a verdade é mentirosa a distância entre o que houve e o que se ouve é preciso ouvir as imagens a democracia é imortal? o homem não tem palavra o que dura da história? a vontade da vingança ou a saudade do encontro
muito louco pensar o brasil como esse primeiro corte com a industria, e que no fim é muito mais lembrado na trajetória de welles como uma viagem doq como a gravação de um filme, já que ele nunca foi finalizado.
eu amei muito o final. muito irado ver ele dirigindo. era mesmo um sujeito de visão. não à toa o filme, como a margem, termina com a luz do sol, este que é o grande doador de visão, não apenas social e política, mas também sensorial, metafísica. é o grande pai que por vezes parece voltar sua cara. é forte e necessário de se ouvir ele dizer que ninguém se importou com as fitas dele à época. não repitamos o mesmo erro. porque este exercício de cinema é também uma forma de trucagem com a linguagem. não é o experimentalismo excessivo exagerado expositivo, mas de sobrevivência. é um cinema com fome, voraz. é como se cada filme quisesse tapar um buraco, preencher um vazio, mas falhasse miseravelmente porque só faz revelar mais e mais o buraco. caimos num abismo. e é phoda demais como em meio a isso tudo existe a arte e a criatividade. é nítido como pro CANDEIAS a cor não é mero utensílio, consequência desenvolvimentista, ode ao realismo tecnológico, teleologia da imagem, mas sim mais uma porta para a multiplicidade, pro rearranjo da forma. por isso é tão bom ver esses filmes um atrás do outro, porque é grande a diferença não só de estilo, mas de gênero. o cara trabalhou em filme de sexo explícito, e isso só reforça nosso desinteresse por esse período do cinema. é verdade que muitos são trabalhos vergonhosos, mas eles existiram. e por que esse cinema ganhou força enquanto os trabalhos autorais que candeias fazia não recebiam atenção? encarar esse período de frente talvez seja reconhecer nossas próprias questões enquanto público. e a entrevista com as pessoas na rua sobre o que acham do cinema brasileiro permanece contemporânea. pra reconhecermos nosso cinema hoje é preciso também reaver a memória de nosso passado. PAULO EMILIO SALES GOMES já nos aponta nessa direção: onde estão os interesses dos exibidores? é preciso entender essa história pra nos educarmos novamente, por um plano de cinema nacional que não deixe os próprios filmes à míngua, ficando no máximo uma semana em cartaz, isso quando são exibidos. não deveria ser tão difícil, hoje, para um brasileiro conseguir assistir a um filme feito no brasil (que não tenha sido produzido pela globo filmes). o brasil é violento. virar o rosto e olhá-lo de frente. andar de costas para o progresso.
a água é a fonte da vida. sem umidade, imaginamos uma massa flamejante girando o universo. não é à toa que os primeiros filósofos, este grupo que unimos com o nome de pré-socráticos, enxergaram a origem da vida nos elementos da natureza. o que une estes pensadores é a manutenção de um diálogo com o mito, onde a força dos deuses resiste dentro de uma lógica protofilosófica. por isso têm uma linguagem distinta da filosofia que viria a seguir, porque neles tem algo de poesia e de religião como parte integrante de seu pensamento. tales de mileto, quem aristóteles chama de fundador da filosofia, acredita que o elemento primordial é a água, fluida, capaz de se transformar. a transformação, movimento eterno e divino do cosmos, único na união de todas as coisas. por isso, aristóteles lembra que para tales "todas as coisas estão cheias de deuses". não acho que este pensamento mágico-mitológico se distancie demais do que vemos no filme. o espírito dos mortos permanece, enquanto o homem, ressentido, apega-se à memória, à matéria rica e inebriante da vida. a água tem forma no sentido de que é qualquer forma, pode ser todas e por isso é nenhuma. a água é o próprio movimento, a força de mudança, de continuação, perpetuação, proliferação, fertilização e, consequentemente, de morte. a mortalidade, este senso de limite de todo homem, de impotência diante do destino, o que nos fere o passado. e esta lembrança, viva, queima é de dentro para fora. ela não é o que eu vejo, mas o primeiro filtro que me faz ver ou me possibilita vir e ver. não à toa pensamos em profundezas, em submersão, abismos subaquáticos, afogamentos, angústias. esta consciência do jovem pai, diante da morte do seu próprio, é também uma vontade metafísica, espiritual, divina de colocar-se no mundo diante deste infinito-eterno do qual testemunhamos apenas um momento. como continuar na vida quando o mundo já não é mais o mesmo que o homem conheceu? quando aceitar-se finito diante do divino? estar diante da morte é também um ponto de consciência, um encontro com o acidente, com a própria finitude. cada vida é parte integrante desta rede de mudanças e metamorfoses. lidar com os deuses da memória, esta tão persistente ferramenta ficcional. o homem se põe na presença dos mortos e ouve seus testemunhos. depois precisa retirar-se. ihjãc diz ao fim, depois de toda a festa: "as coisas mudaram, eu não sou mais o mesmo". é preciso continuar a vida, mas o pai continua a andar entre eles. // me lembrei muito do acqua movie, do lírio ferreira, pela relação da água diretamente ligada ao luto. como algo do passado não apenas pessoal, mas de todo o país. os índios, aqueles cujo estilo de vida preserva a natureza, os mesmos que foram retirados de sua área de morada para a construção de uma usina hidrelétrica, perdendo vidas desde antes da terra do brasil ter esse nome. é preciso lembrar da fala do viveiros de castro: "no brasil todo mundo é índio, exceto quem não é".
é muito curiosa como essa proposta documental é interrompida em certo momento para encenar a própria proclamação da independência. na verdade não acredito que isso seja uma interrupção do documentário, quando se acredita que este seja apenas uma amostragem de fatos sem intervenção de quem filma, mas é a prova de que todo filme lida com a ficção, com uma construção de mundo que não é apenas simbólica mas também representativa. a apresentação desta são paulo é, como em vertov, nada inocente. aqui a câmera é também um olho. mas desde os lumière existe uma condução da cena filmada. se não um ensaio, ao menos uma preparação. há uma consciência do que é filmado, e não apenas uma gratuidade ou suposta fluidez natural dos causos. a cena do escorrega, por exemplo. ou aquela em que o narrador da corrida se vira para a câmera enquanto os homens correm, de dentro de seu megafone em direção ao espectador. a imagem é criativa e diz muito sem precisar de texto, ferramenta muito usada aqui como guia de leitura. o filme se lança a favor de uma ideia progressista de brasil, mas não lhe bastam as imagens a dizerem isto por elas mesmas. talvez porque, se só elas, haveria ainda a chance de um outro olhar: quem são esses homens que trabalham em nome deste ideal, onde residem seus sonhos concretos e que não estão em um tempo estendido da história que os invisibiliza? a cena da esmola, por exemplo, que não mostra um rosto. mas apenas a mão da cidade ofertando uma parcela de dinheiro. é doido ler a frase “a cidade colonial desaparece” se pensamos que hoje são paulo tem 12x mais habitantes do que em 1928. que cidade é esta de hoje? é ainda uma metrópole ou já alguma outra coisa a que nem mesmo podemos nomear? aonde este progresso nos trouxe?
li o texto do gustavo naves sobre a relação entre o casamento de um escorpião e a aproximação da morte (está no blog dele, o luas de júpiter, e se chama "quatro casamentos e um funeral") e logo depois assisti a esse filme. me pareceu uma curiosa coincidência. no filme, a morte vem também da revelação de um segredo, de uma particularidade íntima. para escorpião há sempre algo que pode pôr em risco não só a posição social do sujeito no mundo, mas o mais básico: o corpo rente ao chão, a sobrevivência. lembro sempre (desde o ano passado kkk) do bacurau: "você quer viver ou morrer?" por isso existe a calma e a serenidade no touro, próximo à terra, à certeza do tempo que dura mais que qualquer homem-indivíduo. o trabalho e os dias. o tempo estendido do presente. já escorpião está sempre no limite, entre o já medido e conhecido e o futuro antecipado, entre o lá e o cá, o mundo de cima e o mundo de baixo. ser um super-homem ou derrotá-lo. ir às profundezas ou às alturas, nunca um solo firme. é como tentar manter-se estável diante de um terremoto. nem mesmo os pássaros que voam deixam de sentir a terra tremer. escorpião está atento aos indícios de uma catástrofe sempre por-vir. e por isso ele guarda a chave de ser os dois ao mesmo tempo, tanto a força determinada da realização quanto a sua ausência de propósito, sua irracional voracidade. o cheio e o vazio. há tanto uma antecipação do fim do mundo, vivido no presente, quanto um adiamento dele, sempre postergado para um depois quando se estará mais preparado para lidar com ele. quem lida com as sombras está atento é às luzes. para sobreviver ao veneno é preciso usá-lo a seu favor, assim como acontece em qualquer argumentação (phármakon). nesse sentido, a figura de orfeu parece se aproximar bastante desta ideia de um casamento para escorpião: no limite da morte, que se esvai em um instante - é apenas nele em que se vive, afinal, num eterno e constante instante da morte; sinto os passos do terremoto. o tempo de escorpião é o da urgência, deste instante perigoso e aterrador quando todo o céu vai cair sobre nossa cabeças, ou nós vamos cair de ponta-cabeça para as nuvens. carpe diem: aproveite o tempo que lhe é dado.
que jogo, cair do relógio, perder o tempo. afinal, o que é a morte se não o tempo que não temos, aquele que sempre nos escapa? quem calcula demais os minutos, perde os dias. e é também o nazista, o assassino que põe fim a tantas vidas, este que lida tão bem com o mundo dos mortos, que encara o instante, que mata para não morrer, ou mata antes que o outro possa querer matá-lo também, mata para fazer com que o outro deixe de existir ou nunca tenha existido, mata para restar apenas ele, apenas o eu, apenas o ego quando todo o tempo do mundo será seu. viver para sempre na linhagem única de seus ancestrais. é este personagem quem orquestra tudo por trás dos panos é também quem tira o sono de toda a cidade, quem lhe tira o sossego, lhe põe em risco de vida. o tempo é sempre curto demais. não cabemos na vida? e não é para isso que casamos e temos filhos? assim, continuamos...
love hurts, que filme lindo. a nicole kidman disse recentemente em entrevista que acha esse um dos filmes dela que as pessoas menos prestam atenção e que gostaria que dessem. o amor é marcado por essa relação visceral com a morte - imagem bruta e marcante dos limites do corpo humano (a primeira cena, belíssima, que tem seu tempo distendido como a temporalidade de uma vida: olhe o corpo vivo, sadio, pronto para um outro dia, outra disputa. e aí o instante da morte.) toda história se encaminha para seu fim, todo amor. to feel, sentir o corpo, os sentidos do corpo. oh, feelings. o corpo é também definido pelo amor, delineado. não à toa alguns afirmam que não existe outro se não o primeiro amor. borges diz que todos os seus livros de poemas são uma tentativa de voltar ao primeiro, refazê-lo, alcançá-lo mais uma vez. a viúva é quem fica mas também quem deve esquecer. e então: a institucionalização do amor, o status que precisamos manter, aquele ao qual mesmo que digamos NÃO inúmeras vezes retornará sempre, o sistema arbitrário de administrar os sentimentos. o amor é um acidente, quase um erro de percurso ou de discurso, não um destino intencional, um encontro marcado. este sentimento é também uma crença, uma verdade intransferível. e é radical, força os limites dos tabus sociais, das proibições. escorpiano, desafia as fronteiras entre os mundos. vai ao hades buscar pelo amor perdido. acredita e permanece presente, resistente.
a cena do beijo é forte por conta disso, encara estas sombras de uma forma a não defini-las. o que esta cena nos gera? é corajoso. no fim a lógica do mundo é que prevalece. não há outro sentido possível. como de o amor que marca a alma ser este que é inocente, que volta de formas múltiplas, que retorna de formas desconhecidas e inesperadas. não esqueçamos como era inesperado jesus ser magro feio pobre, não esta imagem angelical e branca que fazem deles os pintores. quando tudo que era bom (e jesus foi o melhor) necessariamente era também justo. mas não só isso, belo. jesus, morto pela mão daqueles que amava. aqui, o amor tampouco é belo, tampouco é bem aceito. e por isso, esse amor que vem sempre renovado poderia não lembrar de todos os detalhes dessa vida que passou, mas apenas daquilo que passa por essa linha tênue de memória de um amor vivido por trinta vidas. se isso é verdade, ter tido uma amante em uma vida (e dela ter se esquecido) não explica que este amor acabou, mas que precisaria ser renovado. a única certeza final é o amor, em meio às redes construídas estabilizantes. e aí que é linda essa imagem da morte que é vencida pelo amor. é bobo, é risível, como a reação inicial que se tem. mas por fim, é aterradora, nos faz questionar toda lógica, todo status quo. há algo de calmo no amor, reparemos. o menino nunca se exalta. parece haver a certeza de um novo reencontro. um eterno retorno. amor, dor, horror. e por isso esse novo casamento é tão duro. a cena final é fortíssima. porque mostra como amar é também abrir mão de algumas pequenas particularidades ou hábitos (ou amores) que não se encaixam a essa relação. é preciso deixar para lá, para trás, passar pelo luto. antígona que não pode se fazer antígona, ser o ato que lhe dá seu nome, enterrar dignamente seus mortos. é morta. aqui, ela precisa pedir perdão por algo de que não tinha culpa. e deixar de amar é abrir mão de um sentimento individual e único, esquecer o inesquecível, usar as mesmas palavras para falar de sentimentos diferentes. é também abrir mão de si mesma. penélope que já não pode mais esperar. _______ violência.
é lindo o título original do filme, como remonta ao seu passado. sófocles traduzido por hölderlin lido por brecht. e isto não está apenas como subtexto, como gênese pressuposta do projeto. é uma pré-condição que reitera a necessidade de se olhar para trás. não foi por isso mesmo que hölderlin se interessou em traduzir a tragédia do grego? e esta tradução que possibilitou sua popularização, seu toque a um dos dramaturgos mais importantes da alemanha do século XX. é mesmo linda a franqueza com que esse casal trabalha. vi hölderlin transformado em pedra, ouvi sófocles transformado em voz, vi brecht transformado em carne.
pensei este filme do farocki como o primogênito do que o pedro costa faria mais tarde também sobre straub & huillet. curioso como este fala de um procedimento da materialização do filme, de seu durante, de sua feitura, quando está ainda por se encontrar seus limites e suas possibilidades. já o de pedro costa parece um filme mais fatalista, mais reflexivo sobre onde o filme (ou o cinema) pode chegar. fala da capacidade de atingir, de uma preocupação com o efeito, uma angústia com as feições dentro de um limite. não mais de possibilidade, mas de estruturação. o documentário de farocki estuda os bastidores tanto da pré-produção, os ensaios, como da própria produção, o processo de filmagem. o de pedro costa estuda a montagem, este procedimento que, em S&H, é tão íntimo. assistir a esses dois filmes um ao lado do outro parece um exercício que até mesmo reitera uma forma de encarar o "fazer um filme" como algo orgânico, como a respiração, como se diz do zodíaco, este pulsar de um movimento que lembra o de sístole e diástole, movimento para fora, movimento para dentro. o que vê as possibilidades e o que as delimita. um filme, uma ação no mundo, a construção de um corpo.
"não existe a liberdade individual sem a liberdade coletiva". a experiência vale mais que a poesia. tudo é à flor da pele, entre a carne e o osso. olhar para o corpo, fazer ver a materialidade do nosso mundo individual.
reencontrar todos os dias a força da terra. lutar e viver pela comunidade, enquanto ela ainda é possível. só se sobrevive à violência desse mundo com muita fome, com amor pelos vínculos que criamos, com respeito ao nosso passado, parte de nós, a história oficial e as histórias que contamos hoje, que relembramos antes de irmos dormir. o brasil é poderoso. que a noite nos proteja do sono.
King Kong
3.8 194 Assista Agoraseeing is believing
Nem tudo é verdade (Welles Nô Brasil)
3.7 11a verdade é mentirosa
a distância entre o que houve e o que se ouve
é preciso ouvir as imagens
a democracia é imortal?
o homem não tem palavra
o que dura da história?
a vontade da vingança ou a saudade do encontro
Rei Lear
3.6 1produção do peter brooks!
Orson Welles, autopsie d'une légende
4.0 1muito louco pensar o brasil como esse primeiro corte com a industria, e que no fim é muito mais lembrado na trajetória de welles como uma viagem doq como a gravação de um filme, já que ele nunca foi finalizado.
Vidas Amargas
4.2 177 Assista Agorafeliz dia dos pais
Ozualdo Candeias e o Cinema
3.8 2eu amei muito o final. muito irado ver ele dirigindo. era mesmo um sujeito de visão. não à toa o filme, como a margem, termina com a luz do sol, este que é o grande doador de visão, não apenas social e política, mas também sensorial, metafísica. é o grande pai que por vezes parece voltar sua cara. é forte e necessário de se ouvir ele dizer que ninguém se importou com as fitas dele à época. não repitamos o mesmo erro. porque este exercício de cinema é também uma forma de trucagem com a linguagem. não é o experimentalismo excessivo exagerado expositivo, mas de sobrevivência. é um cinema com fome, voraz. é como se cada filme quisesse tapar um buraco, preencher um vazio, mas falhasse miseravelmente porque só faz revelar mais e mais o buraco. caimos num abismo. e é phoda demais como em meio a isso tudo existe a arte e a criatividade. é nítido como pro CANDEIAS a cor não é mero utensílio, consequência desenvolvimentista, ode ao realismo tecnológico, teleologia da imagem, mas sim mais uma porta para a multiplicidade, pro rearranjo da forma. por isso é tão bom ver esses filmes um atrás do outro, porque é grande a diferença não só de estilo, mas de gênero. o cara trabalhou em filme de sexo explícito, e isso só reforça nosso desinteresse por esse período do cinema. é verdade que muitos são trabalhos vergonhosos, mas eles existiram. e por que esse cinema ganhou força enquanto os trabalhos autorais que candeias fazia não recebiam atenção? encarar esse período de frente talvez seja reconhecer nossas próprias questões enquanto público. e a entrevista com as pessoas na rua sobre o que acham do cinema brasileiro permanece contemporânea. pra reconhecermos nosso cinema hoje é preciso também reaver a memória de nosso passado. PAULO EMILIO SALES GOMES já nos aponta nessa direção: onde estão os interesses dos exibidores? é preciso entender essa história pra nos educarmos novamente, por um plano de cinema nacional que não deixe os próprios filmes à míngua, ficando no máximo uma semana em cartaz, isso quando são exibidos. não deveria ser tão difícil, hoje, para um brasileiro conseguir assistir a um filme feito no brasil (que não tenha sido produzido pela globo filmes). o brasil é violento. virar o rosto e olhá-lo de frente. andar de costas para o progresso.
The Anna Akhmatova File
4.3 1__________________________
Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos
4.1 26a água é a fonte da vida. sem umidade, imaginamos uma massa flamejante girando o universo. não é à toa que os primeiros filósofos, este grupo que unimos com o nome de pré-socráticos, enxergaram a origem da vida nos elementos da natureza. o que une estes pensadores é a manutenção de um diálogo com o mito, onde a força dos deuses resiste dentro de uma lógica protofilosófica. por isso têm uma linguagem distinta da filosofia que viria a seguir, porque neles tem algo de poesia e de religião como parte integrante de seu pensamento. tales de mileto, quem aristóteles chama de fundador da filosofia, acredita que o elemento primordial é a água, fluida, capaz de se transformar. a transformação, movimento eterno e divino do cosmos, único na união de todas as coisas. por isso, aristóteles lembra que para tales "todas as coisas estão cheias de deuses". não acho que este pensamento mágico-mitológico se distancie demais do que vemos no filme. o espírito dos mortos permanece, enquanto o homem, ressentido, apega-se à memória, à matéria rica e inebriante da vida. a água tem forma no sentido de que é qualquer forma, pode ser todas e por isso é nenhuma. a água é o próprio movimento, a força de mudança, de continuação, perpetuação, proliferação, fertilização e, consequentemente, de morte. a mortalidade, este senso de limite de todo homem, de impotência diante do destino, o que nos fere o passado. e esta lembrança, viva, queima é de dentro para fora. ela não é o que eu vejo, mas o primeiro filtro que me faz ver ou me possibilita vir e ver. não à toa pensamos em profundezas, em submersão, abismos subaquáticos, afogamentos, angústias. esta consciência do jovem pai, diante da morte do seu próprio, é também uma vontade metafísica, espiritual, divina de colocar-se no mundo diante deste infinito-eterno do qual testemunhamos apenas um momento. como continuar na vida quando o mundo já não é mais o mesmo que o homem conheceu? quando aceitar-se finito diante do divino? estar diante da morte é também um ponto de consciência, um encontro com o acidente, com a própria finitude. cada vida é parte integrante desta rede de mudanças e metamorfoses. lidar com os deuses da memória, esta tão persistente ferramenta ficcional. o homem se põe na presença dos mortos e ouve seus testemunhos. depois precisa retirar-se. ihjãc diz ao fim, depois de toda a festa: "as coisas mudaram, eu não sou mais o mesmo". é preciso continuar a vida, mas o pai continua a andar entre eles. // me lembrei muito do acqua movie, do lírio ferreira, pela relação da água diretamente ligada ao luto. como algo do passado não apenas pessoal, mas de todo o país. os índios, aqueles cujo estilo de vida preserva a natureza, os mesmos que foram retirados de sua área de morada para a construção de uma usina hidrelétrica, perdendo vidas desde antes da terra do brasil ter esse nome. é preciso lembrar da fala do viveiros de castro: "no brasil todo mundo é índio, exceto quem não é".
São Paulo, A Sinfonia da Metrópole
3.8 17é muito curiosa como essa proposta documental é interrompida em certo momento para encenar a própria proclamação da independência. na verdade não acredito que isso seja uma interrupção do documentário, quando se acredita que este seja apenas uma amostragem de fatos sem intervenção de quem filma, mas é a prova de que todo filme lida com a ficção, com uma construção de mundo que não é apenas simbólica mas também representativa. a apresentação desta são paulo é, como em vertov, nada inocente. aqui a câmera é também um olho. mas desde os lumière existe uma condução da cena filmada. se não um ensaio, ao menos uma preparação. há uma consciência do que é filmado, e não apenas uma gratuidade ou suposta fluidez natural dos causos. a cena do escorrega, por exemplo. ou aquela em que o narrador da corrida se vira para a câmera enquanto os homens correm, de dentro de seu megafone em direção ao espectador. a imagem é criativa e diz muito sem precisar de texto, ferramenta muito usada aqui como guia de leitura. o filme se lança a favor de uma ideia progressista de brasil, mas não lhe bastam as imagens a dizerem isto por elas mesmas. talvez porque, se só elas, haveria ainda a chance de um outro olhar: quem são esses homens que trabalham em nome deste ideal, onde residem seus sonhos concretos e que não estão em um tempo estendido da história que os invisibiliza? a cena da esmola, por exemplo, que não mostra um rosto. mas apenas a mão da cidade ofertando uma parcela de dinheiro. é doido ler a frase “a cidade colonial desaparece” se pensamos que hoje são paulo tem 12x mais habitantes do que em 1928. que cidade é esta de hoje? é ainda uma metrópole ou já alguma outra coisa a que nem mesmo podemos nomear? aonde este progresso nos trouxe?
Filme Antes do Filme
3.7 5aula de cinema, fantasmagoria
O Estranho
3.8 122 Assista Agorali o texto do gustavo naves sobre a relação entre o casamento de um escorpião e a aproximação da morte (está no blog dele, o luas de júpiter, e se chama "quatro casamentos e um funeral") e logo depois assisti a esse filme. me pareceu uma curiosa coincidência. no filme, a morte vem também da revelação de um segredo, de uma particularidade íntima. para escorpião há sempre algo que pode pôr em risco não só a posição social do sujeito no mundo, mas o mais básico: o corpo rente ao chão, a sobrevivência. lembro sempre (desde o ano passado kkk) do bacurau: "você quer viver ou morrer?"
por isso existe a calma e a serenidade no touro, próximo à terra, à certeza do tempo que dura mais que qualquer homem-indivíduo. o trabalho e os dias. o tempo estendido do presente. já escorpião está sempre no limite, entre o já medido e conhecido e o futuro antecipado, entre o lá e o cá, o mundo de cima e o mundo de baixo. ser um super-homem ou derrotá-lo. ir às profundezas ou às alturas, nunca um solo firme. é como tentar manter-se estável diante de um terremoto. nem mesmo os pássaros que voam deixam de sentir a terra tremer. escorpião está atento aos indícios de uma catástrofe sempre por-vir. e por isso ele guarda a chave de ser os dois ao mesmo tempo, tanto a força determinada da realização quanto a sua ausência de propósito, sua irracional voracidade. o cheio e o vazio. há tanto uma antecipação do fim do mundo, vivido no presente, quanto um adiamento dele, sempre postergado para um depois quando se estará mais preparado para lidar com ele. quem lida com as sombras está atento é às luzes. para sobreviver ao veneno é preciso usá-lo a seu favor, assim como acontece em qualquer argumentação (phármakon). nesse sentido, a figura de orfeu parece se aproximar bastante desta ideia de um casamento para escorpião: no limite da morte, que se esvai em um instante - é apenas nele em que se vive, afinal, num eterno e constante instante da morte; sinto os passos do terremoto. o tempo de escorpião é o da urgência, deste instante perigoso e aterrador quando todo o céu vai cair sobre nossa cabeças, ou nós vamos cair de ponta-cabeça para as nuvens. carpe diem: aproveite o tempo que lhe é dado.
que jogo, cair do relógio, perder o tempo. afinal, o que é a morte se não o tempo que não temos, aquele que sempre nos escapa? quem calcula demais os minutos, perde os dias. e é também o nazista, o assassino que põe fim a tantas vidas, este que lida tão bem com o mundo dos mortos, que encara o instante, que mata para não morrer, ou mata antes que o outro possa querer matá-lo também, mata para fazer com que o outro deixe de existir ou nunca tenha existido, mata para restar apenas ele, apenas o eu, apenas o ego quando todo o tempo do mundo será seu. viver para sempre na linhagem única de seus ancestrais. é este personagem quem orquestra tudo por trás dos panos é também quem tira o sono de toda a cidade, quem lhe tira o sossego, lhe põe em risco de vida. o tempo é sempre curto demais. não cabemos na vida? e não é para isso que casamos e temos filhos? assim, continuamos...
Reencarnação
2.4 386love hurts, que filme lindo. a nicole kidman disse recentemente em entrevista que acha esse um dos filmes dela que as pessoas menos prestam atenção e que gostaria que dessem. o amor é marcado por essa relação visceral com a morte - imagem bruta e marcante dos limites do corpo humano (a primeira cena, belíssima, que tem seu tempo distendido como a temporalidade de uma vida: olhe o corpo vivo, sadio, pronto para um outro dia, outra disputa. e aí o instante da morte.) toda história se encaminha para seu fim, todo amor. to feel, sentir o corpo, os sentidos do corpo. oh, feelings. o corpo é também definido pelo amor, delineado. não à toa alguns afirmam que não existe outro se não o primeiro amor. borges diz que todos os seus livros de poemas são uma tentativa de voltar ao primeiro, refazê-lo, alcançá-lo mais uma vez. a viúva é quem fica mas também quem deve esquecer. e então: a institucionalização do amor, o status que precisamos manter, aquele ao qual mesmo que digamos NÃO inúmeras vezes retornará sempre, o sistema arbitrário de administrar os sentimentos. o amor é um acidente, quase um erro de percurso ou de discurso, não um destino intencional, um encontro marcado. este sentimento é também uma crença, uma verdade intransferível. e é radical, força os limites dos tabus sociais, das proibições. escorpiano, desafia as fronteiras entre os mundos. vai ao hades buscar pelo amor perdido. acredita e permanece presente, resistente.
a cena do beijo é forte por conta disso, encara estas sombras de uma forma a não defini-las. o que esta cena nos gera? é corajoso.
no fim a lógica do mundo é que prevalece. não há outro sentido possível. como de o amor que marca a alma ser este que é inocente, que volta de formas múltiplas, que retorna de formas desconhecidas e inesperadas. não esqueçamos como era inesperado jesus ser magro feio pobre, não esta imagem angelical e branca que fazem deles os pintores. quando tudo que era bom (e jesus foi o melhor) necessariamente era também justo. mas não só isso, belo. jesus, morto pela mão daqueles que amava. aqui, o amor tampouco é belo, tampouco é bem aceito. e por isso, esse amor que vem sempre renovado poderia não lembrar de todos os detalhes dessa vida que passou, mas apenas daquilo que passa por essa linha tênue de memória de um amor vivido por trinta vidas. se isso é verdade, ter tido uma amante em uma vida (e dela ter se esquecido) não explica que este amor acabou, mas que precisaria ser renovado. a única certeza final é o amor, em meio às redes construídas estabilizantes. e aí que é linda essa imagem da morte que é vencida pelo amor. é bobo, é risível, como a reação inicial que se tem. mas por fim, é aterradora, nos faz questionar toda lógica, todo status quo. há algo de calmo no amor, reparemos. o menino nunca se exalta. parece haver a certeza de um novo reencontro. um eterno retorno. amor, dor, horror.
e por isso esse novo casamento é tão duro. a cena final é fortíssima. porque mostra como amar é também abrir mão de algumas pequenas particularidades ou hábitos (ou amores) que não se encaixam a essa relação. é preciso deixar para lá, para trás, passar pelo luto. antígona que não pode se fazer antígona, ser o ato que lhe dá seu nome, enterrar dignamente seus mortos. é morta. aqui, ela precisa pedir perdão por algo de que não tinha culpa. e deixar de amar é abrir mão de um sentimento individual e único, esquecer o inesquecível, usar as mesmas palavras para falar de sentimentos diferentes. é também abrir mão de si mesma. penélope que já não pode mais esperar. _______ violência.
é, realmente nicole kidman tem toda a razão.
O Farol
3.8 1,6K Assista Agorao falo
Sinônimos
3.4 50 Assista Agoraah, o homoerotismo! e que câmera curiosa
Despertar dos Mortos
3.9 319 Assista Agorazumbis em escadas rolantes
Antígona
3.6 8é lindo o título original do filme, como remonta ao seu passado. sófocles traduzido por hölderlin lido por brecht. e isto não está apenas como subtexto, como gênese pressuposta do projeto. é uma pré-condição que reitera a necessidade de se olhar para trás. não foi por isso mesmo que hölderlin se interessou em traduzir a tragédia do grego? e esta tradução que possibilitou sua popularização, seu toque a um dos dramaturgos mais importantes da alemanha do século XX. é mesmo linda a franqueza com que esse casal trabalha. vi hölderlin transformado em pedra, ouvi sófocles transformado em voz, vi brecht transformado em carne.
Neon Genesis Evangelion: O Fim do Evangelho
4.3 253 Assista Agoraouroboros
Straub e Huillet trabalhando num filme
4.2 1pensei este filme do farocki como o primogênito do que o pedro costa faria mais tarde também sobre straub & huillet. curioso como este fala de um procedimento da materialização do filme, de seu durante, de sua feitura, quando está ainda por se encontrar seus limites e suas possibilidades. já o de pedro costa parece um filme mais fatalista, mais reflexivo sobre onde o filme (ou o cinema) pode chegar. fala da capacidade de atingir, de uma preocupação com o efeito, uma angústia com as feições dentro de um limite. não mais de possibilidade, mas de estruturação. o documentário de farocki estuda os bastidores tanto da pré-produção, os ensaios, como da própria produção, o processo de filmagem. o de pedro costa estuda a montagem, este procedimento que, em S&H, é tão íntimo. assistir a esses dois filmes um ao lado do outro parece um exercício que até mesmo reitera uma forma de encarar o "fazer um filme" como algo orgânico, como a respiração, como se diz do zodíaco, este pulsar de um movimento que lembra o de sístole e diástole, movimento para fora, movimento para dentro. o que vê as possibilidades e o que as delimita. um filme, uma ação no mundo, a construção de um corpo.
A Mulher de Todos
3.9 69"não existe a liberdade individual sem a liberdade coletiva". a experiência vale mais que a poesia. tudo é à flor da pele, entre a carne e o osso. olhar para o corpo, fazer ver a materialidade do nosso mundo individual.
Bacurau
4.3 2,8K Assista Agorareencontrar todos os dias a força da terra. lutar e viver pela comunidade, enquanto ela ainda é possível. só se sobrevive à violência desse mundo com muita fome, com amor pelos vínculos que criamos, com respeito ao nosso passado, parte de nós, a história oficial e as histórias que contamos hoje, que relembramos antes de irmos dormir. o brasil é poderoso. que a noite nos proteja do sono.
Ossos
3.8 19a imagem da melancolia
Crônica de Anna Magdalena Bach
4.0 11 Assista Agoramúsica à vista
Triste Trópico
3.8 4a inventividade do documentário brasileiro é mesmo sem igual! que final foi esse!!!
Bicho de Sete Cabeças
4.0 1,1K Assista Agoraquando já não há acolhimento no pai, na pátria, na língua... nosso país, nossa loucura, nosso bicho.