que mesmo casada com um homem, ela nunca esqueceu sua verdadeira paixão: Marianne.
Trata-se de uma obra prima que não pode e não deve ser comparado com nenhum outro filme, pois é único e de uma delicadeza que impressiona todos aqueles que amam arte.
Ah, e as analogias com a fábula de Orfeu são incríveis, em todos os aspectos e encaixaram como uma luva.
Farsa Diabólica
4.1 18Um excelente suspense com atuações incríveis de todos os personagens do filme. Destaque para a brilhante interpretação de Kim Stanley e de Richard Attenborough.
No fundo aquela mulher era atormentada por conta do filho que nasceu morto e até hoje não aceitava a ausência da criança em sua vida.
Um drama forte e potente que não desprende a atenção dos espectadores em nenhum segundo sequer, fantástica atmosfera criada. Nota 8,6
A Missão
3.8 226Podemos dizer que A Missão é um épico, extremamente bem ambientado com suas locações acertadas e escolhidas a dedo.
Retrata o período histórico dos jesuítas na América Latina e todos os contratempos e choques de interesses que os mais diversos poderes tinham na região.
SPOILER
A cena final das crianças indígenas entrando na canoa e partindo rumo à lugar nenhum, após a chacina de todos os adultos da aldeia é muito impactante.
Nota 8,7
Vidas Passadas
4.2 766 Assista AgoraTEM SPOILER
Esse filme é de uma sensibilidade ímpar, a forma como a narrativa flui, mostrando a simplicidade do quotidiano e dos caminhos que a vida nos apresenta me remeteu aos filmes de Ozu.
Os amigos de infância, agora com vidas diferentes, mas ainda fortemente conectados, não se beijam quando se reencontram 20 anos depois em Nova York. O mesmo ocorre (ou não ocorre) em Amor A Flor da Pele de Wong Kar-Wai.
As cenas onde a cidade de Nova York aparecem ao longe enquanto os dois coreanos admiram a vista são belíssimas, fora os ótimos diálogos, sobretudo quando marido e mulher conversam sobre o casamento e sobre a relação dela com o amigo.
"Você sonha em coreano, fala em corano quando sonha, é como se eu não conseguisse acessar uma parte de você."
Fiquei com os olhos cheios d'água em diversas cenas e o filme mostra que aquilo que sonhamos nem sempre é o que temos, aliás, quase nunca é. Ótimo, nota 8.0
Ervas Flutuantes
4.2 29TEM SPOILER
Ser um bom diretor é dominar todos os aspectos técnicos de um filme de forma que ele, em sua totalidade, torne-se redondo.
Nunca deixo de me impressionar com a habilidade Yasujiro Ozu em dominar completamente o espaço, seja na mise-en-scène brilhante ou nos enquadramentos tão, mas tão perfeccionistas que flertam com o TOC.
Ozu, em parceria com a direção de arte e com o fotógrafo, preocupa-se com cada objeto que aparecerá no plano, (quase sempre estático com uso de tripé) vaso de flores, lâmpadas, saquês... Nada está no quadro por acaso, tudo é pensado.
Como se esquecer da belíssimas cenas? A da pescaria, as de chuva, as das vielas naquela cidade de interior e do jovem casal a namorar observando um gigantesco navio. É simplesmente uma aula de perspectiva.
Mas não só esteticamente o filme é perfeito, o roteiro é igualmente brilhante e mostra a vida como ela é, com acertos erros, brigas e reconciliações, sem nunca utilizar o melodrama como bengala. A beleza da montanha-russa da vida acontece de forma natural e delicada. Nota 10.
A cena final da jovem companheira do protagonista indo embora da cidadezinha de pescadores em busca de novos ares e oportunidades é linda, na escuridão os faróis vermelhos do trem se destacam rumando para um novo desafio.
PS: Não há nenhum corte brusco no filme, até os cortes de movimento (quando os atores se levantam e se sentam são realizados de maneira perfeccionista, quase imperceptíveis, como um golfinho a deslizar no oceano. Toda a transição de plano A pra plano B é suave. Até os planos contra planos (onde um personagem conversa com outro) estão em níveis e distâncias idênticas.
Pqp! Muito talento!
Poesia pura!
No Silêncio da Noite
4.1 79 Assista AgoraHumphrey Bogart em uma das mais incríveis atuações de sua carreira. Roteiro envolvente que prende o mistério até o final. Gloria Grame extremamente talentosa e lindíssima e um final (SPOILER) que remete a Casablanca onde os protagonistas não ficam juntos. Um filme forte e preciso. Nota 9.0
Still Life
4.1 5A cena final onde por conta da aposentadoria, ele é obrigado a deixar a casa onde criou raízes e a contempla toda vazia, com os móveis já todos no carroça de frete e com sua esposa esperando lá fora, dói o coração. Até que ele tira o último pertence do seu lar, o espelho, que reflete sua feição velha, fazendo com que ele se de conta que sua vida se aproxima do fim.